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O preço da verdade

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 21 de janeiro de 2015

Todo mundo tem algum senso instintivo do que é normal e são, mas não sabe expressá-lo em palavras, nem usualmente é desafiado a fazê-lo. O desafio aparece quando, em épocas de crise, sentindo afrouxar-se os freios do costume e da autoridade, os interessados na promoção de alguma anormalidade específica – a sua própria ou a do seu grupo de referência — se erguem dos bas-fonds da sociedade e partem para o ataque frontal à própria noção de normalidade e sanidade. O defensor dos antigos costumes encontra-se então numa posição de extrema desvantagem: como experiências tão abrangentes e duradouras não se deixam facilmente traduzir em conceitos, ele se apega a definições nominais e símbolos corriqueiros que a crítica corrosiva destrói com a maior facilidade. É que, não contando com a proteção do costume e do senso comum, o militante da causa mórbida entra em campo armado dos mais sofisticados instrumentos da dialética — o que hoje em dia corresponde ao relativismo cultural e ao desconstrucionismo –, comparados aos quais o discurso do seu oponente assume a aparência grotesca de um mero apelo irracional ao argumento de autoridade e à força do conformismo banal. Eis aí, num instante, o anormal e o doentio elevados à condição de valores culturais respeitáveis, e a sanidade reduzida ao estatuto de “construção cultural” e de “preconceito”.

Comprova-se assim novamente, pela milésima vez, a lição do Eutífron de Platão, segundo a qual aqueles que estão do lado certo só por tradição e hábito, sem revigorar suas crenças pela busca ativa da verdade, se tornam presas fáceis e colaboradores inconscientes do mal.

Acontece que a busca ativa da verdade exige uma exposição profilática à experiência do erro, algo como uma vacina ou auto-intoxicação homeopática, experiência que não é sem riscos e da qual a inteligência preguiçosa, que é a da maior parte da espécie humana, foge como quem evita o contágio de uma lepra incurável.

O simples fato de que não exista erro absoluto, de que mesmo as hipóteses mais rebuscadas e antinaturais contenham uma parcela de verdade, é profundamente repugnante àquele que espera poder ter razão sem ter de pensar no assunto, ou instalar-se no reconforto da certeza sem ter de pagar o preço da dúvida. Nem sempre os valores em que ele acredita são meros preconceitos, mas é por mero preconceito que ele acredita neles. Assim, a maioria tende irresistivelmente a imitar o velho anfitrião do diálogo platônico, que, entediado e confuso ante o debate dos convivas mais jovens empenhados na busca da verdade, vai dormir.

Contribui ainda mais para isso este segundo fator: para tirar proveito dos erros, apreendendo a sua verdade parcial e integrando-a numa verdade mais abrangente, não basta conhecê-los intelectualmente, é preciso vivenciá-los em imaginação, senti-los, impregnar-se deles pessoalmente sem assumi-los por completo, como o ator que se identifica temporariamente com o personagem sem precisar transformar-se nele na vida real.

É uma operação imaginativa das mais difíceis e problemáticas, que constitui, no entanto, a essência da educação humanística, a conditio sine qua non de todo ingresso no mundo da cultura superior. Em geral, e excetuadas certas situações incomuns que não vêm ao caso, ela só pode ser realizada sob o guiamento de um professor experimentado, que passou por todos os erros e, em vez de ser devorado por eles, emergiu fortalecido. Os Diálogos de Platão dão-nos o exemplo do destemor, da naturalidade, da abertura de alma, quase da singeleza com que Sócrates aceita e toma como suas as hipóteses mais hostis e aberrantes, para apreendê-las em profundidade e superá-las. Mas os Diálogos são apenas simplificações teatrais: resumem num debate de poucas horas aquilo que, na realidade, é uma experiência que pode se prolongar por muitos anos e comprometer a alma em situações bem mais difíceis do que um mero duelo de razões. Só as mentalidades superficiais imaginam que tudo na esfera da inteligência é uma questão de teorias, argumentos e provas. Se o conflito das cosmovisões não se transfigura em guerra de paixões dentro da nossa própria alma, não conhecemos realmente essas cosmovisões, só as suas expressões verbais, e tudo o que dissermos contra ou a favor delas não passará nunca de um flatus vocis, de uma filosofia de isopor. A filosofia genuína, como a educação efetiva, é, segundo o verso imortal, “um saber de experiência feito”.

No Brasil, onde se espera que aos dezoito anos o cidadão já tenha opinião formada sobre tudo, e onde a única função dos professores é recitar as opiniões tidas como corretas para que os alunos as repitam aos berros e apedrejem quem as negue, a educação superior, nesse sentido, é virtualmente impossível em qualquer instituição nominalmente destinada ao ensino.

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Não vi nenhum inconveniente em enviar estas notas ao Diário do Comércio antes da segunda parte da série “Um cadáver no poder”, que  prosseguirei na semana que vem.

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Eu havia prometido também completar a análise do caso Bolsonaro e explicar como podem os comunistas e seus amigos ser tão loucos ao ponto de acusar de estupro, sem apontar uma única vítima, justamente o algoz mais severo de todos os estupradores. Prometi, mas não é preciso um artigo inteiro para isso. Posso resumir a explicação em poucas linhas.

Os comunistas inventaram o uso do estupro como arma de guerra psicológica, ao invadir a Alemanha (leiam Antony Beevor, Berlin: The Downfall 1945, Penguin Books, 2002), cultuaram como heróis e gurus máximos pelo menos três estupradores, Stálin, Mao Dzedong e Fidel Castro (sobre este último, v. http://cuban-exile.com/doc_326-350/doc0343.html ehttp://www.christusrex.org/www2/fcf/exwife.html), e ainda recentemente, no Brasil, produziram um manifesto em favor de Kim Jung-Un, que instituiu o estupro como sistema, nas cadeias do seu país, para o tratamento e “reeducação” de prisioneiros políticos.

Ninguém, no mundo, carrega mais culpa pelo fenômeno hediondo dos estupros em massa do que os comunistas. Eles sabem disso, mas não querem pensar no assunto. Reprimem a culpa. Rejeitam-na para o fundo do inconsciente, de onde, em momentos de tensão, ela emerge sob forma invertida, camuflada de acusações projetivas, como já explicava o dr. Freud.

Poucas coisas, no universo, são tão sujas quanto a mente de um comunista. Qualquer comunista.

A consciência da consciência

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 05 de maio de 2008

Embora estes artigos venham repletos de análises de situações políticas concretas, raramente reproduzo neles algo dos fundamentos de filosofia política e filosofia geral que transmito nos meus cursos. O resultado é que as análises ficam boiando no ar como balões sem dono, soltas do fio que as amarra ao solo comum. Vou aqui remediar isso um pouco, explicando um – apenas um – daqueles fundamentos.

O fato de que nas ciências ditas humanas o sujeito e o objeto do conhecimento sejam o mesmo foi muitas vezes lamentado como causa de distorções subjetivistas incompatíveis com as pretensões do rigor científico.

No esforço de eliminar essas distorções, muitos estudiosos tentaram constituir aquele objeto como entidade do mundo exterior, à maneira dos fatos da natureza, neutralizando o viés subjetivo do observador. Acontece que aquela coincidência de sujeito e objeto é a verdadeira e efetiva situação de conhecimento nas ciências humanas, e não vejo por que fugir a essa situação mediante analogias com modelos colhidos de outras ciências deva ser mais útil e proveitoso do que tomá-la inteiramente a sério desde o início como um dado incontornável da realidade.

Toda tentativa de constituir o objeto “homem” como coisa externa – e, pior ainda, de recortá-lo do seu fundo concreto mediante a seleção de seus aspectos matematizáveis, com  exclusão do resto – só pode resultar na produção de uma analogia, de uma figura de linguagem, de um símile poético. Estudos assim orientados podem criar interessantes metáforas, mas não ciência propriamente dita. Pode-se comparar o homem com formigas, com ratos de laboratório, com programas de computador, ou, como o faz o dr. Freud, com um sistema de pressões hidráulicas. Tudo isso é muito sugestivo, mas, como o número de símiles é ilimitado por definição, o conjunto não tem como deixar de ser totalmente inconclusivo, como inconclusiva é a leitura das obras-primas da literatura universal.

A coincidência de sujeito e objeto é, ao contrário, uma posição privilegiada que deve ser assumida desde o início como premissa e norma orientadora em todo o campo das ciências humanas. A técnica para o estudo de um objeto assim definido, aliás, já existe há milênios e é um dos mais aprimorados instrumentos cognitivos ao alcance do ser humano. Ela chama-se “meditação” e não deve ser confundida com nada daquelas esquisitices que as seitas pseudo-orientais colocaram em circulação sob esse nome. Hugo de S. Victor explicava que pensar é transitar de uma idéia à outra (seja vagando pela floresta das analogias, seja subindo ou descendo na escala das proposições, do geral para o particular e vice-versa). Meditar, ao contrário é retroceder metodicamente desde um pensamento até seu fundamento ou raiz na experiência que o tornou possível. Modelos clássicos de meditação são as investigações sobre a natureza do “eu” empreendidas nas Confissões de Santo Agostinho, no Vedanta , no livro de Filosofia Primeira de René Descates, na fenomenologia de Husserl, em inumeráveis trechos de Louis Lavelle ou na Anamnesis de Eric Voegelin.

Repassar essas descrições célebres já seria matéria para um curso inteiro. Esquematicamente, a pergunta central é: “A quem propriamente você se refere quando usa a palavra ‘eu’ na vida de todos os dias?” O percurso da resposta vai de uma mera idéia ou convenção verbal até a experiência de uma realidade ao mesmo tempo imediata e profunda que essa palavra encobre e revela simultaneamente.

O eu – não o eu filosófico, abstrato, sujeito hipotético das demonstrações metafísicas, mas o eu concreto, real — não é o corpo, não é as sensações, não é as emoções, não é os pensamentos. Também não é a pura memória, mas é a memória da memória, a memória que se lembra de ter lembrado e responde perante os outros e perante si mesma como autora e portadora única de seus próprios conteúdos. “Consciência”, definia Maurice Pradines, “é uma memória do passado preparada para os desafios do presente”. O “eu” é aquele que responde por aquilo que sabe, e, mais ainda, por aquilo que ele sabe que sabe . O mais elevado autoconhecimento não consiste senão na admissão de um saber prévio assumido responsavelmente.

Mas esse eu não existe somente nas alturas da meditação filosófica. É ele que responde pelas cobranças do mundo em torno nas tarefas e lazeres cotidianos. O eu que responde – o eu responsável – é a realidade humana mais direta, universal e permanente. Mesmo culturas que não chegaram a ter uma noção clara da individualidade psíquica já sabiam disso, como o prova o fato de que em todas elas quem é chamado a responder por seus atos é o autor deles, não um terceiro. Não há sociedade, por mais primitiva, onde as noções de autoria, culpa e mérito não estejam perfeitamente identificadas entre si.

O eu não poderia ser criado por incorporação de papéis sociais se já não estivesse prefigurado, por um lado, na individualidade física e, por outro, na memória da memória – a recordação de estados interiores revividos na pura intimidade do indivíduo consigo mesmo.

O eu responsável – a consciência da consciência – não existe como coisa nem como estado: existe apenas como tensão permanente em direção a mais consciência, mais responsabilidade, mais abrangência e maior integração. A consciência cresce na medida em que se reconhece, e não pode reconhecer-se senão abrindo-se permanentemente a conhecimentos que transcendem o seu patrimônio anterior. A abertura para a transcendência – para aquilo que está para além do horizonte atual de experiência – é portanto um dado permanente da estrutura da consciência. Suprimi-la é falsear na base a situação de conhecimento.

A consciência responsável é a verdadeira situação do ser humano no mundo. Observa-se isto nas interações mais simples, onde aquele que fala sempre espera que o outro o compreenda: não apenas que apreenda o sentido de uma frase, mas que adivinhe uma intenção e por trás dela capte a presença de um eu consciente semelhante ao seu. O contrário seria falar com as paredes.

O eu responsável é um dos fundamentos primários da sociedade humana. Ele é a origem de todas as idéias, criações, instituições, leis, hábitos, estruturas. Tudo o que, na sociedade, não possa ser rastreado até sua origem no eu consciente assume a aparência de coisa externa vinda ao mundo por pura magia espontânea. É o coeficiente de fantasmagoria que resta em toda sociedade por efeito da alienação e da perda de memória. Que muitos estudiosos da sociedade prefiram concentrar nesse resíduo coisificado as suas atenções, eludindo a incomodidade de uma autoconsciência exigente, cujas demandas no entanto podem continuar atendendo enquanto cidadãos comuns fora das horas de expediente, mostra que aquilo que leva o nome honroso de “ciência” é muitas vezes nada mais que uma forma elegante de fuga da realidade.

Conseqüências mais que previsíveis

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 04 de junho 2007

Como não cabe ao analista político dizer às pessoas o que devem ou não devem fazer nas suas vidas privadas, nunca escrevi uma linha a favor ou contra as práticas homossexuais ou qualquer outra conduta erótica existente ou por inventar. Escrevi, sim, contra o movimento gay como fórmula ideológica e projeto de poder. Isso bastou para que eu fosse rotulado de “homofóbico” vezes sem conta. Conclusão: se estivesse em vigor a lei maldita que o nosso Parlamento quer aprovar, eu iria para a cadeia por conta de opiniões políticas.

Na verdade a lista de atitudes humanas puníveis como “homofóbicas” é bem variada. Ela abrange:

1. Citações da Bíblia ou de livros sagrados de qualquer religião que façam objeções morais ao homossexualismo.

2. Opiniões médicas, psiquiátricas e psicoterapêuticas que ponham em dúvida, de maneira mais ou menos explícita, a sanidade da conduta homossexual. Isso inclui obras clássicas de Freud, Adler, Szondi, Frankl e Jung, entre outros.

3. Manifestações pessoais de repulsa física ante o homossexualismo, emoção tão espontânea e irreprimível quanto o próprio desejo homossexual. (Inversa e complementarmente, a repulsa do homossexual pela sexualidade hetero, ou até por variantes homossexuais que não coincidam com a sua, como por exemplo a repulsa dos gays machões pelos travestis e transexuais, não apenas será considerada lícita mas estará sob a proteção da lei, condenando-se como “homofóbica” toda objeção que se lhe apresente ou, mais ainda, toda tentativa de reprimi-la. Ou seja: o direito à repulsa sexual será monopólio exclusivo da comunidade gay.)

4. Expressões verbais populares, de uso espontâneo e irreprimível, consideradas depreciativas e anti-homossexuais.

5. Piadas e gracejos que mostrem a conduta homossexual sob um ângulo risível.

6. Opiniões políticas contrárias aos interesses do movimento gay, que já são e serão cada vez mais necessariamente interpretadas como adversas aos direitos da comunidade homossexual.

7. Análises sociológicas, históricas ou estatísticas que ponham em evidência qualquer conduta negativa da comunidade gay. Essas análises já estão praticamente excluídas do universo cultural decente. A lei vai proibi-las por completo.

8. Qualquer resistência que um pai ou mãe de família oponha à doutrinação homossexual de seus filhos nas escolas ou à participação deles em grupos e entidades homossexuais.

9. Qualquer tentativa de impedir ou reprimir, por atos ou palavras, as expressões públicas de erotismo gay, discretas ou ostensivas, moderadas ou extremas, mesmo diante de crianças ou em lugares consagrados ao culto religioso.

10. Qualquer observação casual, feita no escritório, na rua ou mesmo em casa (se houver testemunhas) que possa ser considerada desairosa aos homossexuais ou ao movimento gay. Isso inclui a simples expressão de satisfação que um cidadão possa ter por ser heterossexual.

A lei, enfim, criminaliza e pune com pena de prisão inumeráveis condutas consideradas normais, legítimas, aceitáveis e até meritórias pela quase totalidade da população brasileira. E não pensem que ficará no papel. Neste momento já estão sendo organizados grupos de olheiros – espalhados primeiro nas escolas, depois em toda parte – para vigiar, delatar e punir os dez tipos de conduta acima assinalados.

As conseqüências mais que previsíveis da aprovação dessa lei são tão portentosas e ilimitadas que a maioria dos cidadãos tem dificuldade de concebê-las, limitando-se a apreender por alto suas aparências mais superficiais e patentes, se não a tratar o assunto com leviana indiferença. Mas essas conseqüências podem ser resumidas da seguinte maneira: Com um só golpe de caneta, um grupo militante organizadíssimo, fartamente subsidiado do Exterior, associado aos partidos de esquerda e agindo em consonância com a estratégia geral que os orienta, terá conquistado uma quantidade de poder policial discricionário tão vasta e ameaçadora quanto se poderia obter mediante um golpe de Estado ou uma revolução. Dotado do aparato jurídico necessário para aterrorizar toda oposição, reduzi-la a um silêncio humilhante, marginalizá-la e torná-la socialmente inoperante, esse grupo terá se tornado, nas mãos da aliança esquerdista que nos governa, mais um poderoso instrumento de controle social e político somando-se à polícia fiscal, à ocupação do território pelos “movimentos sociais”, ao domínio hegemônico sobre as instituições de cultura e ensino, às campanhas policiais soi disant moralizantes que só atingem sempre os desafetos da esquerda ou bandos criminosos menores, politicamente inócuos, jamais os agentes das Farc, os verdadeiros grão-senhores do crime no continente, cada vez mais ostensivamente protegidos pelo establishment petista.

Na verdade, o movimento gay não precisou esperar pela aprovação da lei para fazer sentir o peso das suas ambições policialescas sobre os que ousaram contestar sua pretensa autoridade. O assédio judicial a D. Eugênio de Araújo Sales (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/040724globo.htm ), os esforços de gayzistas e simpatizantes para destruir a carreira, a família e até a alma do escritor Júlio Severo, a repetição do mesmo procedimento contra o pastor catarinense Ademir Kreuzfeld (v. http://www.juliosevero.blogspot.com/ ), mostram que não faltam armas à elite gay para perseguir, amedrontar e marginalizar seus adversários, quanto mais para defender-se dos perigos imaginários que a ameaçam. A nova lei é material bélico excedente, só utilizável em eventuais demonstrações de força perfeitamente supérfluas.

Que tão avassaladora ascensão do autoritarismo seja necessária para proteger os pobrezinhos homossexuais contra piadas, gracejos e citações da Bíblia é um argumento tão risível que somente um idiota completo ou um mentiroso desavergonhado poderia fazer uso dele num debate sério.

Pior ainda é a alegação de violência contra os homossexuais. Já expliquei o que o simples uso do termo “homofóbico” contra os adversários do movimento gay tem de maquiavélico, de perverso, de criminoso ( http://www.olavodecarvalho.org/semana/070523dce.html ). Mas ao delito semântico acrescenta-se ainda a perversão aritmética. Entre os cinqüenta mil brasileiros assassinados anualmente, o movimento gay não tem conseguido apontar mais de dez ou doze indivíduos que o teriam sido – se é que o foram – por motivos “homofóbicos”. Pretender que a fúria anti-homossexual seja um fato social alarmante e epidêmico, necessitado de legislação especial e drástica, é nada mais que uma farsa cínica, um estelionato parlamentar que, houvesse na política brasileira um pingo de racionalidade e decência, custaria a seus autores a perda do mandato por falta de decoro, por uso indevido do Congresso como instrumento para servir a ambições grupais injustificáveis.

Muito maior que o número de vítimas fatais da “homofobia” é o de homossexuais assassinos, um fato óbvio que a mídia esconde sistematicamente, reforçando o engodo legislativo com a fraude jornalística. E digo que é óbvio por um motivo ainda mais óbvio. Não sendo racionalmente aceitável que a porcentagem de homossexuais seja muito diferente entre os criminosos e a população honesta, a alegação usual do movimento gay de que esta última quota é de cinco a dez por cento nos levaria necessariamente a alguns milhares de homossexuais assassinos, sem contar os homossexuais ladrões, os homossexuais traficantes e, evidentemente, os homossexuais chantagistas parlamentares.

Mas nem esse cálculo seria preciso para desmascarar a fachada protetiva com que a lei se apresenta. Um dos traços mais salientes do movimento gay é seu esforço de combater a discriminação onde ela não existe e de ignorá-la por completo onde existe. No Irã o homossexualismo é punido com a pena de morte. Vocês já viram a liderança gay organizar um protesto internacional contra isso? Ao contrário, ela se alia às demais forças de esquerda para defender a ditadura dos aiatolás contra o “imperialismo ianque”. Em Cuba os homossexuais e travestis são considerados casos de polícia, e quando pegam Aids são isolados para sempre da sociedade. A elite gayzista não apenas se abstém de protestar contra esse tratamento desumano, mas também não quer que ninguém proteste. Recentemente, um documentário sobre a condição humilhante dos homossexuais em Cuba foi excluído de um festival em Nova York – por exigência da militância gay .

Em compensação, nos EUA e na Europa ocidental, onde os gays têm um lugar privilegiado na sociedade e a prática do homossexualismo é uma tradição elegante entre o beautiful people pelo menos desde a década de 20 do século passado, o clamor por legislações que criminalizem toda crítica à conduta homossexual vem num tom de quem advogasse medidas de emergência para salvar a comunidade gay de um genocídio iminente.

No Brasil — uma das sociedades mais permissivas do planeta, onde homossexuais declarados ocupam cadeiras no Parlamento sob aplausos gerais, onde as vovós assistem a shows de travestis na TV junto com seus netinhos e onde um espetáculo público de carícias lésbicas entre a esposa de um governador e a de um ministro não suscita o menor escândalo na mídia –, a gritaria “anti-homofóbica” dá a impressão de que os homossexuais estão sendo abatidos a tiros, nas ruas, por um exército de talibãs cristãos.

Ao longo das últimas décadas, à medida que toda resistência moralista à conduta homossexual cedia lugar à compreensão generosa e à aceitação incondicional, as reivindicações do movimento gay no Ocidente vieram num crescendo, exigindo primeiro a equiparação moral de suas práticas com o casamento heterossexual, depois o ensino do homossexualismo nas escolas infantis, por fim as penas da lei para padres, pastores e rabinos que citem os versículos da Bíblia contrários ao homossexualismo.

O contraste entre discurso e realidade é patente: o movimento gay cresce em arrogância, virulência e pretensões ditatoriais à medida que a sociedade se torna mais tolerante, simpática e subserviente às exigências da comunidade homossexual. Quem diria que a inversão sexual, com tanta freqüência, viesse junto com a inversão mental?

Basta observar esse fenômeno para perceber imediatamente que a alegação característica do discurso gay , de proteger uma comunidade oprimida, é apenas uma camuflagem, um véu ideológico estendido por cima de objetivos bem diferentes, incomparavelmente mais ambiciosos.

Uma pista para a compreensão efetiva do fenômeno são os grupos de intelectuais, políticos e artistas homossexuais, tremendamente poderosos e influentes, que marcaram a história política e cultural do século XX com o culto da supremacia gay . Três deles são particularmente importantes: o círculo de Stefan George na Alemanha, o de André Gide na França e, na Inglaterra, a confraria dos “Apóstolos” de Cambridge. Em cada um dos três casos, a militância pública – sempre do lado errado, nazista ou comunista – encobria uma dimensão mais profunda e mais sinistra, de seita gnóstica empenhada em subjugar a humanidade comum a uma elite homossexual imbuída de um senso de superioridade quase divina.

Voltarei ao assunto quando possível. Por enquanto, basta dizer o seguinte: o atual movimento gay é a materialização possante e assustadora de um projeto de revolução civilizacional que, a pretexto de proteger oprimidos, não hesita em entregá-los às feras quando isso convém à sua grande estratégia. Que esse projeto seja apenas um desenvolvimento específico dentro do quadro maior do movimento revolucionário mundial é algo tão óbvio que não necessita ser enfatizado. Mas, por absoluta incompreensão desse ponto, os adversários do movimento gay, quase sem exceção, têm cometido dois erros monstruosos.

Primeiro: Combatem, junto com o movimento, a homossexualidade em si. Politicamente , isso é loucura. O movimento gay existe há algumas décadas e só em alguns lugares do planeta; o homossexualismo existe por toda parte desde que o mundo é mundo. O primeiro pode ser derrotado; o segundo não pode ser eliminado. Condicionar a vitória sobre o movimento gay à erradicação do homossexualismo é adiar essa vitória para o Juízo Final.

Segundo: Procurando atenuar a má impressão de autoritarismo dogmático que essa atitude inevitavelmente suscita, apressam-se a declarar que respeitam os direitos dos gays e que desejam apenas preservar, lado a lado com eles, os direitos da consciência religiosa. Com isso, igualam o inigualável, negociam o inegociável, nivelam a liberdade de consciência a uma “opção sexual”, à preferência por determinado tipo de prazer erótico. Será preciso lembrar a esses cavalheiros que, privado de satisfação erótica, o ser humano sofre alguma incomodidade, mas, desprovido da liberdade de consciência, perde o último resquício de dignidade, o sentido da vida e a razão de existir?

Em suma: são intransigentes onde deveriam ceder, cedem onde deveriam ser intransigentes, inflexíveis e até intolerantes. Não há nada de mais em aceitar o homossexualismo como uma realidade social que não pode ser erradicada e que, se deve ser combatida, é com todos os cuidados necessários para não ferir e humilhar pessoas. Em contrapartida, tratar como igualmente nobres e respeitáveis o mais elevado princípio da moralidade e o simples direito legal de fazer determinadas coisas na cama é uma inversão hedionda da hierarquia lógica e moral, é uma desobediência acintosa ao Primeiro Mandamento, cuja implicação mais óbvia é o dever incondicional de colocar as primeiras coisas primeiro. Se os adversários do movimento gay querem a proteção de Deus na sua luta, deveriam começar por não ofendê-Lo dessa maneira.

Da minha parte, afirmo que defenderia por todos os meios ao meu alcance o direito que os homossexuais têm de que sua preferência sexual não lhes custe humilhações ou constrangimentos. Mas, tão logo uma dessas criaturas pretendesse igualar ou sobrepor esse direito à liberdade de consciência, da qual ele próprio não é senão uma decorrência lógica aliás bem remota e secundária, eu lhe responderia, na mais polida das hipóteses, com as seguintes palavras:

— Cale a boca, burro. Não me peça para respeitar um direito que você mesmo, embora talvez sem se dar conta, está pisoteando com quatro patas.

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