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Obama: a revolução desde cima

Olavo de Carvalho

Digesto Econômico, março/abril de 2009

O jornalismo, na sua acepção mais elevada, é uma variante menor da ciência histórica. Os instrumentos de pesquisa, verificação e expressão de que o jornalista se serve são em essência os mesmos do historiador, apenas reduzidos a uma escala de precisão mais modesta, em razão do tempo mais curto. Porém, tal como acontece na própria História, a busca do conhecimento aí não é tudo. Tanto o historiador como o jornalista podem se colocar – e este último quase invariavelmente se coloca – a serviço da luta política e de poderes que não raro estão mais interessados na difusão da ignorância que do conhecimento. Daí a necessidade de uma espécie de jornalismo de segundo grau que observe e analise o desempenho do primeiro, separando, nele, o que é investigação da verdade e o que é puro discurso de agente político, na sua tripla acepção de propagandista, de ocultador e de agente de influência. Para desgraça geral, os “observatórios de mídia” que alegam cumprir essa função não passam, na maior parte dos casos, de agentes políticos eles próprios, bem ou mal camuflados sob a capa de analistas críticos. O “Observatório da Imprensa” do Sr. Alberto Dines não passa, em última instância, de um comissariado político devotado a preservar a ortodoxia esquerdista hegemônica. O “Observatório de Mídia” da USP, conforme já demonstrei com documentação mais que suficiente, é apenas um braço da política globalista. Nos EUA, uma certa variedade de perspectivas ainda assegura algum confronto genuíno, mas o alcance popular dos sites de media watch é mínimo em comparação com o dos grandes jornais e noticiários de TV, que a “revolução cultural” das últimas décadas transformou, decididamente, em agentes políticos, isentos do mais mínimo compromisso com as funções que outrora garantiram ao jornalismo uma parcela da dignidade da ciência histórica.

Nesse panorama, os fatos mais óbvios podem se tornar invisíveis e suas relações mais patentes um mistério insondável para a quase totalidade da população, aí incluída a elite falante, não digo pensante.

Para quem estuda os fatos da atualidade com critérios de historiador, nada mais fácil do que compreender os objetivos da administração Obama, bem como as estratégias e táticas usadas para sua implementação. Esses objetivos são apenas dois: (a) debilitar o poderio americano na esfera internacional, tornando os EUA praticamente inermes ante qualquer iniciativa militar ou qualquer campanha diplomática mais agressiva da parte de seus inimigos; (b) no plano interno, inversa e complementarmente, aumentar o poder de controle do governo sobre a massa dos cidadãos, desarticulando e desarmando antecipadamente qualquer veleidade de oposição popular, seja ao primeiro objetivo, seja a este mesmo.

Isto não é uma “interpretação”. Os fatos falam por si mesmos, mas não podem ser ouvidos pela maioria, seja porque são diretamente sonegados, seja porque vêm diluídos numa maçaroca alucinante de factóides, detalhes irrisórios, desconversas e desinformação pura e simples, tornando a substância dos acontecimentos dificilmente apreensível até mesmo por pessoas letradas que, inconscientes da mudança radical das funções do jornalismo desde a década de 60, continuem tomando a “grande mídia” como fonte primordial de informações.

No plano internacional, com exceção das gestões para deter a corrida armamentista da Coréia do Norte, que já vinham da presidência anterior e não têm como ser desviadas muito rapidamente do seu curso pré-escolhido, as iniciativas principais do governo Obama foram sucessivas manifestações de simpatia para com governos islâmicos profundamente comprometidos em campanhas anti-ocidentais e anti-americanas. A quase genuflexão ante o rei da Arábia Saudita é apenas um símbolo, mas ele diz muito porque vem acompanhado não só de acenos amigáveis para o governo do Irã, mas também de esforços manifestos para induzir a classe política americana a aceitar passivamente a transformação do Irã em potência nuclear (esta notícia não pôde ser ocultada nem mesmo dos brasileiros: v. http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/fintimes/2009/04/04/ult579u2764.jhtm).

Ao mesmo tempo que despende trilhões num “plano de recuperação econômica”, que beneficia acima de tudo as organizações que o apoiaram na campanha eleitoral, como por exemplo a Acorn, que caprichou no obamismo ao ponto de distribuir milhares de títulos de eleitor falsos para aumentar o eleitorado do candidato democrata, Obama anuncia um corte de 8 bilhões de dólares no orçamento das Forças Armadas. E faz isso no preciso momento em que a China completa a fabricação de um novo míssil balístico capacitado a destruir porta-aviões americanos num raio de dois mil quilômetros com um só disparo para cada um. A zona de cobertura da nova arma, versão modificada do míssil Dong Feng 21, abrange precisamente as áreas que os estrategistas americanos consideram vitais para um eventual confronto de superfície entre forças americanas e chinesas.

É ainda impossível avaliar em que medida a nova arma de Beijing é devedora do ex-presidente Clinton, que após ter feito vista grossa à profusão de espiões tecnológicos chineses nos EUA, aproveitou sua última semana na Casa Branca para libertar os poucos deles que estavam na cadeia. O que é absolutamente certo é que a liberação das viagens a Cuba, planejada pelo governo Obama, vai fortalecer um bocado o regime comunista da ilha, não só “enchendo de dinheiro os irmãos Castro”, como disse Otto Reich, mas facilitando o trânsito de espiões cubanos num país que já está repleto deles.

Por fim, é notório que os círculos obamistas vêem com agrado as gestões cada vez menos discretas do G-20 para adotar uma moeda mundial, desbancando o dólar e submetendo a economia americana ainda mais ao controle internacional.

Embora o sentido de todas essas atitudes do governo Obama seja claro e insofismável, até mesmo os comentaristas mais abertamente conservadores têm extrema dificuldade em percebê-lo. Seus cérebros, entupidos de inibições, preconceitos e escrúpulos patéticos que a cultura esquerdista ambiente injetou neles desde a década de 60, funcionam com tal lentidão que só ouvem o cão latir depois de várias mordidas. Uma conversa recente na Fox News entre Sean Hannity, comentarista político da estação, e Dick Morris, ex-conselheiro dos Clintons convertido à causa conservadora, ilustra o que estou dizendo:

Morris: — Há uma coisa importante que vai acontecer em Londres neste G-20, e que eles estão camuflando, escondendo: a coordenação dos regulamentos internacionais. O que eles vão fazer é colocar o nosso FED (Federal Reserve) e a nossa SEC (Comissão de Títulos e Câmbio), sob o controle do Fundo Monetário Internacional… O que isso realmente é, é colocar a economia americana sob controle internacional.

Hannity: — É mesmo.

Morris: — E aquelas pessoas que viviam gritando “A ONU vai tomar o poder!”, “É o governo global!”…

Hannity: — Teóricos da conspiração…

Morris: — Eles eram malucos. Mas agora vemos que estavam com a razão. Está acontecendo.

Hannity: — Quando o Geithner (presidente do FED) disse na semana passada que está aberto à idéia de moeda global, essa turma da teoria da conspiração já tinha anunciado durante anos que isso ia acontecer. Você não está errado, você não está errado…

Concomitantemente – e coerentemente – com a debilitação do poderio americano no exterior, as medidas do governo Obama para aumentar o controle estatal sobre a sociedade e os cidadãos são tão vistosas que o simples fato de não provocarem escândalo geral já é por si mesmo um escândalo. Desde logo, Obama exigiu que o escritório do Censo, até então sob responsabilidade parlamentar e portanto bipartidária, fosse instalado na Casa Branca, sob sua fiscalização direta. Como o Censo determina o zoneamento eleitoral, quem controla o Censo controla as eleições americanas. Em tempos normais, esta simples decisão seria motivo de impeachment, mas tanto o Congresso quanto a mídia estão mais empenhados em preservar a imagem de Obama do que a segurança do país e o bom funcionamento da democracia. Até o momento, ninguém estrilou contra a usurpação do Censo, noticiada com discrição entre páginas e páginas consagradas aos novos modelos de vestido da Sra. Michele Obama.

Não podendo implantar diretamente o controle de armas, que a população rejeita maciçamente, o governo Obama apelou ao expediente de diminuir o estoque de munições à disposição do consumidor, dificultando a compra ou importação dos materiais necessários à fabricação de balas. Os efeitos da medida apareceram com velocidade impressionante. Qualquer coisa mais requintada do que cartuchos para espingardas de caça é muito difícil de encontrar hoje em dia nas lojas de armas. Ao mesmo tempo, os deputados e senadores governistas já distribuem entre si uma lista de mais de setenta modelos de armas que o Procurador Geral Eric Holder – tradicional adepto da proibição total – planeja banir na primeira oportunidade.

Não satisfeito com o tremendo acréscimo de poder que essas medidas lhe dão, o governo Obama, através da FDA (Food and Drug Administration), vem ajudando a promover o Codex Alimentarius – plano da ONU para colocar a produção mundial de alimentos sob controle direto e estrito da burocracia internacional e de meia dúzia de macro-empresas globais. Os projetos de lei HR875, HR759 e S425 proíbem até mesmo a livre produção de alimentos para consumo doméstico ou comunitário, e tornam crime a chamada “alimentação natural” – plantar cenouras, beterrabas, batatas, etc. sem fertilizantes, antibióticos e o que mais as autoridades determinem. Pelo Codex Alimentarius, cada galinha criada em fundo de quintal terá de ser registrada em órgãos do governo e alimentada com aquilo que o governo escolha. As penalidades incluem prisão do culpado, apreensão dos produtos considerados ilegais e desapropriação da terra onde seja cometido o “crime”.

Uma das empresas mais empenhadas na aprovação do projeto é a Monsanto. Quando o ativista de esquerda José Bové, participante do Forum Social Mundial de 2001 em Porto Alegre, promoveu a destruição de mil acres de transgênicos dessa empresa no Rio Grande, todos os nossos liberais e conservadores protestaram, em nome da liberdade de mercado. Lamento informar: descontados os meios ilegais com que fez o seu protesto, Bové estava certo, mesmo sem saber por que. A Monsanto não tem nada a ver com liberdade de mercado. Tem a ver com o socialismo burocrático mundial.

Para completar, o senador democrata Jay Rockefeller, membro da família que controla o CFR (Council on Foreign Relations) e por meio dele a política americana, após ter feito a espantosa declaração de que o maior risco para a segurança dos EUA não é o terrorismo, nem a China, nem o tráfico de drogas, nem a imigração ilegal, e sim a internet – declaração que num primeiro momento pareceu apenas um abuso de excentricidade –, passou das palavras à ação, apresentando, na semana seguinte, um projeto de lei que coloca a rede inteira sob controle direto de órgãos da presidência americana.

Tecnicamente – e creio ter demonstrado isso em sucessivos escritos e conferências –, uma revolução define-se como um projeto abrangente de mudança social e política a ser realizado mediante uma concentração anormal de poder. Uma revolução nesse sentido estrito – uma revolução de dimensões mundiais – já está em avançado estado de realização nos EUA. O fato de que a maior parte da população e até mesmo das classes letradas nem mesmo perceba isso enquadra nitidamente o fenômeno na categoria das “revoluções desde cima”, tal como descrito no livro clássico de Hermann Rauschning, The Revolution of Nihilism: a Warning to the West. Publicado em 1938 e referindo-se especialmente ao caso alemão, o alerta de Rauschning não foi ouvido. O meu também não será.

Mostruário krausiano

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 17 de abril de 2005

Nos anos que prepararam a ascensão da tirania nazista, o jornalista e dramaturgo austríaco Karl Kraus dedicou-se a colher na mídia uma impressionante coleção de amostras do progressivo estado de irracionalidade patológica que ia se apossando da sociedade alemã. Ele pinçava, por exemplo, dois anúncios oficiais publicados no mesmo jornal, um dos quais tentava atrair turistas enquanto o outro os afugentava ameaçando aplicar a todos os estrangeiros em território alemão as novas leis raciais que então entravam em vigor.

Kraus publicava essas amostras no seu semanário nanico Die Fackel (“A Chama”), mas chegou a compor com elas uma peça teatral inteira, “Os Últimos Dias da Humanidade”, formidável galeria de incongruências, calculada, segundo o autor, para ser encenada só nos palcos extraplanetários, já que o espetáculo tinha nove horas de duração e “o público deste mundo não poderia suporta-lo”.

A peça realmente não chegou nunca a ser representada, só podendo ser conhecida na versão escrita, que tem uma tradução inglesa, uma francesa e uma espanhola.

Se Karl Kraus estivesse vivo e fosse brasileiro, a coleção inteira de Die Fackel e várias peças de nove horas não bastariam para dar conta do material que ele poderia obter só com umas breves inspeções diárias dos discursos presidenciais, das novelas de TV, dos comentários políticos, das campanhas sociais e das sentenças dos magistrados.

Digo isso porque, não tendo a paciência nem o talento do escritor austríaco para a catalogação sistemática da inconsciência humana, me inspirei precisamente nele para pinçar algumas amostras casuais que ao longo dos anos fui vertendo nos dois volumes publicados de O Imbecil Coletivo, nos três que conservo inéditos e em vários artigos desta coluna.

Embora sem nenhuma intenção de compor um painel abrangente, esses espécimes bastam para demonstrar a veracidade profunda da máxima krausiana de que algumas situações não podem ser satirizadas porque já são satíricas em si mesmas.

Para tomar só um exemplo entre muitos, vejam a campanha do desarmamento civil.

Nossa TV procura nos convencer de que os brasileiros são um povo superiormente humano, amoroso e bom – bem diferente daqueles americanos frios e cruéis – e, ao mesmo tempo, de que são um bando de sociopatas assassinos, que só desarmados à força abandonarão o vício de matar pessoas por motivos fúteis. Como Pavlov demonstrou que a estimulação contraditória persistente produz o embotamento completo da inteligência, a população concorda docilmente com as duas teses, sem sentir por isso nenhum desconforto intelectual.

Os sociólogos das nossas ONGs não ficam atrás, confessando que na nossa sociedade a maior parte dos homicídios praticados com armas de fogo são obra de agentes do Estado, e propondo como solução o desarmamento obrigatório de todos os brasileiros que não sejam agentes do Estado. Atrair turistas por meio da ameaça de expulsão é bem mais fácil do que resolver esse enigma.

Na mesma linha de raciocínio, nossos experts jornalísticos admitem que só a terça parte da taxa nacional de 150 mil homicídios anuais é praticada com armas de fogo, e daí concluem que as armas de fogo são a principal causa de violência assassina neste país.

Com os mesmos dados estatísticos, produzem outro silogismo maravilhoso: notando que o Brasil, em tempo de paz, produz um total anual de vítimas equivalente ao de cinco guerras do Iraque com dois anos de duração cada uma, e somando a isso o fato de que os EUA, com metade das armas particulares do planeta, têm uma taxa anual de homicídios dez vezes menor que a nossa, tiram daí a conclusão de que os brasileiros, e sobretudo eles próprios, estão investidos de autoridade moral bastante para condenar os EUA como nação maximamente violenta e assassina.

Poses e trejeitos

Olavo de Carvalho


Folha de São Paulo, 16 de outubro de 2002

Interrogado pelo jornalista Boris Casoy sobre a denúncia da mídia internacional quanto às relações do seu partido com as Farc, com Hugo Chávez e com Fidel Castro, o sr. Luiz Inácio saiu do aperto alegando que: a denúncia não viera da mídia internacional, mas apenas de “um picareta de Miami”; as tais relações não existiam de maneira nenhuma; e Boris nem deveria falar dessas coisas diante das câmeras.

Com relação à primeira parte, observo que o sr. Inácio tem sido bem pródigo no uso do epíteto “picareta”, chegando a rotular com ele 300 congressistas, no que, aliás, dei-lhe plena razão, na época, com a ressalva de que o número deveria ser aumentado para 301.

No entanto o único cidadão de Miami que andou falando do PT foi o escritor cubano Armando Valladares. Preso político por 22 anos, recordista mundial de permanência entre as grades por delito de opinião, autor de um dos mais fortes e pungentes livros de memórias já engendrados pelo sofrimento injusto, Valladares tem um lugar assegurado na história do século 20 entre os personagens que provaram, por sua coragem e retidão inflexível nas piores circunstâncias, a soberania do espírito livre ante as trevas do diabolismo totalitário.

É alguém da estirpe de um Victor Frankl, de um Soljenítsin, de um Richard Wurmbrand; alguém cuja qualidade moral está acima de todas as controvérsias políticas e do qual ninguém tem o direito de falar senão com o devido respeito. Ao se referir a ele num tom de superioridade afetada, o sr. Inácio provou a vulgar mesquinharia do seu próprio espírito, o espírito de um caipira arrogante e presunçoso, a arrotar superioridade ante uma figura humana que transcende infinitamente o seu horizonte de compreensão.

Também, não se poderia esperar outra conduta do homem que em três décadas de ascensão social ininterrupta se esmerou mais em fazer as unhas e em posar com ternos Armani do que em aprender algum idioma, mesmo que fosse o seu próprio. Que esse indivíduo de envergadura microscópica tenha se tornado o ídolo de todo um povo, só mostra o quanto esse povo perdeu todo o senso de medida das virtudes humanas, já não sendo capaz de apreender sinais de grandeza e mérito, senão na forma dos mais postiços simulacros, midiáticos ou eleitorais.

Quanto à denúncia, muito antes de alguém tocar no assunto em Miami ela já havia saído no “Weekly Standard“, um dos melhores semanários políticos dos EUA, ecoando logo na revista “Newsmax“, no “Washington Times” e no Congresso americano, onde 12 deputados solicitaram ao presidente Bush uma investigação em regra sobre Lula e o PT.

No Brasil, eu mesmo publiquei vários artigos a respeito, e é quase impossível que, na assessoria do candidato, ninguém os tenha lido. Os trejeitos de desprezo fingido com que o sr. Luiz Inácio tentou minimizar a importância jornalística do caso são puro teatro, bem ao estilo do cidadão que triunfa num pleito eleitoral que ele próprio disse considerar “apenas uma farsa”. Pois, por definição, quem é bom em farsas… É farsante.

Com relação ao segundo ponto, é próprio do homem pouco inteligente fazer pouco da inteligência alheia. Ninguém que organize e lidere dez reuniões internacionais, trabalhosas e dispendiosíssimas, professando ali discutir a unificação da estratégia esquerdista continental com dezenas de organizações comunistas -algumas delas terroristas e narcotraficantes-, tem o direito de esperar que acreditemos que não tem nada a ver com isso, que as resoluções que ele próprio assinou ao fim de tantos debates não o obrigam em nada e que, enfim, está livre e desimpedido.

Ninguém, após assinar um documento de solidariedade às Farc, chegando a qualificar de intolerável “terrorismo de Estado” a resistência que lhes opõe o governo colombiano, pode esperar que acreditemos que não tem com elas, no mínimo, uma louca relação de amor.

Ninguém, após defender obstinadamente a guerrilha colombiana de qualquer suspeita de envolvimento com o narcotráfico, apostando sua reputação pessoal contra o peso das provas materiais e documentais apreendidas com o traficante Fernandinho Beira-Mar, pode querer razoavelmente que acreditemos que não está, com isso, cumprindo o voto de solidariedade que assinou.

Síntese de desculpa esfarrapada e história da carochinha, a resposta de Lula a Boris Casoy, neste ponto, não deveria ter o poder de enganar ninguém. No entanto para enganar um povo inteiro não é preciso ter nem a astúcia da mentira verossímil, quando se conta, na mídia, com os bons serviços de tantos burros de presépio, dispostos a aceitar e alardear como verdades sacrossantas as mais tolas desculpas esfarrapadas.

Mais fácil ainda torna-se a consecução desse feito quando o autor da façanha, na disputa eleitoral, tem como concorrentes dois representantes de partidos co-signatários do mesmo compromisso de solidariedade com as Farc, que, se o denunciassem, estariam denunciando a si próprios, e um terceiro que, por razões pessoais insondáveis, antes mesmo de começar o embate já promete não dizer nada, seja de verdadeiro, seja de falso, que possa arranhar a boa imagem do seu adversário maior.

Por fim, o conselho a Boris Casoy. Como não enxergar aí a sombra de uma intimidação velada? Se, enquanto mero candidato, o sr. Luiz Inácio já se arroga o direito de ditar o que seu entrevistador deve ou não deve dizer na TV, a que alturas impensáveis não chegará sua reivindicação de autoridade quando for presidente da República?

Se o governo estadual que o próprio PT aponta como seu modelo de gestão democrática -o do RS- já mostrou não tolerar críticas de espécie nenhuma, mesmo sustentadas em provas e documentos, chegando já a 30 o número de jornalistas que ali respondem a processos e sofrem pressões de toda ordem pelo que escreveram, por que acreditar que esse modelo, ampliado à escala federal, será mais leve e fácil de suportar?


Carta enviada por Olavo de Carvalho à Folha, e publicada no Painel do Leitor do dia 23 de outubro de 2002:

PAINEL DO LEITOR

Roubo ou atentado
“Poucos dias depois de publicado na Folha o meu artigo “Poses
e trejeitos” (“Tendências/Debates”, pág. A3, 16/10), que
suscitou uma onda de furiosos protestos petistas –
desacompanhados, como sempre, de qualquer tentativa de
refutar os fatos ali mencionados-, sucedeu algo de muito
estranho.
O artigo trazia, no rodapé, o nome da empresa que publica os
meus livros e promove os meus cursos em São Paulo, a É
Realizações. Pois bem: na madrugada de 19/10, a sede dessa
firma, na Vila Mariana, em São Paulo, foi invadida e
saqueada. Levaram quatro computadores, equipamentos de
gravação em vídeo e em áudio, documentos e dinheiro.
Simples roubo ou atentado camuflado em roubo? Creio que
jamais iremos saber.”
Olavo de Carvalho (Petrópolis, RJ)

 

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