Ronaldo Castro

15 de agosto de 2001

Há algum tempo que as polêmicas em torno do professor Olavo de Carvalho nos divertem e nos enriquecem com seu inigualável brilhantismo intelectual. Um verdadeiro filósofo, sem a empáfia dos jargões, a nos brindar em periódicos e pela Internet, com o mais fino dos temas filosóficos, surgiu como num passe de mágica, para horror dos ídolos de plantão. Mas seu empreendimento filosófico não se resume aos temas, ditos, específicos da filosofia. Sua bondade intelectual nos propicia uma das mais profundas e catárticas análises da cultura que esse país já teve, conforme o best-seller O Imbecil Coletivo pode atestar.

A cruzada que Olavo empreende contra a perigosa hegemonia ideológica esquerdista nunca foi respondida à altura. A esquerda não tem pensadores, quiçá filósofos, e nenhuma das questões que o professor Olavo denuncia, com objetividade e clareza escandalosas, foram respondidas. Quantas vezes, entre amigos, eu reclamei da mudez sórdida dos intelectuais e dos fazedores de opinião desse país?! Orava para que alguém pudesse dialogar com ele. Era triste ver quão solitária era a verdade. Não reclamo da solidão do professor, tão já afeiçoado a ela, mas a solidão mórbida de todos os que se interessam pela verdade dos fatos e esbarram na ideologia, na mentira cotidiana da modernidade, da esquálida cultura juvenil que odeia o que ignora. Mas, passada a fase de entusiasmo, que sua socrática intervenção na cultura brasileira nos traz, pois o império da burrice maliciosa e arrogante ainda sobrevive, uma tristeza, ainda que terapêutica, substitui o encanto.

É claro que não me refiro nem ao valor nem a qualidade das aulas do professor Olavo, mas uma suposta reação à elas. A mudez foi substituída por uma gritaria. Surge agora um grupo, dito católico, que, ao contrário da esquerda brasileira, parece pensar e se coloca contra o projeto, devo dizer, pedagógico do professor Olavo. A arrogante mudez coletiva da mídia parece já menos escandalosa que a balbúrdia inquisitorial que esse grupo dito católico, repito, empenha.

Um grupo, cujas citações em latim apenas douram um barroco podre, sente-se honrado de dispersar a unidade inegável que o professor Olavo aponta entre as várias tradições espirituais da humanidade. Condenar o professor e a toda a sua obra de herética, justamente aquele que já figura como um dos que mais fez pela dignidade intelectual de nosso país, é uma outra maneira de apagar os sinais da autêntica espiritualidade em nome de um discurso canônico míope, de um rigor anacrônico, vazio de espírito.

Artigos de um aluno do grupo fedeliano, arrotam uma pseudo erudição, específica e afetada, cheia de sarcasmos e arrogâncias, parecido, aparentemente, com o sarcasmo do próprio Olavo de Carvalho. É certo que alguns fedelianos também foram breves alunos do professor Olavo, mas, como a intenção sórdida de apreender-lhe apenas contradições já dominavam seus corações, suas mentes não puderam apreender nada mais que um estilo, um dentre os vários. A crítica de Olavo ao Concílio Vaticano II, à infalibilidade papal, à equivocada generalização sobre a gnose, esse esplêndido conceito grego do conhecimento, é tratada como uma heresia digna das fogueiras. E os fedelianos se arrogam seus mais resolutos vestais. É sabido que, após o Vaticano II, a nova missa não é um ato do sacerdote a quem o povo se une, mas um ato do povo a quem os ministros servem. Os altares foram transformados em mesas e isso, nem mesmo um filósofo deve dizer. Pelo menos é assim que pensam esses “guardiões romanos”. Mas Olavo não pode e não deve ficar calado. A Teologia da Libertação não é um fenômeno sul-americano , nem restrito à Igreja Católica, é ensinada em universidades americanas e européias, disseminada na maioria das denominações protestantes e, acima de tudo, pelo Concílio Mundial de Igrejas. É notório que é uma tentativa de misturar ideologia marxista com os valores religiosos mais superficiais. O grupo dos fedeli é mais uma manifestação de nosso tempo: riqueza religiosa e pobreza espiritual. As análises de Olavo de Carvalho sobre a Igreja, sobre a religião são de uma clareza e bondade que falta até mesmo à maioria dos próprios religiosos. Ninguém tem a palavra definitiva, é certo, mas o caminho que se percorre já diz muito, e a trilha intelectual que o professor percorre é de um inegável brilho espiritual cuja reação ígnea dos seguidores de Fedeli realmente nos espanta. Há uma série de questões sobre a Igreja que são de suma importância para o filósofo discutir, para benefício não só do povo, mas da própria Igreja. Não podemos esquecer que ela também é uma instituição humana e que as soluções que se buscam para os dilemas da humanidade, ainda que inspiradas, não são absolutas, pois seriam, ai sim, uma grande heresia.

Só Deus é Absoluto. A Verdade deve ser buscada. Não a encontraremos por decreto. Os que se dizem defensores da Tradição, especialmente os que o fazem com as tochas em punho, não podem esquecer que devem continuamente se manifestar a respeito do problema da miséria, e das contínuas contradições da humanidade. A busca do conhecimento, sendo a busca do sentido da vida, comunga de uma dimensão comum com a mística. Não se confunde com ela, mas não lhe é estranho. O divórcio que o grupo fedeliano quer reeditar entre Ser e Conhecer, açoitando-nos com dogmas literais, é no mínimo um ultraje filosófico. Mas creio que mandar a filosofia às favas não é exclusividade dos fedeli, e a esquerda materialista agradece mais essa intentona.

Ronaldo Castro
castro@recife.pe.gov.br

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