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A direita que a mídia criou

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de abril de 2010

Na mesma semana em que a Folha de S. Paulo se arrogava o direito de passar pito no Diário do Comércio, posando de fiscal da idoneidade jornalística alheia, uma senhora aparecia na MTV criticando a Igreja Católica, com base na autoridade intelectual que emanava da sua condição de prostituta aposentada: o celibato clerical, ensinava a criatura, é uma indecência, pois nasceu do desejo vil de preservar o patrimônio da Igreja. Esses dois episódios – que em espírito são um só – ilustram como é difícil, nos dias que correm, distinguir entre realidade e paródia. O segundo deles dá a entender que os mártires e santos se deixaram devorar por leões e canibais por mero interesse financeiro, ao passo que as prostitutas se entregam à lubricidade da clientela por puro amor ao próximo. É uma teoria, não é? Mas o primeiro sugere algumas considerações mais amplas, cuja ligação com o episódio em si talvez não apareça à primeira vista, embora tenham tudo a ver com ele.

O jornalismo é o irmão menor da ciência histórica; seus métodos são em essência os mesmos dela, apenas aplicados às pressas e com menos rigor. A pesquisa dos documentos, a crítica das fontes, a confrontação de testemunhos, a conjeturação de nexos, a reconstituição narrativa ou interpretativa da ordem dos fatos, tudo faz do jornalista, quando o é de verdade, uma espécie de historiador-mirim.

O simples fato de que o currículo das faculdades de jornalismo não inclua sequer uma versão abreviada das disciplinas históricas fundamentais já basta para mostrar que aquelas instituições de ensino não servem para absolutamente nada além de dar a uma elite de pseudo-intelectuais ativistas o controle do mercado de trabalho nas redações.

Quando digo isso, sempre aparece algum espertinho alegando que a obrigatoriedade do diploma universitário no jornalismo foi instituída pelo governo militar, nada tendo portanto a ver com estratégia esquerdista de dominação. Como se o governo não tivesse se esmerado em atender às pressas todas as exigências da esquerda que pudessem, a seu ver – tremendo engano! –, ser neutralizadas ideologicamente, acabando por dar de bandeja aos esquerdistas alguns preciosos instrumentos de agitação e propaganda. Ainda lembro, como se fosse hoje, a voracidade com que a militância esquerdista se apossou das cátedras de Educação Moral e Cívica, instituídas pelo governo na esperança louca de disseminar o patriotismo e as virtudes. Com as faculdades de jornalismo aconteceu a mesma coisa: tudo o que é feito na ilusão da neutralidade ideológica torna-se canal para a difusão da ideologia que mais francamente se assuma como tal. Nada mais patético do que um governo autoritário ideologicamente tímido, de uma timidez que acabou por se incrustar na medula mental da nossa burguesia como um tumor incapacitante, reduzindo à condição de apêndice da esquerda o que possa ter restado de uma “direita” que nem quando estava no poder ousava dizer seu nome.

Nesse processo, aliás, o jornalismo gerado nas faculdades teve um desempenho admirável. Admirável de safadeza. Na mesma medida em que a “direita” não se assume como tal, é a mídia maciçamente esquerdista que se encarrega de chamá-la assim, com insistência obsessiva, de modo que o direitismo só subsiste no imaginário público como rótulo infamante associado precisamente às pessoas que mais o rejeitam, ao passo que os esquerdistas raramente aparecem com rótulo, sendo sempre designados na mídia por suas profissões ou cargos sem identidade ideológica explícita (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/091007dc.html). A imagem do país na mídia torna-se assim uma inversão simétrica da realidade: a ideologia que tudo controla desfruta de uma confortável invisibilidade protetora, ao passo que sua inexistente adversária é exibida ante os olhos de todos como a encarnação mesma do ideologismo militante.

É precisamente esse processo que se denomina, com um termo que hoje tem nos estudos de comunicação jornalística uma acepção técnica precisa, “a espiral do silêncio” (v. Elisabeth Noelle-Newmann, The Spiral of Silence, The University of Chicago Press, 1993): uma das facções é levada sutilmente a abdicar da própria voz, deixando à inimiga o privilégio de nomeá-la, defini-la e descrevê-la como bem entenda. Auto-hipnotizada pelo mito da neutralidade ideológica, a direita brasileira entregou-se a essa operação com a passividade de um cadáver na mesa do médico-legista. Com uma diferença: nenhum cadáver é idiota o bastante para achar que faz isso por esperteza.

Falsos segredos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de janeiro de 2010

Não há, no jornalismo ou nos debates em geral, atitude mais indigna, mais abjeta e, no fundo, mais ridícula, do que tentar impugnar uma denúncia sob o pretexto de que ela é “teoria da conspiração”. Numa era em que as polícias secretas, os serviços de inteligência e as organizações clandestinas de toda sorte cresceram até alcançar dimensões planetárias e agiram mais intensamente do que em qualquer outra época da História, a presunção de tudo explicar só pelos fatos mais visíveis e notórios é, francamente, de uma estupidez sem limites. Não estranha que essa recusa dogmática de encarar o óbvio tenha instalado suas trincheiras precisamente na mídia e nas instituições de ensino — os dois pilares em que se assenta o trono da ignorância contemporânea. Quando entidades tão vastamente poderosas como o Grupo Bilderberg (ou em escala local, o Foro de São Paulo) são tratadas como inexistentes ou irrelevantes, ao mesmo tempo que os formadores de opinião tentam impingir a si próprios e ao mundo a mentira tola de que não existe poder fora das entidades oficiais e dos interesses financeiros mais patentes, está claro que o debate público se tornou apenas uma modalidade coletiva de defesa psicótica contra a realidade.

Porém, como toda crença imbecil que se arraiga na alma das multidões, essa também é uma profecia auto-realizável. A proibição de discutir seriamente um assunto importante faz com que dele se apossem charlatães, malucos e gozadores que, por impulso próprio ou mesmo a serviço de entidades interessadas em camuflar seu segredo sob densas camadas de lendas e mentiras, dejetam no mercado uma inesgotável subliteratura com presunções de “história secreta”, alimentando no público as fantasias mais extraordinárias e atravancando de detritos o caminho do estudioso sério que busque se orientar nessa selva selvaggia. É a profusão desses fenômenos que infunde na expressão “teoria da conspiração” uma carga pejorativa que o termo, por si, não comporta, fazendo dela uma vacina quase infalível contra a percepção de fatos genuínos e bem comprovados.

Boa parte desse lixo editorial pode ser identificado à primeira vista por um traço comum: organiza montanhas de informações, linearmente coerentes — mas protegidas de qualquer confronto com as informações adversas –, para provar que todo o mal do mundo provém de uma determinada fonte em particular, que em si mesma nada tem de secreta. Os culpados de plantão full time são os judeus, a Maçonaria, a Igreja Católica, o Império Britânico e a CIA (a KGB é misteriosamente poupada: os livros contra ela acusam-na quase sempre de algum delito específico e até minimizam a dimensão do seu poder geral). O remédio mais eficaz contra esse tipo de intoxicações é ler vários desses livros de uma vez, misturados, de modo a que a profusão de suspeitos dissolva as acusações pendentes contra cada um em particular e, ao fim da leitura, você se veja obrigado a admitir que está de volta ao ponto em que estava antes de começá-la: você não tem a menor idéia de quem é o culpado dos males do mundo. Isso é tudo o que você pode aprender com esse gênero de livros. Nesse sentido, eles são até úteis: a confissão de ignorância é o começo da ciência.

O segundo passo é admitir algo que deveria ser auto-evidente desde o início: não é possível que todos os empreendimentos secretos sejam obra de entidades publicamente conhecidas. Pelo menos algumas organizações secretas devem ser realmente secretas, o que significa que nem mesmo se parecem com organizações. Por exemplo, os acordos discretos entre famílias arquipoderosas, os pactos informais entre mega-empresários, o juramento de obediência de um fiel islâmico a um sheikh que ninguém de fora conhece, as seções mais interiores dos serviços de inteligência (ignorados até pela massa de seus servidores oficiais), as esferas mais altas e reservadas de algumas sociedades ocultistas, as conexões discretas entre organizações criminosas e entidades legalmente constituídas: nada disso tem sequer um nome, nada disso é propriamente uma “organização” ou “entidade”, mas um pouco de estudo basta para mostrar que aí estão as fontes invisíveis de muitas decisões históricas, freqüentemente catastróficas, que proliferam em efeitos horrivelmente visíveis quando já ninguém tem condições de averiguar de onde vieram. Não tendo um nome pelo qual identificá-las, designamos essas redes de conexões, em geral, pelas denominações das entidades mais ostensivas que lhes servem de canal, de ocasião ou de camuflagem. Dizemos que tal ou qual medida foi imposta pelo Grupo Bilderberg, ou pelo Council on Foreign Relations, quando na verdade veio de meia dúzia de membros dessas entidades, unidos sem rótulo ou bandeira, freqüentemente pelas costas dos demais. Dizemos que tal ou qual desgraça foi tramada pelo Foro de São Paulo, mas queremos nos referir a conversações discretas entre tipos como Fidel Castro, Raul Reyes ou Lula, travadas longe das assembléias e grupos de trabalho daquele órgão. Esse uso dos nomes de entidades — praticamente o único à disposição de quem deseje falar desses assuntos — é indireto, metonímico. Não designa o sujeito real da ação, mas uma de suas aparências. Aí torna-se fácil, para o guardião do segredo, absolver o culpado mediante a simples artimanha verbal de inocentar as aparências. Praticamente tudo o que se escreve na mídia sobre o Foro de São Paulo, sobre os Bilderberg, sobre o CFR, sobre governo mundial e assuntos correlatos vem contaminado por esses equívocos propositais.

Ocultistas devotos professam a crença de que “o segredo se protege a si mesmo”. Crença falsa. O que protege o segredo são os falsos segredos.

O império mundial da burla

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de dezembro de 2009

“Tutto è burla nel mondo”
(Falstaff, na ópera de Verdi)

Até umas décadas atrás, o jornalismo refletia a convivência, ora pacífica, ora conflitiva, das três forças que determinavam a sua orientação: o orgulho profissional dos jornalistas, que concorriam entre si na tarefa de informar mais e melhor; os objetivos econômicos dos empresários de mídia; e os diferentes interesses políticos que, através desses dois grupos, disputavam a hegemonia sobre as redações. A variedade das combinações possíveis, num ambiente de concorrência capitalista e liberdade democrática (mesmo em situações políticas não totalmente democráticas), demarcava os perfis dos diferentes órgãos de mídia, desde os grandes jornais e redes de TV até os tablóides de propaganda ideológica e os programas radiofônicos das mais modestas estações do interior.

Nos anos recentes, tudo mudou.

1) Por toda parte, a propriedade dos órgãos de mídia concentrou-se nas mãos de empresas multinacionais bilionárias, associadas ao projeto de governo mundial e dispostas a sofrer por ele até mesmo vultosos prejuízos financeiros, que por outro lado não as prejudicam de maneira alguma, de vez que são amplamente compensados por lucros obtidos em outros negócios. A tremenda queda de prestígio e a quase falência de jornais como o New York Times ou o Los Angeles Times não os induziu a mudar no mais mínimo que fosse as respectivas orientações políticas que puseram seus leitores em fuga: ao interesse financeiro imediato de uma empresa em particular sobrepõem-se os interesses estratégicos maiores dos grupos empresariais que a controlam de longe.

2) Desde que as maiores universidades, em quase todos os países do Ocidente, caíram sob o domínio de intelectuais ativistas imbuídos da mentalidade “pós-moderna” e “desconstrucionista”, isso teve um efeito letal sobre a formação profissional dos jornalistas: a simples noção de objetividade jornalística não pode sobreviver num ambiente cultural onde a crença em verdades objetivas é tratada como um resíduo supersticioso de épocas bárbaras e um odioso instrumento de opressão capitalista. Se a obrigação dos intelectuais já não é mais buscar a verdade, mas apenas dar apoio a causas feministas, gayzistas, abortistas, globalistas e socialistas, mesmo aquele que não tenha grande entusiasmo pessoal por essas causas fica desprovido de um critério de veracidade pelo qual possa julgá-las, e acaba colaborando com elas, no mínimo, por omissão.

3) A convergência desses dois fatores gerou, como era de se esperar, a uniformização ideológica da mídia em escala mundial, transformando jornais, estações de rádio e redes de TV num maciço e coerente aparato de propaganda que cada vez menos admite divergências e cada vez mais se empenha em selecionar as notícias segundo sua conveniência política, desprezando cinicamente os critérios tradicionais de objetividade. O noticiário fraudulento, que num ambiente de concorrência capitalista normal acabava sempre sendo dissolvido pela variedade das abordagens jornalísticas mutuamente contraditórias, tornou-se a norma imperante, só contestada em publicações menores e em alguns sites de jornalismo eletrônico, facilmente neutralizados como “loucos”, “teóricos da conspiração”, “fofoqueiros da internet” etc.

Em resultado, os acontecimentos mais decisivos são freqüentemente mantidos fora do horizonte de visão do público, enquanto lendas, mentiras e imbecilidades úteis à causa comum do globalismo e da militância jornalística são alardeadas nos quatro quadrantes da Terra como verdades definitivas, sem que se ouça uma única voz de protesto contra a fraude geral. Trabalhando em uníssono com o show business, com as fundações culturais bilionárias e com os organismos administrativos internacionais, o jornalismo tornou-se pura propaganda, amparada num eficiente sistema de exclusão e boicote que só os mais valentes, cada vez mais raros, ousam enfrentar.

As grandes empresas jornalísticas já não têm nem mesmo a preocupação de camuflar a uniformidade mundial das campanhas que promovem: outro dia, 44 dos 56 maiores jornais do mundo publicaram o mesmo editorial, repetido em toda parte ipsis litteris, em favor da centralização do poder em escala mundial, para salvar o planeta de riscos aliás perfeitamente inexistentes.

Quase ao mesmo tempo, a Rede Globo, dominadora absoluta da audiência e portanto da formação da mentalidade pública neste país, exibiu novamente, como dado científico comprovado, o famoso gráfico de Al Gore, em que duas curvas, uma assinalando os aumentos das emissões de CO2, outra as elevações da temperatura terrestre, se superpõem harmoniosamente, “provando” a origem humana do aquecimento global.

Nos meios científicos, não há um só profissional idôneo que engula essa fraude grotesca. Todo mundo sabe que as curvas são similares, sim, mas que as elevações de temperatura antecedem e não se sucedem ao aumento das emissões de CO2 , isto é, que Al Gore inverteu propositadamente causa e efeito para fomentar a campanha do imposto mundial.

Já o escândalo do “Climagate”, em que prestigiosos cientistas foram surpreendidos tramando falsificação de dados, vem sendo abafado por todos os meios possíveis: se você depender do New York Times ou da CNN para informar-se a respeito, não ficará jamais sabendo de nada, ou pelo menos terá a impressão de que a vigarice de alguns pesquisadores isolados não afeta em nada a confiabilidade das teses dominantes quanto ao aquecimento global. Impressão falsa. Philip Jones, Keith Briffa e Michael Mann, os pesquisadores de East Anglia pegos de calças na mão, são os principais autores dos dois relatórios da ONU que servem de base à campanha do imposto global, isto é, da extorsão global de três bilhões de dólares para salvar o mundo de uma ameaça forjada (v. http://www.telegraph.co.uk/comment/columnists/ christopherbooker/6738111/Climategate-reveals-the-most-influential-tree-in-the-world.html).

Do mesmo modo, os órgãos da “grande mídia” não publicam uma só linha quanto aos processos que a jornalista austríaca Jane Burgermeister está movendo contra a Organização Mundial da Saúde, o governo Obama e algumas poderosas indústrias farmacêuticas. As vacinas contra gripe suína, já obrigatórias em alguns Estados americanos, e que a presidência Obama pretende impor a todo o país, estão contaminadas com o vírus da gripe aviária, muito mais perigosa: é o que afirma Burgermeister, sustentando suas palavras com ações que não são de ordem a tornar a sua existência nem um pouco mais confortável (v. www.theflucase.com). Para impor a obrigatoriedade da vacinação, o governo americano e a OMS promoveram uma campanha alarmista, com forte apoio de jornais, TVs, universidades, instituições científicas e artistas de Hollywood, exagerando brutalmente os riscos da gripe suína. Agora, que as vacinas estão matando muito mais gente do que a própria gripe, a mídia e as autoridades se calam ominosamente, mostrando que não estão interessadas na saúde do público mas em proteger os autores de uma fraude genocida. E notem: os envolvidos nessa fraude são os mesmos apóstolos do imposto global, assim como os meios usados para ludibriar o público são os mesmos em ambos os casos: a propaganda maciça em escala mundial, travestida de “jornalismo”, e a supressão sistemática dos fatos indesejáveis.

Cada vez mais, entramos num novo mundo onde não se poderá confiar em nenhuma instituição, em nenhuma autoridade, em nenhum prestígio, e onde cada um terá de buscar a verdade por seus próprios meios, se os tiver. Como a maioria não os tem, será cada vez mais difícil encontrar alguma diferença entre esse novo mundo e o império global da burla anunciado pelos profetas e pelo Falstaff de Verdi.

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