Yearly archive for 2001

Terríveis mamães

Olavo de Carvalho

Jornal da Tarde, 24 de maio de 2001

Todo mundo sabe – e os testemunhos psicanalíticos e psiquiátricos o confirmam abundantemente – que uma grande fonte de sofrimentos humanos é a possessividade materna. Muitas mulheres têm, de fato, uma dificuldade de reconhecer em seus filhos criaturas independentes. Vêem-nos como propriedades pessoais e adornos destinados ao seu próprio embelezamento subjetivo.

A revolução psicológica dos anos 60, que muito contribuiu para minar a autoridade familiar e que é geralmente celebrada na intelectualidade progressista como um momento importante na libertação do ser humano, insistiu muito nisso.

No entanto, dessa mesma revolução psicológica nasceu a forma atual e radicalizada de reivindicação feminista que, de maneira aparentemente paradoxal, restabelece a possessividade materna em níveis jamais ambicionados pela mais ciumenta mamãe italiana ou judia – e não falo das mamães italianas e judias reais, mas da sua versão piadística grotescamente ampliada.

A reivindicação do poder materno absoluto começa a raiar o monstruoso no momento em que as mulheres, quando querem ter filhos a despeito de algum obstáculo natural, recorrem a arriscadas manipulações genéticas de moralidade duvidosa, ao passo que outras, para livrar-se dos seus depois de os ter gerado, se permitem assassiná-los em massa pelo aborto legalizado.

Em ambos esses casos extremos – opostos só em aparência –, a exigência feminina de poder sobre o próprio corpo amplia-se numa reivindicação de onipotência sobre a vida e a morte de outrem.

Em ambos os casos, a vaidade pueril e o egoísmo grosseiro sobrepõem-se imperiosamente à consideração da simples possibilidade teórica de que seus filhos possam ser algo mais do que meios genéticos de satisfação pessoal de suas mães.

A exploração da vaidade feminina por meio da lisonja é o mais velho expediente dos manipuladores ambiciosos. O antepassado de todos eles, caso alguém não se lembre, já aparece no Gênesis prometendo poder a Eva.

Apenas, a evolução da técnica médica e dos meios de influência psíquica pelos meios de comunicação de massa deu a essa promessa um alcance estratégico jamais sonhado, fazendo dela uma ameaça iminente de abolição do senso moral mais elementar em toda a fração feminina da Humanidade.

A mulher imbuída do “direito” de produzir ou matar seus filhos a seu bel-prazer é, na melhor das hipóteses, uma sociopata, na qual o desejo de posse e a ambição de poder se sobrepuseram aos sentimentos de base que constituem a condição “sine qua non” da vida familiar, da decência e do amor pessoal.

A adoção universal da nova moral ultrafeminista será uma catástrofe civilizacional de proporções assustadoras.

Muito provavelmente, a natureza feminina reagirá por si mesma contra essa brutal mutação psíquica que lhe querem impor, e a nova moral do poder materno absoluto não passará de um projeto insano, abortado nas pranchetas dos engenheiros sociais que a conceberam.

Mas a natureza, para agir com plena eficácia, tem de ser ajudada pela cultura. Uma guerra cultural tem de ser travada em defesa dos sentimentos maternos sãos e contra a oferta de fazer de cada mãe uma deusa, investida do poder de vida e morte sobre seus filhos.

Antipsiquiatria

22 de maio de 2001

VICTOR LEONARDO DA SILVA CHAVES

  • Coronel –Médico da R/Rm da Aer. CREMERJ 52-12223-0
  • Ex-psiquiatra do Quadro de Saúde da Aeronáutica
  • Título de psiquiatra conferido pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica Brasileira em 1970; pelo Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro em 1986
  • Ex-membro da Associação Brasileira de Psiquiatria [1970/1994] e Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro [1968/1994]
  • Licenciado em Filosofia pela UERJ

1.     Introdução

Em princípio do outono de 2001, a imprensa anarco-comunista anunciou que o Congresso aprovara em 27 de março o projeto de lei do Deputado Paulo Delgado [PT de MG], que propunha a extinção de manicômios, tendo sido sancionado pelo executivo em 6 de abril. Há indícios de má-fé, pois tal projeto fora aprovado em 1989, somente na Câmara Federal por voto de lideranças e derrotado no Senado Federal, seguido pelos substitutivos dos Senadores Lucídio Portela e Sebastião Rocha. Ambos modificaram substancialmente o projeto original. Esse último substitutivo é o que foi aprovado nas datas acima, tornando-se a Lei 10 216 de 06/04/01[D.O.U. 09/04/01]. Essa mistificação foi feita pela esquerda que domina os meios de comunicação, pois esse projeto é uma expressão política de uma doutrina de inspiração anarco-comunista, denominada de antipsiquiatria.

2.     Definição.

O termo antipsiquiatria passou a ser usado na década de sessenta para designar uma corrente doutrinária na área de saúde mental que tinha por característica principal contestar a validade da Ciência Médica para resolver os problemas de psiquiatria. Seus conceitos propagaram-se para áreas afins, no bojo dos movimentos de protesto das conturbadas décadas de 60 e 70, que julgam não existir doenças mentais e que a nosologia médica psiquiátrica não passa de um conjunto de rótulos, apregoando o fechamento dos estabelecimentos médicos psiquiátricos.  Roudinesco [1], em seu Dicionário de Psicanálise, fornece a seguinte definição: Embora o termo antipsiquiatria tenha sido inventado por David Cooper num contexto muito preciso, ele serviu para designar um movimento político radical de contestação do saber psiquiátrico [grifo nosso], desenvolvido entre 1955 e 1975 na maioria dos grandes países em que se haviam implantado a psiquiatria e a psicanálise [grifo nosso]: na Grã-Bretanha, com Ronald Laing e David Cooper; na Itália, com Franco Basaglia; e no Estados Unidos, com com as comunidades terapêuticas, os trabalhos de Thomas Szasz e a Escola de Palo alto de Gregory Bateson. (…) Como utopia, a explosão da antipsiquiatria foi radical, e Cooper sublinhou isso ao discursar em Londres, na tribuna do congresso mundial de 1967, o qual almejava inscrever a antipsiquiatria no quadro de um movimento geral de libertação dos povos oprimidos [grifo nosso] (…) Cooper prestou uma vibrante homenagem aos participantes da comuna de 1871, que haviam atirado nos relógios para acabar com “o tempo dos outros, o dos opressores, e assim reinventar seu próprio tempo” [observe a orientação política anarquista]. Antipsiquiatria é uma ideologia perniciosa, de inspiração anarquista. É formada pela confluência de várias correntes de pensamento que dominaram a sociedade ocidental a partir do final do Século XIX e parece que se adentrará, infelizmente, pelo XXI.

3.     Antecedentes históricos.

3.1. A passagem do Século XIX para o XX foi marcada por duas correntes filosóficas: o niilismo de Nietzsche e a fenomenologia de Husserl.  O niilismo é uma doutrina iconoclasta que faz apologia do nada. A fenomenologia, inspirada em Kant, afirma a primazia do fenômeno em relação ao númeno. Esse último seria inacessível ao sujeito, portanto, só sendo perceptível o primeiro. Com isso, Husserl quis mostrar a identificação entre sujeito e objeto em vez da interação entre os dois. Querendo ou não, sua doutrina acaba por privilegiar o sujeito em detrimento do objeto, dando margem ao excesso de subjetivismo que caracterizou o Século XX. Essas duas correntes vieram a inspirar o existencialismo fenomenológico de Heidegger, o existencialismo materialista de Sarte, a “filosofia da ambigüidade” de Merlau-Ponty, que sustenta que a experiência humana possui um sentido eminentemente enigmático [2], todas as manifestações estruturalistas, inclusive o descontrutivismo de Derridá, a Escola de Frankfurt e o Círculo de Viena.

3.2. Esse período caracterizou-se também pelo aparecimento das correntes chamadas de psicologia profunda [Freud, Adler, Jung e outros] que afirmam que a conduta humana é dirigida por uma instância mental irracional, que chamam de inconsciente dinâmico.  Esse menoscabo da razão induziu a uma identificação de liberdade com irresponsabilidade. Muitas delas aceitam como parte da mente normal a bissexualidade, a homossexualidade [a criança seria um polimorfo perverso, pois encerraria em latência todas as perversões sexuais dos adultos] e o uso de doença mental (neuropsicoses de defesa) como um meio que a mente tem para se defender dos conflitos. Isso eliminou os limites entre sadio e patológico, e influenciou o Manisfeste du Surréalisme, de 1924, quando André Breton propõe o não-conformismo e a tese do automatismo mental. No primeiro princípio, faz apologia da iconoclastia e, no segundo, defende o aetismo extremo, em que o autor deveria escrever tudo que lhe viesse à mente [patológica, evidentemente], sem a menor censura, mesmo que o conteúdo viesse a escandalizar os bons costumes, tal como incesto, bestialidade ou qualquer outra perversão.

3.3. Na década de trinta [1933], alguns sociólogos americanos cunharam a expressão “psiquiatria social” [3] com a pretensão de transformar a Medicina em sociologia.  A revista ‘MÉDICOS’, editada pela USP, apresentou em seu número de dezembro de 1998 [ANO 1, Nº 5, pg. 100] a opinião da socióloga Maria Helena Machado que atribui  à Medicina ( saber científico com a finalidade de aliviar a dor e salvar vidas) uma “aliança com o Estado (…) e com a elite dominante”.  Esse despautério demonstra o descalabro que a “sociologização” da Medicina atingiu.

3.4. Foi na década de sessenta do Século XX, que explodiu o laxismo [laissez-faire extremo na esfera moral] fomentado por essas doutrinas de pensamento.  Começou com o movimento hippie, tendo por fundamento estético o extravagante, o aberrante, tudo que causasse escândalo; criatividade passou a ser sinônimo de extravagância, aberração, escândalo. Na esfera moral o mote foi “paz e amor”: com paz eles queriam dizer ociosidade; com amor, luxúria, devassidão dos costumes. Foi a era da liberação do sexo e tóxico, quando tudo deveria ser permitido, a hierarquia passou a ser risível, a ordem, opressão e a obediência, submissão. A palavra de ordem foi contestar, contestar por contestar, sem o menor fundamento. A única coisa a proibir foi proibir. Esse foi o lema das badernas das ruas de Paris em maio de 1968, lideradas pelo filósofo Herbert Marcuse e apoiadas por vários intelectuais como Sartre, Simone de Beauvoir e outros anárquico-socialistas [4].  Em agosto de 1969, ocorreu o festival em Woodstock, quando imperou a promiscuidade sexual, o abuso de tóxico, a falta de higiene, a extravagância.

4.     Formação da ideologia antipsiquiátrica.

4.1. François Dosse [5] afirma que em 1952 a UNESCO encomendou a Levy-Strauss [antropólogo de orientação estruturalista] um estudo sobre “a questão racial perante a ciência moderna”.  O autor publica o livro “Race e Histoire” que, querendo derrubar os preconceitos raciais, então ainda tão presentes suas conseqüências funestas [sete anos após a Segunda Guerra Mundial], extrapolou para o extremo oposto, sustentando a ausência de hierarquia entre as civilizações. Uma cultura que ainda exigia sacrifícios humanos estaria no mesmo grau de igualdade como a cultura cristã.  Essa ideologia concorreu para incentivar a iconoclastia em curso e resultar na Nova Era [New Age] da década de sessenta.

4.2. O filósofo francês Michel Foucault [1926/1984] deu uma grande contribuição para a formação da ideologia antipsiquiátrica com seus livros iconoclastas: História da Loucura na Idade Clássica [1961], As Palavras e As Coisas [1966], Arqueologia do Saber [1969].  Esse indivíduo é suspeito, pois em 1948, tentou suicídio e foi internado em hospital psiquiátrico. Outro fato de conhecimento público e notório era o de que ele era pederasta e morreu de SIDA [AIDS] em 1984.  Os apologistas da antipsiquiatria classificam esses argumentos de mesquinhez e alegam que seu passado psiquiátrico e sua “opção” [SIC] sexual não têm relação com o que escreveu. Pensamos que sim, pois ele denegriu vários saberes e institutos que salvaguardam os valores morais da sociedade.

4.3. Roger Bastide, sociólogo francês de orientação estruturalista, em 1967 afirmou: “não se é enfermo mental, senão em relação a uma determinada sociedade” [6]. É o relativismo que caracteriza o pensamento estruturalista: não existe certo ou errado, verdade ou erro, tudo depende, tudo é relativo.  Eles confundem a percepção do fenômeno, que é relativa por ter forte componente subjetivo, com a “coisa em si” ou “númeno”.

4.4. Médicos contaminados por essas tendências “psicologizante”, “sociologizante” e “antropologizante” denigrem a própria Medicina: Thomas Szasz, médico psicanalista norte americano, recusa o modelo médico para as doenças mentais [Ideologia e Doença Mental Ensaios Sobre a Desumanização Psiquiátrica do Homem e El Mito de Lãs Enfermidades Mentales];  Ronald Laing e Esterton: Loucura, Gordura e Família, 1965; Ronald Laing: La política de la Experiencia, 1967; todos citados por Moreira [7].

4.5. Em 1965, o médico inglês David Cooper, nascido na África do Sul e pertecente ao partido comunista clandestino, juntamente com Ronald Laing, defensor do uso de mescalina e LSD, e Aaron Esterson formaram o movimento antipsiquiátrico internacional. Em 1967, Cooper lança o livro contestador e iconoclasta Psychiatry and Anti-Psychiatry, editado pela Tavistock Publication. Esse dados foram colhidos de Roudinesco [8]. A partir desse período fatídico, a antipsiquiatria passou a ser tema preferido da juventude desajustada, dos portadores de conflitos sociais, mentais, sexuais, dos contestadores contumazes e foi usada como instrumento político de contestação e de desorganização social.  Em maio de 1978, o médico italiano, Franco Basaglia, membro do Parido Comunista Italiano [anarquista e gramsciista], conseguiu que o Parlamento de seu país aprovasse a Lei de nº 180 que acabava com os hospitais psiquiátricos. Em 1987, Roy Porter lançou o livro Uma História social da Loucura, repetindo a mesma cantilena antipsiquiátrica.

4.6. Podemos asseverar com segurança que foi na década de sessenta que se forjou a contra-cultura que caracterizou esse final se século.

5.    Conseqüência da ideologia antipsiquiátrica.

        5.1. Após os desvarios das décadas de sessenta e de setenta do Século XX, a humanidade chegou à de oitenta com uma baixa geral na escala de seus valores morais. A Organização Mundial de Saúde retirou o diagnóstico de homossexualidade da categoria de perversão sexual da Classificação Internacional de Doenças [CID 9 ª revisão, 1975] e a colocou na classificação de desajustes sociais. A 10a. Revisão de 1995 retirou por completo esse diagnóstico admitindo várias “opções” [SIC] sexuais.  No meio de saúde mental, já apareceram pervertidos que vêem com certa naturalidade a prática sexual entre seres humanos e animais. Políticos demagógicos ou degenerados defendem a legalização de casamento entre pervertidos sexuais e, o que é pior, isso já não choca mais as pessoas comuns.  Apresentadora solteira de programas infantis pela televisão anunciou que se submeteria a inseminação artificial.  Aparecem criminosos compulsivos, assassinos desvairados que metralham inocentes nas escolas, nos cinemas.  Suicídios coletivos, liderados por um maníaco, tornam-se rotina. A legalização de drogas já está sendo defendida até por pessoas aparentemente equilibradas, mas sem intelectualidade, que se deixam influenciar por essa contra-cultura.  Os meios de comunicação só abordam temas sobre violência e erotismo.  As religiões perderam o senso de sacralidade: em vez de levar o povo a Deus, querem levar o Sagrado ao profano com apresentações religiosas que se assemelham mais a espetáculo circense do que um ato sagrado.

       5.2. Em 13/SET/86, o jornal “O Globo” [Rio-RJ], publicou uma sentença proferida pelo Juiz Titular da 37 ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, Dr. Sérgio Verani, em que afirma a falibilidade do diagnóstico psiquiátrico, baseado no livro “Psiquiatria e Antipsiquiatria” de David Cooper, contrariando o diagnóstico e parecer de dois eminentes psiquiatras, Dr. Talvane Marins maia e Dra. Alva Coeli.  Quando o saber jurídico contesta o saber psiquiátrico em obra de duvidosa seriedade científica, envolvida com o anarco-comunismo e os movimentos contestadores da contra-cultura é porque tudo já está perdido. Só resta a fé em um Deus misericordioso que não permitirá que o mal dure sempre. AMEM!

6.     A lei Paulo Delgado.

A apresentação do projeto já encerrava malícia, pois usava para os estabelecimentos psiquiátricos a palavra pejorativa “manicômio”.  Há muito tempo, já é usado o termo “hospital psiquiátrico” e já havia uma tendência a extinguir não só esse, como os outros estabelecimentos de saúde que tratassem apenas um quadro clínico, como os sanatórios de tuberculosos, de hanseníacos, etc.. A orientação era construir hospitais gerais a fim de que o doente pudesse ser atendido nas intercorrências de outras áreas.  Além disso, o avanço da bioquímica veio curar muitas doenças mentais ou torná-las suscetíveis a controle.  Foi a química e não a psicologia, a sociologia, a psicanálise ou a política, responsável pela humanização do tratamento psiquiátrico e a redução da necessidade de internação. A aprovação dessa lei mostraria uma postura no mínimo demagógica, se não fosse deliberadamente subversiva, anarquista, corrosiva.  A sociedade brasileira enfrentaria os mesmos problemas ocorridos na Itália a partir de 1979: os ricos iam para Suíça ou França internar seus doentes, os pobres tinham que sobreviver à ameaça de seus parentes insanos. 

7.     Conclusão.

Se esse projeto original tivesse sido aprovado, a sociedade brasileira enfrentaria os mesmos problemas ocorridos na Itália a partir de 1979: os ricos iam para Suíça ou França internar seus doentes, os pobres tinham que sobreviver à ameaça de seus parentes insanos.  Esse é o caos almejado pela esquerda anarquista, seguindo seu lema – QUANTO PIOR, MELHOR.  Pessoas assustadas falam em fim de mundo. Achamos que já estamos vivenciando os tempos apocalípticos. Não somos místico e não professamos ocultismo, mas a crise moral causa tamanho desespero que nos força a pensar de modo mágico. A famosa besta apocalíptica, tão enigmática, nada mais é do que o aniquilamento moral que a contra-cultura dos anos sessenta nos deixou como herança. Talvez haja até uma relação cabalística entre o número 666 e a década de 60. Seu número, 666 [Apocalipse 13:18], é uma série constituída pela repetição, três vezes, do algarismo “6”.  A década de 60 [1961/1970] tem nove vezes o algarismo “6” repetido. Nove é o triplo de três. A década de 60 é o triplo da besta apocalíptica.  Que os místicos da Nova Era [New Age] reflitam sobre isso.

Referências Bibliográficas

1] Dicionário de Psicanálise; Roudinesco, E. e Plon, M.;  Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor; 1998.

2]  Dicionário Básico de Filosofia; Japiassu, H e Souza Filho, D. M.; 1A. Ed.; Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editor; 1990.

3]  Moreira, M.S.; Notícias Psiquiátricas[Set/90, Nº 198]; Rio de Janeiro; Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro. p. 4.

4] Chaves, V.L.S.; Falando de Psiquiatria [OMBRO A OMBRO  ANO XII,  Março de 2000]; Rio de Janeiro; Estandarte Editora e Empreendimentos CulturaisLtda;; .pg. 10.

5] Dosse, F.; História do Estruturalismo, v.1. o campo do signo,1945-1966; São Paulo; Ensaio;Campinas, SP; Editora da Universidade Estadual de Campinas; 1993.

6]  Moreira, M.S.; idem, p 4.

7]  Moreira, M.S.; ibidem, p. 2.

8] Dicionário de Psicanálise; Roudinesco, E. e Plon, M.;  idem.

Minha volta ao segundo grau

Marcello Alves da Silva

22 de maio de 2001

Esta história não reflete uma experiência singular, mas a experiência típica e geral a que se expõe quem quer que se atreva, num ato de suma imprudência, a inscrever-se em qualquer tipo de escola, de qualquer nível, oficial ou privada, no país dos Bruzundangas. Tenho recebido dezenas de depoimentos similares, sem autorização para publicá-los, pois seus remetentes são estudantes que, com razão, temem represálias de seus professores. Mas peço encarecidamente que as pessoas que passaram (ou que viram seus filhos passarem) por experiências semelhantes enviem narrativas detalhadas para esta homepage. A ocupação das cátedras por militantes e propagandistas analfabetos, brutais, grosseiros e arrogantes, dispostos a sacrificar o futuro de seus alunos às ambições de poder do seu partido, é o maior crime que já se praticou contra a cultura neste país. Não podemos deter no ar a mão criminosa antes que o crime seja consumado. Mas podemos ao menos impedir que ele se consume nas trevas, a salvo dos olhares do público. – O. de C.

No ano passado, 2000, aos 32 anos, resolvi tentar o meu segundo vestibular, pra psicologia, na Universidade Federal do Espírito Santo. Me inscrevi em março num cursinho do Colégio Americano Batista de Vitória, que fica a duas ruas de onde eu moro, na Praia do Canto, em Vitória.

Curso noturno, meus colegas de classe eram em sua maioria estudantes do último ano do CEFET, a antiga Escola Técnica Federal, que cumprem uma dupla jornada estudantil, pra tentar entrar na universidade sem ter que ficar mais um ano só fazendo cursinho. O resto da turma composto por muitos jovens trabalhadores, comerciários, vindos do batente, ainda com os uniformes. Alguns quarentões; e eu, trintão.

Cursinho pré-vestibular é aquela coisa: muita informação, alguns professores talentosos, outros nem tanto. De modo geral os professores de matemática e física melhores que os outros. Uma professora de literatura que ridicularizava quase todos os autores pra poder ganhar as risadas e a atenção dos alunos, ainda deplorou “a tortura que a inquisição infligiu a Galileu Galilei”; um professor de geografia que achava que os russos só saíram da Iugoslávia com a derrocada do comunismo em 1989, um professor de biologia que ridicularizava a teoria da evolução; um professor de história (substituto) que achava que capitalismo e roubo não têm diferença e que o comunismo vai ressugir triunfante, blá-blá-blá.

Muitas piadas de gosto duvidoso sobre sexo e política, pra poder chamar a atenção dos alunos, a maioria, como já disse, de adolescentes, preocupados com esses assuntos daquela maneira confusa dos adolescentes.

Agora… o que fez valer a pena escrever este texto foi a personagem que dava aula de história geral.

Desde o começo do ano fui obrigado a saber da simpatia que ela tinha pelo PT (“é o melhor partido”, dizia), que ela fazia mestrado em Cuba, Fidel Castro era uma espécie de santo, ops!, desculpem, no comunismo não tem esse negócio de santo.

Apesar disto continuar, prometi a mim mesmo que ia permanecer o mais anônimo possível na sala de aula, e ignorar essas coisas, mas fui obrigado a mudar de atitude.

Passamos pela pré-história e boa parte da antigüidade com a rapidez de praxe, já que o vestibular não costuma cobrar muito esses assuntos. Lá pela história da Grécia Antiga, a professora falou algumas besteiras que me fizeram ligar o alerta. Como “Alexandre na juventude saiu da Macedônia pra tomar aulas com Aristóteles, que lhe ensinou a arte militar.” Assim.

Até que chegamos à história de Roma e eu a ouvi dizer que a cidade havia sido fundada pelos descendentes de Enéias. Não, não a origem lendária. Ela sabia que a origem lendária dizia respeito à história de Rômulo e Remo. Ela falava dos reais fundadores de Roma.

Em completo espanto eu pensei em intervir na aula para lembrá-la de que Enéias é um personagem mítico-literário, filho da deusa Vênus, cuja lenda foi aproveitada por Virgílio, escritor romano de pouco antes da era Cristã. Ou seja, nunca existiu, a não ser na imaginação da humanidade.

Não intervim, achando que talvez fosse um lapso que pode ocorrer a qualquer pessoa que tenha a quantidade de coisas que professores de pré-vestibular têm a ensinar. Me omiti, apesar de achar extremamente grave o fato de uma professora de história não saber explicar a fundação de Roma. Pior: confundir um personagem mitológico com um ser humano real, o que é equivalente a um professor de matemática que por um lapso errasse o Teorema de Pitágoras; ou a um professor de Geografia que se esquecesse de que a Espanha é na Europa.

Isso não parou por aí. Comecei a alertar os coleguinhas com quem eu já tinha feito amizade sobre os erros da mestra, que foram se avolumando. Decidi anotar alguns:

A professora afirmou que durante a Idade Média a igreja construiu imensos labirintos onde as obras clássicas eram escondidas das populações dos feudos, assim impedidos de ter acesso à informação (fácil lembrar em que filme de Hollywood ela viu essa situação, que tomou como real).

Ainda segundo a professora, respondendo à pergunta de um aluno, durante o Renascimento, os artistas vinham de todas as classes sociais, “sabe como é artista: tem vontade de fazer arte e vai lá fazer uma obra” – impossível reproduzir o estilo, mas a essência foi essa aí. Consulte-se uma enciclopédia qualquer sobre arte no Renascimento e poderemos ver quantos burgueses optaram pela “carreira” de artistas naquele período. E se isso ocorreu, se era a regra ou a exceção.

Pode-se argumentar que tais informações não são importantes para quem vai fazer vestibular (sim, eu ouvi alguém dizerem isso), mas se para os alunos não importa saber ou não ter esse tipo de informação com tal profundidade, é imperdoável que alguém que tenha feito um curso superior e se intitule professor de história afirme essas idiotices.

Outras da professora Silvana:

“Etruscos queriam invadir península Itálica.” Como, se eles já estavam lá? Queriam invadir e dominar TODA a Península Itálica, talvez? Talvez tenha sido somente um problema de se expressar corretamente em Português.

“A igreja Católica, no começo, era legal, porque condenava o lucro.” Depois deixou de ser “legal”? O Colégio Americano Batista lucra com a educação dos seus estudantes? Talvez este colégio não seja tão “legal” assim.

“A igreja católica podia ter impedido a ascensão de Hitler. E até pediu perdão, recentemente, por isso.” Esta afirmação, repetida não uma, mas algumas vezes em sala de aula, contém não um erro histórico, mas um erro crasso de lógica. A Igreja Católica admitiu, há pouco tempo, ter feito pouco pela questão dos judeus durante a ditadura nazista. Uma vez que a Igreja tivesse agido de maneira diferente, a história poderia ter sido outra, mas ninguém racional pode afirmar que assim poderia se ter impedido a subida desse tirano ao poder. Uma infinidade de coisas poderia acontecer, mas que nunca saberemos, porque já aconteceu, não é mesmo? Condenar a Igreja Católica por um resultado hipotético de uma inação sua é ridículo.

“A Igreja Católica foi a principal responsável por não educar as pessoas na Idade Média”. Ignorando as dificuldades, falta de condições e o funcionamento da sociedade existente na Idade Média, a senhora Silvana elegeu a sua favorita para ser a principal.

Começado o segundo semestre, a referida senhora, depois de já haver proferido estas e mais uma dúzia e meia de sandices deu de explicar os métodos que ela achava legítimos para ser bem sucedido numa greve. Para ilustrar seus métodos, ela imaginou uma greve hipotética de professores. Um “fura-greve” desta situação imaginária deveria ter um tratamento especial. Segundo ela, deve-se jogar barro na sala de aula, sujando paredes, carteiras, quadros negros; deve-se jogar creolina no chão para tornar impossível assistir aula do professor “fura-greve” hipotético, deve-se jogar tinta nas caixas d’água da nossa escola hipotética, para que as pessoas ali não tenham água para beber. Todos esses, segundo ela, recursos válidos para que se obrigue uma pessoa a fazer o que ela não quer.

Agora, a pérola final: todas as coisas descritas acima, devem ser feitas “sem violência”, segundo a mestra.

Perguntei como era possível que ela não considerasse os atos que havia descrito como não sendo também violência.

“Não”, disse ela, “não é violência.”

Dona de verdades históricas que só ela conhece, de uma ética toda própria e agora dona da língua portuguesa e da definição da palavra “violência”, percebi que era inútil argumentar com tal monstro.

Silenciosamente, sem procurar afrontá-la na sala de aula, procurei nos dias seguintes o coordenador do pré-vestibular para lhe expor o que estava acontecendo e pedir que tomasse providências: afinal, eu estava pagando para ter um ensino com um mínimo de qualidade, e aquilo havia passado dos limites.

O professor Rogério, então a cargo do pré-vestibular, anotou as questões que foram por mim lembradas no momento e prometeu fazer algo a respeito.

Magnífico profissional, interessado na qualidade do serviço que oferece, ele simplesmente entregou a mesma folha em que anotou as minhas reclamações à tal Silvana. Não se lembrou de checá-las por si mesmo. Aliás, nem ficou espantado quando eu as listei, logo ele que me disse ser professor de história também.

Qual não foi a minha surpresa, quando diante da classe, com o papel surrado com as anotações do professor Rogério na mão, reafirmou como correto tudo o que havia dito, mostrando que nem mesmo se deu ao trabalho de abrir a apostila do próprio Colégio Americano Batista, onde se poderia ver claramente alguns dos seus erros. Ainda afirmou que “a sua aula não era para debate”.

Como é óbvio, não é questão de debater. Todos nós já tivemos professores ruins. Todos já tivemos professores que não ensinam direito. Mas pela primeira vez na vida eu estive numa sala onde um professor ensina coisa errada.

Não estou acostumado com tal tipo de aberração, perdi a calma, me levantei, “Você é um engodo”!, disse, que ela “estava enganando as pessoas ali presentes, que ela não sabia nada de história”, e que já que a aula dela não era para debate, eu a estaria esperando no corredor, quando acabasse a aula para explicar a ela e a quem quisesse os absurdos que ela havia cometido.

Nesta noite apenas dois alunos foram me procurar para saber afinal de contas do que eu estava falando. Ao final da sua aula, ela foi por mim convidada para um debate, obviamente recusado, já que esse tipo de confronto, imagino, poderia desmascarar a sua evidente incompetência que, compreensivelmente, ela deve querer proteger.

A partir desse dia, para evitar constrangimentos aos meus colegas, não freqüentei as aulas de história geral, que pensei atrapalhavam mais do que ajudavam a quem a ouvia. Mesmo assim, muitos colegas vieram me procurar a respeito de algumas questões que a tal senhora havia “ensinado”. A todos eu recomendava que fossem conferir as informações duvidosas em livros, ou na apostila, que não dependessem de mim para lhes esclarecer, por que toda a situação me havia tornado suspeito para opinar sobre a matéria dada por aquela criatura. A surpresa, desta vez, foi dos que seguiram meu conselho.

Deixei que se passassem algumas semanas, conversei com muitas pessoas sobre o ocorrido para que a cabeça esfriasse e eu pudesse pensar em algo de racional a fazer. Talvez eu pudesse estar errado, talvez tivesse exagerado. Mas não era o que diziam os livros e a minha consciência.

Tão surpreendente quanto a existência de uma professora como essa foi a reação dos alunos meus colegas. Na noite em que eu perdi a calma e saí da sua aula, quase todos ficaram calados. Um coleguinha até me disse pra sair mesmo, que a porta da rua era serventia da casa, essas coisas.

Outro, que havia faltado à aula nesse dia me procurou pra perguntar o que eu havia feito, o que é que eu havia questionado. “Como é que você sabe isso?” “Do mesmo jeito que você deveria saber”, respondi. “Lendo. A apostila já serve.”

Voltei a procurar o coordenador do Pré-Vestibular, o professor Rogério. Afinal de contas, eu havia apresentado fatos concretos, e nada havia acontecido. Ele me pediu para que novamente relatasse as minhas queixas, e me passou o seu endereço de correio eletrônico, rogerio@americanobatista.br, para que eu pudesse fazê-lo. Apesar da confirmação do e-mail ter sido recebido, segundo o meu provedor, não obtive resposta nem nada aconteceu. Escrevi novo e-mail perguntando pelo primeiro; nada, nenhuma resposta, apesar de ter recebido confirmação de recebimento também do segundo. Como tenho mais o que fazer do que ficar resolvendo esse tipo de problema, fui me dedicar à primeira prova do vestibular. O professor Rogério, grande profissional, apesar da gravidade do que apresentei, não se mostrou muito curioso e também não me procurou para esclarecer o assunto, que como disse dessa segunda vez, se aproximava de artigos do código penal brasileiro.

Novamente, nada aconteceu. Passei na primeira etapa do vestibular. Para a segunda etapa escalaram um outro professor para a nossa turma. Na semana anterior às provas da segunda etapa eu vi que essa criatura estava escalada para nos dar aula novamente. O que me motivou a procurar uma terceira vez a coordenadoria do Pré-vestibular, com um relato escrito do que havia acontecido até então, que muitas partes estou aproveitando aqui neste texto e esperando que alguém fizesse alguma coisa.

Desta vez quem me atendeu foi a senhora Leni, que ocupava provisoriamente pelo que entendi o cargo que era então do professor Rogério. Dona Leni leu o meu relato na minha presença, e prometeu encaminhar o caso ao senhor Ibrahim, diretor pedagógico do Colégio Americano Batista.

Mas então já era a última semana do vestibular, os horários dos professores já estavam definidos, e tudo o que ela poderia me oferecer era um convite para assistir às aulas de História Geral em outra turma, com outro professor, em outro horário. Deixei pra lá, agradecido por ser ao menos ouvido e pela esperança de que o alguma coisa fosse feita.

O ano letivo acabou, e eu nunca mais ouvi falar destas pessoas. O Colégio Americano jamais me procurou, e a tal professora, a julgar pela publicidade do colégio, continua lá a “ensinar”.

***

Minhas opiniões sobre o assunto, se é que elas interessam:

Na minha opinião, um professor que ensina matéria errada para os alunos é um estelionatário, um vigarista educacional. É pior que um ladrão, um bandido. Esse pelo menos a gente tem certeza que tá agindo mal. Quando se contrata um professor, acredita-se que ele saiba do que está falando. Quem não tem outras fontes de informação não pode nem se defender do mal causado por um mau professor.

Na minha opinião, apesar de meu pensamento ser radicalmente oposto, é perfeitamente normal que uma pessoa acredite e até mesmo, vá lá, que ensine que a violência é um meio legítimo de obrigar as pessoas a aderirem a idéias que não são as suas.

Mas esses métodos não estão no programa de nenhum vestibular, e quero crer que o Colégio Americano não endosse a posição da professora a esse respeito. Portanto talvez fosse melhor que ela ensinasse tais conceitos em outro espaço, para pessoas que soubessem que vão ouvir esse tipo de coisa desde o começo do ano lendo o programa da disciplina. Talvez ela devesse abrir seu próprio curso.

Quando vi uma monstruosidade dessas sendo cometida na minha frente, e podendo fazer alguma coisa a respeito, acreditei ser meu dever moral tomar uma providência e eu o fiz da única maneira que me parece razoável. Questionei a direção do Colégio sobre o assunto e para tornar ainda mais público aquilo que as pessoas na nossa sala de aula presenciaram.

Isso não deveria ser nenhum problema, afinal, se a senhora em questão ensina essas idéias em sala de aula, não deve temer que elas sejam conhecidas fora de lá.

O ideal seria que esta senhora se pronunciasse sobre o ocorrido, que lhe fosse dada ampla oportunidade de defender sua posição, e ela, caso isto aceite e que a mim parece razoável e justo, vai precisar mesmo de um bom tempo para explicar a situação constrangedora em que ela própria se pôs: Se reafirmar os erros apontados por mim ao colégio, mostra que é incompetente. Se negar o que disse em sala de aula, não só uma, mas pelo menos duas vezes, em frente a dezenas de alunos, estará mentindo.

Talvez ela pudesse, sabe-se lá, num arroubo de ética, humildade e consciência, admitir que estava errada, voltar aos livros e aprender o que deve ensinar, de modo a não prejudicar mais pessoas como até agora vem fazendo. Se bem que isso já não me interessa tanto, e é problema dela e das pessoas que a contratam para dar aulas.

Mas o dano que ela causou com seus erros a sabe-se lá quantos jovens que acreditaram que estavam obtendo informação legítima que permitiria disputar o exame vestibular em iguais condições com pessoas de outros colégios, esse talvez seja difícil de reparar.

Marcello Alves da Silva
Ex-aluno do curso pré-vestibular noturno
Colégio Americano Batista
Praia do Canto – Vitória, ES
e-mail: celloalves@bigfoot.com

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