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Passo

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 18 de agosto de 2005

A estratégia do poder petista, planejada desde muito antes de 2002, pode ser resumida em dois itens opostos e complementares:

De um lado, manter inalterada a obediência da gestão Fernando Henrique às exigências do Fundo Monetário Internacional, atraindo para o governo a confiança dos investidores estrangeiros.

De outro, usar a credibilidade assim conquistada como manto protetor para acobertar (1) a deterioração intencional das instituições democráticas, submetidas cada vez mais aos caprichos das “forças populares” ao ponto de passeatas e gritarias terem força de lei, (2) o apoio à expansão comunista no continente, (3) a consolidação da hegemonia cultural e educacional esquerdista no país, (4) o suborno metódico da classe política, de modo a torná-la dócil ao esquema partidário sobreposto à autoridade mesma do Estado, e (5) a proteção dada às Farc — uma das possíveis financiadoras do plano — , autorizadas a abastecer o mercado nacional de cocaína e a treinar bandos de delinqüentes armados para espalhar por toda parte o caos e o terror, sem que o governo consentisse sequer em usar contra essa organização alguma palavrinha mais dura.

Qualquer principiante no estudo da estratégia comunista deveria reconhecer nessa política de duas cabeças a aplicação simples e elementar do princípio dialético da tese e da antítese, destinadas a produzir uma síntese revolucionária ante os olhos atônitos de burgueses racionalistas incapazes de atinar com a unidade do plano por trás da contradição aparente. O esquema, afinal, era repetição quase literal do engodo criado por Lênin em 1921, sob o nome de Nova Política Econômica, para construir a ditadura comunista com a ajuda de investidores internacionais iludidos por um capitalismo de fachada.

Infelizmente, os últimos estudiosos de estratégia comunista estão nas próprias fileiras da esquerda. Fora delas, sem contar alguns empresários oportunistas, sempre dispostos a vender o futuro do país em troca do socorro governamental imediato às suas empresas periclitantes, restam apenas teóricos pró-capitalistas intoxicados de economicismo ao ponto de deslumbrar-se com a “ortodoxia” palocciana, vendo nela a prova cabal de que “Lula mudou” e recusando-se a enxergar a articulação dialética por trás de tudo. Críticas pontuais a “excessos” da esquerda evidenciavam apenas, nessa gente, aquela incapacidade para a apreensão abrangente da realidade concreta, aquele vício do pensamento abstratista e fragmentário que Karl Marx, acertadamente, atribuía à mentalidade burguesa, vício acentuado, no caso brasileiro, pela incultura pomposa de uma classe rica deslumbrada com os encantos fáceis do esquerdismo chique. Para agentes comunistas tarimbados como José Dirceu, ludibriar essas criaturas era mais simples do que chacoalhar um torrão de açúcar para fazer um jumento acenar com a cabeça como quem diz “sim”.

Aplacando a oposição “de direita” com a política econômica, a estratégia permitia ainda controlar os esquerdistas mais afoitos apelando ao endosso recebido do companheiro Fidel, do companheiro Chávez e do companheiro Manuel Marulanda.

Agora, que a base financeira do esquema revelou toda a amplitude da sua intenção criminosa, a máfia dominante, compreensivelmente, busca salvar do naufrágio os equipamentos necessários para uma nova tentativa em futuro próximo ou distante.

Resta saber se o empresariado e a mídia vão ajudá-la nisso, amortecendo o impacto moral dos crimes, falando deles como se fossem desvios acidentais de uma linha partidária originariamente idônea, ou se terão a coragem de admitir que desde o início foram usados como instrumentos de uma estratégia de longo prazo e, sacudindo de si o ranço da cumplicidade, encarar de frente a unidade e a coerência da mais vasta e repugnante conspiração criminosa de toda a História nacional. Tais são as cartas do jogo presente. Quanto a mim, tenho nojo de apostar na primeira e medo de desperdiçar esperanças na segunda. Avalio a mão – e passo.

Engordando o porco

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 30 de novembro de 2003

Consciente de que as nossas classes empresariais são incapazes de enxergar o mundo exceto sob a ótica de um sonso economicismo, a liderança esquerdista tem conseguido fazer delas instrumentos prestativos para a implantação de uma ditadura comunista neste país.

Os mais tolos e servis são justamente os empresários inflados de pretensões intelectuais, que leram uns verbetes do Dicionário de Política de Norberto Bobbio e já saem afagando seus próprios ouvidos com a recitação pomposa dos termos recém-aprendidos — ética, sociedade civil, controle externo, democracia participativa, etc. –, cujo alcance estratégico nem de longe percebem, pois para isso precisariam ter estudado muito Antonio Gramsci depois de adquirir a sólida base marxista-leninista necessária para saber do que ele está falando.

Ouvem dizer, por exemplo, que para acabar com a corrupção o único remédio é o “controle externo” da polícia e do judiciário pela “sociedade civil organizada”. Iludidos pelo valor nominal das expressões, sem saber que são termos técnicos do vocabulário gramsciano no qual têm uma carga semântica muito precisa, diferente do que as palavras sugerem na acepção geral, chegam quase às lágrimas ante a imagem rósea que nelas se parece anunciar, e prestam-se por isso a colaborar na empreitada revolucionária como se estivessem lutando por seus mais viscerais interesses. Um grupo deles, totalizando a quarta parte do PNB, já pôs tudo a serviço da realização de tão sublimes ideais.

Quem tenha estudado Gramsci, no entanto, sabe que “sociedade civil organizada” quer dizer apenas o Partido, gigantescamente ampliado até perder sua identidade aparente, espalhado por meio de seus agentes até os setores mais periféricos da vida social, e transformado portanto — nos termos do próprio Gramsci — “num poder invisível e onipresente”, habilitado a dominar a sociedade com a força ao mesmo tempo avassaladora e imperceptível “de um imperativo categórico, de um mandamento divino” (sic). É a completa ditadura do Partido, não imposta de cima para baixo por um decreto autoritário explícito que arriscaria suscitar resistências, mas injetada aos poucos nas veias da sociedade, como uma droga alucinógena que a própria vítima acabará por exigir em doses cada vez maiores. Quem quer que, à luz dos ensinamentos gramscianos, observe a prática petista no dia a dia, verá que ela se orienta pelo sentido originário que esses termos têm em Gramsci, e não pela segunda camada de significados postiços, criada para fins de auto-intoxicação de idiotas úteis. Que estes, pelo caminho, recebam o estímulo ocasional e passageiro de algumas vantagens menores, é coisa que nada tem de estranho: ninguém mata o porco antes de engordá-lo.

E a proposta que acolhem não quer o “controle externo” só da polícia e do judiciário, mas do legislativo, dos ministérios, das empresas, das entidades religiosas e educacionais, dos órgãos assistenciais e da mídia. Nunca palavras tão doces e atraentes foram usadas para encobrir uma realidade tão brutal e hedionda. Nunca uma tirania comunista foi oferecida com embalagem tão vistosa, com aparência tão inofensiva. E o empresariado, com típica auto-ilusão nouveau riche, compra tudo. Compra e paga.

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PS – Se você quer compreender um pouco mais da estratégia revolucionária de Antonio Gramsci, leia o livro de Sérgio Augusto de Avelar Coutinho, “Cadernos da Liberdade”. Está fora das livrarias, mas pode ser encomendado pelo e-mail ginconfi@vento.com.br.

Uma história esquecida

Olavo de Carvalho

Jornal da Tarde
, 17 de janeiro de 2002

Eis aqui uma velha história que você pode usar como antídoto quando assistir, pela tevê, a alguns dos inumeráveis filmes que até hoje apresentam como heróis da liberdade os atores e as atrizes que entraram na famosa “Lista Negra” de Hollywood.

Na noite de 5 de outubro de 1945, 1.500 piqueteiros, atendendo à convocação de uma central sindical comandada pelo Partido Comunista, cercaram os estúdios da Warner, em Burbank, Califórnia. O ator Kirk Douglas viu-os aproximar-se, armados de “facas, porretes, fios de aço, socos-ingleses, correntes”, e ocupar os quarteirões em torno. Ao chegar para o trabalho, os empregados foram impedidos de atravessar o portão, cujos guardas tinham sido surrados e dominados pelos grevistas. “Nem você nem nenhum outro f. da p. vai entrar aí hoje”, informou ao coreógrafo LeRoy Prinz o líder comunista Herb Sorrell, celebrizado com o apelido de “Generalíssimo”. Prinz, um veterano de guerra, respondeu: “Sr. Sorrell, nem você nem nenhum outro f. da p. vai me impedir de entrar.” Entrou, mas não antes de ser surrado por uma dúzia de capangas de Sorrell diante dos olhos da polícia que, em desvantagem numérica, temia interferir. A maioria dos empregados não se deixou intimidar e alguns conseguiram saltar os muros. As tropas de Sorrell então partiram para a agressão generalizada. No fim dos combates, o serviço médico relatou ter atendido 89 empregados da Warner, quatro policiais, três bombeiros, o representante de um sindicato contrário à greve – e apenas seis piqueteiros. Não obstante, nos dias seguintes as manchetes do jornal pró-comunista Hollywood Atom alardeavam: “Uma garota e um veterano torturados pela Gestapo dos estúdios Warner”, “Camisas-pardas da polícia transbordam de violência”, “Warner instala campos de tortura nazistas.”

Esse giro de 180 graus operado nos fatos é típico do jornalismo esquerdista – da época e até hoje. Porém, mais característico ainda é que a inversão da realidade fosse reforçada com uma histriônica retórica antinazista por aqueles mesmos militantes que, durante o pacto germano-soviético, haviam promovido ataques iguais ao de Burbank contra as fábricas que remetiam armas e suprimentos para a Inglaterra e a França atacadas pelas tropas de Hitler.

Durante 23 dias a Warner permaneceu cercada, enquanto destacamentos especiais da central comunista saíam pela cidade ateando fogo às casas de dirigentes do sindicato adversário. Embora não conseguisse paralisar o estúdio, a greve obteve o que queria: impor, pelo medo, a autoridade do partido a toda a indústria cinematográfica.

Pouco antes Sorrell já dera uma amostra do seu poder, ao mobilizar a classe para negar trabalho a dezenas de atores (entre os quais Barbara Stanwick, Lana Turner e Van Johnson) que recusavam aderir à greve. Isso já era costume estabelecido do Partido desde 1940, mas foi então que surgiu a expressão “Lista Negra”. “Stars face blacklist”, anunciava em 15 de junho de 1945 o Hollywood Sun: não era uma referência a Joe McCarthy e seu comitê de investigações no Senado, mas à ditadura comunista que imperava sobre o cinema norte-americano.

O sucesso da investida contra a Warner deu a Sorrell a oportunidade de expandir o domínio comunista para muito além da luta sindical: nos anos seguintes, com a ajuda de John Howard Lawson, Ring Lardner Jr. e outros devotos, ele montou um sistema de fiscalização dos roteiros apresentados a Hollywood, para proibir que chegassem a ser filmados aqueles que não tivessem a porção desejada de ideologia comunista e antiamericanismo. A cota podia até ser modesta, mas não devia faltar. Segundo a orientação do espertíssimo Lawson, mensagens isoladas, espalhadas aqui e ali em milhares de filmes aparentemente inocentes, funcionavam mais do que um só filme ostensivamente comunista – uma regra que foi copiada no Brasil e ainda prevalece nas nossas novelas de tevê.

A censura era rigorosa: o roteirista que saísse da linha era hostilizado até sujeitar-se a um humilhante “mea culpa” ou cair fora da profissão. Tudo isso está fartamente documentado em Hollywood Party. How Communism Seduced the American Film Industry in the 1930’s and 1940’s, de Kenneth Lloyd Billingsley (Roseville, CA, Prima Publishing, 2000) – um livro que decerto não será publicado no Brasil, onde o bloqueio a qualquer informação anticomunista é em geral mais estrito do que nos EUA ou na Europa.

Não é uma preciosa ironia que os próprios comunistas, que implantaram em Hollywood o reinado do terror inquisitorial, se apossassem da expressão “Lista Negra”, quando mais tarde foram obrigados a experimentar um pouco do seu próprio veneno? Não é uma prova da eficácia da mentira repetida o fato de que, quase uma década após a abertura dos Arquivos de Moscou, que comprovam amplamente os serviços prestados ao regime genocida de Stalin por quase todos os acusados do comitê McCarthy, o termo “macartismo” ainda funcione como sinônimo de perseguição a inocentes?

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