Por José Nivaldo Cordeiro


20 de Junho de 2002

“Com todas as objeções que tenhamos à mídia – e estas objeções não são poucas –, a imprensa tem sido o mais resistente baluarte da sociedade contra o crime.” Janer Cristaldo.

Esperei alguns dias para voltar ao tema da morte de Tim Lopes, a fim de analisar a responsabilidade da Rede Globo – ou da chefia imediata do repórter – que, ao ignorar a periculosidade do crime organizado no Brasil, de certa forma o mandou para a morte. Criou uma armadilha da qual ele não poderia escapar. Ao deixar a redação para ir a campo, ele já estava condenado. Entretanto, perdi o mote, pois Janer Cristaldo, no Baguete (www.baguete.com.br), fez um artigo tão bom sobre o assunto que não me resta mais do que pôr a mão sobre a boca e calar (“Jornalista bom é jornalista morto”). Tudo está dito. Resta o consolo de que, na prática, Tim foi transformado em repórter de guerra e, como tal, ficou sujeito aos seus humores, embora talvez disso não soubesse. Que Deus o tenha!

Resta, todavia, o mote levantado pelo autor, que é analisar a relação da mídia com o ato criminoso, seja noticiando os fatos tidos como tal, seja ela própria praticando o crime de opinião, no ato de informar. Ainda nesta semana soube que a Justiça do Rio Grande do Sul condenou o jornalista José Barrionuevo por escrever contra atos do governo petista daquele Estado. Existirá algo a unir os dois fatos, a morte de Tim Lopes e a condenação de Barrionuevo? Penso que sim e é o que quero explorar aqui.

Li a coluna de José Barrionuevo que foi base para a denúncia e, na minha modesta opinião, não encontrei nada do que poderia ser considerado injúria ou difamação conta o governo. Na verdade, o artigo não estava mais duro do que aqueles que eu próprio tenho escrito ao analisar os atos das autoridades constituídas. Mas não sou jurista e nem juiz, de modo que o que posso fazer é apenas opinar e me solidarizar com as vítimas do abuso do poder estatal. Não me sinto capaz de julgar o julgador profissional enquanto tal, mas também não sou cego.

Dizer que o rei está nu, em certos tempos, pode custar a vida do ousado. Ao Barrionuevo, pode custar a liberdade (seis meses de reclusão) ou pagar multas e também o opróbrio de uma condenação transitada em julgado (nem sei se cabe recurso em outra instância, talvez sim). A fato é que uma certa corrente política atuante no País, com apaixonados seguidores no meio do funcionalismo público (incluindo o Judiciário) e na imprensa, adota o ponto de vista que defende o relativismo moral e político, de modo que os adversários não serão mais julgados com a devida e esperada isenção, de acordo com a lei, mas segundo os preconceitos do grupamento político. Assim, aliados estão previamente isentos de qualquer culpa ou condenação, enquanto que, inversamente, os adversários já estão previamente condenados. Colocam em prática a máxima: “aos inimigos, a lei”.

Não casualmente que essa corrente política relativista é aquela que vê no crime comum um crime político, oriundo da luta de classes, de modo que os criminosos são previamente justificados por essa falácia. É a semente do caos jurídico e policial, que a meu ver é a causa última da morte de Tim Lopes e de muitas outras pessoas. A tolerância com a prática recorrente do crime, em nome da luta de classes – uma verdadeira politização do crime – gerou o monstro que está a nos ameaçar a todos. Criminosos perigosos, mas do mesmo matiz político, são tolerados, como um Beira-mar que se aliou às FARC e, por tabela, aos seus simpatizantes tupiniquins. Um pobre jornalista que tenta filmar as práticas hediondas dos “companheiros” traficantes é morto em holocausto e nada acontece, exceto algumas posturas típicas de fariseus vertendo lágrimas hipócritas. As autoridades vermelhas lavaram as mãos.

Um jornalista que escreve que o rei está nu é condenado. Levas de jornalistas assalariados à causa vermelha fazem a apologia e a justificação cotidiana dos criminosos e nada lhes acontece, em contrapartida. Esses jornalistas assalariados são cúmplices tácitos da onda de horror criminoso que varre o Brasil, mas ninguém se lembra de disciplinar seu fervor revolucionário, quero dizer, de advogados do crime. Dois pesos e duas medidas.

A guerra que se trava nas ruas entre a população ordeira e trabalhadora e os facínoras é a mesma que se dá na imprensa entre os que combatem o bom combate e aqueles que se venderam. E ambas são assistidas olimpicamente pelos governantes, que se recusam a abraçar a causa justa, a fazer a guerra justa, a combater o crime e os seus aliados, em defesa dos bons cidadãos. A omissão do Estado é patente, entendendo-se por Estado as suas mais altas autoridades, a quem compete comandar as Forças da Ordem.

Mas não há mal que sempre dure. No fim, prevalecerá o bem. Resta rezar como o salmista:

“Lembra-te, Senhor, do opróbrio dos teus servos, e de como trago no peito o escárnio de todas as nações, com o qual, ó Senhor, os teus inimigos têm difamado os passos do teu ungido. Bendito seja o Senhor para sempre! Amém e amém” (Salmo 89:50-52).

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