Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 25 de maio de 2006

Os órgãos brasileiros de mídia são notavelmente uniformes não só no que publicam, mas também no que omitem. Se você quer saber algo sobre as passeatas anti-Lula do último dia 23, que em São Paulo reuniram dezenas de milhares de participantes, trate de vasculhar a internet, por exemplo o site http://www.agenciaeletronica.net/aenova/destaque_foto.cfm?cod=39. Nem uma única palavra a respeito foi dita, nem uma fotografia foi mostrada nos jornais e noticiários de TV, embora essas passeatas, sendo após quarenta anos a primeira manifestação de massas não promovida por organizações de esquerda, constituíssem acontecimento histórico de importância excepcional.

Quando protesta contra as tentativas governamentais de controlá-la, a mídia nacional não o faz por amor à liberdade, mas por ciúme. Julgando-se, no fundo, uma peça integrante da hierarquia estatal, ela não pode aceitar que outro setor da burocracia dispute o seu monopólio do poder de censura. Quem, afinal, decidiu que os jornais brasileiros jamais noticiariam as matanças de cristãos na China e no Vietnã? Foi o governo? Não. Foram os próprios jornalistas brasileiros, que podem às vezes se irritar com este ou aquele político de esquerda, mas, no geral, permanecem fiéis à solidariedade internacional do movimento comunista que os educou e determinou sua forma mentis. Quem foi que proibiu qualquer menção às torturas e assassinatos de presos políticos na Guantanamo cubana, para dar verossimilhança à impressão de que o vizinho hotel de cinco estrelas construído pelos EUA para abrigar terroristas é uma câmara de horrores? Quem omite assepticamente qualquer informação sobre o governo mundial em acelerado processo de formação na ONU e seu apoio bilionário às organizações subversivas, mantendo assim a opinião pública na crença idiota de que o perigo de morte para as soberanias nacionais provém do bom e velho “imperialismo americano”? Quem proíbe qualquer notícia sobre o Foro de São Paulo e a articulação sistêmica dos partidos de esquerda com gangues de narcotraficantes e seqüestradores, sustentando a ilusão geral de que a ascensão da criminalidade no Brasil é fruto espontâneo da “miséria”, da “exploração capitalista” e até do “racismo policial”?

Quem recorta e deforma a esse ponto a realidade, mantendo a população brasileira anestesiada, estupidificada, enclausurada numa redoma de erros e fantasias, não é o governo, não é a Polícia Federal, não é o PT. É o próprio esquerdismo atávico da classe jornalística, que prefere antes furar os próprios olhos, num ritual macabro de auto-sacrifício masoquista, do que enxergar o cenário de tragédia que sua cumplicidade acomodada e covarde está ajudando o neocomunismo a construir na América Latina. Tão profunda e arraigada é sua devoção à fé esquerdista, que, ao perceber algum burocrata tentando controlá-la de fora, ela se sente humilhada e insultada como a esposa fiel que vê o marido ciumento instalar grampos de telefone para precaver-se contra amantes imaginários.

É claro que, de vez em quando, verdades indesejadas furam o bloqueio. Isso só acontece quando são alardeadas primeiro no Parlamento, tornando-se impossíveis de esconder por completo. E, também é claro, só explodem no Parlamento as más notícias que podem ser reaproveitadas como elementos de uma crítica esquerdista ao petismo triunfante ou neutralizadas como denúncias puramente moralísticas, expurgadas de toda substância ideológica. Questionar, no conjunto, a suprema autoridade moral do esquerdismo uspiano (ou tucanopetista) que nos domina há duas décadas, ah, isso não. É preciso, a todo preço, manter o debate político dentro dos limites do “centalismo democrático”, só cedendo o microfone às vozes previamente autorizadas e dando a impressão de que as demais não existem. Se para isso é preciso tornar a realidade inteira um segredo esotérico, só acessível entre cochichos, tanto melhor. Lênin e Hitler já haviam descoberto que a mentira integral é mais fácil de impor do que mentirinhas parciais. 

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