Por José Nivaldo Cordeiro

27 de julho de 2002

É possível que o poder público dê tratamento de livre mercado aos preços de um segmento notoriamente monopolista? Não, é algo estúpido, por definição. É fazer de conta que há concorrência onde ela não existe. Em casos assim, é legítimo que o poder público intervenha, no limite do tabelamento de preços, para proteger os cidadãos do abuso monopolista. É uma ação legítima de governo.

É o caso que vemos em alguns setores, como o de petróleo, de energia elétrica e de serviços de água e esgotos. O ideal de livre mercado foi colocado aqui apenas para a formação dos preços (delegou-se aos monstros monopolistas a tarefa de cobrarem o que querem do indefeso consumidor) e não se permitiu que houvesse a multiplicação na oferta, pela livre concorrência, para contrabalançar o poder de monopólio. Então ficou um belo discurso para os dirigentes desses setores justificarem seus abusos – afinal estariam praticando o livre mercado. Isso é uma grande mentira.

O artigo de David Zylberstayn (“Esse filme eu já vi”), publicado na folha de hoje, é a expressão mais acabada dessa hipocrisia, alegando que supostamente os produtos da Petrobrás são commodities. Ora, os derivados de petróleo podem assim ser chamados no mercado internacional, em que há múltiplos produtores que não conseguem manipular os preços, havendo a interação entre a demanda e a oferta. Aqui dentro, esses produtos tornam-se bens raros e sob controle do monopólio instituído pelo estado. David tem o desplante de dizer que “a verdadeira explicação para os recentes aumentos resume-se à retirada dos subsídios anteriormente existentes do GLP (como política formal do governo) e a forte expansão do câmbio”.

Ora, todos sabemos que os preços de derivados de petróleo no Brasil escondem uma supertributação, em que as diferentes esferas de governo “mamam” pesado, na forma de royalties e de impostos indiretos e diretos. A Petrobrás, além, de obter fabulosos lucros monopolistas, virou uma máquina arrecadadora de formidáveis proporções. Isso, o primeiro-genro não diz. Todos os interesses patrimonialistas ligados a essa cadeia produtiva calam o bico diante do assalto que é feito contra a economia da população indefesa.

O mesmo vale para as demais empresas monopolistas de serviços públicos. Os jornais de ontem informaram que há cerca de cem mil residências em São Paulo com o fornecimento de água cortado, por falta de pagamento. Quantas serão as residências sem luz? Seria útil saber. O que a burocracia estatal, aliada aos interesses mais escusos, está fazendo com o povo brasileiro nem forças estrangeiras de ocupação teriam a coragem de fazer. Cortar a água, a luz e o gás de cozinha das pessoas mais pobres por elevação de preços, impedindo-as de consumirem esses produtos básicos, não tem qualificação. É teratológico. Esses homens são ímpios, no limite de criminosos de guerra. São dignos do Tribunal de Nuremberg. Estão praticando genocídio contra o seu próprio povo.

Ontem eu vi a entrevista de uma mulher pobre de uma favela do Recife, dizendo que não usa o gás de cozinha porque não pode mais comprá-lo. O repórter, numa mistura de ingenuidade e sadismo, perguntou se o feijão ficava melhor no fogo à lenha. Ela respondeu: – “Tanto faz, o feijão duro não cozinha mesmo”.

Ela deveria convidar o primeiro-genro para saborear a iguaria.

O autor é economista e mestre em Administração de Empresas pela FGV – SP

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