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Lei esotérica

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 1o de dezembro de 2005

No momento em que escrevo, ainda não sei se foi aprovada a lei do aborto. Sei é que já na sua redação ela é pura fraude: engana o povo e os congressistas fazendo de conta que libera o aborto só até a décima-segunda semana de gestação, mas nos parágrafos finais, discretamente, como quem não quer nada, revoga os artigos do Código Penal que o criminalizam, o que resulta – surpresa! – em permiti-lo até o nono mês. Crianças perfeitamente sãs poderão então ser assassinadas cinco minutos antes do parto, por puro capricho das mães, sem qualquer pretexto médico, e não haverá nisso crime algum. Feita por vigaristas para ser votada por otários, é a primeira lei do mundo que libera o que ela mesma proíbe. E é a primeira lei esotérica, com sentido oculto, só acessível aos iniciados até o momento da votação mas obrigatório para todos depois disso.

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O mínimo que se exige de alunos da quinta série é que, lendo ou ouvindo, consigam distinguir entre a pessoa que fala e a pessoa de quem se fala. Mas isso está acima do que se pode esperar de Jalmelice Luz e Mônica Bara Maia, redatoras do Observatório da Imprensa. Lendo meu artigo da semana passada, no trecho em que digo que todo abortista honesto deveria encarar a hipótese retroativa do seu próprio aborto como coisa natural ”e até como medida humanitária, contribuindo para o avanço da pesquisa com células-tronco”, as duas palpiteiras, sem entender que ali eu apenas reproduzia a lógica imanente do argumento abortista para evidenciar sua absurdidade, atribuíram a mim a opinião que eu satirizava e, assanhadíssimas, explodiram num protesto irado: ”Isto cheira a barbárie, esbarra na insanidade, na vulgaridade e na intolerância. Esta combinação levou ao Holocausto e justificou genocídios.” Embora errando o alvo do ataque, elas têm completa razão no seu conteúdo. Se eu pensasse daquela maneira, seria mesmo um bárbaro, um insano, um genocida. Só que quem pensa assim não sou eu: são os abortistas – todos realmente uns bárbaros, insanos e genocidas pelo menos inconscientes. Disparando equivocadamente contra mim esses adjetivos, as duas se incluíram a si próprias nessas classificações, sem qualquer ajuda da minha parte. Fica aí exemplificado, de novo, que idéias malucas como o abortismo destroem na alma do seu portador não somente o discernimento moral, mas, com o tempo, até a inteligência lógica, substituindo-a por efusões patéticas de verbosidade auto-imbecilizante. As mulheres americanas, desde a liberação do aborto, já mataram uns quarenta milhões de bebês – o dobro do total de vítimas de Adolf Hitler. Todo abortista sensato deveria, pois, abster-se cuidadosamente de falar em ”genocídio”, para não correr o risco de cuspir na própria cara. Mas, como a sensatez depende da coerência moral, o abortista sensato é ainda mais raro que o abortista honesto. Tão alucinadas se encontravam as duas mocinhas – ou velhinhas – ao escrever contra mim, que erraram até no título do artigo criticado (”Cabeça abortista” em vez de ”Cabeça de abortista”) e no nome do autor, que virou ”Olavo Costa”. Cadê o Alberto Dines, que some na hora em que o Observatório mais precisa de um editor de texto?

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Concordo inteiramente com a sugestão de Augusto Nunes, publicada neste jornal no dia 29, de apresentar Marilena Chauí às platéias circenses do mundo civilizado como substituta, mais exótica e atraente, dos surradíssimos ursos ciclistas. Apenas acrescento que, para evitar o desemprego decorrente dessa medida, os bichos demitidos poderiam ser contratados para lecionar na USP, naqueles cursos do MST que, por caridade para com os doutorandos analfabetos, dispensam a prova escrita. A introdução de (mais alguns) seres irracionais no corpo docente suprimiria também a prova oral, instaurando a justiça social completa mediante a distribuição igualitária do direito presidencial de não saber falar. Os alunos, uma vez adestrados em comunicar-se por meio de urros e grunhidos, teriam emprego garantido no Observatório da Imprensa.

Extinção anunciada

Olavo de Carvalho

O Globo, 28 de agosto de 2004

Poucos meses depois de lançada a campanha de entrega das armas, sem que nenhum efeito objetivo tenha vindo legitimar suas pretensões de abrandar a sanha dos criminosos, o governo já se apressa não só em alardear seus bons resultados, mas em estender a área de sua aplicação, levando-a da cidade para o campo.

Como até agora não se viu nenhum ladrão, narcotraficante ou homicida comparecer às filas repletas de velhinhas devotas e honrados trabalhadores, o único resultado a que a autoridade pode estar-se referindo com isso é o sucesso que obteve em desarmar possíveis vítimas, não seus virtuais assaltantes, agressores e assassinos.

Os prometidos efeitos apaziguantes a ser extraídos dessa vitória do governo sobre o povo são ainda demasiado imaginários para poderem justificar, por si, a extensão da campanha à zona rural. Resta o argumento da prioridade: quando o caso é extremo, há quem ache lícito arriscar um remédio mal testado, não testado de maneira alguma ou mesmo reprovado nos testes como o desarmamento civil já o foi em outras nações que o aplicaram.

Mas, no caso, o apelo a esse argumento é inviável. Num país onde, pelos cálculos da ONU, morrem a tiros 40 mil pessoas por ano, a contribuição da zona rural à taxa anual de mortes cruentas não passa de umas quarenta pessoas, segundo o governo federal, ou, na matemática hiperbólica da Pastoral da Terra, 82. Em toda essa extensão de terras, habitada por trinta por cento da população brasileira, a quantidade de crimes de morte não corresponde a trinta por cento, a vinte por cento, a dez por cento, a um por cento do total nacional. Corresponde — usando na conta os números inflados da Pastoral — à quadringentésima nonagésima parte desse total. Para cada homicídio na região rural, há 490 nas cidades.

Em números absolutos, 82 mortes são muitas mortes, mas, na comparação com outras áreas do país mais assassino do mundo, o campo é uma zona de relativa paz e tranqüilidade.

Qual a urgência, então, de experimentar nela um remédio que ainda nem passou pelo teste?

A urgência existe, sim, mas é bem outra. Não tem nada a ver com a taxa atual de crimes. Tem a ver com a correlação de forças num possível confronto entre os sem-terra e os fazendeiros. Como observou o sr. João Pedro Stedile com ameaçadora exatidão, há dez mil sem-terra para cada fazendeiro. Um fazendeiro, com cinqüenta auxiliares equipados de armas automáticas, pode repelir uma invasão de mil, cinco mil ou até dez mil militantes do MST armados de facões, foices e uma ou outra carabina de caça. Suprimidas as armas de fogo, a vantagem se inverte: no combate com armas brancas, prevalece a quantidade de braços. Nenhuma fazenda pode sustentar o contingente apto a enfrentar, com faca, porrete ou machado, um assalto maciço de milhares de sem-terras. Implantado o desarmamento civil no campo, a disputa estará decidida. O governo alega o intuito de “eliminar a tensão”, mas, obviamente, não se trata de acalmar ânimos: trata-se de abolir a tensão desativando um dos seus pólos: a propriedade particular da terra, no Brasil, está com os dias contados. Se os proprietários em pessoa morrerão ou não com ela, depende. Depende de tentarem um corpo-a-corpo de um contra dez mil, ou, ao contrário, correrem para buscar abrigo sob as asas do Incra, o qual não lhes garante nenhuma proteção contra invasões, mas promete a devolução das terras invadidas se e quando, após os devidos trâmites burocráticos, elas se demonstrarem produtivas. Em suma: só não morrerão como os do Zimbábue e da África do Sul se consentirem em ceder suas terras ao primeiro invasor que as exija e depois confiar-se docilmente à benevolência das autoridades — aquelas mesmas autoridades que os desarmaram para obrigá-los a esse vexame. É assim que começa, na estratégia marxista, a extinção de uma classe.

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E por falar em extinção: camisas-pardas do PT, armados de barras de ferro, invadiram o Diretório Metropolitano do PMDB em Porto Alegre, quebrando tudo e ferindo gravemente dois militantes. No dia seguinte, voltaram à carga, agredindo mais três. Leia em http://www.pmdb-rs.org.br/.

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