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Os insuspeitíssimos

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 9 de março de 2009

Se você se interessa pelos rumos da política mundial, chega um dia em que tem de escolher entre compreender os fatos e continuar tentando parecer um sujeito normal e equilibrado. Normalidade e equilíbrio são coisas altamente desejáveis, mas um esforço exagerado para simular calma e ponderação quando na verdade você está perplexo e desorientado prova apenas que você é um neurótico incapaz de suportar suas próprias emoções. Como o calmante artificial mais popular consiste em negar as realidades perturbadoras, há muito tempo os estrategistas revolucionários e os engenheiros sociais a seu serviço já aprenderam a usá-lo como instrumento de controle da opinião pública. O truque é de um esquematismo espantoso: eles simplesmente adotam o curso de ação mais ousado, estranho, inesperado e inverossímil, e ao mesmo tempo estigmatizam como louco paranóico quem quer que diga que estão fazendo algo de anormal. De cada dez cidadãos, nove caem no engodo. A insegurança mesma da situação faz a maioria apegar-se a falsos símbolos convencionais de normalidade, sufocando os fatos estranhos sob o peso dos lugares-comuns consagrados e assim ajudando a tornar ilusoriamente secreto o que na verdade está à vista de todos.

Os exemplos de aplicação dessa estratégia desde o início do século XX são tantos, que seu estudo bastaria para constituir uma disciplina científica independente. Vou aqui citar apenas um, cuja magnitude contrasta com a escassez de interesse geral em conhecê-lo.

Desde a década de 20, enquanto os regimes comunistas promoviam a mais brutal e ostensiva perseguição aos cristãos nos seus territórios, os grandes estrategistas do comunismo – numa gama que vai de Stálin a Antonio Gramsci – já haviam chegado à conclusão de que, nas nações democráticas, o ataque frontal à Igreja não ia funcionar: o que era preciso era infiltrar-se nela, corrompê-la e destruí-la por dentro, esvaziá-la de todo conteúdo espiritual e usá-la como caixa de ressonância para as palavras-de-ordem emanadas do comando revolucionário.

Todo mundo já ouviu falar disso. Não há quem não saiba que há comunistas na Igreja. Mas quantos são eles? Quem são? Quais as suas formas de ação? Como identificá-los, denunciá-los e expulsá-los? Será razoável imaginar que a substância letal injetada no corpo da Igreja se reduza aos mais óbvios e barulhentos “padres de passeata”, como os chamava Nelson Rodrigues, e que não haja por trás deles agentes de nível incomparavelmente mais alto, agindo de maneiras mais discretas, camufladas e decisivas? Aí, de súbito, cessa toda curiosidade. As perguntas mais naturais – inevitáveis mesmo, para o fiel que se preocupe com a integridade da Igreja – começam a parecer, de repente, inconveniências de mau gosto, sinais de doença mental, manifestações de desrespeito à hierarquia eclesiástica. A pretexto de evitar o escândalo, reprime-se a investigação do crime, semeando escândalos mil vezes maiores no futuro.

Recentemente, Bella Dodd, ex-agente soviética que já denunciara a infiltração comunista na Igreja em seu livro “The School of Darkness”, consentiu em dar ao público, pela primeira vez, uma idéia mais exata das dimensões do fenômeno. Ela disse que havia milhares de agentes encarregados da operação, cada um tratando de colocar em seminários e outras instituições religiosas o maior número possível de “adormecidos”, isto é, agentes sem nenhuma missão imediata, encarregados de apenas permanecer dentro da Igreja, construindo identidades aparentes de católicos fiéis, aguardando instruções que poderiam vir dentro de uma, duas ou três décadas. Bella Dodd, sozinha, colocou na Igreja mais de mil e duzentos “adormecidos”. O total dos agentes infiltrados só nas décadas de 30 e 40 dificilmente estará abaixo de cem mil, sem contar os que vieram depois, quase que certamente em número maior. Muitos desses só entraram em ação na época do Concílio Vaticano II. Outros continuam subindo discretamente na hierarquia ou em organizações leigas, onde uma de suas mais óbvias funções é apagar os sinais da sua própria presença e, sob os pretextos mais santos, desestimular todo anticomunismo sistemático, boicotando os grupos e organizações que insistam em continuar obedecendo à ordem de Pio XII, transmitida a todos os católicos do mundo, para que combatessem o comunismo até com risco de suas próprias vidas.

Mais nefasta do que a tagarelice dos notórios padres vermelhos é a ação amortecedora, castradora, empreendida desde dentro e desde cima por prelados e líderes leigos aparentemente respeitáveis, imunes a qualquer suspeita, cuja função estratégica não é pregar o comunismo, mas simplesmente secar as fontes do anticomunismo católico até que a Igreja se resuma, como no Brasil de hoje se resume, à Igreja esquerdista militante e agresssiva de um lado, e de outro a Igreja apolítica, omissa, silenciosa, manietada, debilitada e doente.

Muitos, para justificar o injustificável, alegam o primado do espiritual. Nossa missão, dizem, é orar e buscar a santidade, não sair em campo de armas em punho. Mas a hipocrisia desses indivíduos revela-se da maneira mais patente tão logo são testados: se permanecem silenciosos e tímidos quando suas organizações e a Igreja como um conjunto são difamadas e cobertas de injúrias pela esquerda, muito outra é sua reação quando alguém os critica desde um ponto de vista cristão e denuncia sua omissão e preguiça. Aí reagem com a fúria de mil demônios, desancando o infeliz como se fosse um rebelde, um heresiarca, um dinamitador de sacristias.

Muitos dos que fazem isso, é claro, não são agentes infiltrados. São apenas covardes genuínos, afetados da síndrome de simulação de normalidade que mencionei no início deste artigo. Mas é impossível que estes, tímidos por natureza, entrem em combate com tanta presteza sem ser incitados pelos primeiros. Simplesmente não é verossímil que tanta omissão em face do comunismo, aliada a tanta virulência contra o anticomunismo, não tenha nada de comunista nas fontes que a inspiram.

Benefícios da surdez

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 03 de abril de 2008

Se há um brasileiro insuspeito de simpatias para com qualquer político, sou eu. Já escrevi o diabo contra todos eles, sempre da maneira mais descortês que me ocorresse no momento. Se falhei e dei a impressão de crítica construtiva – de reprimenda fraterna, como diz a Igreja – juro que não foi essa a minha intenção. Jamais quis corrigir nenhum deles: o que eu queria mesmo era mandá-los todos de volta para suas atividades particulares, se alguma tivessem.

Mas uma coisa tenho de reconhecer: o senador Gerson Camata (PMDB-ES), que pediu uma CPI sobre a ligação entre o Foro de São Paulo, as Farc e aquelas entidades comedoras de dinheiro conhecidas pelo nome pomposo de “movimentos sociais”, é digno do meu maior respeito e consideração. Foi o primeiro político brasileiro a cumprir um dever que era de todos, e do qual todos fugiram ao longo de duas décadas e meia, uns por preguiça e covardia, outros porque lucravam com a omissão.

Não creio, porém, que a iniciativa do senador prospere – principalmente agora, quando a volta da guerrilha, subitamente revelada por uma reportagem da IstoÉ, arrisca tornar patente a imensidão de um concurso de crimes que a todo o establishment esquerdista interessa ocultar.

Nunca ouvi uma mentira mais sonsa, mais ridícula, mais desprezível, do que aquela história de o dossiê anti-tucano ter sido obra de um tucano infiltrado no PT. Mas não vou me meter nesse assunto, pois já não posso, sem ser acusado de “compadrio”, defender nenhum jornalista acossado pela máquina petista de cortar cabeças. Eles, os mocinhos da fita, os bondosos, os humanitários, os gostosões, podem repartir entre seus amigos os cargos mais altos na profissão, as verbas mais polpudas nas universidades e instituições oficiais de cultura, os postos mais saborosos do alto funcionalismo público, como se a mídia, o Estado e o país inteiro fossem seu feudo comunitário.

Mas eu, se insinuo mesmo levemente que o outro lado tem seus direitos, que não há mal nenhum em que a minoria das minorias dê sua opinião com alguma liberdade, torno-me instantaneamente um corporativista maquiavélico.

Por isso, mesmo sabendo que tudo o que Reinaldo Azevedo tem escrito na Veja é verdade e que o ódio que tantos despejam sobre ele é prova de que têm muito a esconder, nada direi em favor dele. Nem direi que sua última crônica naquela revista, malgrado uma referência simpática a Voltaire que eu jamais subscreveria, é leitura indispensável a todos os brasileiros pensantes, membros de uma raça em extinção. Não direi, pensando bem, coisa nenhuma.

Se dezoito brutamontes cercarem o Reinaldo na rua para esmigalhar sua ossatura a pauladas, ficarei bem quietinho, para que ninguém saia espalhando que sou um mafioso empenhado em defender interesses sórdidos da camarilha direitista que, segundo o senhor presidente da República, governa este país há quinhentos anos.

***

Por idênticas razões, não anunciarei nesta coluna o livro do coronel Lício Maciel, Guerrilha do Araguaia. Fingirei ignorar que o lançamento será dia 8 de abril, às 17 horas, no Clube Militar do Rio de Janeiro, Avenida Rio Branco, 251, sobreloja. Muito menos hei de sugerir que alguém seja malvado o bastante para chegar a ler esse depoimento, perfeitamente desnecessário uma vez que o autor já foi julgado e condenado pela mídia esquerdista, mais infalível do que a Santa Inquisição.

Pouco a pouco, sutilmente, imperceptivelmente, nossos compatriotas vão se acostumando à idéia de que “ouvir o outro lado” é extremismo de direita. Eu mesmo já começo a meditar os benefícios da surdez, só comparáveis aos de um subserviente mutismo.

No velho Oeste

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 20 de março de 2008

Vocês certamente já viram um desses filmes de faroeste em que o velho pistoleiro, tendo acertado uns quantos oponentes, já não pode ir a parte alguma sem que lhe apareçam dúzias de moleques querendo se exibir num duelo. Pois é: no domínio dos tiroteios jornalísticos, esse sujeito sou eu – com a diferença de que, graças à internet, os moleques se multiplicaram por milhares, cada um achando que aquilo que mais quero na vida é discutir com ele num blog que ninguém lê.

Decerto, não são todos esquerdistas. Há liberais ateus, darwinistas enragés, católicos pré-conciliares e pós-conciliares, evangélicos indignados, muçulmanos, tradicionalistas guenonianos, positivistas, ocultistas, etc. etc., cada um, naturalmente, classificando-me no grupo adversário que lhe pareça o mais repulsivo.

O que há de comum em todos esses desafiantes é que sempre falam em nome de um partido, de uma igreja, de uma opinião pronta, jamais de alguma idéia própria que tenha custado qualquer trabalho a seus cérebros individuais. Como, no entanto, não são capazes de rastrear as fontes de suas próprias opiniões – e nem têm a menor suspeita de que fazer isso é necessário –, acreditam piamente que são inteligências independentes discutindo com o porta-voz de uma crença ou ideologia pronta – aquela que mais detestam. Por outro lado, também não se lêem uns aos outros e por isto não percebem o quanto é cômico, desde o meu posto de observação, ver-me classificado ora como católico devoto, ora como protestante, como herético gnóstico, como nazifascista, como esotérico sufi, como neoliberal, como sionista, como esquerdista enrustido, como neoconservative etc. etc. Para cúmulo de asneira, uma vez escolhida a chave classificatória na qual julgam poder me enquadrar, passam a deduzir dela a explicação integral das minhas idéias expressas e inexpressas, incluindo, naturalmente, algumas secretas, outras que jamais tive nem poderia ter e umas quantas cujo sentido me escapa por completo. Feito isso, pavoneiam-se de haver – cada um deles pioneirissimamente, é claro – decifrado o enigma Olavo de Carvalho.

Há também entre eles uma pronunciada unidade de estilo, onde o que mais se nota é a indignação afetada e – por isso mesmo – a total incapacidade de manejar as palavras com alguma destreza. De senso estético, é claro, nem se fala. Para expor suas idéias com alguma elegância, o sujeito precisa guardar uma certa distância delas, ter um senso agudo da relatividade e da incerteza por trás até mesmo das verdades mais óbvias. No mínimo, tem de saber que nenhuma expressão verbal, por mais caprichada que seja, é boa o bastante para se impor como certeza absoluta: o melhor que ela pode fazer é aludir a essa certeza, mas quase sempre de maneira incompleta e aproximativa. O problema com esses meninos não é a crença cega que têm nas verdades que eventualmente apreendem: é a confiança cega no poder que suas palavras têm de transmiti-las sem erro. O efeito é invariavelmente ridículo, mas só para quem o percebe. Para mostrá-lo caso a caso, eu teria de escrever uma enciclopédia de retificações. A falta de consciência da própria nebulosidade interior acaba se traduzindo em frases de uma imprecisão vocabular grotesca, que se tornam ainda mais grotescas quando imaginam transmitir evidências claríssimas.

Outra constante é que, não encontrando no meu artigo que acabam de ler todas as respostas às primeiras objeções que lhes brotam na cabeça, passam a acreditar imediatamente que elas não existem nas outras partes de uma obra que já vai para mais de vinte mil páginas (sem contar arquivos de voz e imagem), de onde concluem que aquelas objeções, por demasiado inteligentes, jamais poderiam ter ocorrido a um cretino como eu.

Mas o que mais me dói é o sadismo dos meus amigos gozadores que, lendo essas coisas no universo bloguístico, as enviam para mim sem a mínima complacência.

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