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Todo o poder aos ladrões

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, maio/junho de 2009

No tempo dos militares, centenas de políticos passaram pela Comissão Geral de Investigações (CGI) e tiveram suas carreiras encerradas com desonra, por delitos de corrupção. Ao mesmo tempo, dos generais e coronéis que ocuparam altos postos na República, nenhum saiu milionário. O patrimônio que lhes sobrou é o que teriam adquirido normalmente com seus soldos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Com a Nova República, tudo mudou. Primeiro, o combate à corrupção deixou de ser um empreendimento discreto, levado a cabo por investigadores profissionais: tornou-se ocupação da mídia. Nos momentos mais intensos das CPIs nos anos 90, deputados e senadores confessavam que os jornais passavam por cima deles, investigando e descobrindo tudo antes que Suas Excelências tivessem acabado de tomar seu café da manhã. Tudo o que os parlamentares tinham a fazer era dar cunho oficial às sentenças condenatórias lavradas nas redações de jornais.

Segunda diferença: o partido que mais devotadamente se empenhou em denunciar corruptos, destruindo as carreiras de todos aqueles que pudessem se atravessar no seu caminho, e assim tornando viável, por falta de adversários, a candidatura presidencial de uma nulidade que de tanto sofrer derrotas já levava o título de “candidato eterno”, foi também aquele que, ao chegar ao poder, construiu a máquina de corrupção mais majestosa de todos os tempos, elevando o roubo a sistema de governo e provando que só conhecia tão bem as vidas e obras dos ladrões que denunciara por ser muito mais ladrão do que eles.

Essa transformação foi acompanhada de outra ainda mais temível: o crescimento endêmico do banditismo e da violência, que hoje atingem a taxa hedionda de 50 mil brasileiros assassinados por ano.

Completando o quadro, a classe política mais canalha que já se viu investiu-se da autoridade de educadora da pátria, impondo por toda a parte suas crenças e valores e destruindo os últimos resíduos de moralidade tradicional que pudessem subsistir na sociedade brasileira.

Definitivamente, há algo de errado no “combate à corrupção” tal como empreendido desde o retorno da democracia. Hoje em dia, espetáculos degradantes em que senhores de meia-idade, seminus, balançam suas banhas na Parada Gay são tidos como o auge da moralidade, o símbolo de direitos sacrossantos ante os quais a população, genuflexa, deve baixar a cabeça e dizer “amém”. O suprassumo da criminalidade reside em empresários que falharam em cumprir algum artigo de códigos labirínticos propositadamente calculados para ser de cumprimento impossível, criminalizando todo mundo de modo que os donos do poder possam selecionar, da massa universal de culpados, aqueles que politicamente lhes convém destruir, com a certeza de sempre encontrar algum delito escondido.

Ao mesmo tempo, juízes bem adestrados no espírito militante invertem a seu belprazer o sentido das leis, promovendo assassinos e narcotraficantes ao estatuto de credores morais da sociedade, e impõem como único princípio jurídico em vigor a “luta de classes”. Nesse quadro, qualquer acusação de corrupção, vinda da mídia ou do governo, é suspeita. Não que sempre os fatos alegados sejam falsos. Mas, por trás do aparente zelo pela moralidade, esconde-se, invariavelmente, alguma operação mais ilegal e sinistra do que os medíocres delitos denunciados.

A noção de “corrupção” implica, por definição, a existência de um quadro jurídico e moral estabelecido, de um consenso claro entre povo, autoridades e mídia quanto ao que é certo e errado, lícito e ilícito, decente e indecente. Esse consenso não existe mais. Quando uma elite de intelectuais iluminados sobe ao poder imbuída de crenças nefastas que aprenderam de mestres tarados e sadomasoquistas como Michel Foucault, Alfred Kinsey e Louis Althusser, é claro que essa elite, fingindo cortejar os valores morais da população, tratará, ao mesmo tempo, de subvertê-los pouco a pouco de modo que, em breve tempo, haverá dois sistemas jurídico-morais superpostos: aquele que a população ingênua acredita ainda estar em vigor, e o novo, revolucionário e perverso que vai sendo imposto desde cima com astúcia maquiavélica e sob pretextos enganosos.

Nesse quadro, continuar falando em “corrupção”, dando à palavra o mesmo sentido que tinha nos tempos da CGI, é colaborar com o crime organizado em que se transformou o governo da República.

Isso não aconteceria se, junto com a inversão geral dos critérios, não viesse também um sistemático embotamento moral da população, manipulada por uma geração inteira de jornalistas que aprenderam na faculdade a “transformar o mundo” em vez de ater-se ao seu modesto dever de noticiar os fatos. Quando um país se confia às mãos de uma elite revolucionária, sem saber que é revolucionária e imaginando que ela vai simplesmente governá-lo em vez de subvertê-lo de alto a baixo, a subversão torna-se o novo nome da ordem, e a linguagem dupla torna-se institucionalizada. Já não se pode combater a corrupção, porque ela se tornou a alma do sistema, consagrando a inversão de tudo como norma fundamental do edifício jurídico, ocultando e protegendo os maiores crimes enquanto se empenha, para camuflá-los, na busca obsessiva de bodes expiatórios. Sempre que o governo se sente ameaçado por denúncias escabrosas ou por uma queda nas pesquisas de opinião, logo aparece algum empresário que não pagou imposto, algum fazendeiro que reagiu a invasores, algum padre que expulsou um traveco do altar – e estes são apontados à população como exemplos máximos do crime e da maldade. Enquanto isso, o Estado protege terroristas e narcotraficantes, acoberta as atividades sinistras do Foro de São Paulo e lentamente, obstinadamente, sem descanso, vai impondo à população o respeito devoto a tudo o que não presta.

O mais abjeto de tudo, no entanto, é a presteza com que as próprias classes mais vitimizadas nesse processo – os empresários, as Forças Armadas, os proprietários rurais, as igrejas cristãs – se acomodam servilmente à nova situação, inventando os pretextos mais delirantes para fingir que acreditam nas boas intenções de seus perseguidores. Quando se torna institucional, a corrupção é ainda algo mais do que isso: é um veneno que se espalha pelas almas e as induz à cumplicidade passiva ou à adesão subserviente.

Relendo o JB

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 26 de julho de 2007

Em 26 de dezembro de 1994 publiquei neste mesmo jornal o artigo “Bandidos e Letrados”, que hoje pode ser lido no meu website. Começa assim:

“ Entre as causas do banditismo carioca, há uma que todo o mundo conhece mas jamais é mencionada, porque se tornou tabu: há sessenta anos os nossos escritores e artistas produzem uma cultura de idealização da malandragem, do vício e do crime. Como isto poderia deixar de contribuir, ao menos a longo prazo, para criar uma atmosfera favorável à propagação do banditismo?

“De Capitães da Areia até a novela Guerra sem Fim , passando pelas obras de Amando Fontes, Marques Rebelo, João Antônio, Lêdo Ivo, pelo teatro de Nelson Rodrigues e Chico Buarque, pelos filmes de Roberto Farias, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Diegues, Rogério Sganzerla e não sei mais quantos, a palavra-de-ordem é uma só, repetida em coro de geração em geração… Humanizar a imagem do delinqüente, deformar, caricaturar até os limites do grotesco e da animalidade o cidadão de classe média e alta… eis o mandamento que nossos artistas têm seguido fielmente, e a que um exército de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos dá discretamente, na retaguarda, um simulacro de respaldo ‘científico’.”

E por aí vai. Eu gostaria de escrever algo mais atual, mas não posso. Só tenho três detalhes a acrescentar:

Primeiro: É preciso trocar “banditismo carioca” por “banditismo nacional”. O Rio já não é a capital nacional do crime. Divide essa honra com uma dúzia de cidades dominadas pelo narcotráfico e pelas gangues armadas, treinadas e orientadas pelas Farc. O país inteiro tornou-se um matadouro. Cinqüenta mil brasileiros morrem assassinados a cada ano, e quem quer que ouse insinuar que a polícia deveria usar a força contra os assassinos é chamado de nazista.

Segundo: Os intelectuais iluminados continuam fomentando o banditismo, mas já não o fazem só por meio de livros, filmes e novelas. Subiram ao poder e agora têm meios de ação mais eficientes: criam leis, tomam decisões de governo, têm à sua disposição o aparato inteiro do Estado para espalhar o caos e administrá-lo em proveito próprio.

Terceiro: Na época, eu não sabia da existência do Foro de São Paulo, onde os partidos legais de esquerda planejam, em estreita parceria com organizações de narcotraficantes e seqüestradores, o futuro catastrófico do Brasil e do continente inteiro. Quando soube, dois anos depois, entendi imediatamente que nada no panorama nacional de confusão e violência crescentes nascia das causas sócio-econômicas impessoais usualmente alegadas para explicá-lo. Toda a tagarelice universitária e jornalística nesse sentido, invariavelmente obra de intelectuais de esquerda comprometidos até à medula com o esquema do Foro, era — e é ainda — um vasto sistema de camuflagens calculado para encobrir uma estratégia criminosa de proporções jamais vistas nesta ou em qualquer outra parte do mundo.

Mesmo com a visão parcial que eu tinha do assunto ao escrevê-lo, meu artigo de 1994 era um alerta. Não foi ouvido, como este também não será.

A longa história do óbvio

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 10 de agosto de 2006

Se existe uma história longa, contínua e bem documentada, é a do esforço da esquerda nacional para fomentar a violência criminosa e usá-la como instrumento de destruição sistemática da ordem pública.

Na esfera cultural, essa história remonta à década de 30, quando os escritores comunistas atenderam alegremente ao apelo de Stalin para integrar o banditismo na luta ideológica. “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, a epopéia melosa da transfiguração de um delinqüente juvenil em militante revolucionário, foi um dos marcos dessa literatura de propaganda. Nos anos 60, o “Cinema Novo”, um pseudópodo do Partido Comunista, ampliou para o terreno do show business a apologia da delinqüência.

Na década seguinte, ao mesmo tempo que a ideologia do bandido inocente contra a sociedade culpada se espalhava nos jornais, nas novelas de TV e na rede pública de ensino, a campanha passava à ação prática, com os terroristas presos na Ilha Grande ensinando aos delinqüentes comuns as técnicas de guerrilha urbana que hoje lhes permitem organizar-se em grupos paramilitares aptos a sobrepujar a polícia e a aterrorizar a população indefesa.

Nos anos 80, enquanto a demonização dos policiais se tornava a norma obrigatória na cobertura jornalística de assuntos criminais, a simbiose do esquerdismo com o banditismo fazia importantes conquistas no campo jurídico, promulgando leis que protegem os criminosos e criando uma rede de advogados ativistas dedicados a amarrar as mãos da polícia.

Em seguida, a fundação do Foro de São Paulo trouxe a integração continental dessa parceria macabra, montando uma rede de proteção mútua entre as organizações esquerdistas legais e grupos criminosos como as Farc (narcotráfico) e o MIR chileno (seqüestros), os quais desde então puderam agir livremente no território nacional com certeza da total impunidade.

Com a ascensão do PT à presidência da República, a esquerda, senhora absoluta das fontes de desordem, passou a controlar também os meios de simulação da ordem, manipulando o país com a onipotência de um psicólogo pavloviano ante ratinhos de laboratório.

A entrevista em que o secretário de segurança pública de São Paulo, Saulo Abreu, frustrando as tentativas do jornalista Franklin Martins de cassar-lhe a palavra, acusou o partido governante de cumplicidade direta com o PCC, não fez senão tirar a conclusão lógica de uma história de sete décadas.

Ele se esqueceu apenas de dizer que, se levarmos em conta a cumplicidade moral indireta e camuflada, não haverá um só político ou intelectual de esquerda, dentro ou fora do PT, habilitado a dizer-se inocente da produção deliberada de um estado de caos e violência que, mesmo antes das recentes explosões homicidas em São Paulo, já vinha matando cinqüenta mil brasileiros por ano.

Enquanto uma nação enfeitiçada pelo discurso esquerdista continuar se recusando a enxergar essas obviedades, a onda homicida não cessará de crescer até que, atingido seu objetivo de deter em suas mãos o poder total, a esquerda, como sempre fez em toda parte, possa instituir o monopólio estatal do crime e dispensar a ajuda dos grupos criminosos privados.

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