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Saindo do armário

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de dezembro de 2007

No discurso que fez durante o Encontro de Governadores da Frente Norte do Mercosul, em Belém do Pará no último dia 6 de dezembro, o sr. presidente da República foi ainda mais explícito do que em 2 de julho de 2005 – 15º. aniversário do Foro de São Paulo –, e a grande mídia nacional foi ainda mais aplicada e unânime em fingir que não o ouviu. O que ele disse foi, em essência, o seguinte:

1. O Foro de São Paulo, fundado por ele, é o comando estratégico da esquerda continental.

2. Ao longo de dezessete anos de ações coordenadas, a estratégia do Foro mudou o curso da História na América Latina, não só salvando da extinção o movimento comunista internacional mas entregando a ele o poder sobre várias nações e abrindo caminho para a sua expansão ilimitada.

Essas afirmações são verdades facílimas de comprovar. Basta cotejar as atas das assembléias e grupos de trabalho daquela misteriosa entidade com o noticiário das mudanças políticas sobrevindas em escala continental desde a sua fundação em 1990. Praticamente tudo o que aconteceu de importante na política latino-americana na última década e meia foi tramado e decidido com antecedência no Foro de São Paulo.

O sr. presidente só mentiu num ponto: disse que os cientistas sociais terão dificuldade em entender essa gigantesca transformação histórica porque “foi tudo muito rápido”. Não foi rápido coisa nenhuma. Houve tempo suficiente para compreender o processo e até para detê-lo. O que faltou foi informação. Tudo o que se discutiu e se decidiu no Foro ao longo de dezessete anos foi mantido em segredo, com a colaboração servil e criminosa da mídia cúmplice e de uma oposição de fancaria, programada para calar o bico. Ludibriado, o povo assistiu às mudanças sem saber de onde vinham, como se fosse tudo uma inexplicável tempestade de curiosas coincidências. Agindo por toda parte sem jamais ser visto, discutido ou denunciado, o Foro de São Paulo transformou-se literalmente no governo mágico preconizado por Antonio Gramsci, investido do “poder invisível e onipresente de um imperativo categórico, de um mandamento divino”.

Nunca, na história do mundo, acontecimentos dessa magnitude permaneceram ocultos perante tanta gente durante tanto tempo, com conseqüências tão vastas.

O fato de que, diante desse fenômeno assombroso, os próprios antipetistas reais ou fingidos se encolham e prefiram discutir miudezas administrativas e legais, como se estivéssemos numa antiga e aprazível democracia européia onde a política se tornou mera rotina burocrática, mostra que a ousadia e o cinismo dos planos monumentais da esquerda não inibiram em seus adversários só a coragem de lutar, mas até o desejo de pensar, o mero impulso de saber. O mal que cresce em torno deles tornou-se grande demais para que desejem enxergá-lo. Como drogados numa boate em chamas, preferem deixar-se cair pelas poltronas, esperando que o incêndio passe como se fosse apenas uma bad trip.

Agora que a luta está praticamente ganha, o próprio inventor da trama pode abrir o armário e mostrar a bela coleção de esqueletos acumulada no escuro ao longo dos anos.

Ele já não tem motivo para calar. Já ninguém tem força para punir seus crimes. Aquilo que foi encoberto pode ser exibido, sem risco, de cima dos telhados. Apenas, aqueles que solicitamente colaboraram com a ocultação se sentem, é claro, um pouco envergonhados de confessar que seu silêncio obsequioso, tão constante, tão devoto, se tornou de repente uma relíquia inútil, desprezada por seu próprio beneficiário maior.

Aprendendo com Peña Esclusa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de outubro 2007

Os diretores e membros da Associação Comercial de São Paulo guardam, sem dúvida, boas recordações de Alejandro Peña Esclusa, ex-candidato à presidência da Venezuela, que em maio de 2006 compareceu ao Seminário “Democracia, Liberdade e o Império das Leis”, na sede da entidade, e aí faz uma impressionante exposição sobre os avanços do comunismo no continente, em especial sobre o poderio crescente do Foro de São Paulo (v. http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=4942 ).

Peña Esclusa não era acusado de nenhum crime nem estava sob investigação. No entanto, precisou de autorização especial da Justiça de seu país para poder viajar ao Brasil. A exigência desse salvo-conduto devia-se exclusivamente à vigilância estrita que o governo venezuelano começava então a exercer sobre os inimigos reais e possíveis do presidente Hugo Chávez. O fato, na época, serviu de ilustração perfeita para as explicações que Peña Esclusa deu em São Paulo quanto à progressiva eliminação das liberdades civis e políticas sob a ditadura Chávez. Diferentemente da platéia presente àquele memorável evento, no entanto, os organizadores do “Foro Permanente pela Liberdade”, em El Salvador , terão de se contentar com o fato bruto, sem as explicações: desta vez Alejandro Peña Esclusa foi sumariamente proibido de sair da Venezuela. A vigilância, que já era abusiva e insultuosa no mais alto grau, transformou-se em controle e repressão ostensivos (v. edição de 17 de outubro de http://notalatina.blogspot.com ).

Àqueles que, diante dessa notícia, se sintam aliviados de viver no Brasil em vez de na Vanezuela, nada preciso advertir. O próprio Peña Esclusa já o fez: a ditadura Hugo Chávez não é um fenômeno isolado, é apenas a realização local, um pouco mais avançada no tempo, do plano estratégico abrangente do Foro de São Paulo, destinado a transformar todo o continente numa união de repúblicas socialistas, “reconquistando na América Latina o que foi perdido no Leste europeu”.

E àqueles que continuem achando que Lula é uma alternativa a Chávez, a resposta veio do próprio Lula em pessoa, no seu discurso de 2 de julho de 2005, décimo quinto aniversário do Foro de São Paulo, onde confessa que, já como presidente da República, interferiu ativamente na política venezuelana, ajudando a consolidar o poder daquele cachorro louco pelo qual tem afeições de pai e protetor (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm ). Ninguém é uma alternativa para um mal que ele próprio criou e insiste em alimentar.

A única diferença entre a Venezuela e o Brasil é a seguinte. A Venezuela é o mostruário e balão de ensaio da revolução comunista latino-americana. Ela se arrisca, se expõe, para medir as reações internas e externas e transmitir ao restante do Foro de São Paulo os sinais para as devidas correções e ajustes da estratégia geral. O Brasil, ao contrário, cujo presidente foi fundador e líder máximo do Foro, é o centro vivo dessa organização, a sede do seu comando e do seu Estado-Maior. Por isso mesmo tem de ser resguardado de olhares intrusos, protegido sob uma densa camada de desconversas e camuflagens táticas, parecendo inofensivo porque é justamente a fonte essencial do perigo. Quem quer que, examinando os documentos do Foro e confrontando-os com as ações de seus líderes, não perceba isso com muita clareza, deve ser considerado um amador totalmente desqualificado para análises políticas mesmo elementares ou, ao contrário, um desinformante consciente e muito hábil a serviço da subversão continental – nos dois casos, alguém indigno de confiança. Inclui-se nessa classe a maioria dos comentaristas políticos da mídia nacional, dos analistas iluminados que pontificam na ESG e dos consultores estratégicos ao alcance do nosso empresariado. A acuidade de uma análise política mede-se pela previsão acertada do curso dos acontecimentos. Há quinze anos essas criaturas se esmeram em errar, mas sua credibilidade não parece diminuir em nada por isso.

Segundo uma reportagem do Washington Post , pesquisas recentes na área de psicologia mostram que a maior parte dos seres humanos acredita mais facilmente numa mentira coerente com as suas regras habituais de pensamento do que com uma verdade que as contrarie. Ora, nenhuma regra é mais arraigada na mente do empresariado brasileiro do que a crença otimista na estabilidade inabalável da ordem econômica que o sustenta. Por mais que os impostos subam, por mais que cresça o poder discricionário das organizações esquerdistas, por mais que propriedades rurais e urbanas sejam invadidas, queimadas, destruídas; por mais gente que morra nas ruas alvejada pelas balas dos paus-mandados das Farc; por mais que a própria atividade empresarial seja manietada e criminalizada sob o peso crescente dos controles burocráticos, há muita gente nessa classe que insiste em repetir o mantra: “Todo dia, sob todos os aspectos, tudo está indo cada vez melhor.”

Compreendo que, numa sociedade caótica, sem valores tradicionais nem muito menos alguma ordem pública fisicamente reconhecível, a segurança psicológica de tantas pessoas dependa do apego obstinado a ilusões tranqüilizantes. Mas, quando estas caem, aquela segurança vem abaixo toda de uma vez. É o pânico, a desorientação total, a inermidade absoluta ante o perigo presente. Entre a falsa segurança e o pânico, existe porém toda uma gradação possível de reações diferenciadas, cujo aprendizado é a única esperança de sobrevivência nas situações ameaçadoras. Há o estado de alerta, a atenção redobrada, a antecipação das respostas cabíveis, a preparação para as ações de emergência. Enquanto o nosso empresariado não abdicar da falsa segurança – que no fundo é medo de entrar em pânico, e já é por isso mesmo pânico disfarçado –, ele não desejará aprender a desenvolver as reações capazes de salvá-lo do assédio geral comunista que se anuncia para muito breve.

A Venezuela vive. E o Brasil agoniza

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 04 de junho 2007

Não sei por que as pessoas se preocupam tanto com a Venezuela. A situação no Brasil é incomparavelmente pior. Vejam a força do protesto estudantil nas ruas de Caracas e perguntem se algo de parecido é possível no Brasil, onde o PT e as demais organizações de esquerda têm o monopólio total das manifestações de rua há pelo menos três décadas. Ouçam o discurso vibrantemente anticomunista de um Alejandro Peña Esclusa e me digam se alguém, na “direita” brasileira, tem garra para desobedecer a censura ideológica que estigmatiza como “retorno à guerra fria” toda tentativa de denunciar a guerra quente, o retorno sangrento da revolução comunista ao continente latino-americano. Vejam a organização, a disciplina solidária do empresariado venezuelano na defesa da liberdade, e comparem com o nosso panorama de subserviência geral, canina, abjeta.

A Venezuela dolorida está viva. O Brasil anestesiado está moribundo.

Chávez representa o aspecto mais superficial, vistoso e grotesco da revolução continental. O cálculo astucioso, preciso, de longo prazo, é a parte da esquerda brasileira, que criou o Foro de São Paulo e maneja com habilidade extraordinária a orquestração do conjunto.

Hugo Chávez está prestando à direita um serviço tão valioso quanto George W. Bush presta à esquerda. O primeiro põe à mostra a verdadeira natureza da revolução continental, o segundo ajuda o Foro de São Paulo a camuflar sua estratégia geral sob a hipocrisia sorridente de Luís Inácio Lula da Silva.

O único resultado da política de Bush na América Latina será tornar o esquerdismo maquiavélico do PT mais palatável em comparação com o espantalho chavista. Quando a esquerda perder a Venezuela, terá ganho o continente inteiro, sob os aplausos de Washington. Chávez é o mais gordo e persuasivo boi de piranha que a esquerda mundial já ofereceu a seus crédulos adversários.

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