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O primado da etiqueta

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 26 de outubro

Par délicatesse j’ai perdu ma vie”, dizia Arthur Rimbaud, e Geraldo Alckmin arrisca perder a eleição por puro bom-mocismo. O debate de segunda-feira foi uma grotesca encenação de normalidade, favorecendo o candidato que tem mais a esconder. Nem uma menção ao caso Celso Daniel, à promessa oficial de legalizar o aborto, à colaboração secreta com Hugo Chávez, ao enriquecimento relâmpago do Lulinha, à cumplicidade petista com os narcotraficantes das Farc e seqüestradores do Mir. Em vez do confronto entre a honestidade e o crime, o que se viu foi uma tranqüila discussão entre gerentes, ambos igualmente respeitáveis, dignos – e insípidos. O falseamento da situação de debate é tudo o que a mentira precisa para sair vencedora. Mas, no Brasil de hoje, o que se entende por exercício da democracia é o primado das regras de polidez sobre a verdade, a moralidade, as leis, o direito à informação. É a apoteose do enfeite, em plena derrocada de tudo o mais.

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Recado ao general Ivan de Souza Mendes: No tempo da ditadura, o senhor era o chefe do SNI. Grampeava, mandava e desmandava. Agora, quando vê seus inimigos de ontem subindo por uma escada de sangue e fezes rumo ao poder total, apressa-se em segui-los como um cãozinho, derramando-se em louvores ao governo, desculpando seus crimes e mendigando simpatias da esquerda às custas dos que arriscam vida, emprego e reputação para defender a honra das Forças Armadas contra o assédio difamatório comunopetista. Sua entrevista no Consultor Jurídico de 24 de outubro é uma das coisas mais abjetas que já li. Não sei se o senhor disse o que disse por ser ignorante, mentiroso ou senil. Oro a Deus por esta última hipótese, a menos infame das três. Mas, se o senhor ainda tiver força para discutir comigo, só me restará acreditar numa das outras duas.

Refiro-me especialmente ao trecho em que o senhor tenta dar a impressão de que Lula já não é um aliado de Chávez. Num momento em que o ditador venezuelano lança a construção de vinte bases militares na Bolívia, reduzindo virtualmente o Brasil à condição de nação cercada (v. http://www.firmaspress.com/705.htm), ocultar os laços de fidelidade entre ele e o nosso presidente é desinformação comunista da espécie mais traiçoeira, da qual só resta perguntar se o senhor é agente esperto ou instrumento bobo. O discurso de Lula no Foro de São Paulo em 2 de julho de 2005 e a subseqüente atitude presidencial ante a invasão das propriedades da Petrobrás na Bolívia provam que ele está comprometido até à medula com a estratégia de dominação continental comunista, da qual as iniciativas bélicas de Hugo Chávez são apenas a concretização mais vistosa. Se o senhor ignora esses dados, por favor, não se autonomeie chefe da Agência Nacional de Burrice: vá para casa desfrutar de sua aposentadoria e não dê palpite em assuntos que exigem conhecimento. Se os conhece e faz de conta que os ignora, então é um servidor do chavismo. Eu gostaria de poder fugir a essa conclusão, mas não vejo como fazê-lo senão por via de um melancólico diagnóstico gerontológico.

Adendo ao resumo didático

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 19 de outubro de 2006

Toda a cúpula petista se formou lendo Marx, Lênin, Trotski, Mao, Che Guevara, Antonio Gramsci, e nem uma palavra contra. Passaram a vida intoxicando-se de esquerdismo e nada enxergam fora do horizonte consagrado da sua mitologia grupal. O domínio que têm da cultura revolucionária contrasta brutalmente com sua radical ignorância do pensamento conservador, ignorância que lhes permite inventar uma direita por mera inversão mecânica de seus próprios estereótipos e investir suas melhores energias no combate a essa miragem.

Em última análise, eles nada têm feito nos últimos trinta anos senão arrombar portas abertas, sob os aplausos e a proteção paternal da classe que alardeiam combater. Críticas e acusações, quando lhes vêm, vêm da própria esquerda, com o cuidado meticuloso de ater-se a pontos específicos que não maculem a honorabilidade do esquerdismo enquanto tal. Combate ideológico, não sofrem nenhum. Devem seu sucesso à ausência de inimigos, exceto os nascidos das suas próprias fileiras. A lenda do assédio direitista serve-lhes como vacina contra a percepção de que todos os seus fracassos advêm de sua própria inépcia e não de alguma resistência exterior. Fugindo de uma autoconsciência deprimente por meio do ódio a um objeto imaginário, sua mentalidade é uma mistura quase inconcebível de astúcia maquiavélica e ingenuidade pueril, aterrorizada por fantasmas de sua própria fabricação. Conseguem criar planos estratégicos de requintada complexidade, ludibriando suas vítimas durante décadas, mas quando pegos com as calças na mão saem-se com evasivas de meninos de escola, tão rudimentares que dão pena. Passam da vociferação autoritária aos gemidos de autopiedade com a rapidez do fingimento histérico, que só não dá na vista deles próprios.

São falsos até à medula, mas seus críticos esquerdistas são piores ainda. O PT, quando subiu ao poder sobre os escombros das reputações destruídas pelo seu moralismo acusador, montando ao mesmo tempo uma máquina de roubar mais ambiciosa e voraz do que mil Anões do Orçamento, não fez senão seguir a fórmula clássica de Lênin: corromper o capitalismo para acusá-lo de corrupto (e ainda financiar a propaganda anti-roubo com dinheiro roubado). Isso é de um realismo inatacável e, dentro da moral comunista, perfeitamente obrigatório. O antipetismo de esquerda, ao fingir-se de indignado com a roubalheira oficial, quer nos fazer crer que pode e vai operar a transição revolucionária para o socialismo dentro da mais estrita obediência à moral e às leis do Estado burguês. O PT, quando fazia essa mesma promessa, sabia que mentia. Tanto que já ia preparando os futuros mensalões e waldomiragens. Era desonesto para com o Brasil inteiro, mas honesto para com o compromisso leninista. Já os psóis da vida são tão falsos intrinsecamente, tão desprovidos do senso da verdade, que prometem o impossível com perfeita sinceridade subjetiva. Por isso mesmo não se vexam de explicar como traição àquele compromisso o que foi na verdade a sua implementação fiel. Se há algo de que o PT está inocente, é de infidelidade à estratégia comunista.

Perguntas a um menino mimado

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 12 de outubro de 2006

Ao reclamar que foi espremido por Geraldo Alckmin ao ponto de se sentir sob interrogatório policial, o sr. Luís Inácio Lula da Silva está se fazendo de coitadinho. É puro fingimento de malandro. Alckmin, por mais brabo que estivesse, foi uma mãe para ele, questionando-o só em banalidades facilmente contornáveis e evitando as perguntas irrespondíveis:

1. É verdade que o senhor fundou e presidiu a maior organização política do continente, na qual partidos legais e grupos de narcotraficantes, seqüestradores e terroristas colaboram em vista de um projeto político comum?

2. É verdade que essa entidade trata por igual todas as organizações filiadas, quer usem de meios lícitos ou ilícitos para a conquista do objetivo comum?

3. É verdade que o senhor, seja como candidato, seja como presidente da República, jamais prestou a seus eleitores qualquer satisfação quanto às suas atividades nessa organização, mantendo-as premeditadamente secretas ou pelo menos camufladas?

4. É verdade que as resoluções dessa organização são aceitas por todas as entidades filiadas, configurando uma estratégia unificada entre a política legal e o crime?

5. É verdade que, embora as Farc distribuam cocaína no nosso território, dêem treinamento a bandidos do Comando Vermelho e do PCC e atirem em nossos soldados das tropas de fronteira, o governo brasileiro tem cumprido rigorosamente o voto de solidariedade a essa organização criminosa, que o senhor assinou pessoalmente?

Se Lula responder “Não” a qualquer dessas perguntas, as atas do Foro de São Paulo e o discurso que ele fez ali em 2 de julho de 2005 provarão que está mentindo.

Se responder “Sim”, admitirá que é cúmplice e protetor das mais violentas organizações criminosas do continente.

Pode-se perguntar também quem paga as despesas do Foro. Pode-se perguntar por que o PT se mobilizou para libertar o falso padre Olivério Medina antes que houvesse qualquer investigação séria sobre os cinco milhões de dólares que ele disse ter trazido das Farc para a campanha eleitoral de Lula. Pode-se perguntar se o governo petista não foi tão brando e paternal ante a invasão da Petrobrás por ter compromissos anteriores com Evo Morales, assumidos em reunião do Foro e portanto superiores ao interesse nacional. Pode-se perguntar se não é verdade que, já na presidência da República, e sem estar autorizado a isso pelo Parlamento, pelos eleitores ou pela Constituição, ele conspirou com Hugo Chávez para produzir o resultado do referendo venezuelano de 2004.

Bastaria que Alckmin perguntasse essas coisas, e a carreira política do seu oponente se desfaria no ar em questão de minutos, deixando um rastro de enxofre. Se Lula ainda se queixa do adversário caridoso que o poupou de vexame tão descomunal, é porque é um menino mimado, habituado a fazer o que bem entende sem jamais prestar contas de seus atos. E quem o deixou assim foi a omissão paternal da mídia e até da oposição em geral, contra as quais ele também resmunga sem motivo.

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