Deus acredita em você?

Entrevista à Rádio Europa Livre (repórter Cristina Poienaru)

Bucareste, 21 de outubro de 1998

        — Você acredita em Deus?

        — Respondo como Henry Miller: o problema não é se eu acredito em Deus, mas se Deus acredita em mim.
A realidade de Deus é para mim uma evidência invencível, na medida em que Deus se identifica com a infinitude metafísica que é o fundamento de toda realidade possível. As pessoas hoje em dia têm alguma dificuldade de compreender isso porque se deixaram enganar por falsas lógicas (como a de Georg Cantor, por exemplo) e acabaram por perder todo sentido da infinitude metafísica.
A resposta de Miller significa que nossa vida é uma história escrita tanto por Deus quanto por nós mesmos, e que no enredo você corre o risco de escolher o papel de farsante, de mentiroso, de vigarista. É importante ter idéias verdadeiras, mas isso não é tudo. É preciso também viver no verdadeiro, isto é, não fingir que você sabe o que não sabe, nem que não sabe aquilo que sabe perfeitamente bem. Se você não é fiel a essas duas exigências, sua vida é uma mentira e o conteúdo pretensamente verdadeiro de seus pensamentos não é senão uma parte da farsa total – aquela parcela de verdade de que a mentira precisa para se tornar mais verossímil. Aí Deus não pode acreditar em você, porque, no fundo, você não existe.

        Você acha que é bom existir uma crença religiosa sem igreja?

       — Certamente. O alto clero mentiu muito para os fiéis no século XX e eles têm o direito de guardar uma certa distância da Igreja, certamente sem renegá-la, mas num espírito de espera prudente até que Deus se digne de lhes dar novas luzes. Para não dar senão um exemplo, um pouco antes do Concílio a Igreja de Roma assinou com as autoridades soviéticas o tristemente célebre Pacto de Metz, que a obrigava a abster-se de toda denúncia contra os regimes comunistas durante as sessões do Concílio. O pacto, que era secreto, foi ocultado da imprensa ocidental e não foi divulgado senão algum tempo depois, pelos jornais soviéticos. Se você leva em conta que até essa época os regimes comunistas já tinham matado quase uma centena de milhões de pessoas, das quais pelo menos uns trinta milhões de cristãos que não tinham cometido outro crime senão o de ser cristãos, você compreende a gravidade quase infinita desse acordo. Hoje em dia condena-se o Papa Pio XII por ter feito certo silêncio em torno da perseguição aos judeus na Alemanha, mas quem queira desculpá-lo pode ao menos alegar, para raciocinar por absurdo, que não eram ovelhas do seu rebanho, que ele não tinha a obrigação de dar o alarme se o lobo atacava apenas as ovelhas do seu vizinho. Mas o que se pode pensar do pastor que entrega ao lobo as ovelhas do seu próprio rebanho? Ante essa cumplicidade abominável, as críticas bem polidas e de ordem puramente teórica que a Igreja continuou a fazer ao marxismo não passam de hipocrisia. E como você haveria de querer que, depois de coisas desse gênero, milhões de fiéis não perdessem a confiança na Igreja e não escolhessem ser, ao menos a título provisório, cristãos sem Igreja? Foi o Vaticano que traiu a confiança deles, é a ele que cabe arrepender-se e lhes pedir perdão, em vez de fazer essas ridículas genuflexões rituais ante o mundo ateu, que se tornaram a moda oficial do dia.

        — O ecumenismo é possível?

        — No tempo em que os pensadores cristãos, muçulmanos e judeus se compreendiam uns aos outros, não se falava de ecumenismo porque ele era uma realidade vivente que não precisava de nome. Sto. Tomás e Sto. Alberto disputavam, decerto, com os judeus e muçulmanos, mas eles os compreendiam e respeitavam. Após o século XIV todos os laços espirituais e intelectuais com o Islam e o judaísmo se romperam e hoje em dia você não encontra senão raros especialistas que sejam capazes, por exemplo, de lhe dizer os nomes de três ou quatro pensadores muçulmanos modernos. O diálogo dos espíritos foi substituído pelos acordos de chancelarias, e hoje em dia o ecumenismo não é senão o disfarce de uma política globalizante que não tem nada de espiritual. No entanto o verdadeiro ecumenismo, que é dos espíritos, permanece sempre possível, e basta recordar o diálogo de Franz Rosenzweig e Eugen Rosenstock, ou as obras de Louis Massignon, para ter exemplos concretos dessa possibilidade. Numa escala bem menor, fiz de minha própria vida um exemplo desse gênero de ecumenismo, escrevendo por exemplo meu ensaio O Profeta da Paz, que é uma exegese simbólica da vida do Profeta Maomé à luz das tradições católica e judia. Creio que do ponto de vista da pura interioridade há sempre aproximações surpreendentes entre as diversas religiões, mas que isso não tem nada a ver com os espetáculos rituais ecumênicos transmitidos pela mídia. Falou-se muito do “Estado espetáculo”, mas há também uma “religião espetáculo” que arrisca submergir toda espiritualidade sob uma chuva de falsas luzes.

       — Como você situa o conhecimento na Nova Ordem Mundial?

       — O conhecimento aí arrisca tornar-se uma coisa puramente material, como um arquivo de dados registrados por meios eletrônicos e transmitidos de computador a computador sem passar por uma consciência humana. Hoje em dia pode-se produzir teses acadêmicas apenas sintetizando dados previamente hierarquizados por computadores, sem que haja necessidade do menor esforço pessoal de intelecção. É a perfeição da “consciência coletiva” formada de uma multidão de cientistas sonâmbulos. A doutrina de Wittgenstein sobre um pensamento que se pensa a si mesmo sem necessidade de um sujeito humano torna-se assim uma profecia auto-realizável. Creio que Wittgenstein foi um gênio da inconsciência, um herói da covardia intelectual, o criador de uma doutrina que atinge os cumes de uma estupidez quase inimaginável. No mundo wittgensteiniano que nos aguarda, os livros não serão lidos senão por eles mesmos, demitindo os leitores humanos. O conhecimento se tornará uma figura de linguagem para designar os depósitos de dados que não serão conhecidos por ninguém, e a cultura se tornará um museu eletrônico jamais visitado. Certamente, haverá sempre alguns indivíduos que farão esforços para permanecer conscientes, e mesmo a elite dominante terá certa necessidade dos serviços deles. Mas não consigo nem imaginar os abismos de sofrimento que eles terão de suportar.

       — Você acredita que o século XXI será cristão?

       — Não. Bem ao contrário, ele é já em suas raízes o século do Anticristo, o século da opressão travestida em liberdade, o século em que as pessoas que matarem os santos acreditarão estar servindo a Deus. Já vemos formar-se uma espécie de religião administrada, um falso ecumenismo que une os senhores do dia em torno de um credo todo feito de lugares-comuns, uma mistura de banalidades moralistas, de oportunismo político e de um desejo infinito de agradar a mídia. É certo que Deus pode dispor de outro modo, mas tudo indica que estamos entrando numa era em que a impostura será a única forma de religião admitida, e na qual o homem que queira permanecer fiel ao Espírito não poderá buscá-lo senão no interior de sua alma solitária.

       — Qual é sua definição de cultura?

       — A cultura antigamente era a busca de objetivos superiores à simples sobrevivência material. Esta definição aplicava-se igualmente bem à Grécia e às pequenas culturas indígenas do Brasil. Mas hoje em dia o que se chama cultura se torna a criação ilimitada de novos apetites materiais que se multiplicam sem fim e que impedem as pessoas de ter outras ambições. Você vê, todos os debates ditos culturais da atualidade se desenvolvem em torno de assuntos ligados à vida corporal e à busca de bens de ordem material. De um lado, são desejos econômicos: os capitalistas proclamam que o único bem é a riqueza e os socialistas respondem que o único mal é a pobreza. De outro lado, são ambições de ordem sexual exaltadas até ao delírio: após os direitos dos homossexuais, proclama-se o direito à pedofilia, e assim por diante. A multiplicação das necessidades e das insatisfações materiais (até mesmo causadas pela própria abundância) não tem limite, uma vez que se tenha tomado essa direção.
O mais irônico de tudo é que a tradição da cultura “politicamente engajada”, que foi outrora um instrumento de libertação, se tornou um meio de escravização: ela tem por missão tornar os homens escravos de suas insatisfações menores, de modo a jamais permitir que olhem para o céu e aspirem a uma vida mais elevada. É preciso que cada um só pense naquilo que o incomoda no meio imediato, seja o desejo sexual insatisfeito, seja a fumaça dos cigarros que o perturba, seja a falta de dinheiro ou o ódio invejoso que ele volta contra pessoas que ele imagina mais felizes. As pessoas que se ocupam desse gênero de coisas permanecem para sempre crianças doentes, não chegam jamais à idade madura que é renúncia, perdão, tolerância, generosidade. A cultura tornou-se instrumento da puerilização universal. Não vejo meio de encontrar uma definição de cultura que se aplique por igual a isso e àquilo que outrora se chamava por esse nome. Não se trata de espécies do mesmo gênero, e portanto toda filosofia da cultura está hoje condenada a não ser senão história das culturas antigas ou legitimação ideológica desse novo fenômeno que não tem em comum com elas senão o nome.

       — A literatura sul-americana está em vias de se tornar a mais importante do mundo?

       — Talvez, mas isso é pouca coisa, numa época em que toda literatura se reduz a um ludismo imaginativo feito para o consumo ou à manipulação das massas pela nova administração da alma do mundo. O sucesso de Paulo Coelho e o Prêmio Nobel dado a esse ridículo Saramago ilustram com perfeição essas duas funções da literatura. Meus interesses passam a léguas de distância dessas futilidades, e estou pouco me lixando para a literatura, seja sul-americana, européia ou marciana.

       — Quais são as fraquezas da democracia?

       — Georges Bernanos já tinha dito: a democracia não é o contrário da ditadura; ela é a causa da ditadura. Basta ver como a noção de direitos humanos é hoje utilizada para impor às pessoas novas formas tirânicas de controle do comportamento, para perceber que Bernanos tinha razão. A democracia, para subsistir, tem de se apoiar sempre em alguma coisa totalmente diversa, num sistema de valores extrapolíticos ou suprapolíticos, como por exemplo o cristianismo. Mas a própria democracia tende a destruir esses valores e em seguida é deixada a si mesma e se transforma em tirania: tudo democratizar é tudo politizar, e quando não restam outros valores senão políticos, então é a ditadura, como a definia Carl Schmitt, a pura luta pelo poder, que não pode levar senão à vitória dos mais fortes. Hoje em dia, mesmo os debates ditos intelectuais se tornaram pura luta política, isto é, lobby, grupos de pressão, manipulação de verbas, intimidação dos inimigos, e assim por diante. É o resultado da democratização, e é indiscutivelmente ditadura. Para salvar a democracia seria preciso saber limitá-la, isto é, restringir os critérios democráticos ao território estritamente político e limitar o território da política, instituindo para além da política uma zona onde os debates não sejam decididos por meios políticos mas pela razão, pela sabedoria e pelo amor. Isto seria precisamente a função da cultura, mas a cultura já está quase completamente politizada e vamos a largos passos para a ditadura universal, sob o aplauso geral das massas. Como dizia uma velha canção americana, O when will they ever learn?

       — Qual a relação entre a literatura e o totalitarismo (dizem que o totalitarismo produz boa literatura)?

       — Não creio que o verdadeiro artista, para criar belas obras, necessite nem da liberdade política nem da opressão, nem de riqueza, nem de miséria. São estimulantes artificiais, exatamente como a cocaína. Tudo depende da livre vontade, a qual é ela mesma um tipo de criação artística preliminar à materialização das obras. As condições exteriores não têm um papel fixo e constante e o artista pode se adaptar às condições mais diversas. Veja: Thomas Mann e Jacob Wassermann não esperaram o nazismo para escrever seus mais belos romances, mas os produziram em plena democracia, ao passo que Dostoiévski criou toda a sua obra sob a opressão tzarista e Soljenitsin sob a ditadura comunista. As teorias que fazem a criação literária depender como um efeito mais ou menos passivo das condições exteriores são obra de gente incapaz, de professores medíocres que, por si mesmos, não criam nada e não compreendem a criação do que quer que seja. Infelizmente são essas pessoas que hoje em dia dão o tom dos estudos literários.

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Tradução (Francês)

Est-ce que Dieu croit à vous?

Interview to Radio Free Europe / Radio Liberty

Bucharest, October 21st 1998
(transcription littérale de l’enregistrement magnétique)

— Est-ce que vous croyez à Dieu?

— Je vous réponds comme Henry Miller: le problème n’est pas de savoir si je crois à Dieu, mais si Dieu croit à moi.
La réalité de Dieu est pour moi une évidence invincible, dans la mesure où Dieu s’identifie à l’infinitude métaphysique qui est le fondement premier de toute realité possible. Les gens d’aujourd’hui ont quelque difficulté à comprendre cela parce qu’ils se sont laissés tromper par fe fausses logiques telles que celle de Georg Cantor et ont fini par perdre tout sens de l’infinitude métaphysique.
La réponse de Miller signifie aussi que notre vie est une histoire qui est écrite aussi bien par Dieu que par nous-mêmes, et que dans son plot vouz courez toujours le risque de choisir le rôle d’un farceur, d’un menteur, d’un faux-monnayeur. Il est bien sûr important d’avoir des idées vraies, mais cela n’est pas tout. Il faut aussi vivre dans le vrai, c’est à dire ne pas faire semblant de savoir ce que vous ne savez pas vraiment, ni faire semblant d’ignorer ce que vous savez parfeitement bien. Si vous n’êtes pas fidèle à ces deux exigences, votre vie est un mensonge et le contenu pretendument vrai de vos idées n’est qu’une partie de la farce totale – cette partie de verité que le mensonge a besoin pour se rendre plus vraissemblable. Donc Dieu ne peut plus vous croire.

— Pensez-vous qu’il est bon d’y-avoir de la croyance sans Église?

— Bien sûr. Le haut clergé a beaucoup menti aux fidèles au cours du XXe. siècle et ils ont maintenant le droit de garder une certaine distance de l’Église, sans la renier certes, mais dans un esprit d’attente prudente jusqu’à ce que Dieu veuille bien leur donner des nouvelles lumières. Pour ne vous donner qu’un seul exemple, um peu avant le Concile Vatican II le Vatican signa avec les autorités sovietiques le tristement célèbre Pacte de Metz, qui l’obligeait à s’abstenir de toute dénonciation contre les régimes communistes au cours des séances du Concile. Le Pacte, qui était secret, a eté caché à la presse occidentale et n’a eté publié que quelque temps après le Concile par des journaux soviétiques. Si vous prennez en compte le fait que jusqu’à cette époque les régimes communistes avaient déjà tué presque une centaine de millions de personnes, dont pour le moins quelque trente millions de chrétiens qui n’avaient commis d’autre crime que celui d’être des chrétiens, vous comprennez la gravité presque infinie de ce Pacte-là.. On condamne aujourd’hui le Pape Pie XII pour avoir fait silence sur la persécution des juifs en Allemagne, mais ceux qui veulent le disculper peuvent alléguer du moins, pour raisonner par absurde, que ce n’étaient pas des brébis de son troupeau, qu’il n’avait pas le dévoir de sonner l’alarme si le loup n’attaquait que les brébis de son frère. Mais que peut-on penser du pasteur qui rend aux loups sob propre troupeau? Devant ce silence abominable, les critiques bien polies et d’ordre purement théorique que l’Église a continué de faire au marxisme ne sont qu’une hypocrisie. Et comment voulez-vous qu’après des choses de ce genre des millions de fidèles ne perdent pas leur confiance à l’Église et ne chosissent pas de d’être, du moins à titre provisoire, des croyants sans Église? Ce ne sont pas les fidèles qui sont en erreur. C’est le Vatican qui a trahi leur confiance, c’est à lui de se répentir et de leur demander pardon, au lieu de faire ces ridicules génuflexions rituelles devant le monde athée, qui sont devenues la mode officielle du jour.

— L’écuménisme est-il possible?

— Au temps où les penseurs chrétiens, musulmans et juifs se comprennaient les uns aux autres, on ne parlait pas d’écuménisme, parce qu’il était une réalité vivante qui n’avait pas besoin d’un nom. Saint Thomas et Saint Albert disputaient certes avec les juifs et les musulmans, mais ils les comprennaient et les respectaient. Après le XIVe. siècle tous les liens spirituels et intellectuels avec l’Islam et je Judaïsme ont eté rompus et aujourd’hui vous ne rencontrerez que de rares spécialistes qui peuvent vous dire les noms de trois ou quatre penseus musulmans ou juïfs orthodoxes modernes. Le dialogue des esprits a eté substitué par des accords de chaceleries, et aujourd’hui l’écuménisme n’est qu’un travesti d’une politique globalisante qui n’a rien de spirituel. Cependant, le vrai écuménisme, qui est l’écuménisme des esprits, reste toujours possible, et il suffit de mentionner le dialoque de Franz Rosenzweig avec Eugen Rosenstock ou les oeuvres de Louis Massignon pour avoir des exemples concrets de cette possibilité. À une échelle bien plus petite, certes, j’ai fait de ma propre vie un exemple de ce genre d’écumenisme, en écrivant mon éssai Le Prophète de la Paix qui est une éxegèse de la vie du Prophète Mohammed à la lumière des traditions catholique et juïve. Je crois que du point de vue de la pure intériorité il-y-a toujours des aproximations surprennantes entre les diverses réligions, mais que cela n’a rien à voir avec des spectacles rituels écuméniques transmis par les media. On a parlé beaucoup de l’État spéctacle, mais il-y-a aussi une réligion spéctacle qui risque bien d’engloutir toute spiritualité sous une pluie de fausses lumières.

— Comment vous situez la connaissance dans le cadre du Nouvel Ordre Mondial?

— La connaissance risque de devenir quelque chose de purement matériel, comme un archive de données enregistrés par des moyens eléctroniques et qui sont transmis d’ordinateur à ordinateur sans passer par la conscience de personne. Aujourd’hui l’on peut produire des thèses académiques rien qu’en faisant un mélange de donnés préalablement hiérarchisés par des ordinateurs, sans qu’il-y-ait bésoin du moindre éffort personnel d’inteléction. C’est la perfection de la “conscience collective” formée d’une multitude de somnambules savants. La doctrine de Wittgenstein, d’une pensée qui se pense elle-même sans avoir besoin d’un sujet humain, devient ainsi une prophétie auto-réalisable. Je crois que Wittgenstein a eté un génie de l’inconscience, un héros de la couardise intelectuelle, le createur d’une doctrine qui atteint les sommets d’une stupidité presque inimaginable. Au monde wittgensteinien qui nous attend, les livres ne seront lus que par eux-mêmes, en donnant carte de démission aux lecteurs humains. La connaissance deviendra une figure de langage pour désigner les dêpots de donnés qui ne seront connus de personne, et la culture deviendra un musée eléctronique universel qui ne reçoit jamais des visites. Bien sûr, il-y-aura toujours quelques individus que feront des efforts pour rester conscients, et même l’élite aura besoin de leurs services. Mais je n’arrive pas à imaginer les abysses de souffrances qu’ils auront à supporter.

— Croyez-vous que le XXIe. siècle sera Chrétien?

— Non. Bien au contraire, il est dejà dans ses racines le siècle de l’Antéchrist, le siècle de l’oppression travestie en liberté, le siècle où les gens qui tueront des saints croiront être des servants de Dieu. Nous voyons dejà se former devant nos yeux une sorte de réligion administrée, un faux écumenisme rose qui unit les seigneurs du jour autour d’un credo tout fait de lieux-communs, un mélange de banalités moralistes, d’oppostuniste politique et d’un désir infini d’être agréable aux média.
Il est certain que Dieu peut disposer autrement, mais tout indique que nous sommes en train d’ingresser dans un âge où l’imposture sera la seule forme de réligion admise, et où l’homme qui veut rester fidèle à l’Esprit ne pourra le chercher que dans l’intérieur de son âme solitaire.

— Quel est votre définition de culture?

— La culture était autrefois la recherche de buts supérieurs à la simple survie matérielle. Cette définition s’appliquait aussi bien à la Grèce qu’aux petites cultures indigènes du Brésil. Mais aujourd’hui ce qu’on appelle culture devient la création illimitée de nouveaux appétits matériels qui se multiplient sans fin et qui empêchent les gens d’avoir d’autres ambitions. Vous voyez, tous les débats soi disant culturels de l’actualité se déroulent autour de sujets liés à la vie corporelle et à la recherche des biens d’ordre matériel. D’un coté, ce sont des désirs d’ordre éconómique. Les capitalistes proclament que le seul bien est la richesse, les socialistes répondent qu’il-n’y-a de mal que la pauvreté. D’un autre coté, ce sont des ambitions d’ordre séxuel exaltées jusqu’au délire: après les droits des homossexuels, l’on proclame le droit à la pédophilie, et ainsi de suite. La multiplication des besoins et des insatisfactions matérielles n’a pas de limite une fois que l’on ait prise cette direction. Le plus ironique de tout est que la tradition de la culture politiquement engagée, qui a eté autrefois un instrument de libération, devient ainsi un moyen d’esclavage: elle a pour mission de rendre les hommes les esclaves de ses insatisfactions mineures, de jamais permettre qu’ils regardent le ciel et songent d’une forme de vie plus elevée. Il faut que chacun ne pense qu’à ce qui le dérange dans le milieu immédiat, que ce soit le desir sexuel inassouvi, le manque d’argent ou la haine invidieuse tournée vers des gens qu’il imagine plus heureux. Les gens qui s’occupent de ce genre de choses restent toujours des enfants malades, ils n’arrivent jamais à l’âge d’homme qui est renonciation, pardon, tolérance, générosité. La culture est denevue l’instrument de la puérilisation universelle. Je ne vois pas de moyen de trouver une définition de culture qui s’applique également à ce phénomene et a ce qu’on appelait jadis du nom de culture. Il ne s’agit pas d’espèces d’un même genre, et donc toute philosophie de la culture est aujourd’hui condamnée à n’être qu’histoire des cultures anciennes où légitimation idéologique de ce nouveau phénoméne qui n’a de commun avec elles que le nom.

— La littérature sud-américaine est-elle en train de devenir la plus importante du monde?

— Peut-être, mais cela est peu de chose à une époque ou toute littérature se réduit a un ludisme imaginatif fait pour la consommation où à la manipulation des masses par la nouvelle administration générale de l’âme du monde. Le succès de Paulo Coelho et le Prix Nobel de Saramago illustrent à perfection ces deux genres de fonctions de la littérature. Mes interêts passent à un millier de kilomètres de ces futilités-là, et je m’en fous de la littérature, soit sud-américaine, européenne ou martienne.

— Quels sont les faiblesses de la démocratie?

— Georges Bernanos l’a dit déjà: la démocratie n’est pas l’opposé de la dictature: elle en est la cause. Il suffit de voir comment la notion de doits humains est aujourd’hui utilisée pour imposer aux gens des nouvelles formes tyraniques de contrôle du comportement pour s’apercevoir que Bernanos avait raison. La démocratie a toujours besoin de s’appuyer à quelque chose d’autre, à un système de valeur extrapolitiques ou suprapolitiques, tel le christianisme, par exemple. Mais la démocratie même tend à détruire ces valeurs et ensuite elle est laissée à elle-même: tout democratiser c’est tout politiser, et quand il ne reste des valeurs que politiques, alors c’est la dictature, comme la definissait d’ailleurs Carl Schmitt: la pure lutte pour le pouvoir, que ne peut mener qu’à la victoire des plus forts. Aujourd’hui même les débats soi disant intellectuels sont devenus de la pure politique: c’est à dire, du lobby, des groupes de pression, de l’intimidation des ennemis et ainsi de suite. C’est le résultat de la démocratisation, et c’est indiscutablement de la dictature. Pour sauver la démocratie il faudrait savoir la limiter, c’est à dire, limiter le territoire de la politique, instituer au délà de la politique une zone où les débats ne sont pas décidés par des moyens politiques mais par la raison, par la sagesse et par l’amour. Ce serait là precisement la fonction de la culture, mais la culture est dejà presque complètement politisée et nous allons à des larges pas vers la dictature universelle sous l’applaudissement général des masses. Comme le disait une ancienne chanson nord-américaine, O when will they ever learn?

— Quelle est la rélation entre la littérature et le totalitarisme (on dit que le totalitarisme produit de la bonne littérature)?

— Je ne crois que le vrai artiste, pour créer de belles oeuvres, ait besoin soit de la liberté soit de l’oppression, soit de la richesse, soit de la misère. Ce sont là des stymulants artificiaux au même titre que la cocaïne. Tout depend de la libre volonté qui est elle-même une sorte de création artistique préalable à la matérialisation des oeuvres. Les conditions extérieures n’ont pas un rôle fixé et constant et, du reste, l’artiste peut s’adapter aux conditions les plus différents. Vous voyez: Thomas Mann et Jacob Wassermann n’ont pas attendu le nazisme pour écrire leurs plus beaux romans, aussi bien que Dostoïevski a produit toute son oeuvre sous l’oppression tzariste et Soljenitsine sous la dictature communiste.
Les théories qui font la création littéraire un effet plus ou moins passif des conditions extérieures sont le fait de gens incapables, de professeurs médiocres qui eux-mêmes ne créent rien et qui par cette raison ne comprennent rien à la création de quoi que ce soit. Malhereusement ce sont ces gens-là qui donnent le ton des études littéraires aujourd’hui.

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Tradução (Português)

 

A origem da nossa confusão

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 15 de outubro de 1998

A Independência do Brasil, como a das colônias espanholas, não foi uma independência senão do ponto de vista jurídico. Política e economicamente, apenas passamos de uma órbita de influência a outra, em mais um episódio da histórica rasteira que a coroa britânica deu em seus concorrentes ibéricos.

É claro que, entre os fundadores do País, havia quem fizesse força no sentido de uma independência mais efetiva. É o caso do grande Andrada, que começou por aconselhar o País a que não fizesse dívida com os grandes banqueiros europeus, porque a dívida, afirmava ele, jamais pararia de crescer. Demitimos o Andrada e estamos rolando a dívida até hoje.

A política inglesa era incentivar rebeliões e reivindicações progressistas nas colônias e áreas de influência alheias, sempre em defasagem com as possibilidades efetivas da economia local, para gerar crises e destruir a hegemonia dos impérios concorrentes. Estimuladas pelos ingleses a dançar num ritmo que não tinham força para acompanhar, as nações afetadas por essa política desenvolveram um complexo cultural crônico, que é a contradição de valores básicos: se buscam adaptar-se às exigências éticas e políticas da civilização progressista, têm de se submeter à potência internacional e perdem autonomia; se querem preservar a autonomia, têm de negar a seus cidadãos os novos direitos criados pela sociedade mais avançada. Daí que, nessas nações, os governos mais democratizantes tendam ao “entreguismo” (JK), e os governos nacionalistas ao “autoritarismo” (Bernardes, Geisel). O reflexo disto na cultura e na vida psicológica é um ambiente geral de farsa e irrealidade, onde todas as propostas têm algum vício secreto e onde ninguém pode dizer plenamente o que pensa, porque todos se sentem, no fundo, culpados de inconsistência.

Mais tarde o centro ativo da transformação mundial saiu da Europa e foi dividido entre os Estados Unidos e a União Soviética, hoje parece estar voltando para a Europa Ocidental. Mas não importa: são sempre os outros que ditam o nosso ritmo e nos forçam a mudanças que, se ampliam os direitos nominais da população, restringem a autonomia nacional e, se ampliam a autonomia nacional, atrasam a evolução dos direitos. Isso acontece hoje, por exemplo, com muita clareza, na questão da ecologia: ou defendemos o interesse nacional e nos tornamos ecologicamente “atrasados”, ou adotamos as novas normas ecológicas abdicando de nossa soberania, como ocorre nas reservas indígenas onde ONGs estrangeiras mandam e desmandam e onde um cidadão brasileiro não pode sequer entrar. Nenhuma das alternativas nos satisfaz, e não podemos também dispensar uma ou a outra. As potências que dirigem o nosso movimento estão plenamente conscientes da posição insustentável de duplo desconforto em que cronicamente nos colocam. Nós é que, às vezes, não percebemos o jogo e, aderindo a aparências, a palavras e rótulos atraentes, ora louvamos o nacionalismo sem assumir a responsabilidade pelo atraso político que ele criará necessariamente, ora proclamamos idealisticamente novos direitos sociais e políticos sem termos a coragem de confessar que o preço deles será a nossa submissão maior a potências internacionais.

Hoje estamos, com FHC, numa fase democratizante-internacionalista; amanhã ou depois, com Lula ou outro petista no governo, voltaremos ao nacionalismo autoritário de Vargas (ou – por paradoxal que pareça – de Geisel). Em qualquer dos casos, sentimos uma profunda frustração, pois nossos melhores esforços são viciados por um mal secreto. É a contradição básica que torna tão difícil a um brasileiro sustentar um discurso político coerente: a coerência das idéias torna-se incoerência dos atos, e vice-versa. Por isso os nossos governantes mais eficazes foram os que tinham o discurso aparentemente mais ambíguo e mais oco, ideologicamente, e por isso os nossos políticos mais caracteristicamente “coerentes a seus ideais”, como Luiz Carlos Prestes e Carlos Lacerda, acabam nada deixando atrás de si senão um rastro de belas palavras…

Meio farsa, meio tragédia, a nossa independência perenemente semifrustrada poderia nos levar à loucura, se não fosse a proverbial habilidade do brasileiro para viver na ambigüidade. Mas esta capacidade é por seu lado parte do estilo tradicionalmente nacional de vida, que um progressismo moralista hoje nos convida a abandonar em troca de um rigorismo legalista de tipo americano que, por sua vez, custará ao nosso país novas submissões. E assim por diante. Até quando?