Carta de um cego acordado a uma vidente adormecida

Olavo de Carvalho

Maio de 1999

NB — Recebi em 28 de maio de 1999 um longo e-mail, de uma leitora cujo nome não divulgarei exceto se ela tomar a iniciativa de me autorizar a fazê-lo, o qual julguei merecer uma resposta detalhada, não só porque parecia de boa-fé, mas porque resumia, de certo modo, alguns enganos padronizados que determinada categoria de leitores (não muito vasta, graças a Deus) comete quase que invariavelmente na interpretação de meus escritos. Esses erros são sempre do tipo assinalado certa vez pelo educador Cláudio Moura Castro, ao dizer que neste país ninguém lê o que um autor escreveu, mas o que se imagina que ele quis escrever. Lendo-me desta maneira, e diagnosticando minhas intenções com aquela espevitada psicologia divinatória que tantas vezes substitui a pura e simples atenção à leitura, minha correspondente chegou à conclusão de que sou um sujeito “cego de ódio” — um diagnóstico que supõe em quem o faz a capacidade de enxergar, para além do texto, os rins e o coração do infeliz autor. Respondendo-lhe, respondo a outros e me poupo, assim, algumas horas de escrita. Transcrevo a seguir a resposta, intercalada com o texto integral da carta recebida.

 

Caro Sr. Olavo de Carvalho,

Tenho acompanhado (não sem certa perplexidade) o gradual aumento do seu indisfarçado ódio pela “esquerda” ou qualquer coisa que lembre comunismo.

Sempre gostei muito de ler as coisas que o senhor escreve. Tenho simpatia por iconoclastas. Mas o senhor tinha algo mais, era mais consistente, mais coerente. Hoje, quando leio alguns de seus últimos textos, penso sempre num homem dominado pela emoção, pela raiva, espumando enquanto digita.

Antes que o senhor me identifique com o que chama de “hipócritas da KGB” ou coisa equivalente, gostaria de dizer que sou uma leitora imparcial e só.

A razão da minha perplexidade vem de eu ter me enganado a respeito daquilo que o movia a escrever. Achava eu, ingenuamente, que o senhor pretendia sempre buscar a verdade em tudo e em todos, não poupando ninguém. Vejo, desolada, que não se trata disso. O senhor está cego de ódio..

 

Prezada amiga,

Já que a senhora tem dado atenção a meus livros, devo retribuir dando à sua carta a atenção que merece, respondendo-a ponto por ponto, para que não sobrem no fim dúvidas ou suspeitas quanto aos motivos e propósitos do que escrevo.

Não estou entre os que crêem que o ódio seja um sentimento abominável. Estes fingem que nada odeiam, que agem sempre pelo puro amor — mas na verdade não se pode amar o que quer que seja sem odiar aquilo que o nega ou ameaça. A escolha não é entre amor e ódio, mas entre diferentes objetos de amor e de ódio. A perversão lingüística que fez do ódio e do amor respectivamente sinônimos do mal e do bem só serviu para desorientar as pessoas e disseminar a hipocrisia que ama o bem sem odiar o mal ou odeia o mal sem amar o bem. Essa perversão é um dos mecanismos mais insidiosos de esvaziamento do cristianismo para trocá-lo por um pseudocristianismo que se esgota em pura disputa política e que sabemos muito bem quem inaugurou. Cristo, ao contrário de todos os Gandhis de Hollywood, jamais condenou o ódio. O que Ele disse foi: “Na verdade, amais o que devíeis odiar e odiais o que devíeis amar”. Coisas como o comunismo, o nazismo, o fascismo, o regime haitiano dos Tonton Macoute, o estupro, o aborto em massa, a pedofilia, etc., DEVEM ser odiadas por todos os homens de bem e este ódio em nada empana a objetividade do julgamento, já que a objetividade em moral consiste precisamente em discernir e reconhecer nas coisas, segundo o mandamento de Cristo, o odiável e o amável, segundo as várias gradações de relatividade compatíveis com o caráter complexo e misto das realidades deste mundo que não é céu nem inferno. Quanto ao caráter inteiramente odioso do comunismo, ninguém que se pretenda católico pode hesitar um só instante em proclamá-lo, de vez que a isto o obrigam duas sentenças papais proferidas ex cathedra e incorporadas, portanto, à doutrina da Igreja: “O comunismo é intrinsecamente mau” (Pio XI, Divini Redemptoris, 1937) e “O comunismo é doutrina nefanda totalmente contrária ao direito natural” (Pio IX, Qui pluribus, 1846). Terei sido, acaso, mais duro com a esquerda do que o foram esses papas? É evidente que mesmo um fiel católico tem o direito de sondar as razões de tão rigorosa condenação — e não se pode sondar as razões de nada, filosoficamente, sem colocá-lo ao menos temporariamente em dúvida —, mas o fato é que já fiz esse exame, durante trinta anos, tanto pelo conhecimento direto que tive do assunto como militante do Partido Comunista entre 1966 e 1969, como pela reflexão posterior e pelo estudo de livros cuja relação sobe a muitas centenas, incluindo os clássicos do marxismo: tudo isto com a ressalva de que durante um longo período de recolhimento nada escrevi nem disse sobre o assunto, só me pronunciando a respeito a partir de 1995, sem nenhuma pressa portanto. A senhora há de compreender facilmente que atribuir minhas opiniões ao puro ódio — no sentido pejorativo de emoção cega — não é nem um pouco realista.

 

Cego e desmemoriado, pois, se assim não fora, talvez lembrasse do que escreveu sobre Bernanos. Aliás, um lindo ensaio publicado na Revista Bravo. Uma das coisas mais contundentes que já li. Dizia o senhor que Bernanos tinha “razão contra todos”.

 

Cara senhora: quando Bernanos escrevia, existiam na sua pátria uma poderosa direita e uma poderosa esquerda, cada uma com seus jornais, suas cátedras universitárias, suas glórias literárias, seus militantes furiosos, suas tropas de choque, etc. Ele podia colocar-se entre duas facções porque, simplesmente, elas existiam. No Brasil um longo trabalho de “ocupação de espaços” fez com que só restassem em campo as idéias esquerdistas, o vocabulário esquerdista, os sentimentos esquerdistas, etc., de modo que hoje até mesmo o PFL subscreve teses tão profundamente esquerdistas como a affirmative action, enquanto o governo nominalmente de centro-direita dissemina através das cartilhas do MEC a mais pura doutrinação marxista. O deslocamento do panorama mental para a esquerda foi tão completo que hoje um simples neoliberal como Roberto Campos, um centro-direita voitaireano e anticlerical, já é rotulado de “extrema-direita”, o que prova que ninguém mais sabe, sequer, o que é direita. A idéia mesma de direita desapareceu do horizonte visível dos brasileiros. A imparcialidade supõe a existência de partes, minha senhora. Não se pode ficar no meio entre nada e alguma coisa, mas só entre alguma coisa e outra coisa. Opor-me violentamente à esquerda é a única maneira de abrir um espaço para que venha a existir uma direita, e acho imprescindível que exista uma direita, o que não significa que, quando ela aparecer, eu vá estar comprometido com ela e não vá me permitir escrever a seu respeito coisas tão horríveis quanto escrevo hoje sobre a esquerda. O que não teria cabimento seria escrever, hoje, contra uma facção que não existe. Quanto à centro-direita neoliberal, que com todo o seu comprometimento esquerdizante é o máximo de direita possível hoje em dia, tenho escrito um bocado de coisas contra ela, e a senhora as encontrará facilmente na coleção de meus artigos publicados no Jornal da Tarde. Não tenha a menor dúvida de que alguns neoliberais, chocados com meu artigo “Viva o fascismo!” de 5 de março de 1999, me escreveram e-mails tão furiosos quanto o seu, acusando-me de estar cego de ódio contra o neoliberalismo. Discursos contra o ódio, como a senhora vê, não são monopólio de ninguém, e aliás são a ocupação predileta de quem não tem o que dizer.

 

Ainda estava maravilhada com esse texto quando descobri uma palestra feita no Clube Militar em que o senhor dizia aos ouvintes “Não se envergonhem da sua obra. Levantem as suas cabeças, tenham orgulho e não permitam que nenhum hipócrita comunista venha se fazer de seu fiscal.” Que estranho, pensei… Desde quando tortura e perseguição são motivo de orgulho? Ou isso não deve ser considerado parte da obra dos militares? Nesse caso, então Fidel Castro também tem do que se orgulhar, pois não há em Cuba uma criança que não esteja na escola ou que careça de assistência médica.

 

Sua argumentação simplesmente não é honesta. Louvar o saldo global da obra dos militares, somando os bens e descontando os males, é bem diferente de louvar os males. A feiúra moral dos atos de violência cometidos pelo governo militar foi explicitamente afirmada no meu discurso, junto com a grandeza de seus atos positivos, que, no resultado final e dentro do quadro das alternativas permitidas pela situação, superaram grandemente esses males.

Mas trinta anos de hegemonia cultural da esquerda neste país mudaram tão profundamente os hábitos de pensamento e os simples reflexos automáticos da opinião pública, que hoje se tornou natural para muitas pessoas — que nem se imaginam esquerdistas — uma completa duplicidade moral no julgamento de atos e homens. De um lado, essas pessoas se acreditam esclarecidas e democráticas, abominam qualquer dogmatismo moral, detestam a idéia de um bem e de um mal absolutos e professam tudo julgar de acordo com a relatividade das situações e circunstâncias. Mas, quando o que está em julgamento é “a direita”, a execrável direita, então abdicam de todo senso das proporções, recusam-se a qualquer avaliação comparativa das circunstâncias e alternativas reais, e tudo julgam segundo padrões absolutistas de certo e errado. Se dizemos que de todas as reações a uma revolução comunista já havidas no mundo a brasileira foi documentadamente a mais branda, a mais respeitosa das leis e direitos, a menos violenta, a menos repressiva, e desafiamos nosso adversário a nos citar um único exemplo contra a nossa tese, ele imediatamente escorrega para fora do ponto em discussão e declara solenemente que um só ato de violência já é abominável e que o fato de a contra-revolução brasileira ter sido menos violenta que as outras é apenas um fator quantitativo que nada significa. Ou seja: quando se trata de julgar “a direita”, a moral dogmática absolutista, abstratista e a-histórica, que essas mesmas pessoas condenam como um reacionarismo ideológico, torna-se de repente o critério único e legítimo para o julgamento de tudo.

Assim, minha senhora, não há condição de discutir, pois o pressuposto de toda discussão é um mínimo de honestidade e de fidelidade de cada parte às suas próprias premissas.

Se a senhora compreende que atos humanos devem ser julgados de acordo com padrões humanos, admitirá também que, em política, não existe o bem absoluto, mas apenas o mal menor ou um bem aproximativo. Nesse sentido, o movimento de 1964, como reação a uma revolução comunista em marcha, foi excepcionalmente brando, considerando-se que os hábitos sanguinários dos comunistas deixavam prever um morticínio incalculavelmente maior no caso de chegarem ao poder. Só para a senhora fazer uma idéia, O LEVANTE COMUNISTA DE 1935 MATOU MAIS DE QUINHENTAS PESSOAS EM MENOS DE UMA SEMANA. Os militares que se puseram em ação no dia 31 de março tinham plena consciência de estar prevenindo o mal maior, pois lembravam-se bem dessas vítimas, então recordadas anualmente numa celebração oficial que o establishment esquerdista pós-Constituição de 1988 aboliu para evitar comparações incômodas e perguntas irrespondíveis. Como a senhora vê, todos os cadáveres são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros.

Ademais, senhora, faça um breve cálculo sobre os acontecimentos de 1964-1984. Do lado das forças do governo, havia aproximadamente 30 mil soldados e policiais mobilizados contra a guerrilha rural e urbana. Do lado da guerrilha, havia não mais de quinhentos combatentes. O governo fez aproximadamente trezentas vítimas, os guerrilheiros duzentas, o que significa a média de 0,01 vítima para cada combatente governista, em contraste com a média de 0,4 feita por cada guerrilheiro individual. É uma diferença, senhora, de 1 para 40, por soldado. Proporcionalmente, se a esquerda tivesse o mesmo número de combatentes que as forças legais, conservando o poder de fogo de cada soldado, teria matado 12 MIL PESSOAS. Diga agora qual das duas forças, a governista e a esquerdista, foi mais assassina, e diga se para impedir a morte de doze mil pessoas é excessivo matar trezentas. Esses cálculos, senhora, são obrigatórios para quem quer que pretenda, no julgamento de tais fatos, ser justo e imparcial como a senhora diz que é. Recusar-se a essa comparação é ceder a impressões carregadas de ódio irracional, coisa bem diferente do ódio refletido e justo a que se refere N. S. Jesus Cristo.

 

Concordo com o senhor que os militares eram muito menos castradores do que qualquer outro representante de governo comunista e mataram menos. Isso é verdade, mas ainda não vejo motivo de “orgulho”.

 

A senhora não chega a compreender que paralisar com tão pouco derramamento de sangue uma revolução em marcha é uma proeza NUNCA IGUALADA, nem de longe, em toda a história ocidental? Não chega a compreender que, nas circunstâncias, manter a disciplina e reduzir ao mínimo possível os inevitáveis atos de crueldade foi um feito político e moral de grandeza excepcional? A senhora, no comando de um Exército incumbido de enfrentar uma revolução, conseguiria fazer melhor? Quem, no mundo, conseguiu? A senhora se imagina investida de poderes divinos?

 

Lembro de outra passagem do mesmo discurso em que o senhor diz assim “Será que não está na hora de os adultos aprenderem que os jovens não devem ser lisonjeados e sim educados (…) ?” Eu pergunto, será que a lição das lisonjas só serve para os jovens? Acho que não, acho que é para todos. Não diz a Bíblia que homem que lisonjeia o próximo arma-lhe uma rede aos passos?

 

Cara senhora, quantos candidatos a senhora já ouviu fazerem a apologia do eleitor adulto ou ancião? Quantos filmes e novelas a senhora já viu fazerem a defesa dos pais contra a rebelião dos jovens? Quantas canções populares a senhora ouviu assumirem a defesa dos sentimentos dos adultos contra as pretensões das novas gerações? Por favor, não me faça descrer da sua inteligência. O mundo, no século XX, regurgita de lisonjas à juventude.

 

Bem, eu não tenho nada contra os militares, só por eles serem militares. Mas não gosto de qualquer governo que seja totalitarista. Tanto os confessos quanto os camuflados.

 

O conceito de totalitário não se aplica ao regime militar brasileiro, exceto como figura de retórica muito chinfrim. O totalitarismo implica, além de uma concepção global que os militares nunca tiveram, uma organização popular de apoio, que não houve, o controle da cultura e da linguagem, que não foi sequer tentado, a implantação de uma nova ética através da educação, que não foi nem mesmo cogitada, etc. etc.

 

Apesar de ter ficado bastante intrigada com o seu discurso, ainda achava que o senhor talvez tivesse escrito aquele texto sob coação moral irresistível. Afinal, o autor do “Imbecil Coletivo” não ia dizer a ninguém que se orgulhasse de nada. Pelo contrário, questionaria sempre.

 

Questionar por questionar é tão bobo quanto nunca questionar nada. E direi a um homem que se orgulhe de seus atos, para levantar seu moral, sempre que o veja cercado de acusadores que, imputando-lhe crimes que não cometeu, procurem lhe incutir falsas culpas para o manipular melhor.

De novo, senhora, peço que faça as contas, agora com relação às torturas. O Brasil teve, no regime militar, não mais de 2.000 presos políticos. Supondo-se, para raciocinar per absurdum, que TODOS tivessem sido torturados por um total de 30 horas cada um, seria preciso 60 mil horas de trabalho dos torturadores, ao longo de 20 anos, ou seja, 3 mil horas anuais. Portanto: bastaria um único torturador, trabalhando 8 horas por dia durante 20 anos, para fazer TODO esse serviço. Suponhamos, porém, que o torturador não trabalhasse sozinho, mas com um parceiro: para torturar todos os presos políticos do Brasil seria preciso DOIS torturadores. Para ser mais flexíveis ainda, admitamos que cada torturador só trabalhasse três meses por ano. Neste caso, OITO torturadores bastariam. Mas, para irmos ao absurdo da concessão, admitamos que cada dupla de torturadores agisse sob ordens de toda uma cadeia de comando que, descendo de um general para um coronel, deste para um tenente-coronel, deste para um major, para um capitão, para um tenente, um sargento e um cabo, então teríamos, para cada uma das quatro duplas, mais oito cúmplices. Sendo quatro as duplas, teríamos, além dos torturadores diretos, mais 32 cúmplices, ou seja: um total de 40 torturadores, diretos e indiretos, bastaria, com sobras inconcebivelmente generosas, para torturar TODOS os presos políticos brasileiros, na hipótese aberrante de que nenhum destes tivesse sido poupado. Ora, a senhora acha mesmo que todas as forças armadas brasileiras — 300 mil homens — deveriam se sentir culpadas, e continuar a sentir-se culpadas vinte anos depois, pelas ações de 40 indivíduos? Não é antes mais justo dizer aos outros 290.960 que ergam suas cabeças e não se deixem intimidar por acusadores mal intencionados?

 

Durou pouco essa ilusão. Li há poucas horas o seu comentário da semana e constatei que o senhor acha que a Esquerda é o mal encarnado assim como a Esquerda acha que a Direita é o mal encarnado. Em outras palavras, o senhor ainda é o mesmo jovem indignado e cego dos idos de 64. Está cometendo agora o mesmo erro de julgamento apressado de outrora. Será que daqui a 30 anos o senhor vai estar no Clube Comunista pedindo desculpas também?

 

A esquerda não é o mal encarnado porque o mal encarnado é o espírito revolucionário que ora se expressa por meio da esquerda, ora da direita — a Montanha e a Gironda da Revolução Francesa, Leviathan e Behemoth do livro de Jó na interpretação de Blake. Como no momento a expressão dominante e quase única no Brasil é a esquerda, esta assume de fato o papel de encarnação do mal, até que a roda da História complete seu giro e esse papel seja novamente assumido pela direita. Se meus livros tomam como referência uma escala temporal mais vasta, é natural que meus escritos jornalísticos, concentrando-se na atualidade, tomem por alvo o mal onde ele está no momento, e não onde poderá estar amanhã. Para ter uma visão mais completa de ambos os lados da coisa, leia O Jardim das Aflições.

Quanto à pergunta sobre o Clube Comunista, é evidente que, se minhas palavras de hoje servirem algum dia para legitimar uma onda atroz de mentiras contra comunistas e eu na ocasião nem me der conta do que esteja acontecendo, só tardiamente vindo a perceber o mal, terei a obrigação moral de pedir desculpas aos comunistas tão logo venha a percebê-lo. Nunca me considerei superior a esse tipo de dever moral. Apenas espero que, se essa onda de mentiras de fato vier a se desencadear contra os comunistas, eu não esteja na ocasião tão surdo e cego quando estive quando começaram a se espalhar, com a minha insensata ajuda, as mentiras contra os militares. No momento, porém, semelhante onda não é nem de longe previsível, visto que os comunistas dominam com mão de ferro quase todas as redações de jornais e, nas TVs, só não controlam o valente Boris Casoy e o teimoso Alexandre Garcia (a terceira exceção era Paulo Henrique Amorim, mas já deram cabo da carreira dele tão logo ele cometeu o pecado mortal de anunciar diante das câmeras que 96 por cento dos telespectadores consultados eram contra a libertação dos seqüestradores de Abílio Diniz).

 

Isso me lembra outro texto seu: “O abandono dos Ideais”. Quase me esqueço de explicar o que foi que eu vi no comentário que me fez constatar as minhas suspeitas. Bem, o senhor falava sobre o Estado de Direito que “os hipócritas da KGB” gostam tanto de defender. Dizia que hoje não há mais direito a privacidade, que o dinheiro público não pode se sobrepor ao direito de conversar numa boa no telefone.

Caro senhor Olavo, a mesma Constituição que consagrou o Estado de Direito e o direito de privacidade, consagrou outros princípios. Só no artigo quinto são mais de 70. E, sabe de uma coisa, não há hierarquia entre eles. Pois é. Freqüentemente, alguns princípios entram em choque. Aí os juristas precisam fazer uma escolha, uma vez que um terá de prevalecer sobre o outro. Então eles fazem uma ponderação, no caso concreto, para saber qual princípio privilegiar. Parece-me que é justamente o que acontece agora. O senhor sabe que as pessoas que lidam com a coisa pública estão vinculadas a lei. Pois muito bem, a lei diz que o administrador, o agente público deve se reger por princípios tais como o da moralidade, imparcialidade, igualdade e coisas assim. Tais princípios devem ser rigorosamente respeitados porque o agente não está ali administrando o seu dinheiro, o seu patrimônio, para que se tenha alguma garantia de que as coisas se processarão de modo limpo. Ele esta ali com um poder que lhe foi conferido, delegado. Portanto tudo quanto ele fizer deverá e será passível de controle externo. A ponderação de princípios entra aí, estão em jogo dois direitos: o da privacidade do agente e o da sociedade de ver seu patrimônio administrado honestamente, de acordo com a lei, a qual consagra o bem público, se sentir segura. Qual o senhor acha que deve prevalecer, nesse caso?

 

Suas especulações jurídicas, cara senhora, são absolutamente desnecessárias, pois não há contradição alguma entre o direito individual à privacidade e o direito da sociedade à honesta administração de seus bens — e o que está em jogo não é nada disso. O que está em jogo é que, sob a alegação de proteger o dinheiro público, foi feita uma escuta ILEGAL, isto é, um “grampo” não autorizado pela competente autoridade judicial. Isto, em si, é crime infinitamente mais grave do que qualquer desvio de dinheiro público, pois importa em usurpar a autoridade mesma do Estado e não apenas os seus bens materiais. A custódia que o Estado exerce sobre os bens materiais do povo advém da sua autoridade, e não esta dos bens materiais. De maneira complementarmente análoga, o direito que a senhora exerce sobre seu dinheiro advém da cidadania, e não esta da posse do dinheiro, a qual está para o primeiro como a conseqüência está para a causa, ou como a parte está para o todo. Logo, a usurpação de seus bens materiais atenta contra um de seus direitos, mas um atentado contra a sua cidadania viola todos eles ao mesmo tempo. Do mesmo modo, é mais grave atentar contra a autoridade do Estado do que contra os bens públicos. Qualquer criança pode compreender este raciocínio, que é juridicamente insofismável, moralmente certo e logicamente exato.

É evidente que, no curso de uma investigação de corrupção ou de qualquer outro crime, o Estado tem o direito de grampear telefones, contanto que isto seja feito de maneira legal, isto é, determinado pela autoridade judicial competente e não pelo arbítrio de um policial qualquer e muito menos de um “araponga” a serviço de uma facção política. Se, por acaso, o grampo ilegal revela uma verdade, ele presta com isto um desserviço à justiça, pois invalida essa verdade como prova judicial e dá ao suspeito uma oportunidade de ouro para se safar incólume. Ademais, só quem pode decidir da veracidade ou não de uma prova judicial é a própria justiça e não a senhora, nem a imprensa, nem a assembléia inteira dos arapongas reunidos. Ao proclamar que o grampo é prova verdadeira de um verdadeiro crime, a senhora prejulga o acusado e dispensa o exame judicial da questão. Se milhões de pessoas pensarem como a senhora, a gritaria do povo numa praça valerá como tribunal supremo, e isto evidentemente nada tem a ver com o Estado de direito, que NUNCA é o reinado absoluto da massa enfurecida. O poder emana do povo, sim, mas não por quaisquer meios, e sim somente através das leis que esse mesmo povo tenha aprovado por meio de uma assembléia eleita pelo voto. Se o povo deseja tornar lícitos todos os grampos e instituir o direito universal à espionagem, então que eleja outra assembléia e vote outra Constituição, louca o quanto seja — mas, até lá, que aja dentro das leis que ele próprio instituiu.

 

O indivíduo ou a sociedade? Essa “autoridade do Estado” que o senhor fala não casa com o princípio dito violado pelos “arapongas” da esquerda. Que eu saiba, no Estado de Direito, o poder é do povo. O povo é o poder constituinte originário, portanto, não há que se falar em autoridade estatal, como se isso fosse uma redoma insuspeita e inviolável.

 

O povo, senhora, não é um monarca absoluto que possa mudar o curso das coisas por mero capricho, a qualquer momento. O povo, senhora, não tem todos os direitos e, sobretudo, não tem só direitos. Mais que o governante, ele tem deveres — e o primeiro deles é não violar, movido pelo ódio que lhe inspire uma determinada pessoa ou um fato em particular, os princípios gerais que ele mesmo estabeleceu antes que o ódio lhe subisse à cabeça. Um povo que não é capaz disto não é um povo — é uma horda de loucos e bandidos. Infelizmente, esta distinção, apagada pelo discurso interesseiro de jornalistas intrigantes e políticos ávidos de poder, está desaparecendo cada vez mais das consciências neste país, e as pessoas, de boca cheia, chamam de “Estado de direito” a tirania da massa insuflada por demagogos.

 

O presidente deve satisfações (e muitas) de tudo o que faz. Então o princípio da moralidade pode ser mitigado pelo princípio do sigilo das ligações telefônicas? Pode até ser que isso ocorra em sede de direito penal, mas é inconcebível em política.

 

O favorecimento ilícito é crime previsto na legislação penal e é portanto uma questão penal. Nenhum julgamento político deste mundo pode, legitimamente, sentenciar que houve ou não houve crime, nem muito menos condenar o acusado a qualquer penalidade que seja. O julgamento político pode apenas decidir de o acusado deve ou não permanecer no cargo, INDEPENDENTEMENTE DE SER ELE CULPADO OU INOCENTE. Julgamentos políticos decidem mandatos, não culpa ou inocência. Se a senhora quer um julgamento político para FHC, tem todo o direito de defender a sua proposta, mas jamais o de proclamar, antes do julgamento pelo devido tribunal penal, que seu odiado presidente da República é culpado de crime. O simples fato de a senhora tomar uma mera punição política como atestado de uma culpa real é sinal de que o ódio cego não está precisamente onde a senhora o supôs, mas sim nos seus próprios olhos.

Infelizmente, o critério político vem se substituindo cada vez mais não apenas aos princípios do Direito mas à própria moralidade, pretendendo decidir sobre a veracidade ou inveracidade das denúncias, sobre a culpa ou inocência dos acusados e, last not least, sobre o bem e o mal em sentido absoluto. A a politização de todos os domínios da existência é, precisamente, a definição do totalitarismo.

É bom saber, minha senhora, que um impeachment é apenas uma derrota política, absolutamente alheia ao direito e à moralidade. Numa democracia, uma sentença judicial transitada em julgado prova alguma coisa; um impeachmentprova apenas que o outro lado foi mais forte. Um país onde a força política é sinônimo de justiça e de moralidade está bem próximo da ditadura pura e simples.

Para encerrar, cara senhora, talvez a senhora não esperasse uma resposta tão meticulosa, mas percebi que escreveu sua carta sob forte emoção, que prova o seu sincero interesse no assunto, e julguei que suas observações, por injustas e até insultuosas que fossem, não indicavam qualquer má-fé da sua parte, e que por isto deveriam ser respondidas com paciência e método, como perguntas de um aluno numa aula.

Creia, senhora, que não sou nada do que a senhora diz. Mas, se a senhora antes me admirava tanto quanto diz ter admirado, o choque de encontrar em meus escritos alguma opinião flagrantemente contrária às suas pode ter transformado repentinamente a admiração excessiva em injusto desprezo, pois, como diz o provérbio árabe, “se alguém te louva por qualidades que não tens, logo estará te condenando por defeitos que também não tens”.

Escreva quando quiser. Respondo em geral a todos os e-mails, mas não me comprometo a fazê-lo na hora porque viajo muito e às vezes minha correspondência fica aguardando semanas a fio.

Com meus melhores votos,

Olavo de Carvalho

Dois escândalos

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 27 de maio de 1999

Um presidente norte-americano, que havia escapado incólume a cabeludas acusações de corrupção, acabou perdendo o mandato porque mandou grampear o telefone dos adversários. No Brasil, grampeiam-se telefones de deputados, de ministros e agora do presidente da República – e só o que repercute na imprensa é o conteúdo das conversações gravadas, sem que ninguém se mostre nem um pouco escandalizado com o fato mesmo da espionagem política, cuja prática assim vai se tornando hábito e direito adquirido.

Mas, mesmo que as conversações de agora trouxessem uma prova inequívoca de corrupção – o que não é o caso absolutamente –, restaria perguntar: por que as verbas públicas deveriam ser tão sacrossantas e intocáveis, se a própria autoridade do Estado não vale nada e pode ser violada impunemente por qualquer araponga travestido de guardião da moral?

Todos sabemos que a oposição de esquerda tem seu próprio serviço secreto, que, graças à estratégia gramsciana da “longa marcha da esquerda para dentro do aparelho de Estado”, nenhum cidadão e nenhum homem público está hoje a salvo dos olhos e ouvidos onipresentes da hedionda KGB tupiniquim. Onipresentes e onipotentes: seus agentes e colaboradores, infiltrados em todos os escalões da administração, vasculham os papéis e a vida privada de quem bem entendem, copiam documentos, violam segredos bancários e gravam telefonemas à vontade, sem que ninguém dê o menor sinal de perceber que isso já é um Estado policial paralelo instalado no País, aguardando apenas a posse de um candidato de esquerda na Presidência da República para oficializar o reinado do Big Brother que tudo sabe, tudo ouve e tudo vê.

É óbvio que, ao dizer isso, serei fatalmente mal interpretado e dirão que estou apenas defendendo FHC. Não haveria mal algum em defender o presidente, mas, com toda a sinceridade, digo que a sorte de nenhum político individual me comove o bastante para vencer minha preguiça de escrever em sua defesa. O que estou defendendo é um princípio – o famoso Estado de Direito do qual os hipócritas da KGB falam sempre de boca cheia, quando lhes interessa. Mas a moralidade pública deste país foi tão aviltada, tão prostituída por seus defensores oportunistas, que hoje em dia qualquer defesa de um princípio é interpretada, maliciosamente, como defesa de um interesse político determinado. Estou pouco me lixando para as interpretações suínas. O que tenho a dizer é que, se a espionagem política não for punida severamente, vai se consolidar como um hábito culturalmente aceito, uma vitória esplêndida da “revolução cultural” gramsciana, e aí será tarde para defender a democracia, porque já estaremos vivendo sob uma ditadura.

E a reação da opinião pública, irada contra as vagas suspeitas de favorecimento ilícito e indiferente à exibição confessa de espionagem, mostra que a perversão do senso moral já não afeta só os políticos, mas a Nação inteira. O povo que respeita antes o dinheiro público do que a autoridade do Estado e o direito à privacidade é um povo rebaixado ao nível mais ínfimo da moralidade – a moralidade de bandidos para os quais o dinheiro é o único valor. Que essa completa inversão do senso moral tenha se operado em nome da ética, é algo que não posso ver sem sentir ânsia de vômito.

Os policiais do pensamento, que vivem à cata de nazistas embaixo das camas, não vêem nada de mau num pouquinho de nazismo quando ele se volta contra seus tradicionais desafetos, os militares brasileiros. O filme de Sílvio Back, Rádio Auriverde , que mostra a atuação da FEB na 2.ª Guerra Mundial desde o ponto de vista da propaganda alemã, desce ao mais sórdido esculacho das nossas forças militares, sempre assumindo a opinião do governo nazista como verdade inquestionável. O texto do documentário é extraído das emissões radiofônicas de guerra psicológica nazista destinadas a corroer o moral de nossas tropas na Itália, e é usado por Sílvio Back com o mal disfarçado propósito de minar o respeito que a Nação brasileira sente pelos heróis da FEB.

O filme é ruim que dói, mas, além de produzido com dinheiro do Banco do Brasil, já foi exibido várias vezes em tevês estatais, sem que nenhum intelectual de esquerda denunciasse o nazismo ostensivo do seu conteúdo. Afinal, do ponto de vista da estratégia comunista, há nazismo ruim e nazismo bom.

The Problem of Truth and the Truth of the Problem

Olavo de Carvalho

May 20, 1999

I. Radical Questioning

§ 1. Of satisfied frivolity

Quid est veritas? This is the most serious and the most frivolous of questions, depending on the intention of the one who asks it. Some admit that the meaning and the value of human life depend on the existence of an eminently certain and reliable truth, which may serve as a measurement to verify the validity of our thoughts. Others think that life may perfectly well proceed without any truth and without any foundation. Among the latter could probably be found good old Pontius Pilate. When he exclaimed “What is truth?”, he was not exactly asking a question, but rather expressing, with a shrug, his little disposition to ask that question seriously. The prospect of there not being any truth — which would drive into despair those who judge that life needs it to justify itself — was for Pilate a relief and a consolation, a guarantee that he could go on living without any concerns. Some wager on the existence of truth and cherchent en gémissant. Others turn their backs and wash their hands of the matter. The verbal formula through which they express themselves is the same: Quid est veritas? But in the difference of their nuances lies all the distance that goes from tragic to comic.

The frivolous or comic school is widely dominant nowadays, be it in the universities, be it in culture at large. Even those who seek to believe in an effective truth surround it with all sorts of limits and obstacles, for example by reducing it to the kind of partial and provisional truth that is given to us by some of the experimental sciences. Others stick to faith, saying that truth exists, but that it is above our understanding.

In any debate on the problem of truth these days, the agenda consists almost invariably in rehashing the observations made by philosophers, from Pyrrho to Richard Rorty, on the limits of human knowledge. These limits, taken as a whole, make up a formidable mountain of obstacles to any will to know the truth. And this mountain is an ever growing one, with a peak that gets farther and farther out of reach the more we climb it. From the half-witted objections of the Pyrrhonic school against the validity of knowledge acquired through the senses, to the enormously complex constructions with which Psychoanalysis denies the priority of conscience, or Gramsci reduces all truth to the expression of ideologies that succeed themselves through History, a lot has evolved in the machine that inoculates disappointment in the truth-seeker. It causes no surprise that many of the builders of this machine, as they add a new piece to it, instead of regretting the consequent increase in human impotence, display on their lips a smile similar to Pilate’s. The inexistence of truth – or the impossibility of knowing it – is comforting for them. We shall see ahead what are the deeper reasons for this strange satisfaction.

§ 2. Provisional definition of truth

For the moment, let us leave those creatures aside, and pose the question of truth on our behalf. As we do not yet know whether truth exists nor what it affirms, we have to resort to a provisional definition that will enable us to start the investigation without prejudging its outcome. To comply with such a requirement, this provisional definition has to express the mere intentional meaning of the word, as it appears even in the mouth of those who deny the existence of any truth; because in order to deny the existence of something it is necessary to understand the meaning of the word that designates it.

So I say that truth – the truth whose existence we are still not sure of, the truth whose existence and consistence will be the object of our investigation, as it was of many other investigations that came before us – is the permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements. If we say, for example, that the sole foundation of the validity of our judgements is their utility, we deny the existence of a cognitive foundation. That is, we deny the existence of truth through the denial of one of the elements that makes up its definition. The same happens if we say that all valid judgements are founded on faith. If we state, however, that there are no valid judgements of any kind, then we deny the existence of any foundation, cognitive or not. If we state that judgements are valid only for a specific time and location, we deny that the foundation may be permanent. If we state that judgements are only valid subjectively to the one who utters them, we deny that the foundation may be universal. If we say that the foundation of the validity of judgements belongs only to formal logic, without ever being able to reach the real objects mentioned in the judgement, we deny that this foundation has any cognitive meaning.

All these denials of truth presuppose the definition of truth as the permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements. Likewise, if we say that truth exists, that it is knowable, that based upon it we can build valid knowledge, we will not have added or subtracted anything from that definition, but only stated that the object defined in it does exist. Our provisional definition, as it is therefore consistent with the two totally opposed currents of opinion that dispute the question, constitutes a superior and neutral ground from which the investigation may start without any prejudices and with all honesty and rigor.

§ 3. Is the radical questioning of truth possible?

We start thus from a consensus. The next step of the investigation consists in asking whether truth, as defined, can or cannot be the object of radical questioning. By ‘radical questioning’ I mean that kind of questioning that, admitting ex hypothesi the inexistence of its object — as for example it was done many times with the existence of God, of innate ideas, or of the exterior world — leads to a conclusion that may be favorable to the inexistence or to the existence of its object.

The radical questioner of God, of innate ideas, or of the exterior world may question them because he positions himself, from the outset, outside of the divine, innate or worldly ground, i.e., he reasons as if God, or innate ideas, or the exterior world did not exist. As his investigation unfolds, he will either come to the conclusion that his premise is absurd — admitting therefore the existence of that whose inexistence he had postulated —, or inversely he will come to the conclusion that the premise holds perfectly well and that what was supposed to be inexistent indeed does not exist.

The most classical example of this method is Descartes’. He presupposes the inexistence of the exterior world, of what is acquired by the senses, of his own body, etc. And he continues reasoning along this line until he finds a limit — the cogito ergo sum — that forces him to retreat and to admit the existence of all he had initially denied.

Radical questioning is the hardest test to which philosophy can submit any idea or being that might exist.

What we should then ask, right after obtaining a formal definition of truth, is whether the truth so defined may be the object of radical questioning. As surprising as it may be to many, the answer is a flat no. The truth cannot be the object of radical questioning.

No investigation about the truth, as radical as it may be, can take as a premise the inexistence of any permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements and then continue to reason in a manner consistent with this premise until reaching some positive or negative result. And it cannot do so for a very simple reason: the affirmation of the absolute inexistence of any permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements would constitute, itself, the permanent and universal cognitive foundation of subsequent judgements made along the same line of investigation. The investigation would be paralyzed as soon as formulated.

Let us briefly examine some of the classic strategies for the denial of truth to which the questioner could resort in order to escape from this cul-de-sac.

We may try for example the pragmatistic strategy. It states that the validity of judgements rests on its practical utility, consequently assuming that the foundation of such validity is not of a cognitive nature. If we said that the inexistence of a permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements is not itself a permanent and universal cognitive foundation, but only a practical foundation, either this practical foundation would have to be permanent and universal, or it would only be partial and provisional.

In the first hypothesis, we would have two problems: on the one hand we would stumble upon the paradox of a universal utility, that is, of something that might usefully serve all practical ends, even the most contradictory. It would be the universal means for all ends or, more precisely, the universal panacea. On the other, we should ask whether the belief in this panacea would have, in turn, a cognitive foundation or whether it would only be a practical utility, and so on infinitely.

In the second hypothesis — i.e., if the questioner admits that the affirmation of the inexistence of truth is only a partial and provisional foundation for the validity of subsequent judgements — there would always remain the unshakable possibility that other permanent and universal cognitive foundations might subsist outside the ground so delimited, capable of validating an infinity of other judgements. The investigation could thus proceed indefinitely, jumping from one provisional foundation to another, without ever being able to found itself on its own premise, that is, on the radical inexistence of truth.

Let us then try a second strategy, subjective relativism. It proclaims, as did Protagoras, that “man is the measure of all things”, what is currently interpreted as meaning “to each his own”. In other words, what is true is true only from the point of view of the one who thinks it is true, and it may be false from the point of view of everyone else. Can this statement provide the basis for a radical questioning of truth, in such a way that the denial of the existence of a permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements does not become itself the permanent and universal cognitive foundation that supports the validity of subsequent judgements in the same line of investigation? Saying it in a simpler way: can relativism deny the existence of judgements that are valid for all men without this very denial becoming a valid judgement for all men? To do it, relativism would have to deny the universality of this denial, what would amount to admitting the existence of one, or some, or an infinity of judgements that are valid for all men. So relativism itself would turn out to be relative. By stating that some judgements are not valid for all men — which implies that others may be —relativism would end up becoming a platitude without any philosophical meaning. Subjective relativism cannot achieve a radical questioning of truth, as pragmatism also could not.

Could historicism then do it? Historicism declares that all truth is but the expression of a temporal, limited world view. Men think this or that not because this or that imposes itself as a universal and permanent obligatory truth, but only because it imposes itself in a specific place and for a limited period of time. But can historicism avoid that the statement of these limits becomes itself the permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements? In order to avoid that, it would be necessary to admit that there may be some foundation that denies the very statement of those limits. But if that foundation exists; then there is a truth whose validity is unlimited by space and time, a truth whose validity escapes from historic conditioning. And therefore historicism would be reduced to the miserable realization that some foundations of validity are historically conditioned while others are not, not even being able to apply this distinction to concrete cases without thereby affirming the invalidity of the historical principle taken as a universal rule.

I will spare the reader the enumeration of all the possible subterfuges and their detailed refutation. He can do that himself as an exercise if he so wishes, and I even encourage him to do so. In any case, as many times as he tries them, he will always return to the same point: it is not possible to deny the existence of a universal and permanent cognitive foundation of the validity of judgements, under any pretext, without this denial and its respective pretext becoming themselves a universal and permanent cognitive foundation of the validity of judgements. And thus it voids the next denial through which it would proceed the investigation, if it only could. In short, truth, as we defined it, cannot be the object of radical questioning. Neither can the possibility of knowing it. Once we deny that it is possible to know a permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements, either this very impossibility becomes such a foundation, thereby admitting its own lack of any foundation; or else, in order to avoid this embarrassing situation we should limit ourselves to stating that some judgements do not have any foundation while others probably do, a statement that lies within the means of any school kid.

Not being capable of hitting its target, the enemy of the truth is therefore eternally doomed to biting the edges, without ever reaching the vital center of what he wishes to destroy. He will now deny one truth, then another, now with one pretext, then with another, varying his strategies and the directions of his attack. But he will never be able to free himself from his fate: each denial of a truth will be the affirmation of another; and that denial as well as this affirmation will always result in the affirmation of truth as such, i.e., of the effective existence of some permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements.

This also explains the continuous, unlimited and irrepressible proliferation of the denials of truth and their total incapacity of suppressing from the face of the Earth the belief in the existence of truth, the belief in the possibility of knowing the truth, the belief in the actual and full possession of a truth capable of providing a permanent and universal cognitive foundation for the validity of judgements.

That is why the number and variety of the attacks to the truth, from Pyrrho to Richard Rorty, greatly exceed the number and the variety of the defenses that formally present themselves as such. That is because these very attacks, however their authors deplore it, always end up turning themselves into defenses and praise for the truth. Thereby, they do not only reduce the workload of the apologist of truth, but also enliven what they wished to lay to rest and honor what they wished to humiliate.

This is also the reason why the beginner, impressed by the variety and continuity of charges against the truth that are observed in the history of philosophy — nowadays in a notably increasing speed — swiftly adheres to skepticism, so that he will not feel as belonging to an isolated and weakened minority. But as he proceeds with his studies, he overcomes that first impression based only in apparent quantity. He is then no longer able to maintain that position as he realizes that the strength does not rest in the number of those who deny the truth, as impressive as they may seem, but rather in the quality of the happy few who serenely affirm it.

II. The truth is not a property of judgements

§ 1. Truth and truthfulness

The impossibility of radical questioning that we verified in the preceding chapter leads us to the conclusion that the truth may only be attacked by parts, and that each denial of a part reaffirms the validity of the whole. Said in another manner, what may be questioned are truths. “The” truth cannot be questioned and indeed never was, except in words, that is, by the pretending of a denial that ends up being an affirmation of truth.

But this takes us a step ahead in the investigation. A venerable tradition, initiated by Aristotle, affirms that truth is in the judgements, that it is a property of judgements. Some judgements “possess” the truth while others do not. The first ones are called true judgements, the second ones, false judgements. Therefore the set of true judgements is a subset of the set of possible judgements. Possible judgements, in turn, constitute a subset of the set of the human cognitive acts; these are a subset of the set of the mental acts, which are a subset of the set of human acts, and so forth. Therefore, the territory of truth is a small detached area inside a vast world of thoughts, acts and beings.

Is this really possible? How could truth be the foundation of the validity of all judgements and at the same time a property of some of them in particular? Isn’t that a blatant contradiction or at least a problem?

To come to terms with it and solve the problem, it is necessary that we agree in a distinction between truth and truthfulness. Truth is the permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements. Truthfulness is a quality observed in some judgements, according to which their validity has a permanent and universal cognitive foundation.

Once we understand that, it becomes evident that the truth is a founding condition for truthfulness, not the opposite. If there was no permanent and universal cognitive foundation of the validity of judgements, no judgement could have a permanent and universal cognitive foundation. However, if one particular judgement possesses this foundation, nothing in the world can establish that it is the only one to possess it, i.e., that the existence of the foundation depends of the existence of this particular judgement. Yet this particular judgement could not exist and be true if there existed no truth. The truth is thus logically prior to truthfulness and constitutes its foundation.

Still, being the foundation of truthfulness, truth is also the foundation of untruthfulness, because false judgements are only false insofar as they may be truthfully disproved, be it through their simple denial — itself truthful — be it through the affirmation of a contrary truthful judgement.

Being the foundation not only of the truthfulness of true judgements, but also of the untruthfulness of false judgements, truth must be present in both, while truthfulness is only present in the true judgements and cannot be present in false ones. Thus, the territory of truth is not identical to the set of possible true judgements, but encompasses it together with the set of the possible false ones.

§ 2. Is the foundation of all judgements a judgement?

Must the truth, foundation of all judgements, necessarily be a judgement? Can only a judgement be the foundation of another judgement? The answer is yes and no. Yes, if by foundation we mean, restrictively and conventionally, the premise upon which the proof of a judgement is founded. But a premise states something about something, and what it states is not a judgement but rather its object. Let me say, for example, that turtles have shells. I found this judgement upon the definitions of turtle and shell, which are judgements. But I found these definitions upon the observation — which is not a judgement — of turtles and shells, which are not judgements either. Should not that observation also be true, by apprehending traces which are truly present in true objects? Or should I resort to the subterfuge according to which the observation must only be exact, the concept of “true” not being applicable to it ? But then what is the meaning of “exact” in this case, if not that which informs me nothing more nor less of what I truly observed in what an object truly showed? Moreover, is it an authentic exactitude or just its simulacrum? There is no way out: either there is truth in the observation itself or it cannot be exact, correct, adequate, sufficient, nor have any other quality that recommends it except if this quality be true.

So the foundation of the truthfulness of a judgement rests not only in the truthfulness of the judgements that work as its premises but — in the case of judgements concerning objects of experience — also in the truth of the data wherefrom I extracted such premises and in the truth of what I know about such data from experience.

Furthermore, if the foundation of judgements had to be always itself a judgement, the primary foundation of all judgements would be a judgement destitute of any foundation. Taken to this cul-de-sac, Aristotle affirmed that the knowledge of the first principles is immediate and intuitive. But he meant only that these principles had no proof, not that they were devoid of any foundation. The principle of identity, for example, thus expressed in the judgement A = A, does not have behind it any judgement that may work as a premise to its demonstration. But it has an objective foundation in the ontological identity of each being to itself, which is not a judgement. What can be known intuitively is this ontological identity and not the judgement A = A, that only manifests it. So the intuition of the first logic principle does not take the form of a judgement, but rather that of an immediate evidence which, in itself, is not a judgement. There cannot be a judgement unless this immediate evidence is transformed by signs into a verbum mentis. That is, into a conscious agreement which – not yet being a proposition, an affirmation in words – is not anymore just the pure and simple intuition, but rather its mental reflex and therefore a derivative and secondary cognitive act, not a primary one.

So if the territory of logic premises begins with judgements that affirm the first principles, that territory is very far from encompassing all the field of cognitive foundations that extends itself into the realm of intuitive perception, be it of the objects of experience, be it of the first principles.

The falsity of the image of truth as a small detached zone in the vast territory of possible judgements becomes thus evident. Rather, it is all judgements, true and false, that are but a modest spot in the immense territory of truth.

III. Where is the truth?

§ 1. Truth as a realm

So we have come to understand that truth, being the criterion for the validity of judgements, cannot be an immanent property of these very judgements. Neither can it be something totally external to the judgements which would evaluate them from the outside, because this evaluation would in turn be a judgement. If I say “the chicken has laid an egg”, where can the truth of this judgement be? In the judgement itself, independently from the chicken, or in the chicken, independently from the judgement? The absurdity of the first hypothesis led Spinoza to proclaim the inanity of the judgements that arise from experience, which are never valid or invalid in themselves and always depend on something external. For him, a true judgement would have to be true in itself, independently from everything else. As, for example, A = A does not depend on what is A or on any other external verification. But the identity of A to A lies not only in the judgement that affirms it, but also in the consistency of A, whatever A may be. There is no purely logic judgement that can be true or false in itself without reference to the object of the judgement. Even a judgement that refers only to itself unfolds into a judgement that affirms something and into a judgement about which something is affirmed, and one is certainly not the other. Affirming that a judgement is true in itself cannot mean a total alienation of the “world” that is supposed by the very possibility of enunciating a judgement. Fleeing to the realm of formal identity does not solve the problem at all. Should we then say, along with an old tradition, that truth is in the relation between judgement and object? Now, this relationship is stated through a judgement that in turn must have a relation with its object – the original relation between judgement and object – and so on infinitely.

The other hypothesis, that the truth of the judgement “the chicken has laid an egg” is to be found in the chicken, independently from the judgement, would take us to equally insurmountable difficulties. It would amount to saying that the truth of the judgement does not depend on the judgement being made. That is, that once the chicken has laid an egg, the judgement that affirms it is true even though it does not exist as a judgement. Edmund Husserl would subscribe to this view without winking: the truth of a judgement is a question of pure logic that has nothing to do with the merely empiric question of a specific judgement being made by someone one day. The confusion between the sphere of the truth of judgements and the sphere of their psychological production did indeed a lot of harm to philosophy, and Husserl has definitely clarified that confusion. But if the chicken laid an egg and nobody said anything about it, truth in this case is not in the judgement, but rather in the fact. The judgement that has not yet been made cannot be true or false, it can only have the possibility to be true or false. Being true that the chicken laid an egg, the judgement that affirms it will be true if formulated, while the truth of the fact is already given by the appearance of the egg.

But if the truth of the judgement “the chicken laid an egg” is neither in the judgement independently from the chicken, nor in the chicken independently from the judgement, not even in the relation between chicken and judgement, where after all can it be?

We have just seen that, independently from the judgements that affirm them, or from any judgements that might be made about them, the objects they refer to may also be true or false. “The chicken laid an egg” is opposed to “the chicken did not lay an egg”, independently from somebody saying so or not. There is identity and contradiction in the real world, independently from the judgement which affirms or denies anything about it, and even before this judgement is made. In other words that lead to the same result: truth exists in reality and not only in judgements, or it could not exist in judgements at all. There is truth in the fact that the chicken laid an egg, there is truth in the judgement that affirms it, and there is also truth in the relation between the judgement and the fact, as well as in the judgement that affirms this relationshipt: the truth thus cannot be “in” the fact, nor “in” the judgement, nor “in” the relation, but it has to be in all three of them.

Furthermore, if it is in the three of them, it must also be somewhere else, unless we admit that a single fact and the judgement that affirms it, and the relation that connects both of them, may be true even if everything else is false. But this “everything else” that is not contained neither in the fact, nor in the judgement, nor in the relationship, necessarily includes the very existence of facts, as well as of logic principles implied in the judgement and in the relationship. If there are no facts and logic principles, a chicken will uselessly lay eggs in the realm of the non-fact, and a relation between fact and judgement will uselessly be sought in the realm of illogicality. Hence, the truth of a single fact, of a single judgement, and of their relationship, imply the existence of truth as a realm that at once encompasses and transcends facts, judgements and relationships.

Searching for truth in the fact, or in the judgement, or in the relations between them, is like searching for space in bodies, in their measurements, and in the distance from one body to another. As space is not in the bodies, nor in their measurements, nor in their distances – but rather bodies, measurements and distances are in the space – likewise, truth is not in facts, nor in judgements, nor in their relations, but they are all in the truth, or they are not anywhere. And even this “not being anywhere”, if it means anything and is not only a flatus vocis, must be in the truth.

Truth is not a property of facts, judgements, or relationships. It is the realm within which facts, judgements and relations occur.

§ 2. Is the truth an a priori form of knowledge?

At this point, the kantian temptation is practically unavoidable. As a condition for the possibility of facts, judgements and relationships, the truth is effectively an a priori condition. But is it an a priori condition for the existence of these three things or only for the “knowledge” we can have of them?

This problem is solved in a simple and brutal way: if we say that the truth is an a priori form of knowledge and intend this statement to be true, then knowledge must be in the truth and not truth in the knowledge, because what is a priori cannot be immanent to something which it itself determines. To be an a priori condition of knowledge, truth must necessarily be an a priori condition of something else that is not knowledge, but rather its object. Knowledge, like facts, judgements and relationships, is within the realm of truth and that is so independently of knowledge being considered exclusively in its eidetic content or as a fact. The truth of what is known, the truth of the knower, and the truth of knowing are all aspects of truth, and truth is not an aspect of any of them.

After all there is no kantian way out. Either knowledge is in the truth or it is not anywhere at all.