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Derrota inevitável

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 6 de novembro de 2008

Quando um candidato se acumplicia à fraude montada contra ele próprio, seu destino eleitoral está selado. José Serra e Geraldo Alckmin acreditaram que podiam vencer Lula nas eleições após tê-lo ajudado a esconder suas ligações com os terroristas e narcotraficantes do Foro de São Paulo. Bobagem. Perderam feio. John McCain acreditou que podia derrotar Barack Obama nas urnas após tê-lo ajudado a ocultar praticamente toda a sua biografia – a mais prodigiosa carreira de fraudes e mentiras que já se viu na política americana (v. www.wnd.com/index.php?fa=PAGE.view&pageId=80008). Entre a sinceridade e o fingimento, a sinceridade quase sempre vence. Se a luta é entre o fingimento ativo e o fingimento passivo, o primeiro tem todas as vantagens. Tem a seu favor a iniciativa, a liberdade de ação, o cinismo, em face de um adversário tolhido pela consciência de seu secreto handicap.

McCain, ao contrário da maioria de seus eleitores, sabia muito bem que o adversário tinha tudo a esconder e que, para escondê-lo, não hesitara em bloquear o acesso a praticamente todos os seus documentos, inclusive referentes à sua vida pública. O candidato republicano, que, como todos os aspirantes à presidência americana desde George Washington, colocara seus papéis à vista do público, poderia ter vencido as eleições de maneira direta e arrasadora, simplesmente exigindo igual transparência do adversário ou, caso não fosse atendido, recusando-se a aceitá-lo como concorrente leal e recorrendo à Justiça para obrigá-lo a jogar limpo. Mesmo na hipótese remotíssima e quase nula de que a revelação dos documentos nada provasse contra Obama, ele já estaria queimado ante a opinião pública pelo simples fato de havê-los escondido no começo da campanha. Colocar o adversário nessa situação constrangerora seria uma impolidez da parte dos republicanos, mas não mais ofensiva, e sobretudo não mais prepotente, que a de um ilustre desconhecido que exige tornar-se o homem mais famoso do mundo ao mesmo tempo que se arroga o direito de proteger-se, como um bandido, dentro de uma fortaleza de confidencialidade inexpugnável.

Mas Obama não foi protegido só pela omissão suicida de seus adversários. Enquanto ele ocultava a realidade da sua vida sob a fachada de um personagem ficcional criado em laboratório, a grande mídia inteira, com exceções raras, parciais e tímidas, vendia o personagem como autêntico e se esquivava sistematicamente à investigação da realidade. Como se isso não bastasse, duas vezes mais repórteres eram designados para cobrir Obama do que para cobrir McCain e o número de matérias simpáticas ao candidato democrata ocupava o dobro do espaço concedido a seu concorrente. Mesmo sem levar em conta que a campanha de Obama, sustentada pela elite global bilionária – como invariavelmente acontece com os representantes dos pobres e oprimidos –, tinha três vezes mais dinheiro que a de McCain, o fato é que McCain aceitou, desde o início, uma luta desigual contra um candidato investido de direitos especiais ilimitados, inclusive o de ocultar a lista de suas contribuições de campanha, coisa que jamais aconteceu na história da democracia americana ou de qualquer outra. Se para desempenhar esse papel sui generis os democratas escolheram um político de raça negra, foi justamente para camuflar sob a diferença epidérmica a diferença substantiva entre o que se cobrava de um dos concorrentes e o que se permitia ao outro. Só para vocês fazerem uma idéia: o processo aberto na Suprema Côrte para exigir a certidão de nascimento de Obama foi ignorado pelos jornais e canais de TV, ao passo que uma insignificante comissão estadual de inquérito contra Sarah Palin foi alardeada como um escândalo nacional. A governadora do Alasca foi inocentada na véspera da votação, tarde demais para que ela tirasse algum proveito eleitoral disso, e, por decisão do Juiz David Souter, Obama só terá de responder à Suprema Côrte em 1º. de dezembro, quando isso já não poderá lhe trazer nenhum dano eleitoral.

O primado da etiqueta

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 26 de outubro

Par délicatesse j’ai perdu ma vie”, dizia Arthur Rimbaud, e Geraldo Alckmin arrisca perder a eleição por puro bom-mocismo. O debate de segunda-feira foi uma grotesca encenação de normalidade, favorecendo o candidato que tem mais a esconder. Nem uma menção ao caso Celso Daniel, à promessa oficial de legalizar o aborto, à colaboração secreta com Hugo Chávez, ao enriquecimento relâmpago do Lulinha, à cumplicidade petista com os narcotraficantes das Farc e seqüestradores do Mir. Em vez do confronto entre a honestidade e o crime, o que se viu foi uma tranqüila discussão entre gerentes, ambos igualmente respeitáveis, dignos – e insípidos. O falseamento da situação de debate é tudo o que a mentira precisa para sair vencedora. Mas, no Brasil de hoje, o que se entende por exercício da democracia é o primado das regras de polidez sobre a verdade, a moralidade, as leis, o direito à informação. É a apoteose do enfeite, em plena derrocada de tudo o mais.

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Recado ao general Ivan de Souza Mendes: No tempo da ditadura, o senhor era o chefe do SNI. Grampeava, mandava e desmandava. Agora, quando vê seus inimigos de ontem subindo por uma escada de sangue e fezes rumo ao poder total, apressa-se em segui-los como um cãozinho, derramando-se em louvores ao governo, desculpando seus crimes e mendigando simpatias da esquerda às custas dos que arriscam vida, emprego e reputação para defender a honra das Forças Armadas contra o assédio difamatório comunopetista. Sua entrevista no Consultor Jurídico de 24 de outubro é uma das coisas mais abjetas que já li. Não sei se o senhor disse o que disse por ser ignorante, mentiroso ou senil. Oro a Deus por esta última hipótese, a menos infame das três. Mas, se o senhor ainda tiver força para discutir comigo, só me restará acreditar numa das outras duas.

Refiro-me especialmente ao trecho em que o senhor tenta dar a impressão de que Lula já não é um aliado de Chávez. Num momento em que o ditador venezuelano lança a construção de vinte bases militares na Bolívia, reduzindo virtualmente o Brasil à condição de nação cercada (v. http://www.firmaspress.com/705.htm), ocultar os laços de fidelidade entre ele e o nosso presidente é desinformação comunista da espécie mais traiçoeira, da qual só resta perguntar se o senhor é agente esperto ou instrumento bobo. O discurso de Lula no Foro de São Paulo em 2 de julho de 2005 e a subseqüente atitude presidencial ante a invasão das propriedades da Petrobrás na Bolívia provam que ele está comprometido até à medula com a estratégia de dominação continental comunista, da qual as iniciativas bélicas de Hugo Chávez são apenas a concretização mais vistosa. Se o senhor ignora esses dados, por favor, não se autonomeie chefe da Agência Nacional de Burrice: vá para casa desfrutar de sua aposentadoria e não dê palpite em assuntos que exigem conhecimento. Se os conhece e faz de conta que os ignora, então é um servidor do chavismo. Eu gostaria de poder fugir a essa conclusão, mas não vejo como fazê-lo senão por via de um melancólico diagnóstico gerontológico.

Baita democracia

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 1o de outubro de 2006

Pelos frutos os conhecereis, mas não adianta ver os frutos sem saber de qual planta e raiz brotaram. Com exceções minguadíssimas e irrelevantes, a classe política atual é constituída de três grupos sociais bem nítidos:

1. Os componentes da oposição de esquerda ao regime militar, todos ligados a organizações comunistas como o PCB, o PC do B, a AP, a Pol-Op etc. São a casta superior da política nacional. Têm o prestígio da antigüidade, da luta contra a ditadura e dos sofrimentos inenarráveis que, embora não incluam uma só ferida sangrenta ou um só membro quebrado, lhes rendem indenizações rechonchudas às quais os milhares de aleijados e mutilados das prisões cubanas, que eles ajudaram a prender e torturar, não ousariam aspirar nem em sonhos.

2. A segunda geração de militantes comunistas e pró-comunistas, que não participou diretamente da luta contra a ditadura mas se formou sob a influência direta e abrangente do grupo 1.

3. Arrivistas variados, sem cor ideológica definida, provenientes de organizações religiosas ou de interesses regionais, que, gostando ou não gostando dos grupos 1 e 2, acabam se adaptando à sua linguagem e aos seus valores, seja por oportunismo, seja por absoluto desconhecimento de outras alternativas mentais possíveis.

Se você sabe o que é conservadorismo – aquela política que se constitui da síntese inseparável de economia de livre mercado, democracia parlamentar, lei e ordem, moral judaico-cristã e predomínio da cultura clássica na educação -, sabe também que não há um só conservador nos grupos 1, 2 ou 3. O leque das opções disponíveis resume-se ao esquerdismo e à inocuidade acomodada. Escolha e vote. É a democracia brasileira em ação. Segundo o senhor Geraldo Alckmin, cuja fidelidade admirável à segunda opção lhe valeu o apelido de Chuchu, isso sim é que é democracia. Baita democracia. Não aquela farsa americana, onde os eleitores têm de escolher entre radical right, paleoconservatives, neoconservatives, libertarians, left-liberals (esquerda moderada) e radical left – um tédio.

Para piorar – o senhor Alckmin não disse, mas digo-o eu -, os políticos americanos têm a mania de registrar suas propostas em livros antes de apregoá-las de cima dos palanques eleitorais. Seus adeptos seguem o exemplo, e seus adversários lhes respondem com outros livros. E os livros, droga!, têm de ser muito bem escritos, senão a mídia ranheta não lhes presta a mínima atenção. A cada novo pleito, é uma biblioteca inteira de opiniões, de críticas, de análises, de depoimentos, de projetos que aparece na praça. A produção intelectual de uma só eleição americana supera de longe, em volume e qualidade, tudo o que se escreveu sobre política no Brasil ao longo de aproximadamente meio século. Assim não dá, gente. O senhor Alckmin precisa ir lá dar um jeito nisso.

Aqui, os únicos três livros interessantes para a orientação do eleitor neste pleito não foram escritos por candidatos. Já celebrei, de passagem, as memórias do senhor Ricardo Kotscho, onde ele explica como é possível estar sempre por dentro de tudo sem nunca ficar sabendo de nada. Assinalo também Nervos de Aço, o depoimento do herói-bufão Roberto Jefferson, em caprichada edição da Topbooks, narrativa animada de como ele foi parar no melhor lugar da política brasileira, que é fora dela. E, é claro, O Chefe, de Ivo Patarra, meticulosa reconstituição de 403 dias de roubalheira petista, que editora nenhuma quis publicar mas pode ser descarregado do site http://www.escandalodomensalao.com.br/. O problema é que nenhum dos três ajuda a escolher candidato. Ajuda é a desistir de votar.

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