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Saudades da literatura

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 23 de janeiro de 2006

Tendo em conta a distinção de Allen Tate entre a mera “comunicação” e a genuína “comunhão” de experiências fundamentais, a primeira caracterizando a mídia em geral e a segunda a arte do escritor, é difícil escapar à conclusão de que a literatura no Brasil, se ainda existe, desapareceu do cenário público. Há, é claro, um Bruno Tolentino, mas o espaço que ocupa é demasiado pequeno, quase nulo para o seu tamanho. Há um Alberto da Cunha Melo, mas quem já ouviu falar dele fora do Nordeste? Há mais dois ou três que ninguém conhece e, pelo que vêem em torno, preferem mesmo não ser conhecidos. Nada do que em geral se publica e se comenta sob rótulo literário nos suplementos ditos “culturais” (faz-me rir) corresponde à exigência fundamental da literatura, que é a de conservar o poder da linguagem enquanto veículo de autoconhecimento humano (e por isso mesmo de comunhão) contra a invasão da “língua de pau” ideológica, destinada à sedução, manipulação e controle sutil da opinião popular. Que linguagem autêntica pode sobreviver aos códigos “politicamente corretos”? Não dar má impressão a fiscais paranoicamente maliciosos, empenhados em ver em tudo sinais de “racismo”, “machismo”, “sexismo”, “homofobia”, “fundamentalismo”, “etnocentrismo” etc. etc. etc., — eis a primeira preocupação de quem escreve hoje em dia, isto se ele (ou he-she, pombas) não for pessoalmente um desses fiscais. A simples naturalidade da comunicação foi embora – como poderia subsistir a veracidade da comunhão? Nada se acomoda tão confortavelmente aos novos códigos quanto a vacuidade, a inconsciência balofa, a mesquinharia que vê num atestado de petismo (ou, pior ainda, de psolismo) o substitutivo cabal e até superior das virtudes evangélicas, descartadas como criações ideológicas peremptas ou, na melhor das hipóteses, como antecipações toscas e precárias do Homo guevarianus, encarnação máxima das perfeições humanas, angélicas, divinas e motoqueiras. Tal é a condição para ser um escritor brasileiro hoje em dia: a total incapacidade para qualquer experiência humana genuína, a perfeito ajuste da vida interior à forma dos estereótipos, a adequação harmônica, artística, entre a percepção falsa e a linguagem fraudulenta.

Dos crimes da esquerda triunfante, nenhum se compara à total destruição da literatura no Brasil. Como esse não se mede em reais, nem tem como vítima o patrimônio do Estado, ninguém liga. Mas o patrimônio do Estado recupera-se com uma boa safra de soja e uns impostos. A experiência interior e a comunhão, uma vez perdidas, não voltam mais, porque são duas coisas que, quanto menos você tem, menos sente falta delas, até o ponto de supor que jamais existiram, que foram apenas palavras ilusórias de um extinto vocabulário ideológico. Em épocas muito mais ricas, espiritualmente, do que a nossa, erguiam-se, ao menor sinal de decréscimo da qualidade literária, debates intensos sobre “a crise da literatura nacional”. Hoje as discussões sumiram, pela simples razão de que aquilo que cessou de existir não pode mais decrescer. E aquilo que nem existe nem decresce não pode ser problema de maneira alguma.

A origem das opiniões dominantes

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 24 de outubro de 2005

O idiota presunçoso, isto é, o tipo mais representativo de qualquer profissão hoje em dia, incluindo as letras, o ensino e o jornalismo, forma opinião de maneira imediata e espontânea, com base numa quantidade ínfima ou nula de conhecimentos, e se apega a seu julgamento com a tenacidade de quem defende um tesouro maior que a vida. A rigor, não tem propriamente opiniões. Tem apenas impressões difusas que não podendo, é claro, encontrar expressão adequada, se acomodam mecanicamente a qualquer fórmula de sentido análogo, colhida do ambiente, e então lhe parecem opiniões pessoais, como se a conquista de uma autêntica opinião pessoal prescindisse de esforço.

O trajeto mental mesmo que o levou às suas preferências inabaláveis lhe escapa totalmente, por ter sido percorrido à margem da atenção consciente. Literalmente, ele não sabe por que nem como veio a pensar como pensa. Quando lhe perguntamos a via pela qual chegou a tais ou quais conclusões, ele nunca responde com uma introspecção rememorativa, como tentaria fazê-lo o intelectual sério. Improvisa duas ou três justificativas e as incorpora retroativamente à sua auto-imagem, acreditando que sempre pensou assim. Confundindo o presente com o passado, sua autobiografia mental é fictícia, por isto está sempre pronta para ser alterada e justificar qualquer coisa. Quando as justificações se tornam rotineiras e coincidem mais ou menos com coisas ouvidas ou lidas, produzem um sentimento de coerência e solidez.

Não espanta que, diante de uma opinião que lhe desagrade, ele creia instantaneamente que ela se formou como as suas: da preferência emocional para o julgamento dos fatos, nunca ao contrário. E quando lhe mostramos algo dos dados e comparações que fomos trabalhosamente juntando para pensar como pensamos, ele imagina que estamos apenas inventando pretextos a esmo, na hora, para vencê-lo e humilhá-lo, para lhe impor nossas escolhas subjetivas, nossas crenças cegas, nossos “dogmas” como ele tão facilmente os rotula sem notar que inverte o sentido da palavra. Incapaz de recordar seu próprio trajeto interior, como poderia ele revivenciar imaginativamente o nosso? Quanto mais fundamentadas as razões que apresentamos, mais ele as entende como exteriorizações de uma vontade irracional. E, evidentemente, se acontece de nossas opiniões serem minoritárias e inusitadas, e as suas respaldadas na crença comum de um grupo social, aí sua incompreensão radical dos nossos argumentos se vê fortalecida pelo sentimento de ser a voz da razão em luta contra o fanatismo cego e a loucura. Nesses momentos ele pode apelar à louvação convencional da “dúvida” e do “relativismo”, que, desligados da experiência interior correspondente, se tornam eficientes vacinas contra o convite ao auto-exame socrático. Pode também, caso se sinta acossado e inseguro, emitir a nosso respeito um diagnóstico psiquiátrico, usando algum termo técnico recém-ouvido, que embora totalmente deslocado da situação – e às vezes do sentido próprio da palavra — lhe dará uma reconfortante sensação de normalidade e, em geral, encerrará a discussão.

É assim que funciona, hoje, o cérebro de um típico “formador de opinião” brasileiro. A diligência na busca da verdade, o auto-exame constante, a luta com a complexidade dos fatos e com a obscuridade da própria alma lhe são totalmente desconhecidos. O verdadeiro fundamento de suas opiniões é sua falta de autoconsciência. Sua utilidade social e a razão do seu sucesso residem no fato de que ele mantém em circulação o estoque de fórmulas convencionais, colocando-as à disposição de outros indivíduos intelectualmente passivos, que necessitam delas para revestir mal e mal suas próprias impressões subjetivas e adquirir com isso uma ilusão de que sabem do que estão falando. A mera assimilação imitativa do linguajar “culto” torna-se assim o substitutivo cabal da educação para o conhecimento. Pessoas assim formadas não dizem o que percebem nem julgam o que dizem: acreditam no que conseguem dizer, pelo simples fato de que não saberiam dizer outra coisa.

O curso dos acontecimentos históricos reflete o tipo de personalidade dominante em cada época, e a expressão mais clara da personalidade dominante é o estilo da vida intelectual. O declínio abissal da moralidade pública no Brasil não é causa sui: foi antecedido e preparado nas escolas, nos jornais, nas editoras de livros. A atividade intelectual no Brasil se deteriorou e se prostituiu a tal ponto, que mesmo o discurso formal do jornalismo e da comunicação acadêmica – para não falar daquilo que um dia foi a literatura — já não serve de instrumento para a autoconsciência. A linguagem dos publicitários e dos cabos eleitorais tomou tudo. O alvoroço de simular bons sentimentos e demonizar o inimigo pela via mais fácil bloqueia toda possibilidade de reflexão séria sobre as próprias palavras. O sujeito lê o que escreveu ontem e não percebe que hoje está escrevendo o contrário. A impressão do momento é tudo, o senso de continuidade autobiográfica – para não falar da consistência lógica — se dissolve numa sucessão minimalista de lampejos inconexos. Com ele, vai embora toda aspiração de responsabilidade intelectual, mesmo vaga e remota. A coesão emocional do grupo – tão inconsistente nas suas idéias quanto qualquer dos indivíduos que o compõem – torna-se o sucedâneo vantajoso da coerência. Vantajoso porque não dá trabalho e infunde no sujeito uma impressão de solidez absoluta e inquestionável, enquanto toda coerência genuína é um equilíbrio precário gerado na luta para vencer as contradições. Agora não há mais contradições. Foram abolidas pela solidariedade grupal, onde a mudança em uníssono se torna uma espécie de continuidade, a única possível em tais circunstâncias.

Esse estado de coisas transparece em mil e um detalhes do dia a dia. Um dos mais interessantes dos últimos tempos é a facilidade, a desenvoltura com que jornalistas, intelectuais e políticos de esquerda, até ontem alinhados firmemente com o que quer que viesse do governo petista, aparecem de repente esbravejando contra o desarmamento civil e fazendo a apologia dos “direitos individuais” como se tivessem sempre pensado assim, como se não tivessem colaborado ativamente, com devota obediência, para a construção do Golem petista e a dissolução do individual no estatismo coletivista. Luís Fernando Veríssimo, Jô Soares, Mauro Santayana e o PSTU inteiro repetindo com a maior naturalidade argumentos que parecem saídos diretamente dos boletins da National Rifle Association são exemplos na infinita plasticidade de caráter da elite esquerdista nacional, um fenômeno que não consigo explicar para os americanos de jeito nenhum.

Pelo menos a turminha do PSTU teve a prudência de amortecer a mudança hipócrita com uma mentira compensatória: inventou que o desarmamento é um truque sujo dos americanos para facilitar a invasão do território nacional, e com um firme sentimento de coerência saiu vociferando a apologia do “Não” como quem perseverasse fielmente numa doutrina já mil vezes reiterada.

Chomsky na “Folha” e no mundo

O Brasil inteiro perdeu a vergonha na cara, mas os garotos da Folha de S. Paulo nunca tiveram mesmo nenhuma e por isso ficam tão bem no quadro presente. “Chomsky é declarado o maior intelectual do mundo”, proclamam os safadinhos na edição do último dia 18, em cima do despacho da France-Presse que dá os resultados de uma enquete promovida entre vinte mil leitores pela revista inglesa Prospect . Entre o título e a realidade, a distância é imensurável.

Para começar, a revista não perguntou “qual o maior intelectual do mundo” e sim “qual o intelectual público mais influente do mundo”. As diferenças são duas: “intelectual” tout court não é a mesma coisa que “intelectual público”, e “maior” não é a mesma coisa que “mais influente”.

O rótulo de  “intelectual” aplica-se a qualquer pessoa envolvida em trabalhos de ciência, arte, filosofia, ensino, jornalismo etc. Sua gama de significados abrange desde os gênios criadores que moldam a cosmovisão dos séculos até o exército anônimo e inumerável de retransmissores, copiadores, etc. O “maior intelectual” não poderia em hipótese alguma estar entre estes últimos, porque a grandeza no seu ofício consiste justamente em fazer sozinho algo que muitos deles juntos não teriam força para fazer.

“Intelectual público” é termo preciso que diferencia, no conjunto dos intelectuais, aqueles que rotineiramente opinam sobre as questões do momento e o fazem através de canais de comunicação de amplo alcance. O professor que analisa uma crise política para os alunos em sala de aula não é um intelectual público, assim como não o é o grande estudioso de problemas demasiado afastados do foco de atenção popular, mesmo que trate deles em artigos de jornal, mesmo que dê algum palpite esporádico a respeito em debates na TV e mesmo que alcance, no domínio da sua ocupação especial, aquela máxima celebridade que faria meio mundo apontá-lo no meio da rua. Nem as crianças desconheciam Albert Einstein, mas isto não o tornava um intelectual público, porque sua intervenção em debates públicos era rara e ocasional. Para ser um intelectual público, é claro, o sujeito tem de ser primeiro um intelectual, grande ou pequeno. Mas não pode sê-lo se a interferência nessas discussões não é uma de suas atividades essenciais e costumeiras. Pensadores enormente influentes, como Arnold Toynbee e Martin Heidegger, nunca foram intelectuais públicos, porque sua influência não foi exercida diretamente através dos meios de comunicação de massa, mas chegou até o público pela intermediação dos círculos acadêmicos.

O que constitui o intelectual público não é a publicidade apenas: é a publicidade constante e rotineira, incorporada aos seus meios usuais de trabalho.

A pergunta “Qual é o intelectual público mais influente do mundo?”, portanto, não visa a medir a relevância intelectual e nem mesmo a fama de um determinado homem de idéias, mas a intensidade e a extensão da sua influência como força política constante.

Ninguém ignora, por exemplo – e escolho propositadamente dois pensadores que a mim não me dizem nada — que o pensamento de Heidegger foi decisivo para a formação das idéias de Jean-Paul Sartre. É a diferença entre o mestre e o epígono, o desbravador e o seguidor ou adaptador. Também ninguém ignora que Sartre atraiu muito mais atenção popular do que esse seu guru. Heidegger era mentor de filósofos, Sartre de ativistas estudantis. O próprio Heidegger marcou bem essa diferença, quando, solicitado a receber a visita do discípulo francês, respondeu: “Não atendo jornalistas.” Num concurso de influência filosófica, ou intelectual no sentido próprio, Heidegger só perderia para seu mestre Husserl. Sartre nem entraria no páreo. Mas Sartre era um intelectual público, e Heidegger não. Muito menos Husserl.

Mutatis mutandis , o filósofo Leo Strauss, um gênio incomum, não foi conhecido em vida senão por um seleto círculo de estudiosos, através dos quais sua influência foi se alastrando postumamente entre intelectuais, jornalistas e políticos até que o “straussismo” se consolidasse como doutrina oficiosa de uma facção dos conservadores americanos. Essa facção tem hoje representantes no governo e na mídia que usam o que aprenderam com Strauss para analisar e debater as questões do dia. Paul Wolfowitz e William Kristol são intelectuais públicos. O homem que formou a mentalidade deles jamais o foi.

Dar à pergunta sobre qual o mais influente intelectual público o sentido de “quem é o maior intectual” resulta em colocar William Kristol e Paul Wolfowitz acima de Leo Strauss.

É isso o que a Folha faz com a pesquisa. Modifica tão radicalmente o seu sentido que chega a invertê-lo. Posso assegurar isso com toda a certeza pelo simples fato de que eu mesmo, leitor costumeiro da Prospect , fui um dos vinte mil votantes, preenchi o formulário com minhas próprias mãos e decerto teria votado de maneira muito diversa se a eleição fosse a do maior intelectual do mundo. Tal como a questão estava formulada, a vitória de Chomsky era inevitável, porque, quantitativamente, ele é o intelectual de maior presença na mídia, o mais citado em trabalhos estudantis nos EUA e o de mais permanente atuação em campanhas políticas desde há quarenta anos. Ele é, ademais, o único que se dedica a isso com tanto comprometimento — muito acima de suas ocupações nominais de lingüista nas quais há décadas não produz nada de interessante –, que chega a ter para isso um corpo permanente de colaboradores, redatores, editores, tradutores, divulgadores e public relations profissionais. Eles o acompanham por toda parte, gravando cada palavra dele e transformando tudo em livros que são publicados simultaneamente em dezenas de idiomas com aparato publicitário inigualável, reforçado pela rede multinacional de ONGs organizadas em torno da militância chomskista. Se vocês examinarem a bibliografia do homem, notarão que há mais de duas décadas quase tudo o que ele publica é fabricado assim. Chomsky é não apenas o intelectual público por excelência, é alguém que deu a essa atividade um sentido de organização profissional acima de tudo o que se conhecia antes na área. Nem mesmo Voltaire, o Chomsky do século XVIII, teve uma infra-estrutura tão sólida e tão vasta à sua disposição. No mínimo, ele teve de escrever pessoalmente cada palavra dos cento e tantos volumes de suas Obras Completas . Chomsky apenas ejeta pela boca a matéria-prima. A indústria faz o resto. Por esses detalhes mede-se a hipocrisia do sujeito quando, notificado da vitória, declarou que “não presta atenção nessas coisas”. Na verdade, ele nunca presta atenção em nada mais.

Numa competição para nomear “o maior intelectual”, Chomsky talvez fosse cogitado nos anos 70, quando sua “lingüística geracional” ainda parecia uma descoberta substancial. Há três décadas paralisado por uma esterilidade científica completa enquanto sua velha teoria naufraga num mar de contestações (v. “A Corrupted Linguistics”, por Robert D. Levine e Paul M. Postal, em The Anti-Chomsky Reader , ed. Peter Collier e David Horowitz, San Francisco, Encounter Books, 2004), Chomsky defendeu firmemente sua posição de “intelectual público” ao ponto de já não poder ser considerado senão isso e nada mais. Talvez por essa razão a Prospect teve o cuidado de não apenas distinguir entre “intelectual” e “intelectual público”, conceitos que a Folha embaralhou, mas também de não designar a posição de Chomsky na votação com a palavra “greatest” e sim com “top”, que não tem a conotação solene associada ao termo “maior”.

Porém a Folha de S. Paulo não se contenta com inverter o sentido da notícia. Mesmo diante do resultado da pesquisa, a Prospect teve a precaução de não tomar a preferência de seus vinte mil leitores como expressão da unanimidade mundial. Na capa do seu número 116, de novembro, que publica os resultados da pesquisa, o reconhecimento de Chomsky como intelectual público mais influente do mundo não é afirmado como verdade mas atenuado por um eloqüente ponto de interrogação, que a Folha suprimiu para transformar a possibilidade em fato consumado, ocultando dos leitores que fez isso por decisão própria e não da Prospect.

Do Brasil ao Brejil

Olavo de Carvalho

O Globo, 12 de março de 2004

Antigamente — ainda ontem, quando eu tinha vinte anos —-, exigia-se muito de um escritor. Ele tinha de dominar os recursos da sua arte ao ponto de que toda a história dela, de algum modo, transparecesse no seu estilo. Tinha de possuir uma visão espiritualmente madura do universo e da vida e haver absorvido nela a cultura dos milênios. E essa visão devia estar tão bem integrada na personalidade dele que sua expressão escrita não comportasse o mínimo hiato entre idéia e palavra.

Hoje não é preciso nada disso. Basta uma afetação de sentimentos politicamente corretos na linguagem dos estereótipos mais sufocantes — e pronto: o pimpolho garantiu seu lugar nos suplementos de cultura e nas antologias escolares. Se escreve no estilo padronizado dos manuais de redação, é um primor de nitidez cartesiana. Se embrulha idéias sonsas em jargão lacaniano indigerível, é um assombro de profundidade. Se não articula sujeito e predicado, é um grande comunicador, sensível à linguagem do povo.

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Na literatura de ficção, o único autor que produziu algo de notável nos últimos tempos foi Duda Mendonça. Tão profundo foi o impacto da sua obra, que só agora alguns brasileiros começam a despertar do enredo em que ele os meteu em 2002.

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A quintessência do estilo literário nacional, hoje em dia, encontra sua expressão perfeita nas palavras que, segundo circula na internet, foram proferidas pelo ministro Gilberto Gil em discurso recente:

“É… Bom… Eu queria dizer que a metáfora da música brasileira na globalização efetiva dos carentes objetos da sinergia fizeram a pluralização chegar aos ouvidos eternos da geografia assimétrica da melodia.”

Tudo — o melhor do Brasil — encontra-se nesse parágrafo: a quota de dislexia requerida para os altos cargos federais, a absoluta incapacidade para a concordância verbal, a total inconexão lógica, o dispêndio exibicionista de termos pedantes sem nenhum significado no contexto.

Em outras épocas, vendo um sujeito desses no Ministério da Cultura, eu gritaria: “Basta!”, “Fora!”. Hoje, com serenidade olímpica, admito que ele está no lugar certo. Quem poderia representar mais condignamente a inteligência brasileira no seu estado atual?

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Mas não lhe faltam imitadores. O PFL, por exemplo, depois de ter passado anos diluindo sua identidade até abaixo do número de Avogadro, cansou de fisiologismo e tomou a máscula resolução de autodefinir-se ideologicamente. Sacudindo de si o comodismo, juntou todas as suas forças morais e, num rompante de coragem, assumiu: é e será sempre… um partido de centro. Direi até mesmo: de extremo-centro.

Afinal, who cares?

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Também não revolta a ninguém o arquivamento do processo movido pelo PSDB contra o presidente. Esse processo não chegou sequer a ser um blefe. Foi um arremedo de blefe, concebido para impressionar não o adversário, mas a platéia. Diante da decisão do STF, o tucanato respirou com alívio, liberto do risco apavorante de ser levado a sério.

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Qualquer brasileiro com QI superior a 12 sabe que as leis, neste país, são espadas de geléia brandidas contra o aço do esquema esquerdista dominante, respaldado na estratégia continental de Fidel Castro e em sólidas alianças européias e asiáticas.

Como os casos Waldomiro e Celso Daniel provaram com evidência sobrante, qualquer bandidinho apadrinhado pelo esquema é mais poderoso do que o conjunto das instituições nacionais.

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O Brasil só tem três instituições estáveis: o Foro de São Paulo, a Receita Federal e o narcotráfico. O resto é ilusão.

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Diante dessas coisas, o leitor pode buscar consolo nos versículos do Livro Amarelo-Fralda dos Pensamentos do presidente Lula, principalmente naqueles trechos memoráveis em que o nosso sábio governante assegura que um cego está olhando para ele ou garante que não viveu no século do Holocausto, uma vergonha para a nossa pátria. Outrora, isso me arrancaria risos e lágrimas. Hoje contemplo tudo com búdica indiferença. É tarde para temer que a vaca vá para o brejo. O brejo cresceu, engoliu a vaca, engoliu tudo. Onde era o Brasil, agora é o Brejil.

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