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A Gestapo terceirizada

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 13 de julho de 2006

Alfredo Sáenz, S. J., em “La estrategia ateísta de Antonio Gramsci” (Córdoba, 1988), observava que a via gramsciana para o socialismo, evitando a prática leninista de liquidar fisicamente os inimigos, dava preferência — embora não exclusiva — ao assassinato moral. Isso refletia a nova estrutura do Partido revolucionário, que de elite golpista armada ia se transmutando numa rede difusa e onipresente, sem rosto nem limites, imperando invisivelmente sobre a psicologia das massas e moldando até a mente dos seus adversários. Estes ficariam assim tão isolados, tão desarmados ideologicamente, que mal conseguiriam se defender sem acusar-se no mesmo ato, por falta de linguagem própria. Os poucos que se salvassem do naufrágio mental seriam neutralizados por meio do boicote profissional e do massacre difamatório — instrumentos manejados, é claro, de maneira impessoal e camuflada. Os líderes do Partido, bem como o próprio governo esquerdista, não se exporiam na primeira linha de ataque: ficariam escondidos por trás da multidão de jovens militantes anônimos, para dar a impressão de que a vítima não tombara sob os golpes de uma corrente partidária e sim da opinião pública, do progresso ou da natureza das coisas. A idéia era usar a própria sociedade civil, em vez do Estado, como instrumento de repressão.

A perseguição policial sem polícia, a Gestapo terceirizada , já está funcionando com pleno sucesso no Brasil. Os adversários mais sonsos — a maioria — já não ousam criticar o governo senão em nome de pretextos esquerdistas que os arrastam com ele na mesma condenação; a minoria intelectualmente ativa está acossada pela perda de emprego, pelas agressões psicológicas, pelas ameaças veladas ou explícitas, pelo assédio judiciário, pela difamação incessante e cruel.

Exemplos?

O jornalista Reinaldo Azevedo perdeu o emprego porque os anunciantes tinham medo de aparecer nas páginas de Primeira Leitura . Depois a casa de sua mãe foi invadida e depredada.

O âncora Boris Casoy foi demitido da TV Record pela força discreta das pressões políticas.

O cronista Diogo Mainardi geme esmagado sob toneladas de processos pelo crime de denunciar a corrupção federal.

O Padre José Carlos Lodi da Cruz, acossado por ONGs internacionais, foi condenado por um grotesco tribunal de Brasília a pagar multa por chamar uma abortista de abortista.

O escritor Júlio Severo sofre toda sorte de humilhações judiciais e administrativas por ter escrito um livro contra a ideologia homossexual e querer educar seu filho na religião cristã.
O professor Francisço Pessanha Neves, do Colégio de Aplicação da UFRJ, foi surrado por seus alunos por insistir em lhes ensinar filosofia grega em vez de marxismo.

Quanto a mim, todo mundo sabe: os insultos escatológicos e ameaças de morte já viraram rotinas banais, a intromissão difamatória na privacidade da minha família tornou-se direito consuetudinário, exercido por batalhões de imbecis juvenis instigados por professores que não ousariam me confrontar num debate. E tanto se empenharam na minha destruição que acabaram se traindo, publicando com sinistro humorismo goebbelsiano uma caricatura na qual apareço crucificado — uma eloqüente declaração de intenções, só frustradas in extremis pela minha oportuna saída do país.

O que Gramsci não explicou é que tipo de sociedade poderia nascer de uma geração em que os jovens se imaginam heróis da liberdade quando se juntam em bandos de centenas, de milhares, para servir de polícia política e desgraçar a existência de uns poucos inimigos isolados e sem recursos. É uma sociedade de vigaristas covardes e psicóticos. É o Brasil de hoje.

Mas nada disso é exclusividade nacional. O oposicionista venezuelano Alek Boyd, editor do site www.vcrisis.com , auto-exilado na Inglaterra, sem dinheiro para pagar um advogado, sofre bombardeio difamatório do lobby chavista apadrinhado pelo próprio prefeito de Londres. Por toda parte, o combate brutalmente desigual é a arma predileta dos apóstolos da igualdade.

A paz mortífera

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 6 de julho de 2006

A notícia saiu no Brasil com uma discrição que raia a invisibilidade: vinte e sete anos depois da queda do regime comunista, oito depois da morte de seu líder máximo Pol Pot, começou em Phnom Penh, segunda-feira, o julgamento dos culpados pelo genocídio no Camboja, que matou dois milhões de civis entre abril de 1975 e janeiro de 1979.

Desde as primeiras negociações para o tribunal, em 1997, a burocracia da ONU fez de tudo para adiar o julgamento até à morte do último acusado. Embora restem apenas septuagenários para ser julgados, a abertura dos trabalhos é uma vitória do povo cambojano contra a má-vontade internacional. Esta pode aliás ser explicada pelas seguintes razões:

1. Logo depois que os soldados americanos saíram do território vietnamita, o Vietnã do Norte invadiu o Vietnã do Sul e forneceu a base de apoio para a tomada do vizinho Camboja pelas tropas de Pol-Pot. A matança nos dois países somou três milhões de pessoas – mais de três vezes o número das vítimas da guerra. O resultado havia sido previsto repetidamente pelos “falcões” do Pentágono, que, contrariando a gritaria pacifista, denunciavam a retirada das tropas americanas como uma sentença de morte contra vietnamitas e cambojanos. A paz mais assassina que a guerra foi obra direta dos ativistas de esquerda dos anos 60 e 70, que até hoje tentam passar como benfeitores da humanidade por isso.

2. O regime de Pol-Pot foi ostensivamente apoiado por toda a elite esquerdista da Europa e dos EUA. Jean-Paul Sartre escreveu louvores ao ditador e Noam Chomsky fez o diabo para ocultar a realidade do genocídio.

3. O que está em jogo é portanto a segurança psicológica da esquerda internacional, que não suporta um novo confronto com a verdade e foge mais uma vez à contemplação do seu próprio rosto hediondo.

O socialismo, já disse e repito, matou mais gente do que todas as epidemias, terremotos e furacões do século XX, somados a todas as ditaduras de direita, mesmo se incluirmos nestas últimas o nazismo e o fascismo, o que é inexato. O socialismo é o fenômeno mais cruel e absurdo de toda a história humana, e nada, absolutamente nada pode justificar as tentativas de explicar sua constante e obsessiva fome de cadáveres como uma sucessão de coincidências fortuitas que em nada o comprometem moralmente.

Ser socialista, em qualquer grau ou medida, é ser duplamente criminoso: é ser cúmplice moral de cem milhões de homicídios e é reivindicar cinicamente para o regime assassino um novo crédito de confiança para o futuro, arriscando expor a humanidade a mais um banho de sangue pelo qual, é claro, nenhum socialista de amanhã se sentirá responsável. E tão criminoso quanto o socialista é o liberal ou conservador que, diante desses fatos, reclama que mencioná-los é falta de polidez para com o adversário, como se a pusilanimidade abjeta de debatedores pó-de-arroz devesse prevalecer sobre a verdade ou sobre o respeito para com os mortos.

As democracias capitalistas podem ser feias em comparação com o ideal imaginário de uma sociedade perfeita. Mas o socialismo é monstruoso em comparação com algumas das piores sociedades do passado. O total de vítimas da Inquisição Espanhola – vinte mil em quatro séculos – foi a quinta parte do que Fidel Castro matou em duas décadas, entre seus próprios compatriotas e correligionários. Gengis-Khan e Átila o Huno não conseguiriam inventar um pesadelo tão opressivo quanto o socialismo, muito menos teriam a baixeza de apresentá-lo como a mais bela esperança da humanidade.

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Segundo leio no site do Stephen Kanitz, sou o terceiro na lista dos formadores de opinião mais lidos no Brasil, logo abaixo do próprio Kanitz e do guru empresarial Tom Peters. Se tão honroso posto não equivalesse, de acordo com a mesma fonte, ao centésimo-septuagésimo-milésimo lugar no correspondente ranking mundial, eu começaria a achar que sou mesmo alguma coisa. Estar entre os mais lidos num país onde ninguém lê nada é ser campeão de caratê num torneio de velhinhos com Alzheimer.

O pior dos maiores

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 29 de junho de 2006

Meses atrás, por causa do vazamento da identidade de uma agente da CIA, o New York Times armou um fuzuê dos diabos, exigindo a prisão do guru presidencial Karl Rove e até o impeachment do vice-presidente Dick Cheney.

 Como a agente não estava de serviço no exterior, o vazamento não constituía nem crime, e o caso, é claro, deu em nada. Cheney continua inabalável e Rove foi dispensado de depor. A única cabeça servida na bandeja para aplacar a gritaria da “Velha Dama Cinzenta” (apelido do centenário jornal) foi a de um oficial de terceiro escalão, que, apavorado sem motivo, mentira para a Justiça.

Na longa seqüência de convulsões histéricas anti-Bush, o episódio parecia ter sido apenas mais um esforço da esquerda chique para produzir um furacão soprando por um canudinho de refrigerante.

Mas desta vez havia um detalhe extra. Enquanto simulava indignação ante o vazamento inócuo, o New York Times preparava duas operações de vazamento efetivo — não do nome de uma agente em férias, mas de informações vitais que, entregues ao inimigo, punham em risco a segurança dos EUA.

Primeiro, o jornal revelou detalhes de funcionamento do programa de vigilância telefônica de pessoas ligadas ao terrorismo. Depois, deu todo o serviço sobre uma operação ultra-secreta que vinha conseguindo penetrar as transações bancárias da Al-Qaeda. Colocou vidas e dólares dos terroristas a salvo do malvado governo americano.

Centenas de espiões infiltrados na CIA, no Pentágono e no Departamento de Estado não haviam conseguido nada de comparável. O NYT tornou-se um departamento de inteligência a serviço do inimigo, em tempo de guerra. O crime de traição não poderia ser mais evidente. A alegação de liberdade de imprensa não cola. O capítulo 18, seção 798 do Código Penal americano pune com prisão e multa “quem quer que voluntária e conscientemente comunique, torne disponível ou publique, de maneira prejudicial ao governo dos EUA, qualquer informação reservada concernente às atividades de inteligência”. Jornais e jornalistas não estão acima das leis.

Se o NYT, a despeito disso, no seu editorial do dia 24 de maio, considerou “bizarro” o apelo de congressistas a que o governo o processasse, é só porque uma longa tradição de abusos impunes o imbuiu de uma noção exagerada da sua própria grandeza inatingível. Na década de 30, o jornal ocultou propositadamente o massacre de oito milhões de ucranianos pelo regime soviético. Até hoje está exposta na sua sede a placa em homenagem ao desinformante soviético Walter Duranty, que infundiu nos seus leitores a noção de que a Ucrânia agonizante era um paraíso de paz e prosperidade. Durante a guerra do Vietnã, seus correspondentes retransmitiam fielmente ao povo americano peças de desinformação recebidas prontas dos comunistas. O repórter brasileiro José Hamilton Ribeiro, que foi correspondente no Vietnã até perder a perna na explosão de uma mina, confessou: “Todos nós, jornalistas estrangeiros, sabíamos que nossas fontes eram agentes vietcongues disfarçados. Mas fechávamos os olhos.” Desde a Guerra dos Seis Dias, o jornal tem mentido tanto contra Israel que a comunidade judaica de Nova York teve de se organizar para reprimir judicialmente as lorotas mais insuportáveis.

Durante a reunião anual do NYT, em abril, Cliff Kincaid, editor do site Accuracy in Media, espremeu o atual presidente do jornal com perguntas tão irrespondíveis sobre o jornalismo como instrumento de traição, que o herdeiro da dinastia Sulzberger acabou pulando fora do debate (v. www.aim.org/aim_report/4624_0_4_0_C/).

Seja ou não processado, o NYT já foi condenado pelo público: segundo uma pesquisa recente, só 30 por cento de seus leitores acreditam nele. E os lucros da empresa, em 2005, diminuíram dramaticamente em comparação com o ano anterior. Os jornalistas brasileiros, que ainda tomam o pior dos maiores diários americanos como uma Bíblia da profissão, correm o risco de ver a aura de prestígio do seu livro sagrado ir-se desvanecendo aos poucos, deixando no ar um rastro de enxofre.

 

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