Leninist morals

OLAVO DE CARVALHO
Sent to Época’s newsroom in Oct. 29, 2001, for the edition of Nov. 3  – Not published

Translated by Assunção Medeiros

“We must make use of all sort of stratagems, maneuvers, illegal methods, covers and subterfuge”, wrote Lenin in “The Left, Childhood Disease of Communism”. It is a general formula of the conduct of the left. But the immediate context clarifies even more its sense and its current validity: Lenin said these words when he was getting ready to launch NEP, the policy of opening markets that led the world to believe that socialism had lost its brutish and revolutionary vocation, disarmed western prevention and attracted to the URSS bulky foreign investments that were afterwards, naturally, taken over by force.

This was the first of an endless series of  “light” camouflages that socialism has been adopting to this day.

And Lenin would conclude: “When we have conquered the masses through a reasonable attitude, then we shall apply the offensive tactics.”

Since then it became the praxis in the communist parties to keep at the same time two lines of action, a violent and a pacifist one, a radical and a moderate, alternating its exhibition on stage according to the conveniences of the moment. Alternating also the modality of the relationship between these two lines, that can sometimes be a partnership, sometimes competition or antagonism, in a way that the movement would at times look weak and divided, and at other times united and strong. Anatoliy Golitsyn, in his book “New Lies for Old”, showed that, in Soviet politics, this last altering reflected the rhythm of progression of the revolutionary strategy, according to the advice of Sun-Tzu: “Show yourself weak when you are strong, and strong when you are weak”.

This premeditated ambiguity can be personified in separate figures, which represent simultaneously the two facets of the party, like – in the state of Rio Grande do Sul – you can see in Tarso Genro and Miguel Rosetto, corresponding, mutatis mutandis, to Harlequin and Pierrot, or to Laurel and Hardy. This mechanism can also appear as the opportunistic adaptation to the changes of the historical rhythm, in such a way that the aggressive and unpleasant tactics are put aside as inadequate to the new times, without ever being, because of that, morally condemned. But it can also be manifested as ambiguity in the strict sense of the term, that is, as a double-meaning discourse. When Mr. Aloysio Nunes Ferreira Filho declares that  “he does not know” whether today he would still make use of the violent action in which he was involved in the seventies, at the same time that he praises as heroes the ones who took part in it, what he is saying is that he will return to them as soon as he feels it is the proper moment to do so.

It is not a question of morality, but of opportunity. Such is, therefore, the performance we can expect from him in the Ministry of Justice: “When we have conquered the masses through a reasonable attitude, then we shall apply offensive tactics.” The only hope that communist violence does not return to afterwards accuse as violent the reaction of its victims is that the “reasonable attitude” does not reach the desired results. And this depends on the timely decoding of each ambiguous word of Mr. Nunes Ferreira as the latent threat they are. There is also the very remote hypothesis that he becomes aware of the Leninist malice of his conduct and, with no wasting of time, repents of his own past. Repents of it not only as his past, but as a focus of infection that must be cauterized so it never gets inflamed again, in the very same and exact sense which I examine my own communist militancy, not with the nostalgia of someone that pats the head of his extinct youth, but with the realism of someone who confesses a grave moral error.

Benedetto Croce distinguished moral repentance – which condemns the act itself as intrinsically evil – from “economic repentance” – which does not abjure the act, but merely its undesirable consequences: a thief is ashamed of having robbed, another of not having been able to escape the police. Even the pure moral repentance does not guarantee the criminal will never act again. But the economic repentance is almost a guarantee of reincidence.

Deformando o eleitor pela fome

José Nivaldo Cordeiro


28 de outubro de 2001

O deputado Aluizio Mercadante publicou na Folha de São Paulo de hoje (28/10) um artigo em apologia do projeto Fome Zero, documento que está provocando aceso debate em todo o Brasil. O artigo do deputado é muito bem escrito e útil para a opinião pública, pois a par de colocar as teses e seus pressupostos com clareza meridiana, tem a chancela de ser produzido por uma de maiores e melhores lideranças políticas e parlamentares do PT, muito ligada ao Lula. Pode-se dizer que todo o Partido fala pela boca de Mercadante.

É também uma peça de propaganda política e, como tal, o autor usa o nobre espaço do jornal para a campanha de sua causa. De outra maneira não posso entender quando ele afirma que os críticos do projeto “reagiram com virulência à idéia de colocar a fome no topo da agenda de prioridades do país…”. Ora, esse é claramente um argumento retórico, pois nem um desinformado – e o deputado está longe de ser um – afirmaria em sã consciência que alguém ou algum governante não tenha horror à fome e seja insensível às suas seqüelas. É como se o deputado quisesse dar ao PT o monopólio do tema e a posse das elementos mágicos para a sua superação.

Depois de desfilar as mesmas estatísticas contidas no documento, e duramente contestadas pelo economista Giambiagi em notável artigo publicado no Estadão de domingo passado, o deputado afirma:

“O problema da fome no Brasil vem de outro lado: é uma questão de insuficiência de renda, ligada umbilicalmente aos fenômenos de pobreza e desigualdade social que caracterizam nossa sociedade”.

Certíssimo quanto ao diagnóstico do problema, que está ligado realmente à insuficiência de renda; mas está completamente equivocado quanto às causas. Dizer que a insuficiência de renda está ligada aos “fenômenos da pobreza” é uma tautologia. Dizer que a raiz está nas desigualdades é demasiado genérico. O eco socialista da proposta política do PT e de Mercadante ressoa aqui com toda a força.

Pobreza é, por definição, insuficiência de renda. A questão é saber porque esta é assim, encontra-se nesse nível. Aqui há um abismo a separar aqueles que defendem o livre mercado daqueles que defendem o estatismo e o socialismo. Para os primeiros, é o excesso de Estado, traduzido pela supertributação, pela regulamentação exorbitante, pelo uso político do Estado a tolher a livre iniciativa, ficando esta assim incapaz de realizar a sua missão, de produzir o máximo produto com pleno emprego. Defendem que só a livre iniciativa e o esforço pessoal de cada um é capaz de superar a pobreza e as desigualdades. Já os segundos afirmam exatamente o contrário: que falta mais ação do Estado, que é preciso o ativismo político para a superação da pobreza, que os cidadãos são vítimas do processo social, que a desigualdade é produzida arbitrariamente. É claro que essa segunda visão, na minha modesta perspectiva, é um pleno equivoco: sem uma clara separação entre poder político e poder econômico, caminha-se inexoravelmente para uma estrutura de Estado totalitário, que destruirá a democracia e, pior, não resolverá em absoluto os problemas crônicos provodados pela insuficiência de renda. O exemplo dos países socialistas que praticaram essas teses no limite é demasiado eloqüente para exemplificar o que quero dizer. Cuba, bem próxima de nós, rasteja numa miséria abjeta desde que destruiu a livre iniciativa.

A afirmação seguinte do deputado é um corolário da anterior: “Ao contrário, a pobreza é resultado de um padrão de organização social da produção e de acumulação de capital de caráter dependente e excludente, cuja dinâmica conduziu historicamente à conformação de uma ordem social injusta, marcada pela concentração de riqueza, da renda, do poder político e dos direitos do cidadão em mãos de uma elite carente de um projeto consistente de nação e autocentrada na defesa e ampliação de seus privilégios”.

De novo um argumento retórico sem fundamento na realidade dos fatos. Se a elite econômica tivesse o poder que lhe é atribuído, a carga tributária não teria superado um terço do PIB, a ingerência regulatória na vida econômica não estaria no limite do estado policial e o líder do PT não estaria como o principal nome colocado para a sucessão de 2002. Os fatos contradizem frontalmente a arenga de Mercadante. E dependente e excludente são meros vocábulos vazios, palavras-de-ordem repetidas pelas bases petistas completamente despovidas de conteúdo, uma litania como que repetida para esconjurar demônios do imaginário socialista.

“Daí o caráter falacioso e ineficiente das políticas compensatórias e focalizadas difundidas pelo Banco Mundial e assumida pelo governo. Sem a ruptura desse padrão de acumulação de capital e riqueza – que em sua forma atual se multiplica e amplifica os processos de concentração econômica e de exclusão social, desconstói a nação e potencializa os mecanismos de dependência e de transferência de recursos para o exterior – e sem a transformação política que permita aprofundar e radicalizar a democracia em nosso país, não há nenhuma solução efetiva dos problemas da pobreza e da fome”. Para quem, como eu, leu em detalhes o Programa Econômico do PT, a sentença é muito clara. O que o deputado propõe é a alteração na ordem da propriedade privada, é a calote na dívida pública interna e externa, é a democracia direta em substituição aos Poderes Legislativo e Judiciário, é a expropriação do capital estrangeiro aqui investido, que gera renda, empregos e internaliza novos e avançados processos tecnológicos. E também o abandono da política de estabilidade da moeda, o isolamento do comércio internacional, a perseguição daqueles considerados “ricos”, especialmente via política tributária. É claro que o Brasil, a se implantar um governo com essa plataforma, caminharia rapidamente para o caos e talvez coisa pior. A fome, nesse contexto, seria gigantesca, reproduziríamos aqui o que hoje há no Afeganistão.

O deputado afirma que “o direito à alimentação é inerente à condição humana e deve ser independente do nível de renda de cada indivíduo”. Ninguém discorda do direito, mas nunca é demais lembrar dos deveres. Cada um deve trabalhar para buscar o seu sustento e não esperar das migalhas do Estado e de sua burocracia, que só infantiliza o cidadão, só deforma o eleitor para eleger aqueles que realizarão exatamente o oposto do que prometem, uma vez chegados ao poder. Implantar as porpostas de Mercadante seria a volta da fome como flagelo permanente, a igualdade decretada pela miséria endêmica.

A new Brazil

OLAVO DE CARVALHO
Época, October 27, 2001

Translated by Assunção Medeiros

The regime in this country changed and no one was warned of it

People who know things only through hearsay swear that communism is dead. But Mr. Antonio Negri and I, who studied the subject for decades and certainly cannot be accused of rehearsing our lines backstage, assure you that it is more alive than ever. Also, Mr. Fidel Castro, who is informed of all the subterraneous preparations, announces that soon we will have the spectacular rentrée of the bloody pantomime to which he dedicated his filthy life.

Two recent facts give reason to me and these illustrious gentlemen.

1. A judge in the state of Rio Grande do Sul, when asked to give back to its proprietors a farm invaded by MST, denied the right of reintegration of possession under the allegation that there was no proof of the “social function” of the property.

2. A notorious terrorist of the seventies, who never repented of his crimes, is rather proud of them and that, at best, admitted having some doubts on the convenience of repeating them today, was named Minister of Justice.

As to the first fact, five details give evidence of the spirit with which this was done. (1) The lack of “social function” did not have to be proven: the lack of evidence was enough as evidence of the lack. (2) This “proof” served to legitimize not a legal confiscation, done by the State, but rather the occupation of the property by a third party. (3) The judge recognized his decision was political. (4) The new owners were not required to prove, on their turn, the social usefulness of their property or of any other property taken by the MST, regarding which judges do not make any demands for production; to be recognized as legitimate property, it is enough that they be used for guerrilla training. (5) The sentence was maintained by the State Court of Justice and received quite a lot of praise from Mr. Dalmo Dallari, but no one would expect anything less from him.

As to the second fact, it occurred (1) in a country where the simple accusation of having tortured a communist is enough to exonerate from his functions on the spot, and without any need of evidence, any public servant of high, low or middle echelon; (2) at a moment when the international consensus proclaims the need to persecute and punish all the terrorists and their protectors.

The sense of the first event is clear: the right of property acquired by legal means depends on the proof of its   “social function”, but the right to property taken by force depends only of the political colors of the new proprietors. With no reimbursement, with no indemnification, any property can be immediately transferred to the first party that takes possession of it, on the only condition that he does so under a pretext politically agreeable to Their Excellencies  – Dallaris e tutti quanti.

A principle like that will be used for all real estate – rural or urban, residential, commercial or industrial –, except those that have propaganda value or strategic usefulness for the communist cause, the only social function that is demanded from a property of the MST.

The second event is also clear: (1) the crime of torture, even if not proven, and being imputed only to anticommunists, is an impediment to the exercise of the public function; but the terrorism practiced by communists, even when it is confessed, is not; (2) as it adopts this scale of values, Brazil aligns itself officially, barefacedly, with the countries that protect and legitimize the practice of terrorism. Nothing can attenuate or hide the sense of this option.

Whoever knows the history of the communist revolutions will recognize that, since last week, Brazil is no longer a capitalist democracy. It is a country in open transition to communism, where the declaration of one’s ideology is worth as a document of possession of real estate, and crimes of terrorism committed with the proper ideological motivation are curricular laurels for the exercise of a ministerial function. Few communist revolutions started in such an effective, direct way, without finding the least resistance. But how do you explain this to people that – not knowing anything about communism – believe themselves authorized to proclaim that it does not exist?