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Eleição no galinheiro

Olavo de Carvalho

Época, 17 de Março de 2001

Candidato preferencial a chefe de segurança:
a raposa

“Primeiro o meu estômago, depois a vossa moral.”
(Bertolt Brecht)

Outro dia, meu colega Zuenir Ventura lembrava, com razão, que até a década de 90 a esquerda desprezava o combate à corrupção como “frescura pequeno-burguesa”. Sim, a moral nunca interessou muito a uma corrente política afeita a nivelar pragmaticamente a santidade e o crime, avaliando-os pelo critério exclusivo de sua utilidade maior ou menor para a causa da revolução. Esse critério, aliás, está resumido num poema de Brecht, repassado de geração em geração a deslumbrados militantes, segundo o qual a verdade e a mentira, o bem e o mal, o direito e o torto, Deus e o diabo – tudo para o esquerdista dá na mesma, só importando que possa ser usado para apressar a marcha em direção ao socialismo.

Por isso, só há duas explicações possíveis para a súbita epidemia de sensibilismo moral que então se apossou da esquerda: ou é um caso de milagre santificante, ou é apenas mais um engodo brechtiano. Só há um meio de saber: é o velho e infalível “Pelos frutos os conhecereis”. Os frutos, até o momento, são: o crescimento assustador da corrupção, o fortalecimento do banditismo armado agora erigido em força política revolucionária e, last but not least, a ruptura da aliança governamental. Tudo isso acompanhado, como se por mera coincidência, da ascensão política da esquerda. O próprio Brecht, a essa altura, admitiria que a moral às vezes enche barriga.

Quando começou a campanha pela “Ética na Política”, adverti que a coisa não tinha por objetivo moralizar o país, mas dar à esquerda o meio de jogar seus adversários uns contra os outros, neutralizá-los e tomar o poder no meio da confusão geral. Passados 11 anos, a corrupção só aumentou, obviamente, mas a operação desmanche da direita política alcança resultados cada vez mais promissores, dos quais a briga entre Antonio Carlos Magalhães e FHC é a mais linda amostra. Bem, quem mandou esses dois patetas embarcarem, por oportunismo e desejo de brilho fácil, na onda suicida do denuncismo, em vez de desmascararem o próprio neomoralismo como o truque imoral e perverso que era no início e é até agora?

O que me levava àquela conclusão, já em 1990, era a patente insinceridade de uma campanha moralizante que fomentava a criminalidade violenta ao mesmo tempo que concentrava no ódio à “classe dominante” o sentimento de indignação popular, pervertendo assim toda a escala de valores e transformando o aparato investigativo do Estado numa máquina de destruir lideranças e fazer revolução. Na hora em que aliados do narcotráfico colombiano – a mais vasta e cruel organização criminal já registrada na história do continente – são publicamente aceitos como guardiões da moral, enquanto suspeitos de delitos incruentos são expostos à execração como monstros e centenas de reputações vão caindo umas após as outras como pinos de boliche, está claro que se trata de uma aplicação clássica e até banal do velho preceito leninista: “Fomentar a corrupção e denunciá-la”. Como neste país ninguém mais conhece a estratégia leninista, exceto os que a praticam, a operação é executada com a facilidade com que vigaristas tarimbados fariam de trouxa um bando de caipiras, com a solícita colaboração de vítimas incapazes de captar a ligação de causas e efeitos.

Mesmo a recente comprovação de que a guerrilha colombiana comanda o tráfico de drogas no próprio território brasileiro não mudará isso em nada. Os amigos da guerrilha, os padrinhos de seqüestradores, os ideólogos que ensinaram a teoria e a prática da revolução aos detentos dos 29 presídios amotinados continuarão envoltos da auréola de pureza que compete a seu estatuto de gurus da moralização nacional, enquanto o país, de olhos grudados em denuncinhas de Luizes Franciscos, oferece as costas, sonso e inerme, ao estuprador internacional que se aproxima para agarrá-lo. Parece impossível despertar o Brasil do torpor hipnótico que o imbeciliza. Com a aprovação unânime e entusiástica das galinhas, a raposa é reeleita diariamente chefe de segurança do galinheiro.

Mãos limpas e jogo sujo

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 7 de dezembro de 2000

A caça aos corruptos, reais e supostos, começou neste país por inspiração da “Operação Mãos Limpas” da Itália. O exemplo italiano ainda entusiasma muitos brasileiros bons, arrebatados na esperança de que os métodos purgativos funcionem tão bem em política como em gastroenterologia.

E, como entre essas pessoas há políticos, empresários, oficiais militares e donos de jornais, a repercussão da idéia e de suas aplicações práticas tem entre nós a amplitude oceânica de um “tsunami”, devastando tudo o que encontra pela frente: a classe política, a confiabilidade das instituições, a governabilidade do país, a própria noção popular de certo e errado, que, bombardeada por uma apocalíptica sucessão de escândalos, já está completamente embaralhada.

Que de tamanho esforço saneador não resultasse nenhuma elevação do nível de moralidade nem entre os políticos nem entre o povo; que a década de mais feroz empenho moralizante de toda a nossa história fosse também a de maior crescimento do banditismo, da crueldade e da sem-vergonhice; que da destruição de lideranças suspeitas não resultasse senão a ascensão vertiginosa dos comunistas ao estatuto de virtuais governantes do País – nada disso é capaz de levar aquelas bem-intencionadas pessoas a tirar da experiência a conclusão que ela impõe: que há algo de intrinsecamente perverso e daninho no cerne mesmo do “combate à corrupção”.

Ao contrário: quanto mais deplorável é o resultado, mais devotamente se empenham na ação que o produz, redobrando a aposta a cada novo desastre, tudo sacrificando no altar de uma obsessão higienizante que está levando o doente para o ralo junto com o vômito. Quantos homens de sincera convicção liberal não se dispuseram mesmo, nas últimas eleições, a apoiar candidatos comunistas, por julgar que vigaristas, batedores de carteiras e ladrões de galinhas são mais perigosos para o país do que uma facção notoriamente aliada aos narcoguerrilheiros da Colômbia!

Assim, aqueles mesmos de quem dependeria a salvação do País são os primeiros a entregá-lo nas mãos de seus algozes, como um pai de família que, para manter os filhos a salvo de garotas sedutoras, os pusesse sob a guarda de um velho pedófilo.

É que nenhum deles tem a menor idéia da origem e da verdadeira natureza da “Operação Mãos Limpas” cujo exemplo tanto enleva seus corações. Nenhum sabe que ela foi um dos capítulos mais sórdidos da história da escroqueria universal. Se o soubessem, teriam uma idéia do futuro que estão ajudando a preparar para o Brasil.

Foi o seguinte. Dez anos atrás, certos documentos desviados da URSS, que a maioria dos jornais se recusava a divulgar sob o pretexto de não querer reacender a memória da guerra fria, começaram a despertar a atenção da imprensa italiana. Eles provavam que o Partido Comunista Italiano havia recebido pelo menos US$ 4 milhões da KGB. Tão logo a coisa começou a agitar os meios políticos, suscitando no Parlamento apelos a uma devassa fiscal, o vento repentinamente girou de direção. É que, seguindo a estratégia gramsciana da “longa marcha para dentro do aparelho de Estado”, o PCI fazia duas décadas que estava colocando gente sua nos altos postos do Poder Judiciário, discretamente, sem ruído, aguardando o momento de utilizá-la. As denúncias sobre as verbas da KGB deram o sinal de que a hora havia chegado.

Acossado pelo Poder Legislativo, o PCI recorreu a seus fiéis magistrados, os quais, sob os holofotes glamurizantes da mídia internacional, desencadearam uma portentosa caça às bruxas entre os políticos anticomunistas. Todos os partidos foram devassados… menos, naturalmente, o PCI. Ao mesmo tempo, este tratava de se desmembrar em dezenas de organizações, algumas assumindo o discurso róseo do pós-comunismo, com o efeito óbvio de inibir por chantagem psicológica as almas liberais – pois qual delas desejaria ser acusada de reavivar feridas do passado em ex-comunistas que mostravam tamanha boa vontade em “modernizar-se”?

Praticamente todas as lideranças anticomunistas foram desmoralizadas e destruídas. Hoje o PCI, disfarçado sob a multiplicidade de suas denominações e protegido sob a imagem de retidão imparcial da magistratura, domina o panorama político da Itália, virtualmente sem oponentes. Idênticas operações foram realizadas em vários outros países europeus, cujas agremiações de esquerda, todas elas abençoadas pelas verbas da KGB (só para a França foram US$ 40 milhões), se erguem hoje sobre os cadáveres políticos de seus adversários desacreditados, como Helmut Köhl, investigados por delitos menores para que a corrupção suprema dos que se venderam aos inimigos de seus países pudesse permanecer oculta.

Tudo indica que o mesmo modelo estratégico foi adotado aqui. A prova é que, no meio de tantas denúncias, ninguém jamais teve a coragem de investigar os partidos de esquerda e muito menos as milionárias ONGs estrangeiras que lhes dão apoio.

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