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Cinismo pedagógico

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 22 de junho de 2006

O PT está adestrando os brasileiros para que aceitem dele, com docilidade canina, doses faraônicas de tudo aquilo que mesmo em quantidades mínimas os indignava e enfurecia nos governos anteriores.

O cinismo com que os acusados sorriem das denúncias – Mensalão, assassinatos, terrorismo biológico, parceria com narcotraficantes, invasão do Congresso, o diabo – não nasce da cara-de-pau natural. É uma técnica pedagógica, bem conhecida desde Lênin, calculada para quebrar a resistência mental do povo por meio de choques sucessivos, até habituá-lo a uma ética invertida, na qual o crime e a trapaça, desde que praticados por agência ideologicamente aprovada, se tornem fontes de autoridade moral.

Se aplicado uma vez ou duas, o ardil provocaria ódio em vez de submissão. É preciso repeti-lo, em doses crescentes, até que o desespero da razão comece a enxergar na resignação ao absurdo a única esperança de alívio.

Também é preciso que os golpes não atinjam um ponto só, mas, variando a direção do ataque, dêem uma impressão de onipresença sufocante, repentina e devastadora como uma nuvem de gafanhotos. Todos os setores da vida devem ser acossados por um bombardeio simultâneo de novas regras, cada uma delas insensata e ridícula em si mesma, mas terríveis e assustadoras no conjunto e na prepotência súbita com que se impõem. Do dia para a noite, tudo se inverte. Possuir uma fazenda é crime; invadi-la e queimá-la é um direito e um dever. O sistema representativo é opressão; a violência é democracia. Revoltar-se contra os abusos do governo é perseguição macartista; calar a oposição é liberdade. Assassinos e ladrões são vítimas; suas vítimas são criminosas.

Depois de alguns anos desse tratamento, toda resistência começa a ceder. A malícia da operação é tão imensa, a crueldade psicológica que a inspira é tão obviamente diabólica, que até almas bem estruturadas se recusam a acreditar em tamanha perversidade. Então, como crianças aterrorizadas, inventam uma outra realidade, mais amena, e juram para si próprias que estão vivendo dentro dela. E é aí mesmo que se tornam inofensivas e dóceis como planejado.       

           

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Se vocês querem saber quem é Evo Morales, dêem uma olhada no site http://www.univision.com/content/content.jhtml?cid=781409. Espremido pelo jornalista Jorge Ramos com perguntas sobre Cuba, narcotráfico e direitos humanos, o invasor da Petrobrás se atrapalha todo e faz um strip-tease moral entre cômico e obsceno. É a imagem viva da ignomínia comunista diante da qual o nosso presidente se baba de admiração.           

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Não conheço fanáticos mais irracionais do que os adeptos de teorias científicas. Quando discuto com um entusiasta de Newton, de Darwin, de Georg Cantor, de Richard Dawkins, saio até com a impressão de que os comunistas são pessoas razoáveis, dispostas ao diálogo. Nada se compara à fúria sagrada com que, desafiados em suas crenças, os profissionais da razão se dispensam de usá-la e partem para o arremedo provinciano do argumentum auctoritatis.

Em resposta ao meu artigo anterior, meia dúzia de Ph.-Ds. me escreveram, indignados, alegando que se a teoria de Newton fosse absurda não teria sido possível extrair dela tantas aplicações técnicas, incluindo as viagens espaciais. Um título de doutor deve estar custando muito barato, a julgar pelo número de pessoas que logram obtê-lo sem haver sequer aprendido que aplicações técnicas, mesmo espetaculares, não têm jamais o poder de provar teoria alguma. Se é para dar o exemplo das viagens, basta lembrar que todos os cálculos de navegação aérea e marítima ainda são feitos segundo a astronomia de Ptolomeu. Se a eficácia dessa aplicação provasse alguma coisa, Copérnico estaria frito. Toda e qualquer técnica se baseia num recorte postiço da realidade, sem o qual a ação humana teria de estender-se ao infinito. A técnica nada prova exceto a sua própria possibilidade, e mesmo assim dentro de um conjunto de condições rigidamente limitadas.

Nas origens da burrice ocidental

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 15 de junho de 2006

Um dos paradoxos inaugurais dos tempos modernos está na facilidade sonsa com que a parte pensante da Europa aceitou os dois princípios da mecânica newtoniana — a eternidade do movimento e a lei de inércia — sem parar por um instante sequer para notar que eram mutuamente contraditórios.

A física antiga dizia que um corpo, se não movido por outro, tende a ficar parado. Newton contestou isso, afirmando que a força da sua própria inércia mantém cada corpo eternamente no seu estado presente, seja de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme. Só há um problema: se o movimento é eterno, não faz sentido falar em “estado presente” a não ser por referência a um observador vivo dotado do sentido da temporalidade. No movimento eterno, tudo é fluxo e impermanência. Não há “estados” — seja de repouso ou de movimento. “Estado” é apenas uma impressão subjetiva que o observador, ele próprio envolvido no movimento geral, obtém ao medir os movimentos físicos pelo seu tempo interior. A tentativa de montar um universo puramente matemático independente da percepção humana acabava fazendo tudo depender da própria percepção humana. A física materialista fundava-se numa metafísica idealista.

A contradição é tão flagrante, que chega a ser escandaloso que durante tantos séculos quase ninguém a tenha percebido, ou pelo menos assinalado expressamente.

Porém a absurdidade ostensiva continha dentro de si outra ainda pior. Todo movimento é, por definição, uma mudança ocorrida dentro de uma escala de tempo determinada. Se você esticar indefinidamente os limites do tempo, não haverá mais diferença possível entre a mudança e a permanência, entre o acontecer e o não acontecer. “Movimento eterno” é conceito autocontraditório.

Dizem que Newton era o protótipo do gênio distraído, que suas contas tinham de ser corrigidas por assistentes, que uma vez ele foi encontrado na cozinha fervendo um relógio e olhando atentamente para um ovo. Não sei se essas historietas procedem, mas é fato que ele dedicou mais tempo a estudos de ocultismo do que a qualquer coisa que hoje se chamaria de “ciência”. Era um tremendo esquisitão, e pelo visto não se atrapalhava só em detalhes de cálculo e culinária, mas nos próprios fundamentos da sua teoria.

Seus três críticos principais – Leibniz, Goethe e Einstein – sempre falaram respeitosamente dele, mas tenho a impressão de que por dentro riam um bocado do velho. O primeiro observava que reduzir os objetos às suas “qualidades primárias” de medida e movimento, como requerido pela teoria mecânica, resultava em torná-los perfeitamente inexistentes. O segundo tentou mostrar que as qualidades da luz eram correlativas à visão humana; não conseguiu, mas pelo menos deixou claro que um newtoniano só poderia rejeitar sua tese argumentando contra si próprio. O terceiro, ao restringir o alcance dos princípios de Newton a um domínio limitado da realidade, provou o total subjetivismo desses princípios, já que os limites do referido domínio eram os da percepção macroscópica humana.

Os admiradores, em contrapartida, chegaram a prodígios de babaquice na devoção que votavam ao cientista inglês. O poeta Alexander Pope comparava a teoria de Newton a um novo fiat lux bíblico. Voltaire não voava tão alto, mas se contorcia de tal modo para livrar o guru da acusação de ser pai do ateísmo moderno, que deixava no ar a suspeita de que ele tinha sido precisamente isso.

O problema com a física de Newton é que, quando um sujeito aceita uma tese autocontraditória como se fosse uma verdade definitiva, a contradição não percebida se refugia no inconsciente e danifica toda a inteligência lógica do infeliz. Newton não espalhou só o ateísmo pela cultura ocidental: espalhou o vírus de uma burrice formidável. Uma parcela da elite intelectual já se curou, mas a percepção da realidade pelas massas (incluindo a massa universitária de micro-intelectuais) continua doente de newtonismo. A quantidade de tolices que isso explica é tão infinita quanto o universo de Newton.

Os números e o milagre

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 8 de junho de 2006

Desde ontem, ecoam por toda parte os belos discursos contra a invasão da Câmara Federal. Com uma ou outra exceção irrelevante, sua tônica é uniforme: dão a impressão de que essa truculência, como todas as anteriores, foi um susto passageiro, um abuso fortuito incapaz de abalar no mais mínimo que seja a tranqüilizante rotina democrática em que vivemos. Está tudo sob controle: temos um presidente amante da ordem, nossas instituições são estáveis e as Forças Armadas, é claro, estão vigilantes.

Não vou discutir com quem diz que acredita nisso. Peço apenas ao leitor que atente para o aspecto aritmético da questão. Some a militância do PT, do MST e MLST, da CUT, do PCC e das demais facções da esquerda revolucionária (assim denomino as que estão afinadas com a estratégia continental do Foro de São Paulo). São uns quarenta milhões de pessoas. Não incluo aí simpatizantes, burros de presépio e meros eleitores. Conto apenas os militantes, gente doutrinada, adestrada, disciplinada, disposta a tudo. São a quarta parte da população brasileira. Nem me pergunto quantos deles estão armados, prontos para matar. Mesmo que tivessem apenas estilingues, restaria este dado brutal: nunca houve, na história do mundo, uma organização revolucionária dessas dimensões. Muito menos pergunto quanto custou: não consigo somar os lucros do narcotráfico e dos seqüestros, a hemorragia crônica de verbas federais, os dízimos da militância e as contribuições de fundações estrangeiras bilionárias. O total é impensável. Você acha realmente que alguém constrói uma monstruosidade dessas para não fazer nada com ela além de cumprir as leis e ser bom menino? O futuro do Brasil está decidido, de maneira praticamente irreversível, por um fato aritmético de envergadura majestosa e potência avassaladora.

Esses números, aliás, não são uma quantidade informe, distribuída a esmo no espaço. Há entre eles toda uma rede de conexões. Eles formam uma equação bem definida, um mapa, um organograma completo. Sempre que uma das entidades que mencionei acima entra em ação, é em parceria com as outras. O PCC espalha o terror por meio de técnicas que aprendeu com o MST, que as absorveu das Farc, cujos líderes são íntimos da cúpula petista e do sr. presidente da República. O Comando Vermelho, para produzir efeito idêntico no Rio, usou o que aprendeu direto da elite esquerdista que hoje governa o país. Quando um agente das Farc é preso logo depois de declarar que deu dinheiro do narcotráfico ao PT, mais que depressa essa elite se mobiliza para mandá-lo ao exterior. Idêntica iniciativa surge da mesma fonte para libertar os mestres-seqüestradores do MIR chileno que pegaram Abílio Diniz e Washington Olivetto. E, quando o MLST entra na Câmara depredando tudo e esmagando crânios, quem está no seu comando é um membro da Comissão Executiva Nacional do PT. Não há ações isoladas. Distribuídos sob denominações diversas, quarenta milhões de fanáticos estão perfeitamente articulados, solidários, na afinação diabolicamente eficiente de uma orquestra da destruição.

Na época das CPIs, bastava aparecer uma ligação telefônica entre um empreiteiro e algum deputadinho corrupto para o PT sair gritando: “É uma conspiração! É um Estado dentro do Estado!” Diante de indícios imensuravelmente maiores e mais probantes, a nação ainda se recusa a conceber, mesmo de longe, uma hipótese semelhante para explicar o que acontece hoje, embora não haja nenhuma outra explicação plausível, exceto a aposta louca no prodígio das meras coincidências repetidas em série. É que hoje não há um Estado dentro do Estado. Há um Estado acima do Estado, impondo o caos e chamando-o de “ordem”. Nessas circunstâncias, parece sensato abolir a aritmética, a álgebra, a razão inteira, e apegar-se à esperança de um milagre. Mas o único santo milagreiro à disposição é São Lulinha, e o único milagre que ele sabe fazer é precisamente o que já está fazendo.

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