Palhaçada

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil (Caderno Eleições), 1o de outubro

O caso de dona Jandira Feghalli, que dedica sua vida política à promoção do abortismo mas na hora da propaganda eleitoral não quer que ninguém fale disso, é o resumo simbólico da presente eleição, cuja regra numero um é não deixar o eleitor saber em quem está votando. Para todos os efeitos eleitorais, o candidato presidencial Luís Inácio Lula da Silva nunca foi o fundador e mentor da maior organização subversiva da América Latina, dona Heloísa Helena e Christovam Buarque nunca foram colaboradores dele nesse empreendimento criminoso, e Geraldo Alckmin nunca foi o opositor omisso e frouxo de cuja boca não sai nem uma palavrinha, mesmo delicada, contra o Foro de São Paulo.

O eleitor vai para as urnas pensando que Lula é o grande reformador ético acidentalmente corrompido pelas más companhias direitistas, que Heloísa e Christovam são puros idealistas infelizmente sem chances neste baixo mundo e que Alckmin é o anjo vingador do conservadorismo, pronto a soar a trombeta do juízo final para os pecadores petistas. As escolhas serão feitas dentro desse leque de opções ficcionais. Em suma, esta eleição é uma palhaçada.

Não que isso constitua inovação fulgurante. Em 2002, quando a parceria oficial do PT com os narcotraficantes das Farc e os seqüestradores do MIR completava doze anos, já reinava o mais completo silêncio a respeito, enquanto, nos debates de TV, quatro filhotes de Fidel Castro se esmeravam num torneio de pureza esquerdista, cada qual exibindo, para fazer inveja aos demais, uma folha maior de serviços prestados à revolução continental.

As eleições no tempo da ditadura eram infinitamente mais honestas e democráticas.  Havia direita e esquerda, opostas e distintas. Havia diferença, confronto, debate. Havia, para dizer o mínimo, algo mais do que a disputa de cargos entre companheiros de ideologia.

Alckmin, que ostenta a suprema e única virtude do mal menor, não é propriamente esquerdista como o era José Serra. É um chuchu ideológico que aposta tudo na fama de bom administrador, sem questionar a moralidade da coisa administrada. Na KGB ou na Santa Sé, seria um burocrata exemplar. Inofensivo para os inimigos, pode tornar-se um perigo para os amigos: católico professo, baixou um decreto punindo com multa o padre, pastor ou rabino que proíba o ingresso de homens vestidos de mulheres nos cultos religiosos, nivelados assim a bailes do Scala Gay. Eleito, fará tudo para ser bom menino, politicamente corretíssimo, imune a tentações direitistas. Já começou até a falar mal dos EUA. É o adversário que o PT pediu ao demônio.

A ideologia de Schmoo

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, setembro/outubro de 2006

O termo “liberalismo” serve para designar a esquerda, nos EUA, e a direita, no Brasil. Maior elasticidade, só a do Schmoo, o bicho-panacéia da revista Li’l Abner (“Família Buscapé”), que uma vez assado e servido podia ser frango, pato, ganso, peixe, vaca, porco, pizza ou o que você bem desejasse no momento. “Neoliberalismo” pode parecer um pouco mais específico, mas, no auge da campanha esquerdista contra ele na América Latina, em 2000, seus representantes reunidos em Berlim no encontro de chefes de Estado eram Bill Clinton, Felipe Gonzales, Gerhard Schroeder e outros que tais – a fina flor dos advogados da esquerda pobre no mundo rico (v.http://www.olavodecarvalho.org /semana/berlim.htm).

A dificuldade de definir as correntes políticas leva por vezes à tentação de declará-las inexistentes. “Não há esquerda ou direita” é um lugar-comum que desde os anos 50 ressurge periodicamente, sem impedir que as facções assim denominadas continuem disputando eleições, xingando-se e não raro tentando liquidar fisicamente uma à outra, como se existissem.

A solução desse problema já foi enunciada 2.400 anos atrás, quando Aristóteles explicou a diferença entre o discurso dos agentes do processo político e o do cientista que descreve e analisa esse processo.

O nome de uma ideologia ou grupo político tem sempre três acepções diversas.

Ele veicula, em primeiro lugar, a autodefinição desse grupo, o conjunto das virtudes e esperanças que ele pretende representar. Essa definição não precisa expressar claramente algum plano político efetivo. Com freqüência, serve antes para camuflar a substância do plano por baixo de uma camada de belas qualidades morais que o grupo desejaria personificar, de modo a concentrar as atenções da platéia nessas qualidades, sempre inatacáveis e atraentes em si mesmas, saltando sobre a discussão do plano concreto, que sempre inclui algum detalhe estratégico e tático constrangedor. A autodefinição deve, no entanto, marcar muito nitidamente a fronteira entre o grupo e seus concorrentes ou inimigos. A auto-imagem do grupo não depende de que ele se conheça a si mesmo positivamente, mas sim negativamente, como inversão dos vícios e pecados atribuídos ao antípoda, ao estranho, ao “outro”.

Em segundo lugar, existe a definição que esse outro dá ao grupo, a definição adversa ou hostil. Esta também não precisa descrever objetivamente o grupo, mas apenas projetar sobre ele, invertidas, as virtudes que o adversário julga possuir.

Temos aí então duas auto-imagens grupais com suas respectivas projeções inversas. Por baixo delas, existem duas realidades objetivas que elas em parte expressam, em parte camuflam, sendo também duplas por sua vez a expressão e a camuflagem, de vez que podem refletir a auto-imagem idealizada do próprio grupo ou a simples inversão retórica dos vícios atribuídos ao adversário. Essas realidades podem ser conhecidas, em parte, pela análise dos discursos de auto-idealização e de depreciação do adversário, em parte por dados obtidos de fora desses discursos. Mas é claro que os discursos, tanto o positivo quanto o negativo, retroagem sobre as realidades subjacentes, modificando-as no decurso do tempo. A qualquer momento, o membro de um dos grupos pode exigir que algum item do cardápio auto-idealizante, usado inicialmente como pura efusão retórica para obter vantagem sobre o adversário, se incorpore nos planos e objetivos reais do grupo, ou que, ao contrário, uma parte objetiva do plano seja abandonada na prática e se torne puro instrumento de auto-idealização. A equação pode ainda complicar-se pelo fato de que os conflitos entre grupos políticos não são estáticos, mas evoluem no tempo, incorporando e rejeitando pontos de divergência – por sua vez reais ou puramente retóricos – conforme a situação do momento.

Não usei a palavra “equação” à toa. Montar a equação completa desses vários fatores, chegando à descrição objetiva dos conflitos e do sistema inteiro de artifícios e subterfúgios usados no combate, tal é a obrigação inicial do estudioso, do analista, do cientista político. A definição de cada grupo receberá então uma formulação descritiva diferente daquela que tinha nos discursos dos dois (ou três, ou quatro, ou n) agentes políticos. Com base nessa descrição e na sua confrontação com outros dados da realidade em torno, é possível então arriscar análises e previsões quanto ao desenrolar do conflito. Descrição, análise e previsões constituem então o terceiro discurso, o discurso analítico do cientista político.

Com a distinção das três acepções da definição dos grupos, Aristóteles lançou as bases para o estudo científico da atividade política. A idéia corrente de que esse estudo foi inaugurado por Maquiavel é apenas fruto da ignorância. As bases da ciência política antiga continuam válidas até hoje, e a obra inteira de Maquiavel não é senão a aplicação parcial e caricatural de alguns elementos dela. Talvez a única coisa a acrescentar ao método descritivo de Aristóteles seja um fato característico da modernidade: com freqüência o discurso descritivo e analítico dos cientistas é incorporado, com maior ou menor sinceridade e realismo, nos próprios discursos dos agentes ou grupos políticos. Um discurso de autolegitimação política grupal que traga em seu bojo elementos de ciência política ora mais, ora menos valiosos intelectualmente, é aquilo que hoje em dia se chama uma ideologia. É usual que esse discurso incorpore também elementos de outras ciências, como por exemplo o socialismo, o nazismo e até a apologia do livre mercado acabaram incorporando a teoria da evolução de Darwin. O que define uma ideologia é precisamente a presença de fortes elementos científicos, mas articulados não segundo uma estratégia de conhecimento da realidade e sim de acordo com as necessidades da auto-imagem grupal e da estratégia política. O surgimento das ideologias é um subproduto do prestígio social da ciência moderna; aplicar o termo a qualquer discurso político anterior à modernidade é um abuso letal da linguagem e um erro de método, quando não ele próprio um artifício de retórica ideológica.  

Usando a distinção de Aristóteles, veremos que o termo “liberalismo” é tão repleto de sentidos diferentes porque ao longo do tempo foi usado, com intenções diversas, para a autodefinição de grupos distintos, heterogêneos, inconexos ou até opostos. Algumas dessas autodefinições acabaram incorporando, retoricamente ou substantivamente, vários elementos das anteriores, complicando bastante o quadro para além da confusão normal nascida do jogo de autodefinições idealizadas e definições adversas.

Um conceito objetivamente válido do liberalismo só pode portanto ser obtido pela reconstituição da sua equação originária e pelo rastreamento das sucessivas mutações que ela veio sofrendo ao longo dos tempos. Só assim é possível compreender a unidade por trás de formulações opostas nascidas mais ou menos da mesma origem.

Algumas das fontes melhores para esse estudo ainda são o clássico de Guido de Ruggiero, The History of European Liberalism (transl. R. G. Collingwood, Oxford University Press, 1927) e o ensaio de Eric Voegelin, “Liberalism and its History”, datado de 1960 e reproduzido no vol. 11 das Collected Works (Published Essays, 1953-1965, ed. Ellis Sandoz, The University of Missouri Press, 2000). Seria preciso atualizá-los, mas não conheço nenhum estudo posterior que alcance o nível de rigor analítico desses dois trabalhos notáveis.

Nas dimensões do presente artigo, não é possível nem necessário resumir a seqüência de transformações do liberalismo. Podemos nos contentar com mencionar duas formulações históricas opostas da idéia liberal, cuja mistura confusa e nebulosa compõe hoje em dia o sentido que a palavra tem na autodefinição do liberalismo brasileiro.  

O mais antigo liberalismo não se denominava expressamente como tal. Recebeu a denominação de seus sucessores no momento em que o incorporaram a si próprios. Refiro-me àquilo que hoje se chama “liberalismo econômico clássico” – a escola de Adam Smith. Sua essência é a defesa da economia de livre mercado. Os argumentos que apresenta são de ordem prático-técnica, psicológica e moral, mas é importante entender que, nessa sua primeira versão, o liberalismo não era uma proposta de ação nem uma autodefinição de grupo. Adam Smith não traçou um programa político, mas descreveu processos econômicos que já existiam desde a Idade Média, explicando as razões da sua eficácia, enaltecendo a sua moralidade intrínseca e explicando algumas condições políticas e culturais requeridas para a continuidade do seu sucesso. Essas condições podem resumir-se na fórmula da democracia constitucional anglo-americana. Smith não era um ideólogo de grupo político, mas um filósofo e cientista social.

Uma segunda vertente liberal origina-se da Revolução Francesa, mas deve seu nome à formulação que obteve mais tarde na Espanha. O movimento liberal espanhol do século XIX não se compunha de capitalistas, mas de intelectuais e estudantes. Seu objetivo não era a liberdade de mercado, mas a destruição da monarquia e da Igreja, as quais não constituíam obstáculo ao capitalismo emergente mas sim à ascensão social e política de indivíduos de classe média que não encontravam oportunidade numa hierarquia estatal preenchida basicamente por membros da classe nobre. Autodenominados “liberales” em oposição pejorativa aos “serviles”, os militantes desse movimento viam-se a si próprios como promotores das liberdades civis e das idéias racionalistas do iluminismo contra a fé e a tradição. Essas propostas tinham pouca relevância econômica, já que o centro do progresso industrial e comercial na época era justamente o país que mais categoricamente rejeitara as idéias da Revolução Francesa e permanecera mais apegado às suas tradições monárquicas e eclesiásticas: a Inglaterra. O liberalismo econômico clássico de Adam Smith e o liberalismo ateístico e anticlerical dos franceses e espanhóis eram não somente independentes um do outro, mas opostos. Smith insistia que a economia de mercado só progrediria num ambiente de moralidade e legalidade que ela própria não poderia criar mas tinha de encontrar pronto. O tradicionalismo inglês, e não o liberalismo revolucionário franco-espanhol, foi o berço da democracia liberal-capitalista. Na França e na Espanha, a ascensão dos liberal-revolucionários veio acompanhada, ao contrário, de uma expansão da autoridade estatal, indispensável como instrumento para a implantação de políticas anticlericais, especialmente de um sistema de educação baseado no ateísmo.

Quando, no seio do movimento revolucionário, o socialismo adquiriu força bastante para tornar-se um movimento independente, alguns dos liberais (no sentido espanhol do termo) aderiram a ele, abandonando o rótulo de liberalismo. Outros preferiram apegar-se às liberdades já conquistadas e, embora permanecendo aliados dos socialistas no que diz respeito a antitradicionalismo, anticlericalismo e mesmo ateísmo militante, criaram um foco de resistência anticomunista ambígua cuja importância veio crescendo ao longo dos tempos até expandir-se numa multiplicidade de movimentos diversos como o “liberalism” americano de nossos dias e a própria social-democracia européia, se bem que esta teve origem independente, como dissidência interna do movimento comunista.

Foi no curso da oposição movida ao comunismo que o liberalismo revolucionário assimilou, retroativamente, a argumentação econômica do liberalismo clássico em favor da liberdade de mercado, a qual não fazia parte da sua formulação originária e que na verdade era contraditória com a idéia revolucionária de criar uma sociedade ateística por meio da ação estatal. Daí provém a ambigüidade do “liberalism” americano, que permanecendo pró-capitalista da boca para fora é estatista e socializante no fundo enquanto a defesa da liberdade de mercado incumbe essencialmente aos autodenominados “conservatives”.

O quadro complica-se um pouco mais nas últimas décadas, quando a expansão da atividade capitalista no mundo assume o rótulo de “globalização”. Globalização é, por um lado, a abertura dos mercados. Corresponde, nesse sentido, ao ideário do liberalismo clássico. Mas é, por outro lado, a gestação de uma administração planetária que, corroendo a autoridade dos Estados nacionais, coloca em lugar deles uma macro-burocracia mundial, o Leviatã dos leviatãs. As discussões pró e contra a globalização, no Brasil, tornam-se apenas uma logomaquia psicoticamente confusa na medida em que os inimigos esquerdistas do livre mercado internacional são servidores e agentes da administração planetária (suas conexões com a ONU e com as fundações globalistas bilionárias são mais que conhecidas), ao passo que os autodenominados “liberais”, combatendo tenazmente toda forma de estatismo local e portanto de nacionalismo, contribuem também para o sucesso da burocracia global que sustenta seus inimigos esquerdistas. Nesse contexto, a apologia de ideais abstratos torna-se não raro ação política concreta em favor dos ideais opostos.

Nos EUA, o sentido presente do termo “liberalism” deriva diretamente da tradição liberal-revolucionária (“espanhola”), ao passo que o movimento “conservative”, autodefinido com clareza só a partir dos anos 40 do século XX, é o herdeiro consciente do liberalismo clássico.

No Brasil, o movimento “liberal” inclui, numa pasta indistinta, autênticos “conservatives”, no sentido americano do termo, e liberais revolucionários para os quais a defesa da liberdade de mercado é apenas o excipiente necessário para tornar mais assimiláveis as mutações revolucionárias da ordem social (abortismo, casamento gay, anticristianismo, etc.). A coexistência pacífica deles com autênticos “conservatives” resulta apenas da fraqueza desses últimos que, esvaziados ideologicamente e reduzidos à luta pela manutenção de um mínimo de liberdade econômica, cedem tudo e mais alguma coisa para conservar esses seus aliados parasitas, numa promiscuidade letal.

A coisa mais urgente, para os adeptos brasileiros da liberdade de mercado, é compreender que a rigor ela é incompatível, na prática, com as mutações radicais da ordem civilizacional propugnadas pelos liberais revolucionários. Uma dificuldade a ser vencida é que, no contexto brasileiro, a “direita” está historicamente associada ao nacionalismo fascista que, no horizonte microscópico da política local, tem uma relação masoquista de amor-ódio com a esquerda. No anseio de diferenciar-se dessa “direita”, os defensores do mercado livre preferem associar-se aos liberais revolucionários, fugindo ao rótulo de “conservadores” e contribuindo assim para a dissolução do seu ideário em projetos políticos que só servem à implantação da nova ordem global socialista. Um pouco de clareza na delimitação das várias correntes não é hoje em dia uma simples obrigação acadêmica: é uma questão de sobrevivência. O Schmoo liberal brasileiro tem de decidir, afinal, se é pato ou ganso. É uma loucura esperar para fazê-lo quando for levado ao forno.

Baita democracia

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 1o de outubro de 2006

Pelos frutos os conhecereis, mas não adianta ver os frutos sem saber de qual planta e raiz brotaram. Com exceções minguadíssimas e irrelevantes, a classe política atual é constituída de três grupos sociais bem nítidos:

1. Os componentes da oposição de esquerda ao regime militar, todos ligados a organizações comunistas como o PCB, o PC do B, a AP, a Pol-Op etc. São a casta superior da política nacional. Têm o prestígio da antigüidade, da luta contra a ditadura e dos sofrimentos inenarráveis que, embora não incluam uma só ferida sangrenta ou um só membro quebrado, lhes rendem indenizações rechonchudas às quais os milhares de aleijados e mutilados das prisões cubanas, que eles ajudaram a prender e torturar, não ousariam aspirar nem em sonhos.

2. A segunda geração de militantes comunistas e pró-comunistas, que não participou diretamente da luta contra a ditadura mas se formou sob a influência direta e abrangente do grupo 1.

3. Arrivistas variados, sem cor ideológica definida, provenientes de organizações religiosas ou de interesses regionais, que, gostando ou não gostando dos grupos 1 e 2, acabam se adaptando à sua linguagem e aos seus valores, seja por oportunismo, seja por absoluto desconhecimento de outras alternativas mentais possíveis.

Se você sabe o que é conservadorismo – aquela política que se constitui da síntese inseparável de economia de livre mercado, democracia parlamentar, lei e ordem, moral judaico-cristã e predomínio da cultura clássica na educação -, sabe também que não há um só conservador nos grupos 1, 2 ou 3. O leque das opções disponíveis resume-se ao esquerdismo e à inocuidade acomodada. Escolha e vote. É a democracia brasileira em ação. Segundo o senhor Geraldo Alckmin, cuja fidelidade admirável à segunda opção lhe valeu o apelido de Chuchu, isso sim é que é democracia. Baita democracia. Não aquela farsa americana, onde os eleitores têm de escolher entre radical right, paleoconservatives, neoconservatives, libertarians, left-liberals (esquerda moderada) e radical left – um tédio.

Para piorar – o senhor Alckmin não disse, mas digo-o eu -, os políticos americanos têm a mania de registrar suas propostas em livros antes de apregoá-las de cima dos palanques eleitorais. Seus adeptos seguem o exemplo, e seus adversários lhes respondem com outros livros. E os livros, droga!, têm de ser muito bem escritos, senão a mídia ranheta não lhes presta a mínima atenção. A cada novo pleito, é uma biblioteca inteira de opiniões, de críticas, de análises, de depoimentos, de projetos que aparece na praça. A produção intelectual de uma só eleição americana supera de longe, em volume e qualidade, tudo o que se escreveu sobre política no Brasil ao longo de aproximadamente meio século. Assim não dá, gente. O senhor Alckmin precisa ir lá dar um jeito nisso.

Aqui, os únicos três livros interessantes para a orientação do eleitor neste pleito não foram escritos por candidatos. Já celebrei, de passagem, as memórias do senhor Ricardo Kotscho, onde ele explica como é possível estar sempre por dentro de tudo sem nunca ficar sabendo de nada. Assinalo também Nervos de Aço, o depoimento do herói-bufão Roberto Jefferson, em caprichada edição da Topbooks, narrativa animada de como ele foi parar no melhor lugar da política brasileira, que é fora dela. E, é claro, O Chefe, de Ivo Patarra, meticulosa reconstituição de 403 dias de roubalheira petista, que editora nenhuma quis publicar mas pode ser descarregado do site http://www.escandalodomensalao.com.br/. O problema é que nenhum dos três ajuda a escolher candidato. Ajuda é a desistir de votar.