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Notinhas pérfidas

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 15 de outubro

Circula em sites da internet a notícia de que parte do dinheiro para a compra do dossiê antitucano veio da conta da Lurian, a filha de Lula. Bem que o candidato petista, desafiado no debate de domingo passado a explicar como podia ignorar tantos crimes praticados por cinco de seus ministros, respondeu que nem todo pai de família sabe o que os filhos andam aprontando. Vocês podem explicar isso pela escassez presidencial de metáforas ou como ato falho freudiano. A mim pouco importa. Depois que o sujeito conseguiu que ninguém ligasse a mínima para seus doze anos de conspiração com os narcotraficantes das Farc e os seqüestradores do MIR chileno, ele já nem precisa inventar desculpas para mais nada. Abençoado com indulgência plenária pela Santa Madre Mídia, da qual ainda se dá o luxo de reclamar, ele é mesmo o homem sem pecado que não precisa pedir humildemente a absolvição antes de receber a ceia do Senhor. Vai logo entrando, mete os pés em cima da mesa e berra: “Como é, Marisa? Essa hóstia vem ou não vem?”

Confesso que, se o personagem não existisse, eu não conseguiria inventá-lo. Meu consolo é que Molière e Shakespeare também não. Comparados a ele, Tartufo e Iago são doentes de sincerismo compulsivo.

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Também pela internet alguém me envia a pergunta fatídica: “Como é possível Lula saber tanto do governo FHC e tão pouco do seu próprio?”

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Frei Betto, articulista da Carta Capetal – ou CaPTal –, insiste em ser o bilinguis maledictus de que fala a Bíblia: o homem de duas línguas. Podia ganhar um dinheirão exibindo-as naqueles circos rolantes do interior, ao lado da mulher-vampiro, do carneiro de seis patas e do anãozinho traveco. Talvez por indiferença ascética à cobiça material, insiste em desperdiçá-las em propaganda lulista. Agora mesmo ele publicou uma “Carta Aberta aos Eleitores Cristãos” no Brasil e uma entrevista no site comunista Rebelión, da Venezuela, elogiando dois Lulas tão diferentes entre si que ninguém diria serem a mesma pessoa. Descrito em português, para o público votante, o candidato petista é um administrador sensato, cristão e patriota. Em espanhol, diante de seus companheiros do Foro de São Paulo, é um comunista fiel a serviço da subversão continental, que, se eleito, “facilitará las cosas para la Cuba de Fidel, la Bolivia de Evo y la Venezuela de Hugo”. Quem disse que o ex-assessor presidencial para assuntos metafísicos é mentiroso em tudo? Uma de suas duas línguas existe justamente para dizer a verdade. Lá longe, onde nenhum brasileiro possa ouvi-la. Confiram em  http://www.rebelion.org/noticia.php?id=38909.

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No Bush country, os índios informaram a Hugo Chávez que pode enfiar naquele lugar o petróleo a baixo preço que ele demagogicamente lhes oferecia. Índio aqui tem a bandeira americana na porta de casa.

Enquanto isso, nos postos do país inteiro, a gasolina baixou de três para dois dólares o galão. Estão vendo só o temível poder do petróleo venezuelano? Os americanos perdem noites de sono, discutindo se darão cabo de Hugo Chávez com uma cuspida ou um pum.

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A recepção espetacular dada pelos venezuelanos ao ídolo antichavista Manuel Rosales – uma das maiores passeatas  que Caracas já viu – foi solenemente ignorada pela mídia nacional, aquela que o Lula chama de burguesa e direitista. Vejam as fotos em http://www.gentiuno.com/articulo.asp?articulo=4837 e http://vcrisis.com/index.php?content=letters/200610081356. Também não foi noticiada no Brasil a manifestação anticomunista realizada na porta da OEA, em Washington, quinta-feira passada.

Baita democracia

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 1o de outubro de 2006

Pelos frutos os conhecereis, mas não adianta ver os frutos sem saber de qual planta e raiz brotaram. Com exceções minguadíssimas e irrelevantes, a classe política atual é constituída de três grupos sociais bem nítidos:

1. Os componentes da oposição de esquerda ao regime militar, todos ligados a organizações comunistas como o PCB, o PC do B, a AP, a Pol-Op etc. São a casta superior da política nacional. Têm o prestígio da antigüidade, da luta contra a ditadura e dos sofrimentos inenarráveis que, embora não incluam uma só ferida sangrenta ou um só membro quebrado, lhes rendem indenizações rechonchudas às quais os milhares de aleijados e mutilados das prisões cubanas, que eles ajudaram a prender e torturar, não ousariam aspirar nem em sonhos.

2. A segunda geração de militantes comunistas e pró-comunistas, que não participou diretamente da luta contra a ditadura mas se formou sob a influência direta e abrangente do grupo 1.

3. Arrivistas variados, sem cor ideológica definida, provenientes de organizações religiosas ou de interesses regionais, que, gostando ou não gostando dos grupos 1 e 2, acabam se adaptando à sua linguagem e aos seus valores, seja por oportunismo, seja por absoluto desconhecimento de outras alternativas mentais possíveis.

Se você sabe o que é conservadorismo – aquela política que se constitui da síntese inseparável de economia de livre mercado, democracia parlamentar, lei e ordem, moral judaico-cristã e predomínio da cultura clássica na educação -, sabe também que não há um só conservador nos grupos 1, 2 ou 3. O leque das opções disponíveis resume-se ao esquerdismo e à inocuidade acomodada. Escolha e vote. É a democracia brasileira em ação. Segundo o senhor Geraldo Alckmin, cuja fidelidade admirável à segunda opção lhe valeu o apelido de Chuchu, isso sim é que é democracia. Baita democracia. Não aquela farsa americana, onde os eleitores têm de escolher entre radical right, paleoconservatives, neoconservatives, libertarians, left-liberals (esquerda moderada) e radical left – um tédio.

Para piorar – o senhor Alckmin não disse, mas digo-o eu -, os políticos americanos têm a mania de registrar suas propostas em livros antes de apregoá-las de cima dos palanques eleitorais. Seus adeptos seguem o exemplo, e seus adversários lhes respondem com outros livros. E os livros, droga!, têm de ser muito bem escritos, senão a mídia ranheta não lhes presta a mínima atenção. A cada novo pleito, é uma biblioteca inteira de opiniões, de críticas, de análises, de depoimentos, de projetos que aparece na praça. A produção intelectual de uma só eleição americana supera de longe, em volume e qualidade, tudo o que se escreveu sobre política no Brasil ao longo de aproximadamente meio século. Assim não dá, gente. O senhor Alckmin precisa ir lá dar um jeito nisso.

Aqui, os únicos três livros interessantes para a orientação do eleitor neste pleito não foram escritos por candidatos. Já celebrei, de passagem, as memórias do senhor Ricardo Kotscho, onde ele explica como é possível estar sempre por dentro de tudo sem nunca ficar sabendo de nada. Assinalo também Nervos de Aço, o depoimento do herói-bufão Roberto Jefferson, em caprichada edição da Topbooks, narrativa animada de como ele foi parar no melhor lugar da política brasileira, que é fora dela. E, é claro, O Chefe, de Ivo Patarra, meticulosa reconstituição de 403 dias de roubalheira petista, que editora nenhuma quis publicar mas pode ser descarregado do site http://www.escandalodomensalao.com.br/. O problema é que nenhum dos três ajuda a escolher candidato. Ajuda é a desistir de votar.

Sutilezas da política americana

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 17 de setembro de 2006

Para vocês começarem a entender um pouquinho da política americana, nada melhor do que analisar o noticiário brasileiro sobre o conflito do presidente Bush com seu ex-secretário Colin Powell, confrontando-o com um detalhe sutil publicado por uma parte ao menos da mídia nos EUA, mas omitido totalmente na do Brasil.

O que vocês vão ler por aí é que o general Powell é lindo-maravilhoso porque, sendo um republicano e conservador, teve a coragem de se erguer, por motivos morais e humanitários, contra a proposta presidencial de ocultar dos acusados de terrorismo as provas consideradas material secreto (“classified evidence”). “O mundo, disse Powell, está começando a duvidar das bases morais do nosso combate ao terrorismo.”

Desde logo, a posição de Powell é que é moralmente insustentável. “O mundo”, isto é, o falatório geral, já era classificado pela Bíblia como um dos inimigos da alma, e nenhuma concessão a ele pode ter sentido moral mais elevado que a de um afago demagógico na vaidade dos tagarelas enragés, principalmente quando se sabe que não há entre eles um só amigo dos EUA.

Em segundo lugar, que notável moralidade pode haver na exigência de entregar segredos militares ao inimigo em época de guerra? Powell e tutti quanti sabem perfeitamente que tratar terroristas estrangeiros como se fossem cidadãos nacionais no pleno gozo de seus direitos é um suicídio político e militar a que país nenhum do mundo (muito menos alguma ditadura islâmica) jamais se submeteria.

Mas a dura realidade é que Powell, posando de guardião da moral e prevalecendo-se de um resto de prestígio de servidor leal do governo, tem agido de maneira imoral e desleal para com o presidente desde muito antes da discussão atual.

Vocês devem se lembrar de Valerie Plame, a agente secreta cuja identidade foi revelada à imprensa por alguém do governo. Forçando o caso até à demência, pois Valerie não estava de serviço no exterior e portanto a divulgação do seu nome não constituía crime, a mídia chique armou um fuzuê dos diabos, acusando o assessor presidencial Karl Rove e o vice-presidente Dick Cheney, atribuindo-lhes toda sorte de motivos ignóbeis para o vazamento proposital de informação classificada e chegando a estimular, no Congresso, um movimento de impeachment do presidente Bush por “alta traição”.

Por fim, os próprios acusadores acabaram descobrindo que o culpado pela revelação não tinha sido ninguém do primeiro escalão mas um simples funcionário de carreira, Richard Armitage, tão íntimo da equipe presidencial quanto eu do ministério Lula. Até o Washington Post, radicalmente antibushista, acabou confessando que dar crédito às acusações contra Cheney, Rove e Bush no caso Plame tinha sido “um erro lamentável”.

Pois bem, o detalhe a que me referi acima é que desde o começo da história o general Powell sabia quem era o verdadeiro culpado e não disse uma palavra a respeito, deixando que a mentira crescesse, criasse uma crise política e ameaçasse deixar o país sem comando em plena época de guerra. Sua conduta no episódio foi francamente imoral, não sei até que ponto ilegal também. Mas pior do que a conduta é a lógica subentendida nela: o homem capaz de deixar que um ridículo vazamento de informação secundária passe como crime de alta traição, que autoridade tem para proclamar que a mais alta moralidade consiste na obrigação de passar informações secretas ao inimigo em guerra?

Para mim está claro que o general Powell tem menos afeição pela hierarquia de comando ou pela hierarquia de valores do que por qualquer oportunidade, mesquinha e impatriótica o quanto seja, de brilhar perante a mídia anti-americana às custas da imagem do presidente e da própria honra nacional dos EUA.

O contraste entre sua atitude no caso Plame e na presente discussão é tão flagrante e tão repulsivo, que só a mania presidencial de preferir antes o prejuízo político do que o escândalo pode explicar que o governo ainda finja enxergar nele um sujeito respeitável.

Se há um defeito óbvio no governo Bush é a delicadeza mórbida, masoquista, com que trata seus inimigos políticos e midiáticos, enquanto estes são de uma crueldade mental a toda prova no que dizem e fazem contra ele. Suprimido esse defeito, logo se tornaria claro que quase todos os outros não passam de efusões retóricas nascidas dessa mesma crueldade. Nos EUA, muita gente já percebeu isso. No Brasil, ninguém.

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