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Aí vem tudo de novo

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 4 de setembro de 2005

Em 11 de março de 2004, mais de um ano antes do escândalo do Mensalão, escrevi no Jornal da Tarde de São Paulo: “Se por um motivo qualquer o PT cair em total descrédito e não tiver mais condições de governar, entrará em ação o Plano B: suicidar o governo alegando que falhou porque estava muito ‘à direita’ e aproveitar-se da oportunidade para acelerar a transformação revolucionária do país, seja radicalizando a política oficial, seja reciclando o partido dominante por meio de expurgos e autocríticas, seja transferindo sua militância para outra e mais agressiva organização de esquerda.”

Porém muito antes disso, por volta de 1993, quando a elite petista brilhava nas CPIs, encurralando os adversários sob imputações criminais temíveis sem lhes dar nem mesmo o tempo de responder, escrevi e repeti dezenas de vezes que tudo aquilo não era senão a tradicional camuflagem leninista dos crimes incalculavelmente maiores que os próprios acusadores já estavam preparando ou cometendo naquele mesmo momento.

Não disse nada disso por adivinhação. Estudei a psicologia esquerdista ao longo de toda a minha vida adulta, para me livrar das obsessões que a freqüentação dessa gente havia incutido na minha mente juvenil, e tudo o que escrevo a respeito é baseado em deduções tiradas de precedentes históricos abundantes, bem como dos princípios estratégicos que os produziram.

Nas duas ocasiões, ninguém quis me ouvir. Até intelectuais soi disant liberais riam do que chamavam de minha paranóia antipetista. No Brasil é assim: as pessoas julgam tudo pela impressão de verossimilhança, ditada pela onda do momento, e não por estudo sério do assunto. E, quando descobrem que erraram, inventam logo explicações anestésicas para se iludir de que são mais inteligentes do que quem acertou. Para usar os termos do dr. Freud, sua mente é conduzida pelo princípio do prazer e não pelo princípio de realidade. Querem sentir-se bem, e não entender o que acontece. Querem imaginar-se normais enquanto vivem de fantasias, e por isto tapam olhos e ouvidos ante a extravagância das situações. Não percebem o quanto é doente a sua simulação de normalidade.

Tenho a certeza de que, mesmo depois de tudo o que aconteceu, os “formadores de opinião” deste país não vão querer me ouvir sobre o capítulo seguinte da história, que eles mesmos estão ajudando a escrever. Esse capítulo está planejado para ser a repetição exata do anterior, apenas com o PT trocado pelo P-SOL e o Sr. Lula pela Sra. Heloísa Helena, a nova encarnação da santidade comunista.

Lembro aos distintos – em vão, reconheço de novo – que essa senhora jamais protestou contra a aliança PT-Farc, contra a presença de narcoguerrilheiros armados treinando bandidos nos morros cariocas, contra a ocultação geral da existência do Foro de São Paulo, contra a bandalheira sangrenta de Hugo Chávez na Venezuela, contra a opressão contínua do povo cubano pela polícia secreta mais assassina e torturadora da América Latina – contra nenhuma das condições estratégicas que, no plano continental, prepararam a montagem discreta e eficiente da máquina criminosa do PT.

Bem ao contrário, a moralidade do seu partido pode ser avaliada pela acolhida respeitosa que dá a um notório assassino de crianças, o sr. Achille Lollo, terrorista italiano que ateou fogo à casa de um inimigo político, matando queimados os dois filhos do infeliz. Condenado pela justiça da Itália, o sr. Lollo andou foragido por muito tempo e reapareceu no Brasil, onde permanece sob a proteção do governo petista. O sr. Lollo é um dos principais teóricos e mentores do P-SOL — e o P-SOL é, exatamente como o PT, membro ativo do Foro de São Paulo, colaborador da estratégia continental de Fidel Castro e Hugo Chavez, parceiro portanto das Farc e do MIR chileno. Não é preciso dizer mais nada.

Transferir para o partido da Sra. Heloísa Helena o manto de idoneidade fingida que escorregou dos ombros do PT é cair de novo no mesmo engodo, com a obstinação duplamente culpada de quem, tendo negado a verdade uma vez, se crê por isso mesmo autorizado a negá-la de novo e de novo e de novo, até à crise final num paroxismo de loucura.

Retidão à brasileira

Olavo de Carvalho


Zero Hora, 22 de agosto de 2004

Longe de mim chamar de incoerentes as pessoas maravilhosas que assinaram o manifesto em favor de Hugo Chávez e, uma semana depois, aparecem posando de baluartes da liberdade de imprensa, gritando horrorizadas ante a ameaça de introdução do chavismo no Brasil.

Incoerência só pode haver em homens de idéias, cuja unidade de consciência se manifesta no plano do discurso. A chave da congruência vital daquelas criaturas encontra-se mais em baixo: é a linha perfeitamente contínua de uma “carreira”, que, sob as contradições aparentes do discurso, segue incansavelmente a busca de seus objetivos profissionais, sociais e financeiros por todos os meios disponíveis, adaptando-se às ondulações das circunstâncias sem perder o fio da meada, o equivalente dialético e brasileiro da retidão.

Assinaram aquela porcaria só porque sabem que sem essas genuflexões rituais ninguém neste país pode aspirar a ser alguém nas artes, nas letras ou no jornalismo.

Já era assim no tempo da ditadura. Só a fantasia de adolescentes, amputada do conhecimento do passado histórico por uma devotada geração de castradores pedagógicos, pode imaginar que naquela época a hegemonia cultural tenha cedido, ou mudado de mãos. Mesmo os generais-presidentes não se furtavam às reverências de praxe ante o esquerdismo chique. Sem isso, em vão esmolariam um olhar de afeição das grandes damas da mídia e do show business . Nada me tira da cabeça que foi o desejo secreto de ser amado por essa gente que impeliu Geisel a dar a Fidel Castro o dinheiro e a ajuda técnica para invadir Angola. De Paris, Glauber Rocha acenava para o general com a tentadora oferta de fazer dele um ídolo das esquerdas. Falhou, e o próprio Glauber terminou abandonado pela patota. Mas, nesse ínterim, quinze mil angolanos morreram vítimas de um flerte.

***

Também não há incoerência no epíteto de “covardes” lançado pelo presidente da República contra os jornalistas mal ajustados ao sistema. Ele fala como se, em vez de resistir à sua política, eles estivessem ansiosos para obedecê-la, só lhes faltando para isso a ousadia de dizer adeus à última aparência de escrúpulos. Ele não se dirige a eles como a adversários, mas a empregados recalcitrantes. Quem ousará negar que, estatisticamente ao menos, ele está certo? A classe jornalística não votou maciçamente nele? Não abdicou da alma e da consciência para embelezar sua imagem eleitoral, ocultando as ligações políticas dele com as Farc, cuja divulgação teria abortado sua candidatura? Não encobriu de silêncio a perseguição movida pelo governo do sr. Olívio Dutra contra três dezenas de jornalistas gaúchos? Não colaborou tão prestativamente, nas CPIs, para dar ao partido presidencial o monopólio do acusar, do investigar e do punir, colando em todos os seus adversários o rótulo de criminosos virtuais e varrendo-os do caminho para assegurar ao queridinho das classes falantes a chegada triunfal ao objetivo sonhado? Então por que, de repente, essa hesitação, essa teimosia, essa frescura? Em vez de acusá-los de traição, palavra pesada demais, o presidente deu à conduta paradoxal de seus servidores a mais generosa das explicações.

Observo, apenas, que ela não se aplica àqueles que desde o início se recusaram a fazer o servicinho sujo. Para esses, é melhor o presidente catar outro adjetivo no depósito da língua-de-pau petista. Chame-nos de aberrações, de fascistas, de lacaios do imperialismo, do que quiser. De covardes, não. Na escala da coragem, sr. presidente, o senhor não tem cacife para nos julgar. O senhor jamais correu um risco sem contar com o respaldo de um movimento de massas, de “companheiros de viagem” milionários e da mídia internacional. Nunca esteve sozinho, isolado, sem partido, sem alianças, sem dinheiro, cercado do ódio de milhares de cães hidrófobos. Os únicos perigos reais que o senhor já enfrentou sem ajuda foram um torno mecânico e uma banheira de hidromassagem aérea. Não queremos suas lições de valentia.

Uma notícia e um lembrete

Olavo de Carvalho

O Globo, 04 de janeiro de 2003

Em nenhum outro ponto do universo os fios da teia revolucionária mundial aparecem hoje com tanta nitidez quanto na América Latina. Mas são visíveis somente para os observadores que tenham a iniciativa de pesquisar por si mesmos, usando os recursos que a internet põe à sua disposição.

A notícia mais reveladora dos últimos tempos, sob esse aspecto, está ausente da mídia brasileira: Hugo Chávez enviou ajuda de um milhão de dólares à Al-Qaeda poucos dias depois do 11 de setembro de 2001.

A informação vem da fonte mais direta que se poderia exigir: o próprio agente encarregado da operação, Juan Diaz Castillo, major da Força Aérea venezuelana e, na época, piloto do avião presidencial de Hugo Chávez.

A confissão detalhada está em http://www.militaresdemocraticos.com/en/. Não posso reproduzi-la por inteiro neste breve espaço, fruto da generosa coragem da diretoria de O Globo, do qual tenho o dever de aproveitar cada centímetro para contrabalançar, na pobre medida de minhas forças, o milionário e quase onipotente sistema nacional de desinformação. Não lhes peço, leitores, que creiam em mim. Confiram. Tirem suas dúvidas escrevendo pessoalmente a Castillo, aguila@MilitaresDemocraticos.com.

O site é dos militares venezuelanos de oposição. Lá vocês ficarão sabendo também que Chavez fornece armas às Farc e entregou a terroristas islâmicos e agentes da DGI (polícia secreta cubana) postos decisivos no esquema montado para sufocar a greve que ameaça derrubá-lo.

Castillo, que admite ter sido leal a Chavez durante algum tempo, chegou esta semana aos EUA, exilado, depois de escapar de um atentado contra sua vida em 21 de dezembro.

A prepotência dos jornalistas de esquerda considera lícito sonegar a vocês notícias dessa envergadura, para eternizá-los na rósea ilusão eleitoral de um momento de insensatez coletiva.

Mas não é só por esse lado que a ilusão, já na estréia do novo governo, começa a se desfazer em cacos. A nomeação do sr. Luiz Eduardo Soares para a Secretaria Nacional de Segurança Pública basta para mostrar qual o tipo de “combate à criminalidade” que se pode esperar das autoridades federais nos próximos anos.

Se vocês não conhecem o sr. Soares, não sabem o que estão perdendo.

Intelectualmente, como demonstrei em O Imbecil Coletivo II, é um homem que finge erudição citando autores que não leu e cola rotulações ideológicas em pessoas das quais ignora tudo. É o típico semi-intelectual latino americano, uma cabeça tão vazia de cultura genuína quanto repleta de chavões insultuosos que lhe parecem ser “categorias de pensamento”. Ninguém mais representativo, pois, da mentalidade do novo governo.

Moralmente, ele é mais interessante ainda. Se vocês não lembram, ele é aquele mesmo subsecretário da Segurança carioca que, sabendo do paradeiro de Marcinho VP, traficante e assassino procurado pela polícia, e sabendo que o bandido estava foragido com respaldo financeiro do cineasta João Moreira Sales, ocultou às autoridades ambas essas informações.

Ele não explicou por que fez isso. Demitido pelo governador Anthony Garotinho, limitou-se a sair atirando, espalhando recriminações contra a “Banda Podre” — como se uma podridão justificasse outra — e a viajar para os EUA, onde, numa daquelas universidades superlotadas de amigos do terrorismo internacional, foi brilhar como herói de uma causa que, na sua imaginação, é de uma nobreza sem par.

Quem, em contraste com o silêncio do sr. Soares, acabou dando o serviço, foi João Moreira Sales. Marcinho VP, disse ele na época, merecia ajuda porque queria ir para o México dedicar-se ao respeitabilíssimo propósito de treinar guerrilha com a Frente Zapatista — e, segundo a polícia revelou depois, foi mesmo.

A análogo pretexto recorreram os membros da elite esquerdista que protegeram os seqüestradores de Abílio Diniz. Tão logo vazou o segredo de que estes eram agentes armados do Partido Comunista chileno, aquelas pessoas maravilhosas trataram de camuflar a ligação comprometadora, ostentando repentino desprezo a seus protegidos da véspera sob a alegação de que eram bandidos comuns, infiéis ao Partido, que não mataram e seqüestravam por uma causa mas por dinheiro. Camuflagem às avessas, que revelava a intenção de impor ao público, acima do respeito às leis, uma nova escala de valores na qual a gravidade do crime contasse menos que a ideologia de seus beneficiários.

Mas, se essa mesma “moral” foi a justificativa íntima com que João Moreira Sales legitimou a ocultação de um criminoso, que outra alegação haveria para justificar, aos olhos do sr. Soares, a ocultação da ocultação?

Só há três hipóteses. Primeira, descaso e comodismo: o sr. Soares achou que o caso não era da sua conta. Segunda, algum motivo egoísta: dinheiro, troca de favores. Terceira, uma opção ideológica: o sr. Soares julgou que a transformação de um delinqüente comum em terrorista e guerrilheiro era alto empreendimento moral ao qual deveria prestar seu apoio.

O sr. Soares consideraria as duas primeiras hipóteses abomináveis. Homem fino, metido a intelectual, jamais cairia na esparrela de proteger um “bandido comum”, desprezível desde o ponto de vista revolucionário. O que ele talvez ache merecedor de proteção é o bandido doutrinado, treinado e armado para matar a serviço de uma causa política que é a dele. Coincidentemente, a mesma do Exército Zapatista, de Hugo Chávez, de Fidel Castro e das Farc.

A presença do sr. Soares na Secretaria Nacional de Segurança Pública é pois uma promessa de que os bons dias da criminalidade vulgar estão contados: lugar de bandido sem ideologia é na cadeia. O dos outros, não ouso perguntar. O México, talvez? Não acredito. Quem iria tão longe, podendo adestrar-se aqui mesmo, com os especialistas das Farc contratados para aprimorar o nível técnico da violência nos morros cariocas?

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