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A glória definitiva da inépcia

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 08 de novembro de 2007

O benefício essencial da educação universitária, segundo a fórmula consagrada que nominalmente a define, é fornecer ao estudante um ambiente highbrow onde ele possa ter uma experiência condensada do conjunto sistêmico dos conhecimentos disponíveis, de modo a que o desenvolvimento da sua mente individual se amolde à “forma” geral da cultura superior existente.

Ora, esse benefício é precisamente o que não se pode receber de nenhuma universidade brasileira. As lacunas de conhecimento evidenciadas na obra dos mais afamados profissionais acadêmicos neste país, ao menos nas áreas de filosofia e ciências humanas, são tão imensas, tão graves e tão imperdoáveis, que o conteúdo restante tem a figura exata das produções autodidáticas mais descabidas, provincianas e distanciadas das correntes vivas do pensamento universal.

A prova do que estou dizendo foi dada uns anos atrás pelo “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita”, que, por ser obra de cento e tantos dentre os mais badalados professores universitários brasileiros, ricamente subsidiada pelo governo e por grandes empresas, refletia muito bem aquilo que no Brasil se aceita como autoridade intelectual e prestígio acadêmico. O que nessa obra se via era a ignorância radical de um assunto por parte daquelas mesmas criaturas que eram reconhecidas pelo Estado e pelas classes falantes como capacitadas maximamente a ensiná-lo (v. Tudo o que você queria saber sobre a direita – e vai continuar não sabendo). O fato de que o principal apologista da coisa, em vez de penitenciar-se da cumplicidade com o vexaminoso embuste, se arvore ele próprio em arquiteto e coordenador de uma portentosa summa coletiva, desta vez consagrada à política latino-americana mas tão carregada de inépcias quanto o supracitado cartapácio, já seria por si indício grave de que está extinta ou em vias de extinção entre nós a consciência do que possam ser os deveres, mesmo mínimos, da probidade acadêmica. Mas que o fruto dessa impudência, em vez de ser examinado com a severidade que a lembrança do episódio anterior recomenda, seja afoitamente laureado com o prêmio maior da indústria livreira nacional, torna claro que a leviandade e a torpeza se transmutaram, de puras carências que eram, em deveres positivos e em provas de mérito socialmente reconhecidas. Se, reduzido a uma paródia grotesca em virtude dessa celebração da estupidez, o mesmo prêmio é oferecido postumamente a Bruno Tolentino, eis algo que não posso considerar senão uma ofensa à memória daquele que foi não somente o maior dos nossos poetas, mas também um autêntico scholar — algo que entre os donos da opinião pública já ninguém mais parece saber o que seja.

È inevitável, aliás, que estas minhas observações venham a ser diagnosticadas por aí como meras efusões de “divergência política”, senão de um fanático “extremismo de direita”. A facilidade mesma com que simples cobranças de seriedade no exercício da função intelectual sejam rotineiramente desconsideradas em nome de pretextos ideológicos é o sinal mais patente de que a carteirinha de identidade partidária se tornou, neste país, o critério único para a admissão nos altos postos da educação e da cultura, pouco importando que seu portador escreva “Getúlio” com LH.

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N. B. – Creio ter errado ao informar, no artigo anterior, que Tim Berners-Lee é católico. Leitores, aos quais agradeço a informação, asseguram-me que é unitarista.

Acordem

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 01 de novembro de 2007

“Aquilo que disserdes no escuro será ouvido em plena luz; e o que sussurrardes dentro de casa será proclamado do alto dos telhados.” A profecia (Lc., 12:3) não se refere aos miúdos segredinhos da nossa vida diária, mas, literalmente, ao “fermento dos fariseus” (id., versículo 1), a ação oculta dos grandes manipuladores e farsantes.

Essa ação tornou-se ainda mais eficaz e peçonhenta após o advento da mídia moderna, que, iluminando de maneira uniforme frações seletas da realidade, torna automaticamente invisível ou inacreditável o que quer que não esteja ali. O crescimento dos meios de divulgação resulta assim num progresso ainda mais inexorável dos meios de ocultação. Essa perversão congênita da indústria das comunicações exige correções periódicas, das quais a mais admirável, nos últimos tempos, foi a invenção do protocolo html , que possibilitou a criação da rede mundial de computadores e furou espetacularmente o véu do segredo midiático. Graças ao gênio de Tim Berners-Lee, um irlandês católico que entendia muito bem o apelo bíblico à luta contra os principados e as potestades das trevas, podemos saber, por exemplo, que a matança de cristãos no mundo já se tornou rotina, e que, em contrapartida, o cristianismo se expande mais rapidamente do que o Islam ou o ateísmo. Essas duas informações, básicas para a compreensão da presente fase da história humana, estão ausentes da grande mídia porque esta não reflete os fatos e sim as idéias dos intelectuais tagarelas que a orientam, os quais, intoxicados de seu próprio falatório, preferem imaginar que perseguidos são os gays e que o mundo já entrou de mala e cuia em plena era “pós-cristã”.

Graças ao html , temos acesso às estatísticas do SUS, jamais divulgadas em jornais ou noticiários de TV, segundo as quais o ministro da Saúde mente ao alardear uma epidemia de mortes devidas a abortos ilegais. Pela mesma via, descobrimos até – pasmem – que entre as grandes incentivadoras de abortos ilegais estão aquelas mesmas entidades que, alegando querer extirpar essa praga, fazem campanha pela liberalização do aborto. Se essas notícias saíssem nos jornais e na TV, muita gente ilustre iria para a cadeia, acontecimento lamentável que a solicitude dos jornalistas busca evitar. Iria para a cadeia também – ou ao menos perderia o cargo – o sr. presidente da República, que, no seu discurso de 2 de julho de 2005, feito na intimidade para seus companheiros de ideologia (v. Lula, réu confesso), confessou o mais escandaloso crime de responsabilidade já visto neste país, ao admitir que mentiu para o Congresso e para o povo brasileiro, tomando decisões secretas junto com ditadores e com os narcotraficantes das Farc, “sempre utilizando a relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse” ( sic ). Como esse discurso, embora reproduzido discretamente no site do próprio governo, jamais saiu na grande mídia, o sr. Luís Inácio continua a salvo do impeachment e o grosso da população a salvo de qualquer contato com a realidade, abrigado num mundo paralelo feito de papel e imagens de TV.

Mas, se vocês querem os três exemplos mais eloqüentes da diferença entre o mundo da mídia e o mundo como tal, cliquem os seguintes endereços na internet: video.google.com, youtube.com. Não vou nem lhes dizer do que se trata. Façam a experiência e acordem.

Entre o crime e a mentira

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 25 de outubro de 2007

O episódio do Prêmio Nobel James Watson, suspenso do Laboratório Cold Spring Harbor por ter dito que os negros são inferiores aos brancos, é uma excelente ocasião para fazer recordar à comunidade politicamente correta alguns fatos que ela já conseguiu extirpar da mídia e dos livros didáticos, mas que, por milagre divino ou negligência da censura, ainda estão vivos nos documentos.

O racismo é, por inteiro, uma criação da modernidade, das luzes, da mentalidade científica, ateística e revolucionária, e não das tradições religiosas que formam a base da nossa civilização. Nem haveria como ser de outro modo. Não pode existir um sentimento de superioridade racial sem prévia identidade racial, nem muito menos esta poderia ter surgido antes que o conceito de raça fosse criado pelos biólogos iluministas no século XVIII. E mesmo que eles o tivessem inventado numa época anterior, ele não poderia ter-se transfigurado em instrumento de guerra cultural antes que a classe dos cientistas e dos intelectuais acadêmicos tivesse adquirido, em substituição ao clero, a autoridade pública de suprema instância legitimadora das idéias.

Por isso mesmo, você não encontrará nos dogmas da Igreja, nas sentenças dos Papas ou nas decisões conciliares uma só frase que sugira, nem mesmo de longe, a superioridade dos brancos sobre os negros. Em compensação, encontrará muitas nas obras dos enciclopedistas, de Kant, de Voltaire, de Karl Marx e de Charles Darwin — os gurus máximos das luzes, do progressismo e da revolução. Se Voltaire enriqueceu no comércio de escravos e Kant assegurou que “os negros da África, por natureza, não têm sentimentos acima da frivolidade”, Marx e Darwin, em especial, fazem daquela pretensa superioridade branca um argumento ostensivo em favor do extermínio das “raças inferiores”, que o primeiro considerava necessário ao progresso histórico e o segundo um pressuposto básico da evolução humana, concordando nisso com seu antecessor Herbert Spencer e sendo ecoado fielmente por seus dois principais discípulos, Thomas Huxley e Ernst Haeckel, o que mostra que toda tentativa de separar evolucionismo e racismo é pura maquiagem ex post facto . A rigor, a declaração de James Watson contra os programas sociais, ante a qual os paladinos da boa imagem da ciência tanto se fingem de escandalizados, não passa de uma versão atenuada do seguinte parágrafo de Charles Darwin:

“Entre os selvagens, os fracos de corpo e mente são logo eliminados. Nós, civilizados, fazemos o possível para evitar essa eliminação; construímos asilos para os imbecis, os aleijados, os doentes; instituímos leis para proteger os pobres… Isso é altamente prejudicial à raça humana.”

Se, após ter espalhado no mundo esse apelo genocida, a ideologia progressista-científica tenta inculpar por isso as épocas anteriores que o desconheciam, não há aí nada de estranho: é da essência do movimento revolucionário inverter a ordem do tempo histórico e, com ela, a autoria das ações, transfigurando a inocência alheia em crime e a sua própria abjeção em motivo de vanglória.

Lênin viria a resumir esse procedimento-padrão na máxima: “Acuse-os do que você faz.” Isso é assim nos grandes como nos pequenos lances da história desse movimento. Quando nossos políticos de esquerda fomentam a criminalidade e depois a diagnosticam como criação perversa da “sociedade de classes”, ou quando vão construindo o Mensalão em segredo ao mesmo tempo que brilham ante os holofotes como perseguidores de corruptos, não lhes falta a quem imitar. A tradição revolucionária é o perfeito casamento do crime com a mentira.

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