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Uma glória da educação nacional

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 3 de maio de 2007

Nada debilita mais a inteligência racional do que a ostentação de racionalismo. Erigida em símbolo de autoridade, a razão perde toda eficácia cognitiva e se torna um mero fetiche hipnótico. O opinador ignorante, infectado de progressismo “científico” e decidido a não ler, ouvir ou compreender nada que possa abalar as suas crenças, é, na escala humana, a encarnação mais perfeita da invencibilidade absoluta. Nada pode demovê-lo da convicção de que seu apego fanático a chavões iluministas faz dele a personificação triunfante do conhecimento e das luzes, um herói libertador em luta contra o obscurantismo fundamentalista.

Nas presentes condições da sociedade brasileira, esse personagem caricato tende a tornar-se o tipo dominante na cultura, no ensino e nos meios de comunicação.

Exemplo nítido é o autor deste parágrafo da apostila de História do Colégio Pentágono/COC, instituição de ensino particular de São Paulo:

A escravidão no Brasil [era] justificada pela condição de inferioridade do negro, colocado como animal, pois era ‘desprovido de alma’. A Igreja… legitimou tal sandice.

Não vou nem perguntar onde o distinto obteve a idéia de que segundo a Igreja os negros não tinham alma. É uma lenda urbana de origem setecentista, que de tempos em tempos ressurge nos meios iletrados junto com aquelas histórias sinistras de fetos inumeráveis, produtos da incontida lubricidade eclesiástica, enterrados nos porões dos claustros. O crédito que nenhum historiador jamais deu a essas tolices lhes é sempre abundantemente concedido por algum botequineiro anarquista ou por estudantes de ginásio empenhados em tornar-se Voltaire quando crescerem, se crescerem.

Jean Sévillia, no indispensável Historiquement Correct (Paris, Perrin, 2003), assinala que hoje em dia há duas Histórias, separadas por um abismo de incompatibilidades: a dos estudiosos acadêmicos e a do cidadão comum, inventada pela mídia e pelo sistema de ensino.

O fenômeno é universal. A diferença nacional específica é que no mundo civilizado a ciência dos historiadores ainda tem alguma autoridade para reprovar a do pedagogo iluminado, ao passo que no Brasil esta última está sob a proteção da lei. Tão logo o parágrafo acima foi denunciado como calúnia imbecilizante pelo site www.escolasempartido.org, um juiz sentenciou que o nome da instituição responsável pelo seu uso no ensino secundário fosse apagado da matéria.

Imunizado à crítica histórica, o colégio poderá assim continuar transmitindo a seus estudantes a “educação transformadora” que alardeia, sem ter de explicar em que, afinal, ela os há de transformar. Em empresários é que não, ao menos se depender do autor da apostila, que assim descreve o cotidiano de um membro típico dessa classe abominável, na qual se incluem aliás os proprietários da entidade e os pais de uma boa parcela de seus alunos: “…vendeu, ganhou, lucrou, lesou, explorou, burlou, convocou, elogiou, bolinou, estimulou, beijou, convidou, despiu-se, deitou-se, mexeu, gemeu, fungou, babou, antecipou, frustrou, saiu, chegou, beijou, negou…

O esquerdismo veio para ficar

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 26 de abril de 2007

A absolvição de Lula e de seus colaboradores pelo Tribunal Superior Eleitoral no caso do dossiê antitucano confirma, novamente, aquilo que já venho dizendo desde antes mesmo da eleição presidencial (e não me refiro à de 2006, mas à de 2002): o PT não veio para ocupar o governo temporariamente, dentro do rodízio democrático normal. Veio para criar um novo Estado, forjado na medida-padrão da sua vontade de poder.

Aqueles que esperam usar as instituições existentes como freio às ambições petistas são sonhadores semidefuntos que já estão na lata de lixo da História e apenas não são inteligentes nem corajosos o bastante para reconhecer sua situação.

As instituições não são nada. O poder esquerdista é tudo.

O esquema que nos governa não será derrubado por meio judicial; não será derrubado por via eleitoral; não será derrubado por golpe militar ou parlamentar; não será derrubado por pressão estrangeira; e não passará sozinho, como um sonho mau, por decurso de prazo.

O PT só deixará o poder quando sentir que a situação está madura para transmiti-lo diretamente às organizações revolucionárias de massa que até agora consentiram em lhe servir de retaguarda paciente e dócil, aguardando a transmutação chavista prometida e, a rigor, inevitável. Esse momento chegará quando aquelas organizações estiverem fortes o bastante para dominar fisicamente o território, com a ajuda de bandos de narcotraficantes associados à guerrilha colombiana (e, por tabela, ao Foro de São Paulo). Elas já provaram ter o monopólio dos protestos de rua, o domínio quase completo do tráfego rodoviário e a capacidade de paralisar cidades inteiras. Faltava o controle do tráfego aéreo, que está sendo providenciado.

O governo petista tem plena consciência de ser uma etapa de transição para a revolução socialista. Sua duplicidade de línguas, sua incoerência alucinante, suas idas e vindas entre o intervencionismo ousado e a omissão abúlica – tudo isso reflete apenas a índole essencialmente ambígua e mutante da sua função histórica.

O PT só deixará o poder quando puder repassá-lo a algo de incomparavelmente pior.

A única força que poderia, em princípio, deter esse processo é a resistência espontânea do povo brasileiro às mudanças rebuscadas e antinaturais que a elite iluminada pretende lhe impor. O povo é conservador e cristão, não gosta de desarmanento civil, abortismo, gayzismo, neo-racismo, feminismo enragé , proibições politicamente corretas e demais frescuras nas quais o típíco pseudo-intelectual ativista imagina ver o suprassumo do progresso e da civilização. O apego desse povo a seus valores de sempre é uma energia tremenda, mas dispersa e marginalizada. Não tem canais de expressão política nem um lugar de respeito na cultura dita superior. Reunir essa energia, dar-lhe consciência de si e transformá-la em ação político-social organizada é trabalho para muitas décadas, que ainda nem começou e que dia a dia se torna mais difícil de começar, graças à traição de um clero vendido ao esquerdismo e dos “direitistas” ansiosos para parecer cada vez mais politicamente corretos.

Lógica de abortista

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de abril de 2007

“Nem a ciência nem a religião, afirma o editorial da Folha de S. Paulo do dia 15, podem dar uma resposta satisfatória e universal sobre quando começa a vida — se na concepção, ao longo do desenvolvimento fetal ou no nascimento.” A premissa está mal formulada, mas, supondo-se que seja verdadeira em essência, a conclusão que dela decorre para qualquer inteligência normal é a seguinte: Como ignoramos se o feto é um ser humano dotado de vida própria ou apenas uma peça do corpo da mãe, também não sabemos se retalhá-lo em pedaços é homicídio ou não; mas sabemos com certeza absoluta que, no presente estado de empate entre as duas possibilidades, todo aborto é uma aposta cega na inocência de um ato que tem cinqüenta por cento de chance de ser um homicídio. A própria existência da dúvida impõe, como dever moral incontornável, abster-se desse ato até que a dúvida seja dirimida, se é que algum dia o será.

Mas a conclusão da Folha é simetricamente inversa: “A única alternativa é deixar que o direito estabeleça o ponto, que será necessariamente arbitrário.” Ou seja: se ignoramos se o feto é gente ou não é, o legislador pode fazer com ele o que bem entenda. Correr ou não o risco de matar um possível ser humano é apenas uma questão de gosto.

É claro que o editorialista não tem a menor consciência da imoralidade do que escreveu. Para uma mente sã, qualquer conduta baseada numa dúvida é dúbia em si mesma; e ninguém tem direito à ação dúbia quando ela põe em risco uma possível vida humana. Mas seria demasiado exigir que cérebros formados num ambiente de artificialismo sufocante compreendessem uma coisa tão simples. Nada destrói mais completamente a intuição moral elementar do que o pedantismo “intelequituau” (para usar o termo do Reinaldo Azevedo) que é o estilo mental inconfundível daquele diário paulista.

Tentando adornar a enormidade com uma afetação de bons sentimentos, o jornal diz que sua preocupação é com as pobres mães que se sujeitam aos riscos do aborto ilegal. E explica: “Segundo a metodologia desenvolvida pelo Instituto Alan Guttmacher, centro de pesquisa de saúde reprodutiva e políticas públicas dos EUA, realizaram-se no Brasil 1,1 milhão de abortos clandestinos em 2005.”

Impressionante, não é mesmo? Só que Alan Gutmacher – isto a Folha não informa — foi presidente da Planned Parenthood (PP). Seu instituto não é senão uma organização de fachada dessa entidade que comanda uma enorme rede de clínicas de aborto. Não é uma pura entidade científica. É parte interessada. Segundo: O médico Bernard Nathanson, um dos líderes do movimento abortista americano na década de 70, diz que a PP “é a organização mais perigosa dos Estados Unidos”. É o depoimento de um cúmplice arrependido: com a ajuda dele próprio, as organizações abortistas americanas falsificaram as estatísticas de abortos clandestinos, de menos de cem mil para mais de um milhão por ano, para forçar a legalização. Essa é a “metodologia” em que a Folha se apóia para enfeitar o absurdo com a falsidade. Diga-me em quem um jornal confia, e eu lhe direi se ele próprio é confiável.

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