Cristo e Paulo

José Nivaldo Cordeiro


31 de dezembro de 2001

Acabei a leitura do livro do Paul Johnson, História do Cristianismo, (Ed. Imago, 2000) e resolvi escrever alguns artigos a partir dos grandes temas sugeridos pelo mesmo, consolidando as reflexões que tenho feito de longa data. Neste primeiro resolvi discutir a relação entre as personalidades de Cristo e Paulo, o que significa discutir a origem da Igreja Cristã, bem como as suas relações com o judaísmo. O segundo artigo que pretendo escrever terá como tema a relação entre Paulo e Agostinho, o que significa também discutir a relação entre o cristianismo e o Império Romano. O terceiro terá como tema a Reforma, suas origens e conseqüências. E, finalmente, o quarto artigo da série abordará o doloroso momento da Segunda Guerra Mundial, na qual as Igrejas Cristãs, em sua maioria, tiveram uma vergonhosa ação, com as exceções de regra. Significará também a discussão da relação das Igrejas com os movimentos coletivistas totalitários, como o nazismo e o comunismo.

Sintomaticamente, Paul Johnson inicia sua narrativa com a personalidade de Paulo de Tarso, e não a de Cristo, como seria de se esperar. E o momento é o Concílio de Jerusalém, por volta de 49 d.C., ocasião em que a linha paulina – a evangelização gentílica – definiu os rumos da nova fé, salvando-a de ser mais uma seita judaica, que constelava em torno dos rituais do Templo de Jerusalém, em nada diferindo das ramificações tradicionais do judaísmo. A personalidade incandescente de Paulo, o judeu nascido de judeus, sua adesão apaixonada à Verdade, solapou o movimento judaizante característico dos primeiros cristãos que foram as testemunhas da vida e paixão de Cristo. Nesse Concílio, que foi o primeiro ato político do cristianismo, ficou definido que a Lei – e a circuncisão – só valeria para os nascidos judeus e não para os não judeus. Com isso quebrou-se as amarras para que o cristianismo viesse a se tornar uma religião universal, em contraposição ao judaísmo, característicamente um credo nacional e, como diz Johnson, mesmo uma religião municipal, na medida em que o espaço sagrado era definido na época como sendo o Templo. Nas suas palavras:

“Paulo é o primeiro cristão puro: o primeiro a compreender plenamente o sistema de teologia de Jesus, a perceber a magnitude das mudanças que incorporava, bem como a integralidade da ruptura com a lei judaica” (página 49).

O salto permitido pela teologia paulina começa por dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, o espaço sagrado passa a ser a alma do indivíduo e não mais um lugar geográfico. E, em segundo lugar, a adesão ao novo credo perde a sua origem racial e condição de nascimento para se caracterizar como uma adesão a ele de livre e expontânea vontade do indivíduo consciente. E, ainda uma novidade importante, Cristo viria a ser o último sacrificado, tornando obsoleta toda a Lei, especialmente as prescrições de sacrifícios de animais, em holocausto. Em substituição, ficou instituída a celebração da última ceia, um simulacro de sacrifício ritual que tornava a nova religião muito mais simpática aos gostos civilizados dos romanos e dos sofisticados gregos.

A idéia cristã, sublinhada por Paulo, de que o Povo Escolhido será todo aquele que abraçar a promessa de Cristo é absolutamente revolucionária, pois vai dar a dignidade e igualdade de todos diante de Deus. Será a semente do fim das estruturas sociais aristocráticas, bem como a semente da moderna sociedade aberta de que desfrutamos, assim como o reconhecimento da igualdade jurídica e de oportunidade de todos como a conhecemos no Ocidente judaico-cristão.

E a liberdade cristã é sobretudo a liberdade interior, independentemente das condições históricas. Um cristão é, simultaneamente, um revolucionário e um conformista, na medida em que aceita como tal a ordem vigente, mas não cede um milímetro nas suas convicções religiosas. É a condição para que indivíduos diferenciados irrompam na História, em substituição às massas estupidificadas pelos coletivos imperiais. Antes, verdadeiramente só poderiam ser considerados indivíduos raros homens de Estado e filósofos. Com a nova religião, até mesmo os simples poderiam sê-lo e a liberdade interior veio a ser a marca da nova religião. O Reino de Cristo não é desse Mundo, de modo que nem mesmo a morte poderia atemorizar os cristãos, prontos que estavam para o Juízo Final.

Então a separação completa entre o indivíduo, de um lado, e o Estado, do outro, é um acontecimento novo. O poder político desde então se estabeleceu como oposição aos indivíduos da nova fé, mesmo quando esse poder veio a ser controlado por cristãos. “Dai a César o que é de César” foi a sentença de Cristo que dessacralizou completamente o poder político, tornando efêmeras e sem importâncias as glorias do Mundo. O Reino cristão está no Além.

Cristo é uma personalidade cujo registro histórico é escasso. Sabemos muito mais de Paulo do que de Cristo. Os relatos que sobreviveram estão marcados pela sua condição de Filho de Deus, cobrindo com uma sombra o Jesus histórico. Em contrapartida, Paulo é a personalidade melhor conhecida entre os primeiros cristãos, graças às suas Epístolas, aos Atos dos Apóstolos, redigido por Lucas, e outras fontes independentes.

A doutrina teológica cristã estava implícita nos ensinamentos de Jesus, conforme relatado nos Evangelhos. Será Paulo quem sistematizará esses ensinamentos em uma prodigiosa teologia, expressa de forma elegante e apaixonada nas Epístolas. Especialmente aquela dirigida aos Romanos, a verdadeira certidão de nascimento da nova religião (não podemos esquecer que a redação dos Evangelhos aconteceu em data posterior, a partir da tradição oral). Sem Paulo certamente não haveria o Cristianismo. Cristo é a sua condição de existência, o Filho de Deus feito Homem, mas será Paulo, ao receber a missão do próprio Cristo, na visão a caminho de Damasco, quem terá a responsabilidade de construir a nova Igreja. 

Talvez a história do cristianismo tivesse sido outra se os romanos não tivessem destruído Jerusalém em 70 d.C., pois a destruição englobou também a Igreja daquela cidade, sendo o centro da nova fé transferido para Roma, local onde viveram e foram sacrificados Pedro e Paulo no governo de Nero. Roma passou a ser a sede da Igreja do Ocidente, mantendo a unidade até a Reforma.

A violência no campo

Pedro Paulo Rocha


9 de dezembro de 2001

Para citar um caso atual da atuação da ONG “Human Rights Watch”, sabemos que ela prontamente enviou seu representante para exigir a punição de policiais que, num confronto contra os “sem terra”, em Eldorado, no Pará, mataram 19 pessoas.

Sem dúvida a Polícia é, frequentemente, violenta e corrupta e, à miúde, age com crueldade e se excede no cumprimento de suas missões, envolvendo-se com bandidos. Porém as cenas apresentadas pela TV mostram, claramente, que 2.800 “sem terra” investiram contra 155 policiais, provocando a reação, sob a pena de serem trucidados a foiçadas, como foi um policial militar, degolado pelo MST, em Porto Alegre, sem que disto resultasse qualquer condenação. Ademais não se justifica esta intromissão, nos assuntos internos do país.

Cabe indagar por quê, em 12/6/96, quando 600 famílias de “sem terra”, bem armados, conforme testemunhos, (* O Globo de 15/6/96) invadiram a fazenda Cikel, no Maranhão, e mataram três empregados, um deles a pancadas (conforme laudo pericial) e seqüestraram um quarto, supostamente morto, não lhes deu nenhum apoio? Muito ao contrário, o Movimento Nacional dos Direitos Humanos imediata e precipitadamente se manifestou, em um “relatório de sete páginas, assinado simultaneamente pelo PT, Pastoral da Terra e CNBB, justificando que o conflito havia sido provocado por pistoleiros da fazenda” (* O Globo, pg. 11 de 18/6/96). Versão que é desmentida por investigações procedidas pelas autoridades e testemunhos. Este fato demonstra serem estas organizações e agitadores de esquerda, “batatas de um mesmo saco”, e desmoraliza seus alegados propósitos humanitários.

Tecnicamente, o desrespeito à lei e às instituições, a qualquer pretexto, como as invasões agrárias, sob a pueril alegação de que precisam de terra para trabalhar, está abrindo precedentes altamente perigosos. Quem acha que alguém pode ter a prerrogativa de transgredir uma lei, está lhe dando o direito de que decida quais leis deve cumprir e quais desrespeitar. É equivalente a que “sem teto” invadam suas casas, por não terem onde morar, “sem carro” os assaltem, por não terem um veículo, ou “sem mulher” estuprem, por não terem esposa. São violências e arbitrariedades injustificáveis. As alegações apresentadas, só podem ser aceitas por mentecaptos.

Além disto, é preciso considerar que durante muitos séculos o homem se concentrou nos campos, onde produzia artesanalmente, apenas os produtos que necessitava para seu sustento e de sua família. Contudo, com a modernização, esta situação se modificou completamente. A industrialização concentrou, nas vilas e cidades, enormes massas humanas que outrora produziam seu próprio alimento, e que agora apenas consomem. Os meios de produção da agropecuária se tornaram, então, tão importantes para o abastecimento das cidades, quanto a produção industrial. É uma contingência do progresso. Isto forçou a atividade no campo a se mecanizar e se organizar empresarialmente, para a tornar mais produtiva e atender à crescente demanda. Sem o que a fome seria generalizada, como a que matou milhões de pessoas na Rússia, no início do século, e está se repetindo, nos dias de hoje, na Coréia do Norte, e teríamos um caos. Despreparados, os “sem terra” não têm recursos para atender a esta demanda tecnológica.

O problema agrário tem que ser, portanto, abordado em função da produtividade e das necessidades globais de alimentação do país e não de interesses particulares, de partidos ou grupos que querem se promover ou implantar, na marra, o comunismo no país, como se evidencia pelas bandeiras vermelhas e retratos de Karl Marx, Che Guevara e do anarquista Bukanin, que ornamentam os seus acampamentos, conforme fotos exibidas em todos os jornais. (* O Globo, 29/9/96)

As ferramentas da agricultura artesanal, utilizadas pela mão de obra despreparada e desprovida de recursos, exceção feita ao cinturões verdes que circulam as cidades e as abastecem de hortigrangeiros, só permite o abastecimento familiar e a própria subsistência, o que se conflita com os interesses coletivos. A distribuição de vastas áreas aos sem terra não só não resolverá nenhum problema agrícola, como custará ao país vastos investimentos, que irão agravar o seu colossal déficit orçamentário, pois cada “sem terra”, custa ao governo nada menos que R$50 mil. É, portanto, uma solução infrutífera e nociva. A maioria dos “sem terra” não só apresenta baixíssima produção, como freqüentemente vende suas propriedades a terceiros, e vai gastar o dinheiro facilmente ganho. Mesmo o M.S.T. reconhece que 40% dos assentados o fazem. Sobretudo, as invasões são atos criminosos, infelizmente incentivados pela mídia e setores que se proclamam “progressistas” do país.

A História, essa criminosa

Olavo de Carvalho


 Zero Hora , 30 de dezembro de 2001

Há anos umas dezenas de esquerdistas espalham na internet fofocas escabrosas a meu respeito, remetem falsas mensagens em meu nome a fóruns de debates e me enviam, com regularidade, insultos seguidos de ameaças de morte, que invariavelmente respondo com os palavrões mais cabeludos que me ocorrem no momento.

Mas a esquerda não suporta provar, nem mesmo em diluição homeopática, o veneno que em doses cavalares ela serve a seus adversários. Tendo recebido exatamente um e não mais de um e-mail com ameaça de morte — uma fração insignificante da quota a mim concedida nos últimos tempos –, o deputado Aluizio Mercacante armou um forrobodó dos diabos, alertando a Polícia Federal e a imprensa. Instantaneamente, veio em seu socorro a fiel milícia jornalística, desencadeando uma onda de vociferações pejorativas contra a “extrema direita”, numa gama que ia do alarmismo apocalíptico até a ostentação de desprezo soberano, de modo que, no conjunto, se anulavam umas às outras.

O fato de que esses comentários incluíssem na militância de “extrema direita” o grupo carioca Ternuma, que não tem nenhuma atividade política e se dedica exclusivamente à reconstituição histórica do período militar segundo a ótica — como direi? — “do outro lado”, mostra que, para seus autores, a simples tentativa de questionar sua visão do passado já é, virtualmente, crime. Ninguém tem o direito de insinuar que os fatos não se passaram como a esquerda diz que se passaram.

É crime, por exemplo, dizer que a guerrilha comunista, tendo começado em 1961, não pode ser apresentada retroativamente como uma resposta desesperada ao golpe de 1964.

É crime dizer que João Goulart, tendo ocultado e repassado secretamente a Fidel Castro as provas da intervenção armada de Cuba no território nacional em 1961, se tornou culpado de alta traição e portanto, ao ser derrubado, já não era um presidente no legítimo exercício de suas prerrogativas constitucionais.

É crime dizer que o AI-5 não foi uma reação tirânica contra uma oposição pacífica e democrática e sim uma medida de emergência contra agressores armados que, àquela altura, já haviam realizado 84 atentados a bomba, ferindo e matando militares e civis.

É crime dizer que, num país que tinha então 90 milhões de habitantes, não mais de 2 mil deles foram atingidos pela repressão ao longo de vinte anos — decerto a mais branda reação que um governo de direita já opôs a uma revolução comunista armada — e que em vista disso é um grotesco exagero descrever o período militar como uma época de terror generalizado.

É crime dizer — mesmo fazendo coro a tantos esquerdistas que o confessam hoje abertamente — que nossos guerrilheiros e terroristas não lutavam pela democracia e sim pelo comunismo, modelo cubano.

É crime dizer que, ao aceitar postos nas Forças Armadas e no Serviço Secreto de Cuba, eles se tornaram funcionários e cúmplices de um regime genocida, assassino de 17 mil cidadãos cubanos.

É crime dizer que o Brigadeiro Burnier, acusado pela imprensa esquerdista de conspirar para explodir o Gasômetro do Rio de Janeiro, nunca fez nem pensou em fazer isso, quando mais não fosse porque morava ao lado do Gasômetro, e que o próprio capitão Sérgio “Macaco”, que inventou a calúnia absurda e ganhou o estatuto de herói das esquerdas por isso, terminou por desmenti-la num inquérito oficial que ninguém neste país quer divulgar.

É crime dizer que as mais altas figuras da inteligência brasileira — um Manuel Bandeira, um Gilberto Freyre, um Miguel Reale, um Augusto Frederico Schmidt, uma Raquel de Queirós, um Júlio de Mesquita Filho e até mesmo um Otto Maria Carpeaux, que depois se voltaria contra o novo regime — aplaudiram a queda do governo Goulart.

É crime desmentir, com isso, a lenda idiota que, prevalecendo-se do estereótipo fácil da pena contra a espada, apresenta o conflito de esquerda e direita, na época, como um confronto da inteligência com a força, de poetas e filósofos contra sargentões incultos.

É crime lembrar que a direita civil armada, pronta e ansiosa para matar comunistas desde 1963, foi pêga de surpresa pelo golpe militar e inteiramente desmantelada pelo novo governo, de modo que, se algum comunista chegou vivo ao fim do ano de 1964, ele deveu isso exclusivamente às Forças Armadas que agora amaldiçoa.

É crime dizer que um golpe apoiado na maior manifestação popular de toda a nossa história, não igualada nem pelas posteriores e tão celebradas passeatas em prol das “Diretas Já”, não pode, sem grave erro histórico, ser catalogado como uma conspiração da elite contra as massas populares.

É crime dizer qualquer dessas coisas, embora cada uma delas possa ser provada com testemunhos e documentos em profusão e embora não contenham nenhuma proposta política para o futuro e sim apenas descrições do passado.

É crime dizer qualquer dessas coisas, embora os esquerdistas não sejam capazes de refutá-las e se limitem a difamar e caluniar quem as diga.

É crime, em suma, tentar conhecer a História por um lado que não seja o da versão oficial. Recomendo, pois, aos leitores, que se abstenham do vício nefando da curiosidade histórica, que não façam perguntas e, sobretudo, que no decorrer do Ano Novo não visitem jamais o site http://www.ternuma.com.br. Assim não correrão o risco de chegar ao fim de 2002 com um rótulo de “extrema direita” na testa.