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Fingindo loucamente

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de junho de 2011

Mesmo sem contar os eventos paralelos que a acompanharam em dezenas ou centenas de cidades menores, a Marcha para Jesus 2011, em São Paulo, foi de longe a maior manifestação de massas já registrada ao longo de toda a História nacional, pondo no chinelo a “Diretas Já”, os protestos estudantis do tempo da ditadura e tudo o mais que a mídia chique enaltece e badala como expressão histórica e paradigmática da vontade popular. Com a diferença adicional de que foi preparada sem nenhuma ajuda de jornais, canais de TV, partidos políticos, fundações bilionárias e outras entidades que injetaram toneladas de hormônio publicitário naquelas efusões de esquerdismo cívico.

Com toda a evidência, a elite opinante tem seu próprio “povo brasileiro”, moldado à sua imagem e conveniência, que não coincide em nada com aquele que vemos nas ruas, nas praças, nas igrejas e nas casas.

Se fosse preciso mais uma prova do abismo que separa o Brasil real do Brasil politicamente correto dos bem-pensantes, a Marcha demonstrou que esse abismo não foi cavado só pela ignorância e incompetência dos chamados “formadores de opinião”, mas pelo ódio mortal e intolerante que votam a tudo quanto o povo ama, respeita e venera.

O Brasil oficial de hoje é, de alto a baixo, criação de um grupo de professores ativistas uspianos, semicultos e presunçosos, que se acreditavam o cume da inteligência humana e o tribunal de última instância para o julgamento de tudo. Num horizonte mental circunscrito pelas “ciências sociais” com viés entre marxista e positivista, não se ouvia nesse tribunal nem a voz dos clássicos da religião e da espiritualidade, nem a da alma popular brasileira, ali substituída pelo estereótipo prêt-à-porter da militância sindical.

Os profissionais que hoje dominam as redações tiveram sua mentalidade formada por essa gente, não sendo de espantar que ainda tomem os mitos esquerdistas dos anos 60-70 como medida máxima de aferição da realidade, nem que, por isso mesmo, se sintam atônitos e enraivecidos quando um Brasil cuja existência negavam faz ouvir o seu protesto contra aquilo que tomavam como valores certos, definitivos e universalmente aprovados.

Nem espanta que, sem saber o que dizer, apelem aos artifícios verbais mais bobos para salvar o que podem de uma fantasia autolisonjeira impiedosamente despedaçada pelos fatos. Num paroxismo de fingimento, o Sr. Gilberto Dimenstein, por exemplo, nega a realidade do protesto multitudinário, jurando, contra os números, que a cidade de São Paulo é ainda “mais gay do que evangélica”. Prova? A Parada Gay, diz ele, é alegre e festiva, enquanto o protesto evangélico é “raivoso”. O argumento é doido em si, já que o tom emocional das manifestações não constitui medida de aferição de sua respectiva popularidade ou impopularidade. Se assim fosse, as “Diretas Já”, espumando de indignação cívica, teriam sido menos populares que qualquer festinha de aniversário. Mas o julgamento ético aí subentendido é de um cinismo pérfido, ao insinuar que a índole lúdico-carnavalesca das paradas gays é prova de superioridade moral e o protesto indignado dos evangélicos um indício de maus instintos. De um lado, é claro que julgamento similar jamais ocorreu ou ocorreria a Dimenstein ante explosões de ódio esquerdista ao capitalismo, à religião, a George W. Bush ou ao que quer que fosse. De outro, é preciso ter galgado os últimos degraus da hipocrisia para olhar só a expressão material dos sentimentos sem ter em conta os motivos que os geraram. Afinal, gays em parada saltitam pela cidade, cobertos de batom e rouge, vestidos de freiras ou trajes de sex shop, celebrando os favores estatais concedidos à sua modalidade especial de satisfação sexual. Quem não estouraria de felicidade triunfante ao ver seus caprichos eróticos elevados à condição de méritos oficiais? Bem diversa é a motivação dos evangélicos, que saíram às ruas para precaver-se contra autoridades insanas que ameaçam levá-los à cadeia por delito de opinião. Deveriam fazê-lo em tom de festa, para não posar de malvados na coluna de Gilberto Dimenstein? Ele finge imaginar que sim. Mas quem acredita em Gilberto Dimenstein? Nem ele mesmo, é claro.

Publicado com o título “Renegando a real vontade popular”

Todo o poder aos ladrões

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, maio/junho de 2009

No tempo dos militares, centenas de políticos passaram pela Comissão Geral de Investigações (CGI) e tiveram suas carreiras encerradas com desonra, por delitos de corrupção. Ao mesmo tempo, dos generais e coronéis que ocuparam altos postos na República, nenhum saiu milionário. O patrimônio que lhes sobrou é o que teriam adquirido normalmente com seus soldos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate à corrupção deixou de ser um empreendimento discreto, levado a cabo por investigadores profissionais: tornou-se ocupação da mídia. Nos momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, deputados e senadores confessavam que os jornais passavam por cima deles, investigando e descobrindo tudo antes que Suas Excelências tivessem acabado de tomar seu café da manhã. Tudo o que os parlamentares tinham a fazer era dar cunho oficial às sentenças condenatórias lavradas nas redações de jornais.

Segunda diferença: o partido que mais devotadamente se empenhou em denunciar corruptos, destruindo as carreiras de todos aqueles que pudessem se atravessar no seu caminho, e assim tornando viável, por falta de adversários, a candidatura presidencial de uma nulidade que de tanto sofrer derrotas já levava o título de “candidato eterno”, foi também aquele que, ao chegar ao poder, construiu a máquina de corrupção mais majestosa de todos os tempos, elevando o roubo a sistema de governo e provando que só conhecia tão bem as vidas e obras dos ladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que eles.

Essa transformação foi acompanhada de outra ainda mais temível: o crescimento endêmico do banditismo e da violência, que hoje atingem a taxa hedionda de 50 mil brasileiros assassinados por ano.

Completando o quadro, a classe política mais canalha que já se viu investiu-se da autoridade de educadora da pátria, impondo por toda a parte suas crenças e valores e destruindo os últimos resíduos de moralidade tradicional que pudessem subsistir na sociedade brasileira.

Definitivamente, há algo de errado no “combate à corrupção” tal como empreendido desde o retorno da democracia. Hoje em dia, espetáculos degradantes em que senhores de meia-idade, seminus, balançam suas banhas na Parada Gay são tidos como o auge da moralidade, o símbolo de direitos sacrossantos ante os quais a população, genuflexa, deve baixar a cabeça e dizer “amém”. O suprassumo da criminalidade reside em empresários que falharam em cumprir algum artigo de códigos labirínticos propositadamente calculados para ser de cumprimento impossível, criminalizando todo mundo de modo que os donos do poder possam selecionar, da massa universal de culpados, aqueles que politicamente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontrar algum delito escondido.

Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militante invertem a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assassinos e narcotraficantes ao estatuto de credores morais da sociedade, e impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta de classes”. Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vinda da mídia ou do governo, é suspeita. Não que sempre os fatos alegados sejam falsos. Mas, por trás do aparente zelo pela moralidade, esconde-se, invariavelmente, alguma operação mais ilegal e sinistra do que os medíocres delitos denunciados.

A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência de um quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo, haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo, revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.

Nesse quadro, continuar falando em “corrupção”, dando à palavra o mesmo sentido que tinha nos tempos da CGI, é colaborar com o crime organizado em que se transformou o governo da República.

Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não viesse também um sistemático embotamento moral da população, manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na faculdade a “transformar o mundo” em vez de ater-se ao seu modesto dever de noticiar os fatos. Quando um país se confia às mãos de uma elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios. Sempre que o governo se sente ameaçado por denúncias escabrosas ou por uma queda nas pesquisas de opinião, logo aparece algum empresário que não pagou imposto, algum fazendeiro que reagiu a invasores, algum padre que expulsou um traveco do altar – e estes são apontados à população como exemplos máximos do crime e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege terroristas e narcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro de São Paulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impondo à população o respeito devoto a tudo o que não presta.

O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que as próprias classes mais vitimizadas nesse processo – os empresários, as Forças Armadas, os proprietários rurais, as igrejas cristãs – se acomodam servilmente à nova situação, inventando os pretextos mais delirantes para fingir que acreditam nas boas intenções de seus perseguidores. Quando se torna institucional, a corrupção é ainda algo mais do que isso: é um veneno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade passiva ou à adesão subserviente.

A nova ordem nacional

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de julho de 2007

Inexistindo por completo a alardeada epidemia de violência assassina contra os homossexuais, o objetivo manifesto da campanha “anti-homofóbica” é transformar em objeto de ódio, discriminação, perseguição e castigo aviltante quem quer que se oponha às ambições do movimento gay e forças políticas associadas.

Não se trata de iniciativa isolada. Articula-se com outras tantas ações concomitantes e sucessivas destinadas a ampliar cada vez mais o leque de condutas consideradas socialmente indesejáveis e a torná-las puníveis por lei, colocando à disposição dos partidos de esquerda e “movimentos sociais” os meios jurídicos de destruir, sem perseguição política ostentiva, toda e qualquer oposição, mesmo individual e isolada, mesmo puramente verbal e teórica.

A tempestade de novos regulamentos fiscais, trabalhistas, moralistas, ecológicos, feministas, criancistas, desarmamentistas, africanistas e agora gayzistas que se abateu sobre o país coloca virtualmente todos os brasileiros fora da lei, restando apenas ao governante escolher, na multidão inumerável dos culpados, aqueles que lhe convém esmagar de imediato e aqueles que lhe interessa manter de joelhos sob o látego da chantagem permanente.

Em cada um desses casos, a absurdidade intrínseca da regra punitiva é calculada para inviabilizar o debate racional, quebrar toda resistência psicológica e reduzir a população a um estado de passividade atônita, mãe da obediência servil.

O professor da UnB punido por dizer uma palavra proibida (ou melhor, uma palavra de uso presidencial exclusivo), o juiz processado por tentar proteger os menores de idade contra a visão de indecências que não escassearam na Parada Gay, o pastor perseguido por fazer o que sua religião manda, o fazendeiro encarcerado por ter uma arma para se defender, a empresária exposta à execração pública por não cumprir exigências impossíveis, são exemplos do destino que espera cada um de nós que se atreva, nos próximos anos, a acreditar que tem direitos, que neste país há instituições democráticas, ordem e justiça.

Que tanto empenho em criminalizar os cidadãos venha junto com a omissão oportunista e cúmplice ante a violência assassina das gangues armadas e ante a prepotência dos invasores e incendiários de fazendas, não é coincidência de maneira alguma. É a articulação didática da ilegalidade cínica com o legalismo opressivo, planejada para inculcar na mente do povo, pelo jogo hipnótico da estimulação contraditória, a autoridade absoluta da nova ordem. É a fórmula inconfundível e infalível da construção do poder totalitário pelas vias sutis – às vezes não muito sutis — da dominação psicológica.

O próximo capítulo da série já está em preparação: é o embelezamento moral da pedofilia, seguido de sua consagração como direito humano e da condenação de toda resistência como fruto da intolerância reacionária, nazista, assassina etc. etc. etc. Exagero meu? No meio universitário, berço das mutações culturais, as idéias simpáticas à pedofilia já vão se espalhando com uma velocidade mais que ameaçadora. Aguardem e verão.

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