Leituras

Filósofos e gnósticos

16 de agosto de 2001

Pedro Sette Câmara

“O objetivo de toda polêmica entre católicos e hereges é fazer com que estes vomitem sua heresia, de preferência voltando à Fé Católica, ou ao menos expondo aquilo que ocultavam para se infiltrar e perverter os bons.”

Felipe Coelho

O coelhinho da Montfort resumiu aí toda a sua visão da “polêmica” entre Orlando Fedeli e Olavo de Carvalho. Para ele, os lados já estão definidos: os montfortianos seriam os “católicos” e os “olavianos” os “hereges”. Mais: Olavo de Carvalho (e os olavianos) agem apenas como quem se infiltra no meio de inocentes cordeiros para lhes perverter a alma. O mais curioso aqui é que eu nunca vi Olavo de Carvalho dando aulas em ambientes nominalmente católicos, ou mesmo participando de qualquer atividade da Montfort – o coelhinho, ao contrário, era aluno do Seminário de Filosofia e participante do Fórum Sapientia. Além disto, o coelhinho trocava e-mails com alunos do Seminário, eu inclusive, solicitando materiais ou tentando demonstrar alguma incompatibilidade entre a “doutrina olaviana” e aquilo que ele pensa que é a doutrina católica, na tentativa de fazer com que os alunos abandonassem as perigosas águas da investigação filosófica para se proteger no porto seguro da retórica fedelista.

Retórica, vejam bem. A adesão a algum grupo – seja ela a Associação Montfort, a Igreja Católica, o Partido Comunista ou um time de futebol – aliada à condenação de tudo que pareça um grupo e pareça contrário só pode produzir um discurso retórico, porque suas premissas só são aceitas dentro do contexto daquele grupo e os demais grupos estão sendo condenados justamente por não aceitar as tais premissas. Assim, os católicos condenam os muçulmanos por não serem católicos, e os muçulmanos condenam os católicos por não serem muçulmanos. Não há premissas comuns que permitam uma depuração dialética dos discursos (ou até há, mas não ao nível dos montfortianos) dos grupos opostos, apenas premissas que se excluem mutuamente.

Assim, todo o esforço montfortiano é um só: provar que Olavo de Carvalho e seus alunos não concordam com suas premissas. Como eles consideram que estas premissas são a quintessência da doutrina católica, crêem que os discordantes são não-católicos ou mesmo anticatólicos. Que uma agremiação oriunda da TFP, condenada por vários outros representantes do saco de gatos que compõe a massa dos que se opuseram às mudanças recentes na Igreja Católica, também alienada da própria Igreja “oficial”, considere-se o último bastião da doutrina, pode parecer altamente imprudente, mas não é atípico nem imprevisível.

Na verdade, para eles, o simples fato de não pertencer à associação Montfort já é razão suficiente para suspeitar de alguém. Afinal, neste mundo mau, os homens de verdadeira boa vontade não se negariam a aderir ao grupo dos defensores do bem, da tradição, da família, da propriedade, e do direito de eliminar fisicamente os culpados por este mundo ser tão mau – que é justamente a interpretação que os montfortianos dão à posição contrária à “liberdade de consciência”, pois acreditam que a vida civil deve ser regrada por um Estado forte da mesma maneira que a alma do fiel deveria se submeter à vontade divina. A vida da alma, porém, é diferente da vida civil.

Que eles creiam nisto, vá lá: cada um sabe de si. Mas daí a pretender que é um ponto essencial do catolicismo a defesa de um Estado que imponha a moralidade cristã a todos os cidadãos… É possível entender porque um sujeito que se diz católico pense isto a partir das considerações sobre a Igreja e o império tecidas por Olavo de Carvalho no Jardim das Aflições, mas não é possível aceitar em sã consciência que a adesão à fé católica compreenda necessariamente a adesão à ideologia de um “mundo melhor cristão” – até porque Jesus disse: “meu reino não é deste mundo”. Isto vale tanto para os “teólogos da libertação” que desejam fazer a revolução proletária e chamar isto de reino de Deus quanto para os TFPistas e afins – isto é, a Montfort – que desejam instaurar o reino do moralismo.

Se houver qualquer dúvida de que é isto mesmo que a Montfort defende, basta considerar, em última instância, que Orlando Fedeli defende, segundo Felipe Coelho, a doutrina explícita da TFP, que pode ser encontrada, sem equívoco, no site da mesma. O Auto-retrato filosófico de Plínio Correia de Oliveira assim sintetiza o primeiro dos “principais elementos doutrinários” do clássico TFPista Revolução e Contra-Revolução: “a missão da Igreja como única Mestra, Guia e Fonte de Vida dos povos rumo à civilização perfeita”.

Este item, que deixa de ser um pressuposto de análise teórica e passa a ser uma diretriz de ação no momento em que um grupo minoritário pretende assumir o papel que atribuía à Igreja (seja por considerá-la decadente ou qualquer coisa), mais os subseqüentes, já bastam para enquadrar a doutrina explícita da TFP – e, por conseguinte, da Montfort – em cinco dos seis itens assinalados por Eric Voegelin para descrever a gnose.

Como se isso não bastasse, basta olhar a conduta dos montfortianos, que fizeram de uma visão peculiar – e bastante próxima da gnose segundo Voegelin – da doutrina católica sua “gnose” particular, dando o benefício da dúvida quanto à salvação da alma aos membros de seu grêmio e a condenação certa de quem estiver de fora – Felipe Coelho, auto-nomeado promotor do Juízo Final, já proferiu a minha sentença.

Isto tudo, como dizia, não passa de retórica, como é todo discurso destinado a condenar alguém, e não pode dizer nada quanto à verdade dos fatos, mas apenas quanto à sua adequação aparente a uma interpretação peculiar da doutrina da Igreja, aliás mais fixada na letra da doutrina do que em seu conteúdo. A veracidade da doutrina, como já disse em meu artigo O Coração e o Mundo, só pode ser verificada pela consciência humana individual, e não pelos livros que a contém. Livros não pensam nem inteligem. Palavras só se referem a algo se a consciência “vê” o objeto que elas chamam. Caso contrário, saímos do mundo das coisas para viver no não-mundo das palavras soltas, onde um computador pode habitar perfeitamente. E é realmente tenebroso que entre os defensores da Igreja estejam pessoas tão incapacitadas para defendê-la com algo além da inteligência de um computador e a capacidade de armar intrigas.

Apêndice I

E-mail enviado à Montfort no dia 6 de agosto, não publicado

Srs. Montfortianos,

Agradecendo a publicação integral de meu e-mail – honra jamais antes dispensada a este mortal por qualquer outro veículo – , gostaria no entanto de fazer alguns reparos, que me parecem mais urgentes. Outros devem seguir de acordo com a disponibilidade e a paciência.

1. Não sou “astrólogo”, e sim “estudante de astrologia”. Qualificar-me como astrólogo equivale a chamar o discípulo de mestre.

2. É uma deslavada, pérfida, sórdida mentira que o primeiro e-mail a ser recebido pela Montfort tenha sido o meu. Foi o do Marcelo De Polli, o “Montfort Kids – para seu fedelho virar um Fedeli”. 

3. Felipe: aquilo que você escreveu sobre ir roer um carvalho foi extremamente constrangedor. Contenha-se, pois, como diria o Dr. Freud, um carvalho às vezes é apenas um carvalho.

Pedro Sette Câmara

Apêndice II

Parabéns à Montfort por ter tirado as estrelinhas da primeira página do site! Agora só falta o resto! Vocês quase nem parecem mais maçons!

 

Uma intentona e tanto

Ronaldo Castro

15 de agosto de 2001

Há algum tempo que as polêmicas em torno do professor Olavo de Carvalho nos divertem e nos enriquecem com seu inigualável brilhantismo intelectual. Um verdadeiro filósofo, sem a empáfia dos jargões, a nos brindar em periódicos e pela Internet, com o mais fino dos temas filosóficos, surgiu como num passe de mágica, para horror dos ídolos de plantão. Mas seu empreendimento filosófico não se resume aos temas, ditos, específicos da filosofia. Sua bondade intelectual nos propicia uma das mais profundas e catárticas análises da cultura que esse país já teve, conforme o best-seller O Imbecil Coletivo pode atestar.

A cruzada que Olavo empreende contra a perigosa hegemonia ideológica esquerdista nunca foi respondida à altura. A esquerda não tem pensadores, quiçá filósofos, e nenhuma das questões que o professor Olavo denuncia, com objetividade e clareza escandalosas, foram respondidas. Quantas vezes, entre amigos, eu reclamei da mudez sórdida dos intelectuais e dos fazedores de opinião desse país?! Orava para que alguém pudesse dialogar com ele. Era triste ver quão solitária era a verdade. Não reclamo da solidão do professor, tão já afeiçoado a ela, mas a solidão mórbida de todos os que se interessam pela verdade dos fatos e esbarram na ideologia, na mentira cotidiana da modernidade, da esquálida cultura juvenil que odeia o que ignora. Mas, passada a fase de entusiasmo, que sua socrática intervenção na cultura brasileira nos traz, pois o império da burrice maliciosa e arrogante ainda sobrevive, uma tristeza, ainda que terapêutica, substitui o encanto.

É claro que não me refiro nem ao valor nem a qualidade das aulas do professor Olavo, mas uma suposta reação à elas. A mudez foi substituída por uma gritaria. Surge agora um grupo, dito católico, que, ao contrário da esquerda brasileira, parece pensar e se coloca contra o projeto, devo dizer, pedagógico do professor Olavo. A arrogante mudez coletiva da mídia parece já menos escandalosa que a balbúrdia inquisitorial que esse grupo dito católico, repito, empenha.

Um grupo, cujas citações em latim apenas douram um barroco podre, sente-se honrado de dispersar a unidade inegável que o professor Olavo aponta entre as várias tradições espirituais da humanidade. Condenar o professor e a toda a sua obra de herética, justamente aquele que já figura como um dos que mais fez pela dignidade intelectual de nosso país, é uma outra maneira de apagar os sinais da autêntica espiritualidade em nome de um discurso canônico míope, de um rigor anacrônico, vazio de espírito.

Artigos de um aluno do grupo fedeliano, arrotam uma pseudo erudição, específica e afetada, cheia de sarcasmos e arrogâncias, parecido, aparentemente, com o sarcasmo do próprio Olavo de Carvalho. É certo que alguns fedelianos também foram breves alunos do professor Olavo, mas, como a intenção sórdida de apreender-lhe apenas contradições já dominavam seus corações, suas mentes não puderam apreender nada mais que um estilo, um dentre os vários. A crítica de Olavo ao Concílio Vaticano II, à infalibilidade papal, à equivocada generalização sobre a gnose, esse esplêndido conceito grego do conhecimento, é tratada como uma heresia digna das fogueiras. E os fedelianos se arrogam seus mais resolutos vestais. É sabido que, após o Vaticano II, a nova missa não é um ato do sacerdote a quem o povo se une, mas um ato do povo a quem os ministros servem. Os altares foram transformados em mesas e isso, nem mesmo um filósofo deve dizer. Pelo menos é assim que pensam esses “guardiões romanos”. Mas Olavo não pode e não deve ficar calado. A Teologia da Libertação não é um fenômeno sul-americano , nem restrito à Igreja Católica, é ensinada em universidades americanas e européias, disseminada na maioria das denominações protestantes e, acima de tudo, pelo Concílio Mundial de Igrejas. É notório que é uma tentativa de misturar ideologia marxista com os valores religiosos mais superficiais. O grupo dos fedeli é mais uma manifestação de nosso tempo: riqueza religiosa e pobreza espiritual. As análises de Olavo de Carvalho sobre a Igreja, sobre a religião são de uma clareza e bondade que falta até mesmo à maioria dos próprios religiosos. Ninguém tem a palavra definitiva, é certo, mas o caminho que se percorre já diz muito, e a trilha intelectual que o professor percorre é de um inegável brilho espiritual cuja reação ígnea dos seguidores de Fedeli realmente nos espanta. Há uma série de questões sobre a Igreja que são de suma importância para o filósofo discutir, para benefício não só do povo, mas da própria Igreja. Não podemos esquecer que ela também é uma instituição humana e que as soluções que se buscam para os dilemas da humanidade, ainda que inspiradas, não são absolutas, pois seriam, ai sim, uma grande heresia.

Só Deus é Absoluto. A Verdade deve ser buscada. Não a encontraremos por decreto. Os que se dizem defensores da Tradição, especialmente os que o fazem com as tochas em punho, não podem esquecer que devem continuamente se manifestar a respeito do problema da miséria, e das contínuas contradições da humanidade. A busca do conhecimento, sendo a busca do sentido da vida, comunga de uma dimensão comum com a mística. Não se confunde com ela, mas não lhe é estranho. O divórcio que o grupo fedeliano quer reeditar entre Ser e Conhecer, açoitando-nos com dogmas literais, é no mínimo um ultraje filosófico. Mas creio que mandar a filosofia às favas não é exclusividade dos fedeli, e a esquerda materialista agradece mais essa intentona.

Ronaldo Castro
castro@recife.pe.gov.br

Notas de José Nivaldo Cordeiro

Meu amigo José Nivaldo Cordeiro envia-me regularmente as notas que vai tomando à margem do noticiário brasileiro e internacional. São observações demasiado inteligentes e importantes para ter um leitor só. Por isso passo a transcrevê-las nesta homepage. – O. de C.

O perigo da Polícia Vermelha

13 de agosto de 2001

A Folha de São Paulo de hoje (12/08) traz um artigo assinado por Luiz Eduardo Soares, que fala em nome do PT com relação ao tema da segurança pública, seja por suas ligações históricas (Rio de Janeiro), seja por ser atualmente assessor de segurança pública da Prefeitura de Porto Alegre, seja, ainda, por no preâmbulo do texto se remeter diretamente aos posicionamentos dos principais líderes do Partido.

O texto é um equívoco do princípio ao fim e a implantação das suas propostas significaria a anarquia completa nas forças de segurança constituídas, especialmente a corporação policial-militar, esteio principal da segurança pública no Brasil. Vejamos o que propõe o articulista:

“A meu ver são cinco as principais causas para a crise das PMs: a precariedade da cultura política dos policiais, por falta de sindicalização; as condições de trabalho; o regime disciplinar e a divisão de carreiras em segmentos isolados; a privatização da segurança pública por meio da armadilha do segundo emprego; e a subordinação ao Exército”.

Quero aqui analisar ponto por ponto. O documento é uma aula da ação gramsciana sobre talvez o último bastião que ainda não está sob o controle ideológico e político das esquerdas, as organizações militares. É esse o último núcleo de poder de Estado a salvaguardar a ordem democrática e os valores do livre mercado, ainda que de forma precária e claudicante. A simples proposição desse ideário em um jornal de circulação nacional já por si mostra a desenvoltura com que as esquerdas estão fazendo a sua ação política. É como se estivesse em curso a batalha final pelas “mentes e corações”.

Mas voltemos ao texto. A primeira proposição do diagnóstico do articulista, “a precariedade da cultura política dos policiais, por falta de sindicalização”, já diz, sozinha, o que quer o homem. Polícias e demais organizações armadas não podem ter a liberdade para fazer da sociedade refém nem articular movimentos grevistas que em forças policiais só podem ter o nome de motim e são sempre o preâmbulo da ação revolucionária armada. Desde a Antigüidade que as organizações militares funcionam como estamento separado e especial, exatamente pela particularidade de que portam armas e são muito bem treinadas para usá-las. O irônico é que a proposta parte exatamente de quem não se cansa de pregar o desarmamento civil. Sindicalização e esquerdização são praticamente sinônimos. Isso significaria colocar à disposição das forças de esquerda um poder de fogo real de que ainda não dispõem. É possível imaginar o que os governadores de esquerda, especialmente os do PT, devem estar fazendo nos programas de formação dos praças, sargentos e oficiais de suas polícias. Dizer que as policias não funcionam por falta de sindicalização é um escárnio à inteligência. Não funcionam pela mesma razão que o Estado no Brasil não tem funcionado, vivemos uma falência geral dos Estado, exatamente porque ele tem se metido a fazer coisas que não devia e tem abandonado suas funções essenciais, como a segurança pública.

A segunda proposição, “as condições de trabalho”, tem um quê de verdade que serve para encobrir o veneno embutido: a de que melhores condições de trabalho só podem ser obtidas mediante sindicalização. É um argumento falso. As melhores condições de trabalho só podem ocorrer se o Estado voltar às suas funções essenciais e parar de gastar recursos públicos naquilo que não lhe compete fazer. Se falta dinheiro para uma melhor política de pessoal na área de segurança, sobra para propostas esdrúxulas de todos os tipos, para atender as idéias mirabolantes do “tudo pelo social”.

A terceira, “o regime disciplinar e a divisão da carreira em segmentos isolados” bate na mesma tecla da primeira proposição. Só faltou propor a eleição dos oficiais pelos praças. O fato é que organizações militares são de natureza aristocrática e a disciplina é o fator essencial para que o poder civil, através da cúpula de sua oficialidade, possa controlá-las. Quem tem a força não pode dispor do poder político. Sindicalizar e politizar o corpo dos policiais significa quebrar esse princípio essencial para a ordem democrática, pois desemboca necessariamente na união de ambos os pólos do poder. Seria uma questão de tempo a instauração da tirania militarista, como aliás se deu onde os leninistas e assemelhados chegaram ao poder. Nem as legiões romanas entravam nos muros da Cidade, como condição de separação clara entre o poder político e o poder militar. A divisão em carreiras separadas entre a oficialidade e os soldados é necessária para manter a disciplina e a unidade de comando. Sem elas, instala-se a anarquia, em prejuízo da disciplina e do controle civil sobre a força armada.

A quarta, “a privatização da segurança pública por meio da armadilha do segundo emprego”, é uma pérola da argumentação erística. A privatização da segurança pública não é apontada como uma decorrência da falência do Estado em suas funções essenciais, mas pela “armadilha do segundo emprego”. Ora, é exatamente o contrário. Os cidadãos, órfãos que se encontram no quesito segurança pública, buscam por seus próprios meios e recursos o amparo da ação privada e daí geram empregos para aqueles que querem trabalhar. Mais uma vez aqui volta o autor ao primeiro argumento, o de que falta “sindicalização”. É pura mentira. Sorrateiramente o que se pretende é a apelar para sentimentos corporativistas para iludir e seduzir os policiais para aventura petista-sindical.

Por último, “a subordinação ao Exército”. Deus meu, é o Exército (e, de resto, o conjunto das Forças Armadas), que tem garantido a unidade territorial e o mínimo de ordem em nosso país. Voltar a uma situação pré 1930, quando os Estados possuíam forças militares que rivalizavam com a União, é o caminho mais curto para a conflagração de guerras civis, como aliás foi a tônica nesse período. Haveriam quarteladas periódicas, com caudilhos locais desafiando a União e ameaçando com a secessão. Voltariam os “Cavaleiros da Esperança”, de triste memória. Só alguém imbuído dos propósitos políticos mais inconfessos para defender algo tão danoso.

O simples fato de ter a coragem de explicitar uma visão política dessa natureza dá a idéia de como as esquerdas sentem-se fortes para a tomada de poder e a subversão completa da ordem instalada. As eleições do ano que vem não são apenas mais um data cívica no calendário. Poderão ser o divisor de águas entre uma sociedade aberta e pacífica e a tirania pura e simples. É preciso não esquecer nunca que Hitler foi eleito depois de escrever “Mein Kampf”. Todos sabiam o que ele pensava e o que iria fazer. O mesmo vale para Lênin e sua obra (e a dos seguidores), que chegou ao poder por outros caminhos e praticou aquilo que prometeu. Quando chegaram a centro de poder a Humanidade conheceu as maiores tragédias de que se tem notícia na História. Milhões de homens e mulheres foram sacrificados em holocausto. É tempo de meditar sobre o que está por vir.

Os banqueiros e os vagabundos

14 de agosto de 2001

Ontem, 13/08, o site do “Estadão” continha matéria que analisava as aposentadorias especiais na Argentina. Pelas leis daquele país, pessoas mesmo muito jovens podem receber rendimentos vitalícios do Estado, havendo casos de aposentados de 30 anos de idade. É evidentemente um abuso que contribui de forma injustificada para a manutenção dos problemas de pagamentos internacionais da Argentina. É razoável pedir aos banqueiros dinheiro novo para pagar essa extravagância?

Diante de uma estrutura de gastos constituída por coisas assim, como acusar o FMI e os banqueiros internacionais de insensíveis por não liberarem recursos adicionais para a Argentina? É fato sabido que ela está falida e para fazer acordo financeiro que mantenha as aparências ela tem que enquadrar os gastos públicos. É claro que o FMI e os banqueiros não fazem o orçamento e não determinam os cortes, mas em uma situação tão dramática como vive aquele país é de se esperar que se comece a cortar por aí. Mas são os grupos políticos beneficiários desse tipo de rendimento os que mais resistem. Aí todo mundo vira nacionalista e passa a acusar os banqueiros e o FMI por problemas que nasceram exclusivamente de decisões soberanas (ainda que equivocadas) dos argentinos.

Se se analisar detidamente a estrutura de gastos “sociais”, ver-se-á que muitas das despesas não passam de licenças jurídicas para locupletar grupos políticos e populações inteiras, em prejuízo dos pagadores de impostos e dos financiadores do Estado. É a trágica herança do populismo, que na Argentina assumiu formas as mais diversas, inclusive com as paradoxais posições de Menem e do Ministro Cavalo. Eles sabiam que não conseguiriam mexer na estrutura de gastos e então partiram para o câmbio fixo e a dolarização, única maneira para que a economia portenha não tenha explodido na alucinada hiperinflação. O problema é que o instrumento exauriu-se pelo simples fato de que os grupos políticos beneficiários de suas sinecuras recusam-se a abrir mão delas. E alguém tem que pagar a conta. Querem que esse alguém seja a comunidade financeira internacional. Ledo engano. Banqueiro, todos sabemos, não têm coração, têm máquina de calcular no seu lugar. E eles não porão um vintém a mais enquanto a Argentina não demonstrar capacidade de pagamento, o que equivale a dizer que ela deve racionalizar os seus gastos, diminuí-los até torná-los de acordo com as expectativas do financiadores.

Quem visita a Argentina fica com a sensação de que há uma multidão de ociosos a viver de rendimentos e sem obrigação de trabalhar. A noite na capital argentina fervilha de gentes e bares, como se no dia seguinte não estivesse à espera uma jornada de trabalho. A classe ociosa e com renda parece muito numerosa e provavelmente é parasita do Estado. Essa situação chegou ao fim e os parasitas de sempre terão que arrumar meio de vida melhor do que gastar dinheiro dos impostos e dos banqueiros internacionais, obtidos via empréstimos. Isso não faz nenhum sentido e os banqueiros sabem disso. Só resta uma única alternativa para eles: cumprir o mandamento bíblico de ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio rosto. Ou, em português mais claro: vai trabalhar, vagabundo!

Os muros do silêncio

18 de agosto de 2001

Todo sábado tornei rotina ler os artigos de Olavo de Carvalho nos sites da revista Época e de O Globo. É sempre uma oportunidade para ter mais informações e alargar a inteligência, pois os artigos são mais que isso: são uma aula sintética sobre assuntos variados, incluindo aí os difíceis e espinhosos temas da Filosofia. Pois bem, hoje, como de costume, estava lendo o artigo da revista Época (“O livro que ninguém lerá”), que nos informa sobre um livro de Jean Sévillia, publicado na França, denunciando a conspiração de silêncio da mídia esquerdista sobre os autores e intelectuais que não se converteram a seu credo, quando me deparei com uma frase citada de Jean d’Ormesson, da Academia Francesa, sobre o dedicado trabalho das esquerdas a “construir seus muros de silêncio, mais difíceis de derrubar que o Muro de Berlim”.

Como, na seqüência, foi ler a Folha de São Paulo, dei-me conta de que por duas vezes nos últimos quinze dias notícias sensacionais sobre a questão da Colômbia, duas expressivas vitórias militares das forças da ordem daquele país, foram relegadas a notas de pé de páginas, acompanhadas como sempre de acusações de próceres esquerdistas nas várias ONGs sobre o abuso contra os direitos humanos praticados por militares em ação. A notícia de hoje é ainda mais rejubilante porque informa que o confronto, que provocou a morte de pelo menos cem guerrilheiros, deu-se como uma efetiva vitória militar na direção da retomada do território “liberado” erroneamente pelo governo daquele país aos guerrilheiros já faz alguns anos. Isso mostra que a ajuda militar dos EUA, em treinamento e recursos materiais, está produzindo seus primeiros efeitos mais sensacionais e com certeza vai abreviar o horrendo sofrimento trazido pelo prolongamento de uma guerra civil interminável.

Pois bem. Chamou-me a atenção que notícias favoráveis às forças da ordem não comovem os que fazem as manchetes. Fossem os guerrilheiros os vencedores e certamente o fato estaria em caixa alta, na primeira página. Quanta notícia boa tem sido negada ao público brasileiro pelo critério mesquinho dos agentes gramscianos infiltrados nas redações? Quanta matéria idiota e inútil ocupa o espaço ao qual deveria ser destinado as grandes notícias? Em boa hora o artigo do filósofo Olavo de Carvalho denuncia novamente o fato.

A questão que se coloca é: como derrubar os muros do silêncio? Como ter jornalistas e intelectuais realizando o trabalho de escrever textos informativos e analíticos sobre as grandes e substantivas questões de nosso tempo, acessíveis à grande massa da população brasiliera? Quando é que será reduzido o lixo que mistura tinta e papel na forma de notícias, mais das vezes falsas, e, pior, análises distorcidas que mais escondem do que revelam os fatos em sua hierarquia de importância?

Estou convencido de que a transição geracional na administração dos grandes jornais e conglomerados de comunicações em nosso país tem contribuído decisivamente para avermelhar ainda mais as redações. A Folha, que leio todos os dias, é um exemplo da apologia às idéias esquerdistas e ao politicamente correto. Depois da morte do velho Mesquita, o Estadão está sendo progressivamente descaracterizado. A Globo, depois da aposentadoria do Roberto Marinho, tem mudado de lado em grande velocidade. Antes havia pelo menos o abismo entre a posição da redação e a dos proprietários dos jornais. Hoje vemos que aconteceu uma fusão e são os próprios editoriais que servem, mais da s vezes, de tribuna para as teses mais politicamente corretas.

Aí tenho que me perguntar, como fez o jovem jornalista de Campinas-SP, Martim Vasques da Cunha, em livro ainda a ser publicado: “Como se manter íntegro em um mundo corrompido?” E também me pergunto: como se manter informado quando a mentira alcançou o status da Verdade?

Veja todos os arquivos por ano