Yearly archive for 2009

Almas irmãs

Olavo de Carvalho

13 de dezembro de 2009

Acuado pela publicação do original de “Quem é Gurdjieff?”, prova cabal dos crimes que ele e seus cúmplices cometeram contra mim (arts. 139 e 140 do Código Penal, acrescidos do art. 5, inciso IV da Constituição Federal, bem como dos artigos 186 e 927 do Código Civil), o sr. Rodrigo Pedroso (rpedroso01@terra.com.br) decidiu apelar ao histrionismo desvairado, espalhando pela internet acusações tão loucas que nem ele próprio pode acreditar nelas.

Diz, em primeiro lugar, que sou um agente petista. Provas:

(1) Morei com os srs. Rui Falcão e José Dirceu num apartamento da Casa do Estudante. (Que isso acontecesse duas décadas antes da fundação do PT parece não significar grande coisa para o sr. Pedroso.)

(2) Meus artigos contra o PT saíram na mídia concomitantemente à ascensão eleitoral desse partido. (Bem, que eu saiba, em política só tem sentido advertir contra um perigo quando a ameaça é crescente. Ou o certo seria escrever só contra partidos em declínio?)

(3) Declarei que o PT havia esmagado os partidos de oposição e que sairia inevitavelmente vencedor nas eleições de 2002 e 2006. (Uai, e não foi o que aconteceu?)

(4) Tendo em vista que todas as possibilidades de ação política frutífera foram eliminadas, recomendei a meus alunos que se abstivessem de desgastar-se em discussões fúteis e que se concentrassem na sua formação intelectual. Alguns meses atrás, quando reclamei que as organizações católicas no Brasil nada faziam contra a ascensão do esquerdismo, fui acusado de sobrepor à vida interior a luta contra o comunismo. Agora sou acusado precisamente do contrário. Devo mesmo ser culpado das duas coisas: Lutei demais contra o comunismo e lutei de menos contra o comunismo. Sou culpado per fas et per nefas.

Em seguida, o sr. Pedroso diz que não tenho autoridade moral para falar contra o estuprador virtual ou real de presidiários, cabritas e jumentas, sr. Luís Inácio Lula da Silva, já que a minha conduta sexual também não é lá das melhores, como o prova o fato de que fui acusado de ser gay e, aliás, nem sequer me defendi da acusação.

Esta parte da mensagem é tão rica em insinuações pérfidas que merece ser desdobrada analiticamente:

Ninguém me acusou de ser gay. O sr. Fernando Pergentino — alma cristianíssima como o sr. Pedroso — apenas espalhou que terceiros (o Príncipe Dom Bertrand e o dr. Mário Navarro da Costa) haviam lançado essa acusação contra mim, e esses terceiros, consultados a respeito, negaram isso enfaticamente, o que aliás nem seria preciso, pois não são mesmo homens dados a esse tipo de baixezas.

Não houve, portanto, nenhuma acusação de gayzice, houve apenas uma tentativa supremamente idiota de diz-que-diz-que, calculada para criar um conflito entre eu e a TFP.

Por que eu deveria me defender, se não fui acusado? De outro lado, para me defender eu teria de aceitar como confiável o testemunho falsíssimo do sr. Pergentino, arrumando assim, sem qualquer razão plausível, uma briga com pessoas inocentes contra as quais, precisamente, ele tencionava me jogar. Toda defesa seria, portanto, não só despropositada como inconveniente. O sr. Pergentino, medindo o meu grau de idiotice vaidosa pelo seu próprio, imaginou que, à mera suspeita de terem sido feridos os meus brios de macho, eu me apressaria a cair na sua armadilha. Mas não, minha macheza não foi ofendida de maneira alguma. Quem sofreu insulto foi a minha inteligência, ao ver-se medida pela do sr. Pergentino.

O sr. Pedroso não é burro ao ponto de não atinar com essas obviedades. Se ele fingiu não percebê-las, foi para melhor articular a nova armadilha em que, falhada a do sr. Pergentino, ele pretendia me aprisionar. A construção da engenhoca passou pelas seguintes fases:

Primeiro, o sr. Pedroso tomou a mentira do sr. Pergentino como prova cabal desnecessitada de exame. Do fato de que este afirmasse ter ouvido terceiros me acusarem de gay, o sr. Pedroso, sem a menor consulta a esses terceiros, concluiu que a acusação de fato foi feita.

Segundo, dessa hipótese já impugnada ele deduziu que o conteúdo da acusação era automaticamente verdadeiro.

Terceiro, tomou esse conteúdo como premissa fundante de um julgamento moral contra a minha pessoa.

Quarto, ao proferir esse julgamento, nivelou o meu vício inexistente ao crime de estupro, concluindo que, na condição de gay, sou tão ruim quanto o homem que se gaba de ter estuprado um companheiro de cela e mantido relações sexuais com cabritas e jumentas.

A técnica difamatória do sr. Pedroso revela aquela mistura de malícia e ingenuidade que tipifica o intrigante pueril. Ele parte de uma mentira já desmascarada, e em cima dela constrói, por automatismo dedutivo, novas e piores mentiras. A quem ele pensa que convence com esse truque besta?

Mas o pior de tudo é a conclusão do raciocínio. O que quer que alguém pense contra o homossexualismo não lhe dá o direito de igualar essa prática a um crime hediondo tipificado no Código Penal. Creio que essa foi a maior ofensa já proferida contra os gays, ainda que na esperança de atingir com ela alguém que não é membro do grêmio.

Todo esse procedimento é tão forçado, tão artificioso, tão obviamente perverso, que nem mesmo o sr. Pedroso pode acreditar no que disse. A hipótese de erros bem intencionados está, pois, afastada in limine. O sr. Pedroso sabe que está mentindo, e aliás tem boas razões para fazê-lo. Ao ser surpreendido escondendo-se em baixo da saia da namorada para usá-la como instrumento num dos ardis difamatórios mais pérfidos já tramados contra a minha pessoa, ele teve a evidência direta, cabal, incontestável, da sua falta de virilidade, exibida também aos olhos de todos os que acompanharam esse caso deprimente (v. http://www.olavodecarvalho.org/textos/recados_educadissimos.htm). Isso doeu demais. Chorando de raiva, ele agüentou a humilhação enquanto pôde, esperando a oportunidade de uma vingancinha. O episódio Pergentino deu-lhe essa oportunidade: nele o sr. Pedroso encontrou a sua alma-irmã.

Notem bem: o sr. Pergentino jamais seria homem bastante para me chamar de gay cara a cara. Preferiu fazê-lo indiretamente, culpando terceiros. O sr. Pedroso leva a pusilanimidade mais longe ainda, usando como escudo a fofocagem do sr. Pergentino.

É esse eunuco, essa coisinha trêmula, que me vem exigir provas de virilidade? Ora, faça-me um favor! Que às vá pedir à namorada, a qual já provou ser mais homem que ele.

Nem discutirei, é claro, as afetações de piedade católica com que esse delinqüente abjeto tenta adornar os seus crimes. Se algum católico sério quiser explicações a respeito de qualquer declaração minha, que as peça. Ao sr. Pedroso, à sua leoa-de-chácara e ao seu novo cúmplice não devo satisfações.

Geração maldita

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 8 de dezembro de 2009

Todo dia recebo dezenas de cartas de leitores, das quais respondo algumas pelo meu programa “True Outspeak” (www.blogtalkradio.com/olavo, segundas-feiras, às 20h00 do Brasil). As outras ficam sem resposta, não por serem desimportantes, mas por simples impossibilidade física de escrever as centenas de páginas diárias que seria preciso para dar a cada uma a atenção merecida. No entanto, algumas são irrespondíveis num outro sentido: o que dizem é tão verdadeiro, tão sério, tão pungente, que nada tenho a lhes retrucar nem acrescentar.

Eis aqui dois exemplos. O primeiro, do leitor Ithamar Paraguassu Ramos, até saiu no Diário do Comércio do dia 17 (http://www.dcomercio.com.br/Materia.aspx?id=32129):

“A única coisa que posso dizer é que eu amo as materias do Olavo. Já faz um bom tempo que tenho reclamado do que eu chamo de ‘esquizofrenia’ dos formadores de opinião brasileiros. Na mesma sentença eles dizem uma coisa e se contradizem completamente… Mas o ponto é que infelizmente Olavo não esta atingindo uma parcela muito importante da nossa população, isso por causa do declínio da educação… Para o meu horror, os jovens universitários de hoje não sabem o sgnificado de palavras como: ‘sofisma’, ‘erítistica’, ‘ardil’, ‘arrazoado’, ‘verossimilhança’ e por aí vai.”

O segundo, do leitor Leandro Coelho, sai aqui pela primeira vez:

“Não tenho (e não sei) os meios de verificar se todas as pessoas brasileiras são assim, mas todas as pessoas com as quais converso, todas praticamente sem exceção, só pensam em levar vantagem seja com processos trabalhistas, seja se inscrevendo em programas sociais sem necessidade ou de qualquer outra maneira. Trabalhar para prosperar, talvez, mas ganhar um dinheirinho na base da enganação, processos etc., ah, aí todos querem. Vendo isso, não vejo por que achar triste que estas pessoas sejam governadas pelo Foro de São Paulo. As pessoas que se enquadram no esquema acima merecem toda a miséria nacional. Se o jeitinho acima descrito é aplicável a grande parte da população brasileira, então o Lula, o PT… estão no lugar certo.”

Que é que posso dizer diante dessas coisas? Elas são a verdade pura e simples, constatada diariamente por quem quer que tenha um pingo de capacidade de observação. E essa verdade é tão horrível, tão deprimente, que o cérebro humano, ao admiti-la, entra em estado de torpor e busca logo pensar em outra coisa. Quanto mais grave e temível é um estado de coisas, menos atenção ele recebe e mais facilmente é aceito como fatalidade inevitável, na qual não vale a pena pensar. Nem entendo por que há tantos cursos de auto-ajuda ensinando as pessoas a evitar assuntos desagradáveis. Elas já fazem isso por mero automatismo, e precisamente porque o fazem as coisas vão se tornando cada vez mais desagradáveis.

O colapso intelectual do Brasil, ao qual se seguiu a completa deterioração moral da população, ao menos nos grandes centros urbanos, não aconteceu simplesmente porque sim. Foi a obra criminosa da geração mais presumida e torpe que as universidades brasileiras já produziram. Para cada dez mil sexagenários letrados que hoje ocupam posições de destaque na política, nas universidades, no show business, no mundo editorial, mal se encontra um que tenha consciência das suas responsabilidades, que não sufoque sua consciência de culpa sob toneladas de chavões politicamente corretos, de modo a sentir que é bom quando pratica o mal.

Quando se encontra essa exceção memorável, um homem de bem, podem ter a certeza de que ele vem enfraquecido pela contaminação do ambiente geral adverso, ao qual não ousa opor a necessária severidade. Estou lendo, com uma satisfação mista de tristeza, o livro de Boris Tabacof, Espírito de Empresário. Reflexões para Construir uma Gestão Baseada em Valores (São Paulo, Editora Gente, 2009). Quanta boa vontade, quanta sugestão construtiva, quantas idéias úteis, quanto sentimento moral saudável, quanto sincero amor pelo Brasil e quanto desejo de ver sua gente prosperar não perpassam essas páginas que todo empresário deveria ler! E tudo isso dito por quem não se limita a dizer, mas há décadas se esforça para que suas idéias se realizem. No entanto, quantas concessões de ingênua polidez não faz o autor a pessoas e grupos que, se pudessem, gostariam mesmo é de assassiná-lo! Como realizar as mais belas propostas sem primeiro neutralizar as forças que as estrangulam e que, quando não conseguem destrui-las, tratam de corrompê-las e prostitui-las para que acabem servindo ao mesmo mal que pretendiam corrigir? Quando as pessoas imbuídas das melhores intenções neste país vão aprender a lição de Hegel sobre “a obra do negativo”, a função preliminar, básica e imprescindível que a crítica corrosiva e a destruição dos antagonismos desempenham na liberação das forças melhores e mais promissoras? Uma só palavra gentil dita aos homens que criaram as situações descritas pelos leitores Ramos e Coelho é o bastante para deitar a perder todos os esforços mais generosos despendidos para corrigi-las. Mais vale um bom palavrão atirado em público à cara de um Tarso Genro, de um Marco Aurélio Garcia, do que mil palavras construtivas atiradas ao vento.

Ninguém, no mundo, tem o monopólio das boas idéias. Elas surgem naturalmente, quando a situação permite — mas a situação só o permite quando os piores e os mais estúpidos desocupam os altos postos e são devolvidos à sua justa escala de insignificância.

O Brasil, no momento, não precisa de boas idéias. Precisa é de uma ação vigorosa, implacável, contra o império da maldade, da mentira e da estupidez. Esse império foi instaurado pela geração que, nos bancos da universidade, se deixou seduzir pela crença de que era “a parcela mais esclarecida da população” e de que todos os problemas estariam resolvidos quando ela chegasse ao poder. Ela chegou — e fez do povo brasileiro o mais ignorante, o mais assassino e provavelmente o mais desonesto do mundo.

Posso falar de cátedra, porque essa geração é a minha. Observei como ela se formou e sei o quanto a ilusão de pertencer a uma elite predestinada pode corromper o coração humano. Eu mesmo participei dessa ilusão, e vivo até hoje do arrependimento que ela me infunde. Vejam os cinquenta mil homicídios por ano, vejam o fracasso dos nossos estudantes nos testes internacionais, vejam o poder crescente das gangues de narcotraficantes e de invasores de terras, vejam a amoralidade cínica estampada nos rostos de tantos dos nossos concidadãos — e me digam se algo de bom é possível construir enquanto os homens que criaram tudo isso continuam mandando no país e acumulam mais poder a cada dia que passa.

Quando nada se faz contra o mal, a apologia do bem torna-se mera desconversa — a forma passiva e afável da mentira na qual o mal se sustenta.

De joelhos ante Sua Insolência

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 7 de dezembro de 2009

Pelo noticiário dos últimos dias, os leitores devem ter tomado consciência de que são governados por um indivíduo que se gaba de um crime de estupro, real ou imaginário, e revela sentir uma nostalgia profunda dos dias em que os meninos do interior do Nordeste mantinham relações sexuais com cabritas e jumentas. O que não sei é se percebem o grotesco, a infâmia, a abominação de continuar a chamar esse sujeito de Vossa Excelência, quando Vossa Insolência seria muito mais cabível, fazendo de conta que estão diante de um cidadão respeitável quando estão mesmo é de joelhos ante um sociopata desprezível.

Nenhum político do mundo jamais fez declarações tão insultuosas à moralidade geral e à simples dignidade humana. Muito menos as fez e permaneceu no cargo. Lula não só permanecerá como fará tranquilamente a sua sucessora, porque a sociedade brasileira inteira já se acanalhou ao ponto de aceitar como decreto divino tudo o que venha do “Filho do Brasil”. Todos preferem antes ser humilhados, achincalhados, envergonhados ante o universo, do que correr os riscos de uma crise política. Sabem por que? Porque foram reduzidos a uma tal impotência que já não têm meios nem de criar uma crise política.

Em fevereiro de 2004 escrevi: “Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em ‘vencer o PT’, seja nas próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção.

O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos – muito menos com os da ‘direita’ – segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável.

Não haverá retorno. O Brasil em que vivemos é, já, o ‘novo Brasil’ prometido pelo PT, e não tem a menor perspectiva de virar outra coisa a médio ou longo prazo, exceto se forçado a isso pela vontade divina ou por mudanças imprevisíveis do quadro internacional.”

Fui chamado de radical, de paranóico, de tudo quanto é nome. Os que assim reagiam não tinham – e não têm até hoje – a menor ideia de que existe uma ciência política objetiva, capaz de fazer previsões tão acertadas quanto as da meteorologia, com a diferença de que estas são feitas, no máximo, com antecedência de algumas horas. Quão preciosa não seria essa ciência nas mãos dos planejadores estratégicos, seja na política, seja nos negócios! Recusando-se a acreditar que ela existe, preferem confiar-se aos pareceres dos acadêmicos consagrados, que são tão bem educadinhos e jamais os assustam com previsões certeiras.

Ainda lembro que, em 2002, o Los Angeles Times consultou duas dúzias de eminentes “especialistas” sobre as eleições no Brasil. Todos disseram que Lula não teria mais de 30 por cento dos votos. Só eu – o radical, o alucinado – escrevi que a vitória do PT era não apenas certa, mas absolutamente inevitável.

Do mesmo modo, sob insultos e cusparadas, anunciei que a passagem do tempo desfaria a lenda da “moderação” lulista, pondo à mostra o compromisso inflexível do nosso partido governante com o esquema revolucionário internacional.

Hoje isso está mais do que evidente, e sinais de um temor geral que antes ninguém desejava confessar começam a despontar por toda parte. E que fazem, diante do perigo tardiamente reconhecido, essas consciências recém-despertadas? Correm em busca dos mesmos luminares acadêmicos que já os ludibriaram tantas vezes com suas palavras anestésicas, como instrutores de auto-ajuda.

A elite brasileira é vítima de seu próprio desamor ao conhecimento, agravado de um culto idolátrico aos símbolos exteriores de prestígio e bom-mocismo. Seguindo essa linha inflexivelmente ao longo dos anos, enfraqueceu-se ao ponto de, hoje, ter de baixar a cabeça ante a torpeza explícita, arrogante, segura de si.

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