Os gurus do crime

Olavo de Carvalho

O Globo, 24 de fevereiro de 2001

“Intelectuais iluminados não são curiosidades inofensivas. São maníacos perigosos”
Eric Voegelin

Toda a ciência social do mundo, a marxista inclusa, ensina que nunca as condições materiais e econômicas determinam diretamente a conduta dos homens, mas que o fazem sempre e somente através da interpretação que estes lhes dão, isto é, através dos fatores ideológicos, culturais, morais e psicológicos envolvidos no processo.

Um exemplo tornará isso mais claro. Toda hora aparecem na TV e nos jornais pessoas cultíssimas, sabedoras, iluminadas, as quais nos asseguram, com ar de certeza infalível, que a miséria produz a criminalidade. O sujeito trafica, assalta, mata e estupra porque é um excluído, um miserável, um favelado. É o que dizem. Mas – digo eu e dizem os fatos – se o excluído, o miserável, o favelado é também evangélico, ele não trafica, nem assalta, nem mata, nem estupra. Se fazia essas coisas antes da conversão, cessa de fazê-las imediatamente ao converter-se. Qual a diferença? Não é econômica, decerto. É cultural, é moral, é psicológica e espiritual. O sujeito, ao converter-se, sofre ainda o impacto cruel da miséria, da exclusão, do compressivo estreitamento de suas possibilidades de ação na sociedade. Apenas, deixou de acrescentar a esses males o mal ainda maior da prática do crime. Ele ainda está na mesma situação, materialmente falando. Apenas, passou a interpretá-la segundo outros valores, outros símbolos, outros critérios. Isso faz, no pobre como no rico, toda a diferença entre o criminoso e o homem de bem. A experiência de milhares de evangelizadores e evangelizados, inclusive dentro dos presídios, comprova que, na produção como na supressão da criminalidade, o peso dos fatores morais e culturais é infinitamente mais decisivo do que a situação material em si. Eis o motivo pelo qual, nas cadeias, a gerência do crime odeia aqueles a quem pejorativamente chama “os bíblias”. Eis o motivo pelo qual, na Colômbia, as Farc já mataram 70 pastores evangélicos e, pelo seu porta-voz Mono Jojoy, anunciaram que vão matar todos os outros.

Bastam essas observações para nos fazer perceber que a parte mais audível e vistosa da discussão do problema da criminalidade no Brasil é pura fraude. Essa discussão caracteriza-se, da maneira mais geral e patente, pelo esforço de explicar tudo diretamente pelas condições materiais, omitindo os demais fatores mencionados. E é assim por um motivo muito simples: esses fatores não são produzidos pela situação material mesma, como emanação natural e espontânea, mas são introduzidos nela desde fora e desde cima, pela ação dos criadores de cultura, dos “intelectuais” (no sentido gramsciano e elástico do termo). Ora, quem são os cérebros iluminados que, nas horas de crise e agonia, aparecem na TV e nos jornais para receitar soluções? São os próprios intelectuais militantes. Quando esses homens, ao analisar uma situação catastrófica, omitem o elemento cultural, estão ocultando a contribuição que eles próprios deram à produção da catástrofe.

Se fossem honestos, jamais fariam isso. A primeira obrigação do intérprete da sociedade é discernir sua própria posição, sua própria atuação na cena descrita, para neutralizar o quanto possível a distorção subjetiva ou interesseira. Ora, no Brasil o cuidado primordial dos opinadores é fingir que estão fora do quadro, é lançar tudo à conta de causas externas justamente para que ninguém perceba que eles próprios são o item número um do rol de causas.

O debate em torno da criminalidade tem sido uma gigantesca máquina de auto-ocultação dos culpados. Há cinqüenta anos a cultura que produzem, interpretando postiçamente o banditismo como expressão direta e legítima de uma justa revolta contra a sociedade injusta, atua como poderoso mecanismo de chantagem emocional que desarma moralmente o aparelho repressivo, ao mesmo tempo que infunde nos delinqüentes uma ilimitada autoconfiança e lhes fornece o discurso de autolegitimação ideológica para a abdicação dos últimos escrúpulos, para a passagem da violência caótica e imediatista à violência organizada, politizada, que se viu na rebelião simultânea de 29 presídios paulistas.

Alguns desses gurus do crime vão até além disso, ensinando aos delinqüentes as formas de organização revolucionária que aprenderam em seus partidos ou em Cuba. Depois aparecem ante as câmeras, fingindo desinteresse generoso e superior isenção científica.

Todos esses fatos são empiricamente verificáveis, e a conclusão a que levam não tem nenhum meio racional de ser impugnada: os acontecimentos sangrentos da semana passada foram – como o serão os próximos do mesmo teor- o efeito lógico e inevitável de uma ação coerente, contínua, pertinaz, empreendida pela intelectualidade ativista na intenção de fomentar a revolta e transformar o Brasil primeiro numa Colômbia, depois numa Cuba.

As péssimas condições do sistema carcerário, as prodigiosas dificuldades econômicas da população, as frustrações de milhões de excluídos, as injustiças e as maldades do sistema não produziram a rebelião organizada e politizada dos detentos: o que a produziu foi a crença, artificialmente inculcada nos delinqüentes pelos intelectuais, de que essas circunstâncias deprimentes justificam que detentos se organizem politicamente para a ação violenta. O que a produziu não foi nenhum desejo sincero de suprimir ou remediar aqueles males, todos eles remediáveis, todos eles suprimíveis, mas sim o de lhes acrescentar o mal irremediável e irreversível por excelência: a organização revolucionária da brutalidade coletiva.

São culpados da rebelião carcerária todos os que, há cinco décadas, a desejam e a fomentam com seus discursos ideológicos, seja por decisão voluntária ou por cumplicidade sonsa. São culpados todos os que, rejeitando nominalmente esses discursos, se abstêm de combatê-los sob a desculpa infame de que se tornaram inofensivos após a queda do Muro de Berlim. São culpados todos os que, sabendo que doses letais de ódio revolucionário são diariamente injetadas nas cabeças de milhões de crianças brasileiras, nada fazem para desmascarar essa pedagogia do abismo. São culpados todos os que, por comodismo, por paternalismo, por medo de levar na testa rótulos pejorativos, por desejo abjeto de fazer bonito ante o esquerdismo chique, não movem um dedo para impedir que a cultura e a psique da nossa gente seja infectada com os germes dos mais baixos instintos de vingança política, adornados com rótulos edificantes como se fossem a expressão mais alta da moralidade humana.

 

Segurança Essencial

Abel Monteiro

17 de fevereiro de 2001

Fevereiro de 2001. Todos percebem. Quase todos vivenciam e são afetados. Muitos comentam, reagem, escrevem, rogam. A situação da Segurança é perigosíssima.

No Rio Grande do Sul a tropa estadual (BM, Brigada Militar) está sofrendo um arrepiante processo de castração e contenção, partido de sombrias elucubrações permitidas (?) pelo Piratini. Palacianas ou não, as umbrosas e sutis – mas ladinas – diretivas resultam de formulações elaboradas sem pressa, mas continuadamente, por cabeças cobertas por diversos tipos de chapéus, sombreros, gorros e barretes, alguns importados, e ornados com letras enigmáticas: IS, PT, MST, CUT, MCB, e outras quejandas, ativíssimas durante o recente FSM.

Aos poucos, passo a passo, avançam também algumas solertes ações exploratórias e adestradoras. Badernas incontidas no Gasômetro; desmoralização da BM no prédio da Receita Federal; paralisações descabidas nas estradas; invasões permitidas (e até apoiadas) de propriedades particulares; depredações orquestradas em Não-Me-Toque e Chapecó-SC; confusões e desgaste, plantados propositadamente, na administração da Polícia Civil e no CG/BM; …e tudo isso emoldurado por incríveis declarações do Secretário de Segurança.

Já viram esse filme ?

Além dos problemas locais no RS, estamos testemunhando também problemas gerais em outros estados – notadamente MG, SP e RJ – que poderão levar, em prazo curto, a uma grave situação. Se o Piratini e o Liberdade, por exemplo, não se dão conta da gravidade do problema, gostaríamos de lembrar que os verdadeiros responsáveis pela Segurança Nacional estão vendo ultrapassada a fase preventiva, se escoando debalde a fase repressiva, e despontando ameaçadoramente a fase operativa – durante a qual não mais serão conjugados os verbos persuadir nem dissuadir, mas o verbo eliminar.

Esse faseamento, para quem não sabe, faz parte da doutrina de atividades de Defesa Interna, da Escola Superior de Guerra, absolutamente vigente.

Por oportuno, não desejamos encerrar sem lembrar a todos os interessados que a Segurança Essencial é composta pelas funções de Segurança Nacional (desdobrada nas atividades de Defesa Externa e de Defesa Interna) e de Segurança Civil (desdobrada nas atividades de Ordem Pública e de Ordem Social). Isso é sistêmico, mas parece que, com o advento da “constituição cidadã”, os responsáveis pela Segurança, em alguns escalões, deixaram de ser informados sobre a progressividade do processo.

Gente amiga, distraída, desinteressada, sonolenta ou anestesiada, vamos despertar?

ABEL MONTEIRO é Coronel Reformado do Exército, Engenheiro de Sistemas e Professor.
amonteyro@bol.com.br

A solidariedade de Ombro a Ombro

17 de fevereiro de 2001

A petulância do sr. Márcio Moreira Alves, ao transgredir uma regra tácita de O Globo, utilizando-se do jornal para ali para fazer imputações falsas e caluniosas a um colega de redação, serviu ao menos para uma coisa: para mostrar que neste país ainda há muitas pessoas despertas, lúcidas, capazes de reagir com coragem e desassombro às investidas miúdas, mas constantes e pertinazes, de ambiciosos esquerdistas que querem moldar o país à imagem e semelhança de sua estreiteza mental. Centenas de cartas chegaram à redação de O Globo, protestando contra a interpretação maliciosa e torpe que aquele colunista dera a um artigo meu no propósito calhorda de me fazer passar por algo que não sou, nunca fui nem poderia ser. Elas ultrapassaram significativamente, em número, em qualidade e em eloqüência, os infalíveis lugares-comuns de retórica esquerdista que uma bem disciplinada militância da estupidez enviou em socorro de meu vacilante adversário.

Posso me considerar feliz de ver surgir, dos mais remotos cantos do país,  tantos amigos certos numa hora incerta, prontos para o combate. Enviei mensagens de agradecimento a muitos, mas muitos ficaram faltando, porque eu não tinha seus endereços, eletrônicos ou postais, ou porque seus e-mails acabaram naufragando e sumindo na barafunda inabarcável do meu sobrecarregadíssimo HD.

Jamais terminarei de expressar a gratidão que todos merecem. O mínimo que posso dizer é que me orgulho deles. Quantos brasileiros, hoje, podem se orgulhar de seus amigos? Eu posso.

Das muitas manifestações de solidariedade que recebi, esta, publicada como editorial no jornal Ombro a Ombro, pode constar como símbolo e resumo de todas. Que minha gratidão a Ombro a Ombro simbolize e resuma, pois, minha gratidão a todos.

Olavo de Carvalho

A fúria dos revanchistas

Editorial do jornal Ombro a Ombro, fevereiro de 2001

O artigo do filósofo Olavo de Carvalho, sob o título “Tortura e terrorismo” (O Globo, 6 jan 01), no qual fez lúcida e inteligente análise comparativa entre terrorismo e tortura, desencadeou uma avalanche de protestos em sucessivos artigos de paredros da esquerda revanchista, onde pontificam Marcio Moreira Alves e Cecília Coimbra.

Ficou patente, mais uma vez, a articulação dessas esquerdas, e o costumeiro patrulhamento que exercem, sempre que alguém contraria os seus pontos de vista. Com isso, demonstram que não estão preparadas para conviver com a democracia, que tanto apregoam: Basta que alguém discorde da sua ideologia, para investirem com fúria inaudita, tentando intimidar seus contestadores para calar-lhes a voz.

Olavo de Carvalho, no artigo “Mostrando serviço” (O Globo,16 jan 01) rebateu de forma magistral os argumentos de Marcio Moreira Alves e de Cecília Coimbra, rebaixando-os aos porões onde curtem seus recalques e vertem ódio. O Sr Marcio, na tentativa de reação, perdeu-se na mediocridade, com a afirmação pueril de que não desejando baixar o nível da discussão, não responderia: Desculpa esfrangalhada que esconde a vergonha de não querer reconhecer a derrota.

Uma derrota fragorosa no ringue das letras e idéias, certamente mais dolorosa do que o nocaute sofrido pelo boxeador que beija a lona.

A puerícia do Sr Marcio vai mais longe, ao afirmar serem melhores escritores do que Olavo de Carvalho vários nomes que cita. Ora, ora, isso se assemelha à afirmação do torcedor idiota quando diz que o seu clube é o time que joga o melhor futebol. Sem demérito para os nomes citados pelo Sr Marcio, nós preferimos Olavo de Carvalho. Em nosso julgamento, ele está no mesmo patamar de um Émile Zola! O conjunto de seus escritos tem soado como um “Eu Acuso!”, contra a esquerda irada.

D. Cecília, no artigo “Quem está a serviço de quem?” (O Globo, 18 jan), tenta responder, sem no entanto convencer, pois além de outras sandices, revela incoerência, quando diz que “é contra qualquer tipo de terrorismo”, embora não faça outra coisa senão defender terroristas: Chama de “militantes políticos” aqueles que fizeram da pólvora e do trotil a arma de seus argumentos. “Militante político” é aquele que integra um partido, ou não, que fala, que escreve e procede conforme as normas legais. Quem integra uma organização clandestina onde o móvel é o terrorismo, quem pega em armas, assalta, seqüestra, assassina para impor a sua ideologia, “na marra”, é terrorista, é guerrilheiro. Não tem o amparo da Convenção de Genebra.

O caso Olavo de Carvalho versus esquerdas revanchistas mostrou aspectos que merecem reflexão. Essas esquerdas, inobstante a sua articulação e conseqüente patrulhamento não estão “com a bola cheia” como pensam: Constate-se a quantidade de “cartas do leitor”, em apoio a Olavo de Carvalho, em número muitíssimo superior à solidariedade aos revanchistas. Derrotados no campo da violência armada – processo que elegeram para combater o regime decorrente da Revolução de 31 de Março – tiveram o perdão magnânimo dos vencedores para os seus crimes, através da Lei da Anistia, que teimam em aceitar apenas no que lhes convém. O implacável patrulhamento que exercem essas esquerdas e o desejo de revanche, eivado de incontido ódio, na tentativa de mudar o curso verdadeiro da História não lhes engrandecem; ao contrário, envenenam suas entranhas ao engolirem a própria saliva, impregnada do fel que o seu ódio faz verter.

Aliás, esta verdade mostrada por Olavo de Carvalho, que tanto as incomoda e à qual reagem como demônios sob exorcismo: “As esquerdas vivem de pregar o ódio”. Isto tudo não nos dói; faz apenas com que o fardo em nossos ombros se torne mais pesado, na missão de esclarecer e orientar quem busca a verdade ou se quer curar da peste vermelha!