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O guru que o Brasil merece

Olavo de Carvalho

O Globo, 01 de março de 2003

O sr. István Mészáros aparece com tanta freqüência nas nossas televisões, que se diria ser um roqueiro ou pornostar, não fosse pela atmosfera de reverência sacral que o cerca nessas ocasiões, a qual sugere tratar-se de um sábio, de um luminar da ciência. Lendo dois de seus livros, no entanto, verificamos que ele não é nem aquilo, nem isto: é apenas mais um comunista empenhado em apostar, como todos os comunistas desde 1848, que o capitalismo vai morrer antes dele.

Já observei que o sr. Mészáros, tão inclinado a analisar a condição econômico-social dos outros, ignora a sua própria, de vez que, pertencendo à mais vasta classe ociosa de todos os tempos — a intelectualidade acadêmica do Ocidente capitalista –, nega a existência dela ao proclamar que o capitalismo obriga todo mundo, sem exceção, a “produzir ou perecer”.

Isso faz dele um caso extremo de paralaxe conceitual: desenhando o quadro do mundo desde um ponto de vista que não coincide em nada com o do seu próprio posto de observação no planeta Terra, ele se desvencilha da incômoda obrigação de dar à sua teoria o reforço do testemunho pessoal. Quem quiser, pois, que acredite nela: ele não.

Sua obra magna, Para Além do Capital (Boitempo, 2002) é extensa demais para ser comentada aqui, mas mesmo o breve O Século XXI. Socialismo ou Barbárie? (idem, 2003) é tão recheado de intrujices que desmontá-las uma a uma requereria um volume das proporções daquela. O autor prossegue, nisso, a tradição da propaganda soviética, que espalhava no ar uma quantidade tal de mentiras que só uma organização concorrente do tamanho da KGB, com 500 mil funcionários e milhões de colaboradores, poderia dar conta do trabalho de desmascará-las. Como nenhum Estado democrático pensaria em criar semelhante monstruosidade, o exame crítico da propaganda comunista acabou sempre se limitando à amostragem estatística, deixando no ar a suspeita crônica de que entre as mentiras não examinadas talvez pudesse restar alguma verdade. Daí à conclusão de que eram mesmo verdades, o passo era bem curto. Os pensadores comunistas tornaram-se assim essa extravagância viva: sua fama literária vem principalmente daquelas partes da sua obra que mal chegaram a ser lidas. Como o sr. Mészáros está rigorosamente nesse caso, sua reputação pode-se considerar bem garantida no país onde menos se lê no mundo.

Esse homem mente tanto, e com tal velocidade, que não é possível um cérebro normal acompanhar-lhe o passo. Desisto pois do exame extensivo que ele mereceria, e dou como amostra singela — e, admito, inútil — a primeira página e meia do seu livreto, onde com dois golpes rápidos o senso crítico do leitor já é posto a nocaute, nada mais lhe cabendo fazer nas páginas subseqüentes senão receber o restante das pancadas em estado de perfeita inconsciência.

Tomando por pressuposto auto-evidente o chavão de praxe que rotula de “agressiva” a política externa americana (um qualificativo que não deixa de ser engraçado quando se sabe que as maiores agressões imperialistas das últimas décadas foram a da URSS no Afeganistão e a da China no arquipacífico Tibete, totalizando dois milhões de mortos, mais do que os EUA fizeram ao longo de todo um século), o sr. Mészáros informa que a coisa não começou no 11 de setembro, pois “Clinton adotava as mesmas políticas que seu sucessor republicano”. A maravilha das maravilhas, no estilo comunista de agir, é a desenvoltura com que se serve dos políticos da esquerda soft e depois distribui as cusparadas de ódio equitativamente entre eles e os mais inflamados anticomunistas. Clinton, eleito com verbas de propaganda chinesas, facilitou o acesso da China a armas e segredos atômicos, bloqueou investigações antiterroristas e amarrou as mãos do governo colombiano para que, reprimindo o narcotráfico, não tocasse nas Farc — com o resultado de que estas abocanharam a herança dos cartéis desmantelados e se tornaram o mais temível poder militar da América Latina, com um orçamento superior ao de todas as forças armadas do continente somadas. Feito o serviço, o homem se tornou desnecessário e está pronto para ser jogado na lata de lixo — e não se pode dizer que isso seja de todo injusto, pois o destino dos traidores é ser desprezados em doses iguais por suas vítimas e seus mandantes. Quando Mészáros o acusa, pois, do contrário do que fez, há nisso aquela espécie de justiça poética que só um mentiroso pode fazer a outro.

Mal virada a página, o sr. Mészáros proclama que “a adoção da aterrorizante ameaça nuclear final tornou-se a política oficial americana amplamente professada”. É interessante ler isso poucos dias depois do anúncio do governo da Coréia do Norte, de que qualquer ataque à sua nova usina atômica, mesmo feito com armas convencionais, será respondido imediatamente com “um ataque nuclear de larga escala” (UPI, 6 de fevereiro). Mais elucidativo ainda é confrontar as palavras de Mészáros com o fato de que os EUA reduziram drasticamente seus estoques de armas nucleares enquanto a China decuplicava os seus. A lógica da argumentação comunista é mesmo essa: se os EUA professam abster-se de empregar bombas atômicas e tentam provar sua boa-fé livrando-se delas, isso prova sua intenção de usá-las o quanto antes; se um país comunista as acumula e berra que vai usá-las na primeira oportunidade, isto prova que é inofensivo e amante da paz. Disto eu já sabia aos quinze anos de idade, mas as novas gerações sempre podem necessitar de um Mészáros para as ensinar a pensar segundo a “linha justa” do velho Partidão.

É só uma pagininha e meia, mas o resto do livro é igual. O sr. Mészáros não tem o menor respeito pela realidade e só sabe raciocinar na clave da mentira hiperbólica que se tornou o estilo oficial do pensamento brasileiro. É o guru que este país merece. Por isto tem sua presença garantida no horário nobre, entre roqueiros e pornostars.

E eu?

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 30 de junho de 2002

Venho, por meio destas mal traçadas, protestar contra a odiosa discriminação que estou sofrendo. O caso é o seguinte: já escrevi e disse do governador Olívio Dutra coisas muito piores do que aquelas que renderam uma condenação judicial a meus colegas José Barrionuevo e Marcelo Rech, e o governo do Rio Grande do Sul nem liga para mim. Estou me sentindo completamente jogado para as traças. Até o meu caro José Giusti Tavares, que não é jornalista, teve direito a um processinho — e eu, nada. Nem uma mísera interpelação. Nem um pito oficial sequer.

Não é uma coisa revoltante? Que é que eles têm que eu não tenho?

Em verdade vos digo: não é bem isso. Eu é que tenho algo que eles não tem. Tenho uma coluna semanal em O Globo e outra mensal em Época, nas quais armaria um escândalo nacional se fosse vítima de uma absurdidade como essa que despencou do alto do Palácio Piratini sobre os meus colegas. Já eles, que escrevem só na imprensa do Rio Grande, podem ser sempre perseguidos, censurados, acusados e condenados sem que o governo gaúcho tenha de se preocupar com as repercussões nos outros Estados: a petezada nas redações do Rio, de São Paulo e de Brasília se encarrega de amortecer o assunto com um tratamento discreto, e pronto — está bloqueada a exportação do vexame. Nisso como em tudo o mais, a prepotência comunista que governa este Estado pode se prevalecer, como quem não quer nada, do eficiente “cordon sanitaire” estendido em torno do território gaúcho pela militância jornalística nacional para que ninguém saiba exatamente o que está acontecendo aqui.

Minhas duas colunas estão entre os poucos rombos na malha da censura, e através delas tenho divulgado não só alguns fatos escabrosos da atualidade gaúcha como também os livros de José Giusti Tavares, Adolpho João de Paula Couto, Percival Puggina, Onyx Lorenzoni, Paulo do Couto e Silva e tantos outros que os comentam.  Notem bem. Eu disse: livros. Quando um assunto não está registrado apenas em notícias de jornal, mas já se tornou objeto de toda uma bibliografia, é muito difícil negar que ele exista. No entanto até esse prodígio de ocultação tem estado ao alcance da macumba esquerdista que enfeitiça o jornalismo nacional.

Na verdade, dar sumiço ao Estado do Rio Grande não é nada, quando comparado a proezas incomparavelmente maiores que têm sido realizadas pelo exército de Mandrakes jornalísticos.

Quantas notícias têm aparecido na imprensa nacional sobre o genocídio chinês no Tibete, que já liquidou um milhão de cidadãos desarmados e reprime com violência a prática da religião nacional?

Nenhuma.

Quantas têm saído sobre o morticínio sistemático de fazendeiros brancos na África do Sul, patrocinado por um governo pró-comunista?

Nenhuma.

Quantas sobre a participação de Fidel Castro no narcotráfico, denunciada até por ex-funcionários de primeiro escalão do seu governo?

Nenhuma.

Quantas sobre os encontros que se realizam em Cuba há mais de dez anos — com a presença solícita do partido do sr. Olívio Dutra — para montar a mais vasta estratégia revolucionária já posta em ação neste continente?

Nenhuma.

Quantas sobre o financiamento chinês aos atentados de 11 de setembro, a respeito do qual já circulam nas livrarias dos EUA dois “best sellers”?

Nenhuma.

Portanto, amigos gaúchos, não se sintam excluídos. Não é sobre o Rio Grande que os brasileiros de hoje não sabem nada. Eles não sabem nada sobre o mundo. Vivem numa redoma de estereótipos, protegidos da realidade.

A desculpa que os exterminadores do jornalismo têm para eliminar da pauta tantas notícias importantes é que elas não apareceram na CNN, no New York Times nem no Washington Post. Esses três gigantes da mídia ainda representam para o jornalismo brasileiro a encarnação por excelência da opinião norte-americana. Se não saiu neles, é como se a coisa não existisse. Mas isso é um erro proposital. Nos EUA simplesmente não há jornais ou canais de TV que tenham hegemonia sobre a opinião pública. A circulação de fatos e idéias está espalhada numa rede de milhares de jornais, estações de rádio e canais de TV locais. A influência de um colunista, por exemplo, não se mede pelo prestígio isolado de um jornal em que escreva, mas pelo número de jornais que reproduzam seus artigos para leitores de todo o país. George Will, David Horowitz e Thomas Sowell, três dos colunistas mais lidos dos EUA, não escrevem para nenhum mastodonte impresso: escrevem para duzentos, trezentos jornais e revistas cuja circulação é esmagadoramente maior que a de qualquer New York Times. Fixando sua atenção obsessivamente nos jornais e canais mais notórios, e abstendo-se de noticiar o que não saiu neles, a mídia brasileira se engana a si mesma e engana o leitor. E, quando escolhe precisamente esses três órgãos, é porque são os arquinotórios baluartes da mentira esquerdista nos EUA, já mil vezes desmoralizados em livros como “Bias” de Bernard Goldberg e “Cubriendo y descubriendo” de Miguel Faria Jr., e também em sites de observação crítica como www.mediaresearch.com e www.honestreporting.com. Só para dar uma idéia de até onde chega a empulhação, o Washington Post nomeou nada menos de dezenove repórteres para cobrir a manifestação monstro anti-Israel de 20 de abril em Nova York — e nenhum deles se dignou de informar aos leitores que o organizador do movimento tinha sido Brian Becker, um comunista linha-dura instruído diretamente por Fidel Castro. Claro: quem, na esquerda, quer que os judeus de Nova York descubram o que os comunistas estão armando contra eles?

Em suma, o que consta como autoridade jornalística americana no Brasil é precisamente aquilo que nos EUA existe de mais suspeito e de mais gagá. Para piorar, no caso da CNN até mesmo a autoridade fictícia já é declinante: a Fox, canal conservador, tem hoje duas vezes e meia a audiência da CNN, e nem por isto a mídia brasileira confere na Fox o que viu na CNN. Transmitindo aos leitores brasileiros uma idéia falsa da mídia americana, o jornalismo brasileiro legitima e embeleza suas próprias mentiras e omissões.

Três pistas falsas

Olavo de Carvalho

Época, 29 de setembro de 2001

Elas ajudam você a não entender nada dos atentados terroristas

Decorridas duas semanas dos atentados, todos os erros de avaliação mais óbvios e previsíveis, em que uma inteligência medianamente alerta se envergonharia de incorrer, já foram cometidos, com a tranqüilidade dos inconscientes, pelos sábios de plantão que opinam sobre o assunto. Anoto aqui três deles – e seus respectivos autores.

Primeiro: atribuir o crime a uma reação legítima contra o “agressivo militarismo dos EUA”. Autores: praticamente toda a intelligentzia esquerdista do Terceiro Mundo.

Ao longo de um século, em duas guerras mundiais e vários conflitos locais, o total de vítimas de ações militares americanas foi de aproximadamente 1,6 milhão de pessoas – a trigésima parte do que os comunistas chineses mataram em sua própria pátria em metade desse tempo. Na Segunda Guerra Mundial, em todos os fronts, os EUA fizeram 925 mil mortos, metade do que os comunistas mataram só no Camboja, menos do que eles mataram no Tibete ou – adivinhem onde mais? – no Afeganistão. No Vietnã, as vítimas dos americanos, de 1960 a 1972, foram 213 mil. Em Ruanda, em 1994, multidões insufladas por agitadores esquerdistas mataram, em dez semanas, quatro vezes esse número de pessoas.

Quando, nesse panorama, um esquerdista qualifica os EUA de nação agressiva e militarista, ele simplesmente não é honesto.

Segundo: explicar os atentados como efeitos do “fanatismo”, da “belicosidade” ou do “atraso” da religião islâmica. Autores: intelectuais pró-Ocidente cristãos, ateus ou judeus – orgulhosos do que imaginam ser a superioridade essencial de suas respectivas pátrias, culturas e religiões.

Não há um só mandamento belicoso no Corão que não se encontre também no Antigo Testamento. Pelo menos até o século XX, os invasores muçulmanos sempre foram mais tolerantes com as religiões dos povos vencidos que o foram os cristãos na Índia e na África ou os israelitas com os cananeus e amorreus.

O eminente Paul Johnson, ao deplorar que os muçulmanos não tenham passado por reviravoltas modernizantes como o Ocidente atravessou desde o século XVI, vai parar longe do alvo, porque essas reviravoltas deram origem ao absolutismo colonialista e, depois, às ideologias totalitárias que inauguraram a era do terrorismo e da violência genocida, duas pragas que só tardiamente e por meio delas vieram a contaminar os povos islâmicos.

Esse erro é talvez o mais grave de todos, pois fomenta um conflito geral entre o Islã e o Ocidente, fazendo o jogo das forças anticapitalistas – e islâmicas só de fachada – que subsidiam e manipulam os extremistas muçulmanos.

Terceiro: impugnar moralmente a reação americana, fazendo a apologia do “perdão”. Autores: fariseus, santarrões, terroristas de batina.

Nenhuma religião do mundo confere a quem quer que seja o direito de “perdoar”, contra a vontade das vítimas ou de seus descendentes, ofensas feitas a terceiros. O perdão de que essa gente fala é o perdão fácil de quem não sofreu nada e que só tem a ganhar com a desgraça alheia.

Fazer proselitismo antiamericano em cima de um total desprezo à voz dos ofendidos é uma baixeza inominável. Por isso o culto ecumênico “pela paz” realizado em São Paulo no dia 23 foi uma paródia satânica da celebração simultânea no Yankee Stadium. Nesta, crentes de todas as religiões – a islâmica inclusive – irmanaram-se num ato de gratidão e fidelidade, oferecendo suas vidas em defesa da pátria que lhes deu a liberdade de culto. Naquele, o que se viu foi a palavra “perdão” aflorar com leviandade obscena à boca de indivíduos que, por baixo de sua afetação melosa de bons sentimentos, até hoje espumam de ódio à lembrança da derrota infligida a seus amigos terroristas, 30 anos atrás, pelo governo militar. Aquele que não perdoa a morte de revolucionários armados, mas, com desenvoltura cínica, quer que os parentes de vítimas inermes confraternizem com os assassinos de seus pais, mães e irmãos, esse não é nem pode ser um homem de Deus.

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