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A mentira estrutural

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 27 de setembro de 2007


Quando falo em “mentalidade revolucionária”, não me refiro só aos revolucionários ex professo, mas a uma certa estrutura de percepção que pode estar presente em indivíduos alheios à atividade política. Um de seus traços característicos é o pseudoprofetismo: o sujeito se imagina o portador de um novo mundo – que pode ser um novo mundo científico, artístico, moral, religioso, político ou tudo isso ao mesmo tempo – e tão inebriado fica ante a visão desse futuro brilhante que sua percepção da vida atual se torna deformada, grotesca e, no sentido mais radical e absoluto, falsa.

A mentira e o fingimento, que a humanidade normal usa como expedientes ocasionais e momentâneos, são no revolucionário a base constante da sua visão de si mesmo e do universo. Eu usaria a palavra “histeria” para descrever esse quadro, se ele não fosse compatível com uma conduta externa aparentemente normal em tudo quanto esteja fora da área de atuação específica do indivíduo. Quando René Descartes, nas Meditações de Filosofia Primeira, confunde o seu eu temporal concreto com a idéia universal do eu cognoscente e passa de um ao outro sem perceber que toma como narrativa autobiográfica o que é mera análise lógica de um conceito abstrato, isso é evidentemente um sintoma histérico, embora na vida diária o filósofo não desse o menor indício de histeria. Talvez “histeria intelectual” seja o termo. E histeria significa deixar-se arrebatar pelo próprio fingimento ao ponto de acreditar nele piamente.

No revolucionário político, o fingimento exerce por isso mesmo uma função totalmente diversa daquela que tem nos políticos normais. Estes mentem quando lhes interessa, com a parcimônia necessária a manter um controle razoável da própria encenação. Suas mentiras são conscientes e refletidas, compatíveis com o realismo mais grosso e saudável. O revolucionário, como mede a vida presente com a régua do futuro maravilhoso que imagina personificar, simplesmente não pode enxergar as coisas como são. Ele tem de falsificar tudo para que os méritos hipotéticos da sociedade prometida sejam tomados como virtudes atuais da sua própria pessoa e do seu partido. A mentira do político comum é instrumental e pontual, a do revolucionário é estrutural, permanente e expansiva: não podendo dosar conscientemente a mentira e a verdade, ele tem de destruir no público mesmo a capacidade de fazer essa distinção. Daí a “revolução cultural”, o desmantelamento sistemático da inteligência popular.

Quando o sr. Luís Inácio posa de nacionalista durão ao proclamar que “a Amazônia tem dono” e poucas horas depois abre o território amazônico à cobiça internacional como quem anuncia um loteamento, o contraste é tão ostensivo, tão obviamente escandaloso, que a hipótese do fingimento instrumental tem de ser afastada in limine. O sr. Luís Inácio não é idiota ao ponto de pensar que pode enganar alguém com uma mentira tão patente. Mas é louco o bastante para deixar-se enganar ele mesmo por ela, acreditando que o entreguismo, se praticado por um representante autorizado do futuro beatífico, se torna instantaneamente uma espécie de amor à pátria. Transfigurada pelo pseudoprofetismo, a contradição vira identidade, e honny soit qui mal y pense.

Longe de camuflar o abismo entre suas palavras e seus atos, o revolucionário o exibe com uma candura estupefaciente, que desarma o espectador. Ele não quer propriamente enganar o público. Quer estupidificá-lo para que viva em estado de engano permanente, como aliás ele próprio.

Reação débil e tardia

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil,20 de setembro de 2007

Em 17 de setembro de 1998, no Jornal da Tarde de São Paulo, denunciei a propaganda comunista mentirosa e emburrecedora que, a pretexto de ensinar História, o governo do sr. Fernando Henrique Cardoso — sim, o governo tucano — espalhava pelas escolas brasileiras. Mencionei especialmente, entre outras obras usadas para esse fim, a Nova História Crítica, de Mário Schmidt (v. ).

Não me limitei a expor esse e inumeráveis fatos similares. Tanto em livros e conferências quanto em artigos, mostrei, com todo o rigor possível, que não se tratava de episódios isolados, mas de uma imensa articulação estratégica baseada “revolução cultural” de Antonio Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano, da qual o então presidente da República se gabava de ser ainda melhor conhecedor e implementador do que seus amigos, concorrentes e depois sucessores petistas. Segundo essa proposta, o movimento revolucionário deveria conquistar o controle hegemônico da cultura, do imaginário social e dos debates públicos antes de se aventurar a introduzir mudanças radicais na política econômica ou na estrutura de poder.

Decorridos nove anos, O Globo finalmente conseguiu notar a existência do livro acima mencionado – como se fosse o único do mesmo teor — e, ao comentá-lo na coluna de Ali Kamel, ainda se gaba de fazê-lo “sem incomodar o leitor com teorias sobre Gramsci, hegemonia etc.”

Se até um jornalista competente como Ali Kamel leva quase uma década para notar o que está acontecendo, se o percebe somente por um ângulo isolado e se ao falar do assunto ainda se sente inibido de pedir ao leitor um pequeno esforço intelectual para apreender o conjunto de uma situação que nesse ínterim evoluiu do perigoso ao catastrófico, tão persistente letargia pode parecer estranha, mas não para mim. Sem medo de incomodar, informo aos interessados que hegemonia é precisamente isso: é dominar o fluxo das idéias ao ponto de controlar a velocidade de percepção do adversário, de modo que ele só note o perigo quando já não tenha mais tempo nem força para reagir.

De 1998 até agora, a ideologia comunista que entrou pelos livros de História se alastrou pelo sistema de ensino inteiro e infectou todas as disciplinas — até matemática e educação física –, de modo que para as novas gerações de estudantes brasileiros tudo o que escape da cosmovisão marxista se tornou inexistente e impensável. Como previa Gramsci, o “senso comum modificado” é algo de mais profundo e arraigado do que a mera crença consciente.

Ao longo desses anos, as organizações Globo, em parte iludidas pelo mito da morte do comunismo, em parte manipuladas desde dentro por agentes esquerdistas, não fizeram outra coisa senão colaborar com o empreendimento gramsciano, cultuando os santos do panteão comunista e glamurizando tudo aquilo que Roberto Marinho detestava.

Não espanta que, agora, ao emergir pouco a pouco de um longo torpor mental, o grupo não consiga esboçar senão gestos de reação débeis e acovardados, dizendo mui polidamente umas palavrinhas pró-capitalistas pela boca do sr. Eduardo Gianetti da Fonseca ou fazendo na coluna de Ali Kamel um eco parcial, tímido e quase inaudível a minhas denúncias de uma década atrás.

Também não espanta que, como prêmio de sua paternal solicitude para com os esquerdistas, a Globo agora receba deles toda sorte de insultos, acompanhados da ameaça de fazer com ela o que Hugo Chávez fez com a RCTV. Vocês não imaginam com que satisfação os comunistas atiram ao lixo um “companheiro de viagem” quando não precisam mais dele.

 

Sem desculpa

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de setembro de 2007

Agora que o PT finalmente admitiu que o Foro de São Paulo é um “espaço de articulação estratégica” (sic) e não um inofensivo clube de debates como o chamava antes, tornou-se fácil até para as personalidades mais minúsculas e os cérebros mais atrofiados enxergar a verdade óbvia que, contra tudo e todos, e pagando caro por isso, proclamei durante anos: o partido que nos governa é parceiro e colaborador de organizações criminosas, tem com elas uma estratégia comum para a conquista do domínio total sobre o continente – uma aliança macabra que, se as leis neste país valessem de alguma coisa, seria razão mais que bastante não só para o imediato impeachment do presidente, mas para a prisão dele e de todos os seus colaboradores.

Tão gigantesco é esse concurso de crimes que, diante dele, ficar resmungando contra meros delitos de corrupção, como o fazem os ditos “oposicionistas”, é pura desconversa anestésica – inconsciente e burra, em alguns casos; consciente, oportunista e dolosa, em outros.

Tanto mais monstruosa se revela a trama quando se sabe que algumas das organizações com que o PT e outros partidos de esquerda se associaram, na busca de vantagens políticas comuns, são responsáveis pela matança anual de dezenas de milhares de brasileiros – seja através do comércio de drogas, seja através da ajuda prestada a gangues locais como o PCC e o Comando Vermelho para que espalhem o caos e o terror nas ruas das nossas principais cidades.

O presidente que trata como amigos e protegidos os assassinos de seus concidadãos é traidor do seu povo e cúmplice de homicídio em massa. Se o eleitorado soubesse disso, jamais teria votado nele nem mesmo para vereador em Garanhuns. Mas, justamente por ser o que é, o Foro de São Paulo tem colaboradores por toda parte, empenhados em fazê-lo ascender do mero poder descomunal ao poder absoluto. Muitos empresários de mídia e seus iluminados chefes de redação ajudaram alegremente a criar o monstro que agora ameaça estrangulá-los. Montaram em benefício dele a maior e mais duradoura operação-abafa já registrada na história do jornalismo mundial – um fenômeno comparável, em gravidade e abjeção, à existência mesma do Foro de São Paulo.

Há 17 anos a mídia nacional vive de um imenso blefe, jogando o peso da sua autoridade residual (não muito grande, é verdade) contra a massa dos fatos e documentos que a desmentem. Transfigurando a sátira em realidade, lança diariamente ao rosto de cada brasileiro o desafio de Groucho Marx: “Afinal, você vai acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?”. Acovardado e trouxa, o cidadão escolhe repetidamente a primeira alternativa.

Podemos perdoá-lo por isso, quando é um semiletrado com dificuldade de acesso às provas documentais – as atas do Foro, o discurso presidencial de 2 de julho de 2005 e, agora, o vídeo preparatório do 3º Congresso do PT. Mas que desculpa hão de arranjar, ante a História e ante suas próprias consciências – se alguma lhes resta – os jornalistas, políticos e empresários soi disant antipetistas? No máximo podem alegar uma razão psicologicamente plausível: o medo. Sabem que o perigo é maior do que eles próprios, maior até do que agüentam enxergar, portanto o que lhes resta é negar-lhe a existência, fazendo de suas próprias vidas uma farsa ignóbil e ajudando os comunistas a empurrar o país inteiro para o abismo do auto-engano e da loucura.

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