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Ah, isso não!

Olavo de Carvalho


Jornal do Brasil, 3 de novembro de 2005

Casos de corrupção, mesmo graúdos e em quantidade epidêmica, podem ocorrer em qualquer regime estável, seja democrático ou ditatorial, sem abalar suas instituições nem colocar em risco a segurança nacional.

Outra coisa, bem diversa, é um país virtualmente dominado, desde fora e desde dentro, por uma trama criminosa cujo alcance transcende suas fronteiras até abranger todo um continente, e da qual participa o próprio mandatário supremo, ao lado de governantes estrangeiros, contrabandistas de armas, terroristas, seqüestradores e narcotraficantes, todos protegidos da curiosidade pública pelo manto do ominoso segredo que uma eficiente articulação de cúmplices, bem espalhados na mídia, estende ante os olhos dessa nação infeliz. Neste caso, não deixará de haver corrupção, mas, ao contrário de constituir apenas irritação passageira na epiderme de um corpo são, será a erupção reveladora de uma doença profunda, tenebrosa e possivelmente letal.

Se, diante dessas duas situações hipotéticas, pergunto aos leitores qual delas está se realizando no Brasil de hoje, é praticamente certo que, movidos por um reflexo espontâneo de autoproteção psicológica, forma imatura do instinto de sobrevivência, muitos repelirão a segunda como fantasia paranóica ou invencionice direitista, apegando-se à primeira com a sensação tranquilizante de que assim caminham no terreno firme do senso comum. Antes, porém, de que apostem nisso sua sanidade mental e o futuro do país, chamo sua atenção para o fato de que essa mesma primeira hipótese, que hoje todos aceitam, foi rejeitada durante mais de uma década sob as mesmíssimas alegações e com idêntica ilusão de segurança absoluta. Todos taparam os ouvidos às advertências de César Benjamin, os olhos à evidência sangrenta das mortes de testemunhas em série no caso Celso Daniel, os olhos e ouvidos a um sem-número de obscenidades patentes. Ainda um ou dois meses atrás, quando o sr. Roberto Jefferson cantou a bola do Mensalão, não faltou quem o chamasse de louco, de caluniador, de agitador fascista. Corrupção no partido ético? Roubalheira no templo de São Lulinha? Jamais.

Passadas algumas semanas, a acumulação de indícios e depoimentos chegou a proporções tais, que repentinamente os olhares de suspeita mudaram de direção, gritos de indignação e defecções em massa espalharam-se pela própria tropa-de-choque petista, as propostas de investigação rejeitadas como ofensa intolerável tornaram-se necessidade universalmente reconhecida e o inverossímil foi admitido, por fim, como verdadeiro.

Que é que impede que exatamente o mesmo venha a passar-se com a denúncia de que a candidatura Lula embolsou dinheiro ilegal de Cuba? Que é que impede que amanhã ou depois essa aparente absurdidade de hoje, se investigada com coragem e tenacidade, venha a ser admitida como verdade de senso comum?

Racionalmente, nada. Politicamente, tudo. Corrupção pura e simples, mesmo em dose lúlica, é banalidade em qualquer regime. O delito de agora é alta traição, é golpe, é conspiração, é rendição total do país a interesses macabros de ditadores genocidas e gangsters internacionais.

Simplesmente não é possível investigá-lo sem trazer à plena luz do dia tudo o que o presidente da República andou tramando em segredo com alguns dos príncipes da violência e do crime no continente – segundo ele próprio, dando com a língua nos dentes, já confessou em parte. E não é possível fazer isso sem desmantelar a mais poderosa, rica e ambiciosa máquina golpista e revolucionária já montada na América Latina.

Mesmo para desertores da tropa de choque, isso é demais. Cortar meia dúzia de cabeças no altar do moralismo hipócrita é uma coisa. Totalmente outra é dissolver, por uma repentina chuva de jatos de luz, toda uma gigantesca urdidura de sombras tecida ao longo de uma década e meia de esforços destinados, segundo um lema corrente do Foro de São Paulo, a “reconquistar na América Latina tudo o que se perdeu no Leste Europeu”.

Diferença radical

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 13 de outubro de 2005

Há quem julgue o manifesto dos clubes militares um aceno de esperança. Para avaliá-lo, no entanto, é preciso confrontá-lo com a situação objetiva a que ele professa responder. Por mais turva que seja essa situação, um dos fatos que a integram paira acima dos outros e ilumina o sentido do conjunto com fulgurante claridade: o sr. presidente da República, acusado de vários crimes e de cumplicidade em outros tantos, negou todos eles mas já confessou o pior de todos. Ele admitiu, em documento oficial, que toma decisões de governo em reuniões secretas com ditadores e narcotraficantes estrangeiros, premeditadamente calculadas para desviar as atenções do povo brasileiro, do Congresso, da justiça, das Forças Armadas, etc. Negação absoluta da soberania nacional, a declaração expressa o desprezo completo do sr. presidente às instituições e à vontade popular, barradas na entrada por falta de convite enquanto a portas fechadas ele resolve os destinos da nação em parceria com interlocutores mais dignos da sua confiança: a narcoguerrilha colombiana, o Sendero Luminoso, o MIR chileno etc. É o mais cínico e brutal insulto que, em atos e depois em palavras, qualquer governante deste mundo já fez ao seu país, ao seu povo, à Constituição, às leis e ao cargo que ocupa. E todos os que tomaram conhecimento dessa declaração sabem que ela não é mero floreio de linguagem: é a afirmação literal de um fato que as atas e resoluções do Foro de São Paulo confirmam da maneira mais incontornável.

Diante disso, um protesto que se limite a endossar o falatório da mídia contra “a corrupção”, sem tocar nem de leve no escândalo supremo, acaba por fornecer ao réu confesso um álibi para amortecer o sentido de suas palavras e fazer com que ele não venha a ser acusado senão de ofensas bem menores do que aquela que admitiu ter praticado.

É claro que não foi essa a intenção dos signatários, homens honrados que conheço e respeito. Se diante da gravidade imensurável da confissão presidencial eles preferem falar de outra coisa, não é porque desejam colaborar na ocultação do crime. É porque, atônitos como o restante da população, já não atinam com a diferença radical, com a desproporção monstruosa entre os males de agora e os de sempre. Quando a perceberem, será tarde para assinar manifestos.

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Há mais de uma década recebo mensagens desesperadas de alunos e professores que, por desaprovarem a propaganda comunista imperante nas suas escolas, sofrem discriminação e constrangimento. A glorificação do comunismo e a exclusão dos divergentes já se tornaram normas tácitas aplicadas em toda a rede de ensino, pública ou privada.

Mas agora parece que a escalada da opressão escolar deu um “salto qualitativo”. Francisco Peçanha Neves, professor de filosofia no Colégio de Aplicação do Rio de Janeiro, adverte que os alunos, enraivecidos pelas suas idéias políticamente incorretas, passaram dos insultos às ameaças diretas de agressão física, diante dos olhos complacentes da direção do estabelecimento. Diremos que é uma epidemia de indisciplina? Ao contrário. É disciplina. É ordem. É obediência às regras de uma ideologia que o próprio ministro da Educação admira e cultua. O Colégio de Aplicação não é uma Casa de Mãe Joana. É um modelo de educação comunista.

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No artigo anterior, de tanto compactar a argumentação, cometi um lapso que no entanto não a invalida em nada. É claro que as armas roubadas do Estado não entram na classificação “origem ilegal”, como inadvertidamente dei a entender. O que eu quis dizer é que não cabe incluí-las, como fazia o Globo , entre os argumentos contra a posse de armas pelos cidadãos comuns. Se, de acordo com o mesmo jornal, os civis têm dez vezes mais armas do que o Estado, e se onze por cento das armas apreendidas com bandidos eram de propriedade estatal, então é patente que elas não estavam mais protegidas contra roubo do que o estariam sob a guarda de qualquer um de nós. O Estado só quer nos desarmar para ter o monopólio do direito de ser roubado.

Marxismo já!

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de agosto de 2005

Normalmente, no Brasil, políticos e intelectuais de esquerda se esquivam de declarar que são comunistas. Vivem dizendo que a direita não assume o próprio nome – o que é no mínimo inadequado, pois uma corrente política que não existe ideologicamente não tem por que assumir nome nenhum –, mas, pelo menos desde a queda do Muro de Berlim, são os esquerdistas os principais usuários de substitutivos eufemísticos. E por certo não é a “direita” quem tenta impor a proibição legal de chamar as coisas pelos seus termos apropriados. É até cômico que os censores politicamente corretos do vocabulário exijam dos outros a linguagem franca que eles próprios buscam abolir por todos os meios.

Ocultar a condição de comunista sempre foi uma obrigação para os militantes envolvidos na parte clandestina das operações do Partido, mesmo em épocas e países com plena vigência dos direitos democráticos. A universalização da camuflagem como estilo de vida foi uma das grandes contribuições do comunismo à cultura do século XX (v. “Double Lives”, de Stephen Koch).

Mas, desde os anos 90, a obrigação de despistar ligações com o movimento comunista foi reforçada pelo descrédito geral do regime soviético. Como assinalou Jean-François Revel em La Grande Parade, a década foi marcada por uma intensa revisão do discurso esquerdista, um botox ideológico destinado a apagar as marcas do passado nas carinhas bisonhas dos mais subservientes e pertinazes bajuladores de genocidas, para que pudessem apresentar como novidades auspiciosas as mesmas propostas comunistas de sempre. Desde então, proliferaram os eufemismos, alguns antigos, como “democracia popular”, “socialismo democrático” etc., outros novos, como “revolução bolivariana” ou o mais lindo de todos: “ampliar a democracia”, que significa fechar jornais, proibir críticas ao presidente e dar tiros numa massa de manifestantes para seguida acusá-la de matar-se a si própria com o intuito maldoso de desmoralizar o governo. O regime atual da Venezuela já é uma democracia ampliada. Ampliada até além-fronteiras: policiais e juízes enviados por Fidel Castro têm jurisdição para entrar no país à vontade e prender cubanos foragidos ou até cidadãos venezuelanos considerados inconvenientes.

O fogo das denúncias de corrupção no governo Lula derreteu rapidamente a maquiagem verbal, de baixo da qual emergiu, em toda a sua formosura, o bom e velho discurso da ortodoxia marxista. Com uma desenvoltura e uma petulância que seriam inimagináveis na época da campanha eleitoral, Lênin e Mao assomaram ao microfone do ciclo “O Silêncio dos Intelectuais” e em várias colunas de imprensa, com aquele sincronismo que muitos atribuiriam misticamente a coincidências junguianas e no qual só os paranóicos – sim, só eles, eu incluso – ousariam pressentir o sinal de uma instrução transmitida a toda a massa de “trabalhadores intelectuais”, concitando-os a juntar forças para atribuir todos os crimes do PT à política “tucanizada” e oferecer como remédio à debacle do partido a palavra-de-ordem salvadora e unânime: Marxismo já!

O sr. Francisco de Oliveira, no resumo publicado da sua conferência no ciclo, é explícito: citando Roberto Schwarz, ele proclama que a conjuntura “é ótima para renovar o pensamento brasileiro pelo marxismo”. Provando que o senso das proporções não é o mesmo numa cabeça de comunista e na da humanidade normal, ele se queixa de que a dose de estupefaciente marxista fornecida aos estudantes universitários é escassa, porque “não se sabe com que profundidade Marx foi lido”. Uai, até observadores menos atentos podem notar que o pensamento marxista não domina os cursos nacionais de direito, filosofia e ciências humanas por ser muito estudado, mas porque aí não se estuda praticamente nada além dele. Não é preciso conhecer bastante alguma coisa para poder ignorar tudo o mais. O “Dicionário Crítico do Pensamento da Direita”, que citei aqui dias atrás, obra de 104 professores universitários esquerdistas e por isso amostragem suficiente da mentalidade da classe, mostra até que ponto vai a ignorância dessa gente a respeito das correntes de idéias alheias ao marxismo. A grande força do marxismo universitário brasileiro é justamente a rarefação da sua substância intelectual, que permite sua distribuição rápida a milhões de idiotas.

De passagem, o sr. Oliveira resmunga que, mesmo no auge da moda marxista entre nós nos anos 70, o pensamento dos frankfurtianos esteve “praticamente ausente” da universidade brasileira, o que, a julgar pelo volume oceânico de citações a Adorno e Benjamin desde então até hoje, só pode ser interpretado no sentido de Stanislaw Ponte Preta: “Sua ausência preencheu uma lacuna”.

Mas o ponto mais significativo do diagnóstico oliveiriano dos males do marxismo brasileiro é a crítica ao “reformismo” do PCB nos anos 60 e a apologia à “única exceção criadora” da ocasião, o filósofo Caio Prado Júnior. A presente geração de estudantes dificilmente atinará com o sentido dessa alusão, mas, para quem a percebe, a analogia com a situação atual é óbvia. Num momento em que a esquerda, como hoje, lambia as feridas de um fiasco monumental e buscava meios de salvar a honra, o autor de A Revolução Brasileira foi, entre os comunistas históricos, o mais destacado crítico da “aliança com a burguesia nacional” e o propugnador emérito da ruptura violenta que gerou a guerrilha. Quando Marx disse que a história se repete como farsa, estava antecipando a epopéia tragicômica do movimento comunista, toda ela composta de sucessivas reencarnações farsescas de si própria. O vaivém cíclico entre apaziguamento maquiavélico e radicalismo assassino, com periódicas fusões dos dois elementos, é um dos lances infalíveis desse enredo criminoso. O sr. Oliveira é em suma o novo Caio Prado Júnior, assim como o PT de Lula é o PCB corrompido e “reformista” que deu com os burros n’água em 1964. A solução é, pela enésima vez, o retorno purificador às fontes do marxismo, seguido de algum tipo de videotape das guerrilhas, provavelmente ampliadas às dimensões das FARC. Esse pessoal não aprende nunca.

De maneira ainda mais estereotípica, a sra. Marilena Chauí adverte contra a “crença perigosa” ( sic ) de que as idéias movem o mundo, restaura a lição da vulgata segundo a qual quem move tudo é a luta de classes, e repete com admirável fidelidade canônica a excomunhão marxista da “separação entre trabalho manual e intelectual no capitalismo” (no socialismo, como se sabe, cada varredor de rua é um novo Leonardo da Vinci). Complementada por uma oportuna entrevista que lança sobre o indefectível “neoliberalismo” as culpas do governo Lula – como se os crimes denunciados não viessem do tempo em que a própria Chauí se tornou a musa inspiradora do marxismo petista –, a alocução da professora da USP no ciclo “O Silêncio dos Intelectuais” traz um enfático reforço à estratégia reencarnacionista do sr. Oliveira.

Ao mesmo tempo, na mídia, o apelo por um retorno ao marxismo puro ecoa por toda parte com idêntico vigor. Para dar só um exemplo entre muitos, que comentarei se possível nas próximas semanas, o sr. Fausto Wolff, célebre como relações públicas de Yasser-Arafat, anuncia “uma lição de casa para os petistas” e, com o didatismo de um instrutor do MST, fornece dados biográficos seguidos de um resumo esquemático das doutrinas de Karl Marx. C onfesso não estar habilitado a sondar a profundidade dos ensinamentos do sr. Wolff, já que me falta no momento o único instrumento de análise apropriado para isso: o bafômetro. Limito-me a anotar no seu artigo dois pontos interessantes. Primeiro, ele não parece ter do marxismo conhecimentos que vão muito além da lauda e meia ali preenchida, já que proclama ter sido A Essência do Cristianismo , de Ludwig Feuerbach, “o livro que mais influenciou o jovem Marx”. Quem quer que tenha estudado o assunto sabe que Marx só engoliu com reservas as especulações feuerbachianas. O verdadeiro guru e introdutor dele e de Engels no comunismo foi Moses Hess, satanista praticante, de cujo livro Die Folgen der Revolution des Proletariats (“Conseqüências da revolução proletária”, 1847), trechos inteiros do Manifesto de 1848 são quase uma paráfrase. (Mais tarde Hess se arrependeu e voltou ao judaísmo, mas era tarde: sua prole infernal já estava espalhada pelo mundo.)

Segundo: o sr. Wolff proclama que uma das grandes desventuras do Brasil é o abandono da Teologia da Libertação, cujos próceres “perderam a guerra contra o clero vigarista infiltrado em toda a vida nacional”. O leitor, como eu, terá alguma dificuldade em enxergar os padres reacionários que superlotam o Senado, a Câmara, os Ministérios, o aparato estatal de cultura, o movimento editorial, os canais de TV, as redações de jornais e as editoras de livros, assim como em constatar a ausência concomitante, nesses locais e até na Presidência da República, de discípulos de Frei Betto e Leonardo Boff. Mas a percepção do sr. Wolff, sobretudo depois das duas da madrugada, penetra em regiões inacessíveis à visão normal humana. Ele vê coisas.

Para mim, tudo isso foi uma autêntica Hora da Saudade . Ouvindo a sra. Marilena Chauí, lendo os srs. Francisco Oliveira e Fausto Wolff, entre tantos outros, revivi, proustianamente, a minha juventude de militante, quando varava noites decorando o Manual de Marxismo-Leninismo da Academia de Ciências da URSS e comovendo-me até às lágrimas com a convocação de Caio Prado Júnior à sangueira redentora que nos libertaria da vexaminosa “acomodação burguesa” do PCB. Na época não existiam os termos “neoliberalismo” e “tucanismo”. O pecado chamava-se “reformismo” ou ‘revisionismo’. Mas, para o automatismo mental comunista, a mera troca de palavras já é uma inovação formidável.

Mídia anestésica

Em artigo publicado no Globo do dia 21, Miriam Leitão reconhece que “houve falha generalizada no sistema de acompanhamento do que se passa no país. Um dos culpados é a própria imprensa… Não vimos que o dinheiro era farto demais no PT para ser de boa fonte”.

A admissão da verdade, mesmo tardia, pode ser um mérito, contanto que não venha acompanhada de novas mentiras incumbidas de embelezar os erros confessados, dispensando o pecador de tentar corrigi-los e ainda autorizando-o a cometê-los de novo com consciência tranqüila.

Miriam começa por mentir no uso do verbo. “Não vimos”, uma pinóia. Eu vi tudo, denunciei tudo, expliquei tudo, escrevi artigo em cima de artigo, no próprio Globo , para alertar contra a criminalidade petista.

A resposta de meus colegas veio sob a forma de silêncio desdenhoso, rotulações pejorativas, boicotes, risinhos cínicos com ar de superioridade, supressão abrupta de minha coluna em três órgãos de mídia.

O mínimo indispensável de honestidade exige, daquele que admite por fim fatos longamente negados, o reconhecimento ao mérito de quem não foi ouvido quando os proclamou em tempo.

Esse mínimo está infinitamente acima do que se pode esperar de quase todo o jornalismo brasileiro.

Miriam, por exemplo, em vez de cumprir sua obrigação moral para com o colega que pagou por dizer a verdade, faz o elogio dos que ganharam para omiti-la. A mídia brasileira, diz ela, é “competente, ágil, investigativa, independente”: se errou — é a conclusão implícita –, foi por distração sem malícia.

Quatro episódios bastam para mostrar quanto isso é falso:

1. Quando apareceram os primeiros sinais claros da corrupção petista, no Rio Grande do Sul, a classe jornalística, em vez de investigá-los, foi em peso oferecer uma “manifestação de desagravo” ao suspeito, o governador Olívio Dutra. Denunciei isso na Zero Hora de 2 de dezembro de 2001.

2. Quando o deputado Alberto Fraga disse ter provas da ajuda financeira das Farc à campanha do PT, muitos jornais omitiram a notícia por completo, outros a esconderam num cantinho de página  (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/030329globo.htm ). Quando a revista Veja voltou ao assunto, o resto da mídia tampou os ouvidos.

3. Quando mostrei no próprio Globo que uma denúncia contra o Exército, a qual rendera ao repórter Caco Barcelos o Prêmio Imprensa, era não apenas falsa mas fisicamente impossível, como reagiu a bela consciência da classe jornalística? Averiguando? Nada disso. Mais que depressa deu um segundo prêmio à pseudo-reportagem (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/nditadores.htm ).

4. Por fim, as atas do Foro de São Paulo e até a existência mesma dessa entidade, a mais influente organização política da América Latina, cujas atividades o povo tinha o direito e a urgência de conhecer para poder julgar a política nacional, foram sistematicamente ocultadas por toda a mídia durante quinze anos. Se divulgadas, jamais o eleitorado teria caído no engodo petista.

A omissão de tantos jornalistas ante a depravação do PT não foi um lapso involuntário. Foi cumplicidade consciente, pertinaz, criminosa. A corrupção da política vem da corrupção da cultura, e não ao contrário. E a corrupção da cultura é obra de três agentes principais: universidade, igreja e mídia. Por esses três canais injetou-se na mente do povo, ao longo de mais de três décadas, a substância entorpecente que o tornou refratário a qualquer denúncia contra a esquerda e o induziu apostar a bolsa, a vida e o futuro na idoneidade do PT. E ainda sobrou anestésico bastante para amortecer os crimes do próprio anestesista.

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