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Abolindo a Inquisição

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 1o de junho de 2006

Leio no site do PT um protesto furibundo contra a colunista Mônica Bérgamo, pelo pecado abominável de ter divulgado o livro do coronel Brilhante Ustra, A Verdade Sufocada. A História que a Esquerda não Quer que o Brasil Conheça (Brasília, Editora Ser, 2006).

O oficial, afirma o partido, é um torturador, um malvado. A um tipo como esse não se deve conceder atenção, muito menos a honra — suponhamos que o seja — de um comentário na Folha.

A acusação é velha como o próprio PT. Já foi alardeada em jornais, revistas, livros, filmes, programas de TV, congressos, cursos universitários. O custo da sua difusão é incalculável. Jamais poderia ser coberto sem a ajuda de múltiplos patrocínios, incluindo verbas de fundações estrangeiras e impostos arrancados ao contribuinte brasileiro.

Quanto à defesa, foi publicada primeiro numa edição doméstica paga pelo autor com o leite das crianças. O título era Rompendo o Silêncio mas não rompeu silêncio nenhum, porque nem chegou às livrarias. Circulou de mão em mão, às escondidas, como um panfleto subversivo. Sai agora em versão mais completa, com tratamento editorial decente, o que não contrabalança a desproporção de forças mas dá ao acusado, pela primeira vez, alguma chance de ser ouvido fora do círculo de seus familiares e amigos. É contra esse perigo horripilante que o PT adverte. Já é um abuso intolerável, na sua opinião, o suspeito de tortura ousar se defender. Divulgar a defesa, expondo o público à tentação de lê-la, é crime hediondo. Confirmando o subtítulo do livro, o PT não quer mesmo que ninguém ouça a versão do acusado.

Os leitores talvez não percebam à primeira vista o profundo significado histórico do protesto petista. Para apreendê-lo é preciso recuar muitos séculos na perspectiva dos tempos. A Santa Inquisição, que a cultura pop do esquerdismo consagrou como o símbolo máximo da prepotência repressora, chamava-se “inquisição” precisamente porque inquiria, isto é, fazia perguntas e deixava o acusado responder. O termo “inquisitório” opunha-se a “acusatório”. No costume processual dos séculos bárbaros, a acusação reforçada por um juramento e, se preciso, sustentada em duelo, bastava como garantia legal para enviar o réu para o outro mundo. A Inquisição proibiu o método acusatório, fazendo do direito de defesa uma conditiosine qua non para a racionalidade da prova. Muito aperfeiçoado, esse princípio acabou por ultrapassar as fronteiras do domínio jurídico estrito, impondo-se como regra básica em todas as discussões de culpa e inocência. De um só golpe, o veredito do PT abole séculos de evolução jurídica, moral e cultural, proclamando a necessidade imperiosa de calar a boca do réu. Cancelada a Inquisição, fica instaurada a supremacia absoluta da acusação, cuja veracidade se torna indiscutível mediante a proibição de discuti-la. Mas não se trata de um retorno à lei feudal. O princípio petista é novo, é original, é inédito, porque dispensa o juramento solene e o ordálio de sangue. Nenhuma suposta vítima do coronel Ustra precisará oferecer a própria vida como garantia de que foi torturada pelo acusado. A validade do seu depoimento será atestada pelo contracheque da indenização federal, recebida também sem necessidade de outra prova além da declaração do interessado. Entre a justiça petista e a dos cavaleiros medievais a diferença não poderia ser maior: estes avalizavam seu discurso de acusação com a própria honra e o próprio sangue; aquela, com o dinheiro dos outros e a desonra geral.

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Mark Steyn, no Jerusalem Post de 28 de maio, recorda: “Quatro anos atrás, The Economist publicou uma reportagem de capa sobre o vencedor das eleições presidenciais brasileiras, o líder socialista Luiz Inácio Lula da Silva. Era um acontecimento de grande importância hemisférica. Daí a manchete: ‘O significado de Lula’. Na semana seguinte, um leitor, Asif Niazi, escreveu ao editor da revista: ‘Caro senhor, o significado de Lula, em língua urdu, é pênis.”

Nomen est omen, “o nome é um presságio”, diziam os romanos.

Notícias esotéricas

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 25 de maio de 2006

Os órgãos brasileiros de mídia são notavelmente uniformes não só no que publicam, mas também no que omitem. Se você quer saber algo sobre as passeatas anti-Lula do último dia 23, que em São Paulo reuniram dezenas de milhares de participantes, trate de vasculhar a internet, por exemplo o site http://www.agenciaeletronica.net/aenova/destaque_foto.cfm?cod=39. Nem uma única palavra a respeito foi dita, nem uma fotografia foi mostrada nos jornais e noticiários de TV, embora essas passeatas, sendo após quarenta anos a primeira manifestação de massas não promovida por organizações de esquerda, constituíssem acontecimento histórico de importância excepcional.

Quando protesta contra as tentativas governamentais de controlá-la, a mídia nacional não o faz por amor à liberdade, mas por ciúme. Julgando-se, no fundo, uma peça integrante da hierarquia estatal, ela não pode aceitar que outro setor da burocracia dispute o seu monopólio do poder de censura. Quem, afinal, decidiu que os jornais brasileiros jamais noticiariam as matanças de cristãos na China e no Vietnã? Foi o governo? Não. Foram os próprios jornalistas brasileiros, que podem às vezes se irritar com este ou aquele político de esquerda, mas, no geral, permanecem fiéis à solidariedade internacional do movimento comunista que os educou e determinou sua forma mentis. Quem foi que proibiu qualquer menção às torturas e assassinatos de presos políticos na Guantanamo cubana, para dar verossimilhança à impressão de que o vizinho hotel de cinco estrelas construído pelos EUA para abrigar terroristas é uma câmara de horrores? Quem omite assepticamente qualquer informação sobre o governo mundial em acelerado processo de formação na ONU e seu apoio bilionário às organizações subversivas, mantendo assim a opinião pública na crença idiota de que o perigo de morte para as soberanias nacionais provém do bom e velho “imperialismo americano”? Quem proíbe qualquer notícia sobre o Foro de São Paulo e a articulação sistêmica dos partidos de esquerda com gangues de narcotraficantes e seqüestradores, sustentando a ilusão geral de que a ascensão da criminalidade no Brasil é fruto espontâneo da “miséria”, da “exploração capitalista” e até do “racismo policial”?

Quem recorta e deforma a esse ponto a realidade, mantendo a população brasileira anestesiada, estupidificada, enclausurada numa redoma de erros e fantasias, não é o governo, não é a Polícia Federal, não é o PT. É o próprio esquerdismo atávico da classe jornalística, que prefere antes furar os próprios olhos, num ritual macabro de auto-sacrifício masoquista, do que enxergar o cenário de tragédia que sua cumplicidade acomodada e covarde está ajudando o neocomunismo a construir na América Latina. Tão profunda e arraigada é sua devoção à fé esquerdista, que, ao perceber algum burocrata tentando controlá-la de fora, ela se sente humilhada e insultada como a esposa fiel que vê o marido ciumento instalar grampos de telefone para precaver-se contra amantes imaginários.

É claro que, de vez em quando, verdades indesejadas furam o bloqueio. Isso só acontece quando são alardeadas primeiro no Parlamento, tornando-se impossíveis de esconder por completo. E, também é claro, só explodem no Parlamento as más notícias que podem ser reaproveitadas como elementos de uma crítica esquerdista ao petismo triunfante ou neutralizadas como denúncias puramente moralísticas, expurgadas de toda substância ideológica. Questionar, no conjunto, a suprema autoridade moral do esquerdismo uspiano (ou tucanopetista) que nos domina há duas décadas, ah, isso não. É preciso, a todo preço, manter o debate político dentro dos limites do “centalismo democrático”, só cedendo o microfone às vozes previamente autorizadas e dando a impressão de que as demais não existem. Se para isso é preciso tornar a realidade inteira um segredo esotérico, só acessível entre cochichos, tanto melhor. Lênin e Hitler já haviam descoberto que a mentira integral é mais fácil de impor do que mentirinhas parciais. 

Os autores do espetáculo

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 18 de maio de 2006

Não tenho razões para gostar do sr. Cláudio Lembo. No dia em que lhe fui apresentado – um encontro a que compareci na esperança vã de obter seu apoio para projetos culturais que teriam podido, talvez, desviar um pouco o Brasil do rumo de uma tragédia anunciada –, ele aproveitou a ocasião para fazer bonito ante uns esquerdinhas presentes, rotulando-me ultradireitista e recomendando-me a leitura da Bíblia para aplacar meus maus instintos políticos. Nada respondi. Limitei-me a tirar do bolso o velho exemplar do Novo Testamento e dos Salmos que me acompanha há anos, para mostrar que não tinha lições de religião a receber de um deplorável puxa-saco de seus próprios detratores.

No entanto, não posso assistir calado ao esforço geral da mídia para lançar sobre ele a culpa integral da desgraça ocorrida em São Paulo. Não se trata apenas de injustiça. É uma operação diversionista, calculada para ocultar da opinião pública os verdadeiros agentes causadores do episódio, cujas identidades, sem isso, saltariam aos olhos de todos, por ser demasiado óbvias. Para enxergá-las, basta juntar os fatos:

1º. Os bandidos rebelados confessaram ter recebido ajuda e treinamento do MST, entidade estreitamente associada à camarilha petista dominante e que por sua vez recebeu as mesmas coisas de outra organização amiga do governo, a narcoguerrilha colombiana.

2º. O presidente da República é pessoalmente responsável pela presença, nas ruas, dos doze mil delinqüentes que espalharam o terror e a morte entre a população paulista. Não tem sentido acusar o governo estadual de estar despreparado para a situação e ao mesmo tempo inocentar o governo federal que a gerou. Ao soltar os bandidos, sabendo que mantinham contato telefônico com seus chefes presos e que estavam preparados para ações terroristas de grande porte, a Presidência da República petista ateou fogo num Estado da Federação e ainda se aproveita das chamas para queimar nelas a reputação de um miúdo adversário local.

3º. É absolutamente inconcebível que uma operação de guerra de proporções colossais, envolvendo três entidades subversivas da importância do PCC, do MST e das Farc, fosse preparada sem que alguma notícia a respeito chegasse à coordenação estratégica da esquerda continental, o Foro de São Paulo, cujo fundador e presidente crônico, em licença temporária, é mais conhecido hoje em dia como presidente do Brasil mas jamais cessou de trabalhar por essa organização.

Como a única ocupação da mídia chique deste país, há quinze anos, tem sido ocultar ou minimizar a realidade para manter o povo sob o controle da gangue esquerdista a despeito de todas as intrigas internas que a dividem, a missão foi cumprida mais uma vez. Mas agora a realidade é grande e sangrenta demais para desaparecer por artes mágicas de copy-desk. Um ataque assassino de características nitidamente insurrecionais foi desencadeado com a cumplicidade direta ou indireta da Presidência da República, se não sob a sua orientação. Não há, no fundo, quem não saiba disso. Mesmo o cérebro de uma população entorpecida por décadas de “revolução cultural” não consegue cegar-se de todo para tamanha obviedade.

Isso não quer dizer, é claro, que o conhecimento público dos fatos trará algum dano a seus autores. Num país civilizado, qualquer ligação mesmo remota de um presidente da República com os autores daquela barbaridade implicaria sua imediata remoção do cargo e sua responsabilização penal. Mas o Brasil já foi domado e adestrado para responder com sorrisos de adulação a todos os insultos e agressões que venham de fonte ideologicamente aprovada. O país vai curvar-se, com servilismo boçal, a mais esta imposição cínica das elites iluminadas que o guiam infalivelmente para o abismo.

Quanto ao sr. Lembo, está sendo feito de bode expiatório porque tem a sonsice e até o physique de rôle apropriados para isso. Não entende o que se passa, nem sabe a quem serve com o grotesco espetáculo da sua impotência. É um bobo, mas não é culpado senão disso.

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