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A diplomacia das sombras

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de dezembro de 2008

“Monroe deve estar rolando no túmulo”, comentou Julia Sweig, diretora do programa latino-americano do Concil on Foreign Relations (CFR), ao saber que os EUA tinham sido excluídos do encontro de chefes de Estado da América Latina em Costa do Sauípe, BA. A famosa doutrina de 1823, que colocava o continente fora dos limites de ação dos poderes europeus e fazia dele uma área de influência dos EUA, está morta e enterrada.

É o resultado inevitável da política adotada pelo presidente George W. Bush, de tentar seduzir a “esquerda moderada” latino-americana para fazer dela um muro-de-arrimo contra a avalanche do esquerdismo revolucionário. Praticamente não houve nos altos círculos de Washington, na grande mídia americana e no próprio CFR quem não achasse essa política o cume da sabedoria diplomática universal. Os democratas só reclamavam – um pouquinho – que ela não era esquerdista o suficiente. Os republicanos reagiam com desprezo e impaciência a qualquer tentativa de apontar a sua falha fundamental.

Desde que cheguei aos EUA, em maio de 2005, discursei em várias instituições conservadoras e distribuí dezenas de artigos a políticos e formadores de opinião, dizendo que ignorar a unidade profunda da esquerda latino-americana, apostando na possibilidade de jogar um país contra o outro por meio de vantagens comerciais, era coisa de uma estupidez descomunal, senão uma traição deliberada que os esquerdistas do Departamento de Estado fomentavam e os direitistas sonsos se recusavam a enxergar.

Celebrado pela esquerda como amostra de “independência”, o afastamento do continente em relação aos EUA não é nada disso: é a submissão integral e descarada à estratégia expansionista de russos, chineses e iranianos. Nos últimos anos, o presidente chinês Hu Jintao passou mais tempo na América Latina do que George W. Bush, intensificando as relações comerciais e diplomáticas com vários países do continente. Mahmud Ahmadinejad já está convidado a visitar o Brasil e os navios russos vão fazendo alegremente manobras conjuntas com os da Venezuela, numa área onde isso seria impensável uns anos atrás. A penetração russa e chinesa nos negócios do Brasil através de uma infinidade de testas-de-ferro é impossível de medir, mas, em geral, onde você lê “Espanha” deve entender “Rússia”. O reingresso de Cuba na comunidade latino-americana, sem oferecer em troca nenhuma concessão na área dos direitos humanos, foi celebrada pelo presidente Lula como justificativa cabal para o encontro, mesmo que ali não se resolvesse mais nada.

Lula, no qual George W. Bush apostou como um instrumento essencial da diplomacia americana para conter o avanço do comunismo continental, é ele próprio, hoje como desde a fundação do Foro de São Paulo em 1990, o grande articulador da subversão latino-americana, coisa que este encontro deixou mais claro do que nunca. Se, ao mesmo tempo, ele fomenta a economia de mercado e o livre comércio internacional, segue nisso a mesma orientação de russos, de chineses e de todo o movimento comunista internacional: adiar sine die a socialização dos meios de produção e usar o próprio crescimento capitalista como via para a construção do poder político esquerdista global. O que Lênin fez na Rússia está sendo agora aplicado em escala mundial: seduzir os capitalistas com uma conversa suave enquanto se aumenta até o extremo limite do possível o poder político do movimento comunista.

Acostumado a fazer as análises e previsões mais acertadas e a vê-las recebidas com sorrisinhos de desdém e afetações de superioridade olímpica – emblema clássico da imprevidência beócia –, lembro-me de que ainda em 2005, quinze anos depois da fundação do Foro de São Paulo, já então o senhor quase absoluto da política continental, a ilustradíssima assembléia do CFR se recusava a acreditar até mesmo na existência da entidade. Um dia, daqui a trinta ou quarenta anos, saberemos se essa demonstração de cegueira foi fruto da estupidez genuína ou da ação esperta de intelectuais iluminados. A política, é certo, é um jogo de aparências. Mas ninguém pode manipular aparências se não permanece fora delas, firmemente ancorado no chão da realidade. No fim das contas, aqueles que se acostumam a viver de aparências acabam se infectando de um horror sacrossanto à realidade: sua ostentação vaidosa de realismo, maturidade e sabedoria prática é uma pantomima grotesca que encobre a sua total incapacidade de ação eficaz, ao mesmo tempo que os investe do poder ilusório de manipular sombras dentro de sombras, transmutados em sombras eles próprios.

Responder à altura

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 03 de julho de 2008

Desde há alguns anos, Cliff Kincaid, editor do esplêndido site Accuracy in Media, vem colecionando declarações perversas, grotescas e sobretudo insultuosas proferidas por políticos, intelectuais e artistas de esquerda nos EUA. Insultuosas não só a esta ou àquela pessoa, a esta ou àquela nação, raça ou religião, mas ao próprio dom da linguagem, que não foi concedido ao homem para que criasse uma realidade postiça mediante a verbalização histriônica de seus sentimentos mais vis. Dentre esses sentimentos, destacam-se ali a recusa do elementar respeito aos recém-falecidos, o gosto sádico de caluniar a espécie humana, o desprezo pedante pelas mais singelas afeições familiares, a tendência compulsiva de intimidar e chantagear, a radical intolerância à liberdade de expressão e, last not least, o puro, o legítimo, o indisfarçado desejo de matar – tudo isso sublinhado pela presunção de infinita superioridade moral, que assim se revela, pelo contraste com a conduta documentada, um traço inconfundivelmente psicótico.

O leitor pode verificar em www.aim.org/wls. São milhares de citações, cada qual mais deprimente que a outra, nenhuma delas desmentida ou seguida de desculpas. Praticamente não há nos EUA celebridade “left-liberal” que não tenha dado sua contribuição a essa galeria de horrores, o mais direto e fidedigno retrato da alma esquerdista em todo o esplendor da sua baixeza.

Exorto os blogueiros do Brasil a reunir um mostruário nacional equivalente – necessidade vital a partir do momento em que o próprio presidente da República já não se vexa de chamar de “pervertidos” todos os que tenham objeções morais ao homossexualismo.

Mas o exemplário, para ser didático, deveria vir complementado por uma antologia dos eufemismos, rodeios e circunlóquios delicados com que a “direita”, encolhendo-se de servilismo ao ponto de quase desaparecer no subsolo, responde à brutalidade esquerdista, fingindo uma atmosfera de respeito mútuo, movendo guerra cultural assimétrica contra si própria e inventando para tal fim essa coisa extraordinária, jamais prevista nos manuais de lógica, que é a reciprocidade unilateral.

A diferença entre a direita brasileira e a americana, nesse ponto, é mínima. O pastor Pat Robertson, ao declarar que alguém devia dar cabo de um feroz inimigo do seu país, levanta contra si uma tempestade de invectivas e se humilha num pedido de desculpas. Apelos públicos ao assassinato de George W. Bush são tidos como normais, aceitáveis e até elegantes.

No Brasil, quem exerceu o direito elementar de responder ao sr. presidente da República que pervertido é ele?

Quando o sr. Ricardo Berzoini jura que invadir e queimar fazendas produtivas é “uma contribuição à democracia”, quem lhe responde que vá ser cínico naquele lugar?

Quando o sr. Luiz Mott fala de erotismo abraçado à estátua de um bebê, quem denuncia que isso é propaganda da pedofilia? Quando ele cisca cento e poucos gays dentre os 50 mil brasileiros assassinados por ano e faz disso uma “prova” de violência anti-homossexual endêmica, quem o acusa de improbidade intelectual?

Quanto o ministro da Saúde alega que milhares de mulheres morrem em abortos clandestinos e os próprios documentos do seu ministério provam que elas não passam de sete ou oito, quem o processa por essa fraude publicitária?

Até as Forças Armadas, quando acusadas de crimes imaginários, dão mau exemplo, omitindo-se de responder à calúnia com o devido processo judicial e optando pelo protesto tímido das “notas oficiais” praticamente inaudíveis.

Notem bem. Eu jamais aprovaria que se usase contra a esquerda o recurso, tão típico dela, à ênfase forçada, à autovitimização fingida, ao denuncismo histriônico. Mas o sentimento de justiça, que deve vigorar no estilo literário como em tudo o mais, exige que se chamem as coisas pelos seus nomes, o pervertido de pervertido, o mentiroso de mentiroso, o vigarista de vigarista.

Avançando para a ruína

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 20 de junho de 2008

Ao afirmar que, com a candidatura Obama, “a América avançou muito”, George W. Bush deu mais uma prova de que prefere antes destruir a si mesmo, ao seu partido e ao seu país do que dizer qualquer verdade desagradável aos inimigos políticos que o difamam incessantemente.

Devolver ataques brutais com amabilidade servil é o caminho certo para a lata de lixo da História. O presidente americano já avançou demais nessa direção com seu vezo de depreciar seus próprios méritos reais exaltando os méritos inexistentes do adversário.

A declaração é tanto mais masoquista porque proferida na mesma semana em que o candidato democrata, perguntado se indicaria George W. Bush para embaixador no Iraque, respondeu que escolheria alguém mais competente. Quem pode ser mais competente para representar um país em terra estrangeira do que aquele que a libertou da tirania? Responder à insolência com afagos é sinal de fraqueza e, como dizia Donald Rumsfeld, a fraqueza atrai agressores.

Mas a opinião emitida por Bush não é só inconveniente: é falsa. Avaliar a escolha de um candidato pela cor da pele é, literalmente, julgar os fatos só pela sua aparência epidérmica. Como já expliquei aqui, o que diferencia Barack Obama, o que o torna único na América e no mundo, não é a cor da pele, mas um grau de mendacidade grosseira, vulgar, quase pueril, que jamais se viu em qualquer candidato à presidência de uma grande nação. A candidatura Obama é, nesse sentido, um blefe ostensivo destinado a provar, numa cínica demonstração de força da elite globalista, que o eleitor americano já está amestrado para aceitar, mesmo em prejuízo próprio, qualquer porcaria que venha dela. Isso não é um avanço de maneira alguma: é o sintoma cabal do estado alarmante de deterioração da democracia americana.

Só nesta semana já apareceram mais dois indícios eloqüentes de que o candidato democrata falsifica sua biografia com aquela malícia ingênua dos pequenos estelionatários. Primeiro, ele ainda não entregou à secretaria do Partido Democrata sua certidão de nascimento. Por que um presunçoso que já se considera praticamente eleito haveria de colocar em risco sua candidatura pela omissão de um detalhe burocrático tão banal? Só pode ser porque o documento contém alguma informação inconveniente que ele, como menino surpreendido em flagrante traquinagem, torna ainda mais visível pela canhetrice com que a esconde.

Que informação pode ser essa, é algo que sem grande dificuldade se depreende do segundo indício: agora quem desmente Obama, afirmando que na infância ele foi muçulmano e não cristão como afirma, já não são nem seus colegas de escola — é o seu próprio irmão.

Todos os políticos mentem, mas fazem isso com alguma classe, evitando as mentirinhas tolas mais fáceis de impugnar. Obama não tem esse requinte, ou porque não esteja à altura de observá-lo, ou porque tem costas quentes o bastante para poder ser o mais descuidado dos mentirosos sem ter de se preocupar com as conseqüências.

A esta altura, é eufemismo alertar que Obama, se eleito, pode trazer danos sérios à democracia americana: que um sujeito tão obviamente desqualificado seja aceito como candidato à presidência já é um dano monstruoso e irreversível não só para a nação líder do mundo, mas para toda a humanidade. Essa candidatura é um avanço, sim, mas em direção à ruína final do Ocidente, prenunciando os “mil anos de trevas” de que falava Ronald Reagan.

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