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A longa história do óbvio

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 10 de agosto de 2006

Se existe uma história longa, contínua e bem documentada, é a do esforço da esquerda nacional para fomentar a violência criminosa e usá-la como instrumento de destruição sistemática da ordem pública.

Na esfera cultural, essa história remonta à década de 30, quando os escritores comunistas atenderam alegremente ao apelo de Stalin para integrar o banditismo na luta ideológica. “Capitães da Areia”, de Jorge Amado, a epopéia melosa da transfiguração de um delinqüente juvenil em militante revolucionário, foi um dos marcos dessa literatura de propaganda. Nos anos 60, o “Cinema Novo”, um pseudópodo do Partido Comunista, ampliou para o terreno do show business a apologia da delinqüência.

Na década seguinte, ao mesmo tempo que a ideologia do bandido inocente contra a sociedade culpada se espalhava nos jornais, nas novelas de TV e na rede pública de ensino, a campanha passava à ação prática, com os terroristas presos na Ilha Grande ensinando aos delinqüentes comuns as técnicas de guerrilha urbana que hoje lhes permitem organizar-se em grupos paramilitares aptos a sobrepujar a polícia e a aterrorizar a população indefesa.

Nos anos 80, enquanto a demonização dos policiais se tornava a norma obrigatória na cobertura jornalística de assuntos criminais, a simbiose do esquerdismo com o banditismo fazia importantes conquistas no campo jurídico, promulgando leis que protegem os criminosos e criando uma rede de advogados ativistas dedicados a amarrar as mãos da polícia.

Em seguida, a fundação do Foro de São Paulo trouxe a integração continental dessa parceria macabra, montando uma rede de proteção mútua entre as organizações esquerdistas legais e grupos criminosos como as Farc (narcotráfico) e o MIR chileno (seqüestros), os quais desde então puderam agir livremente no território nacional com certeza da total impunidade.

Com a ascensão do PT à presidência da República, a esquerda, senhora absoluta das fontes de desordem, passou a controlar também os meios de simulação da ordem, manipulando o país com a onipotência de um psicólogo pavloviano ante ratinhos de laboratório.

A entrevista em que o secretário de segurança pública de São Paulo, Saulo Abreu, frustrando as tentativas do jornalista Franklin Martins de cassar-lhe a palavra, acusou o partido governante de cumplicidade direta com o PCC, não fez senão tirar a conclusão lógica de uma história de sete décadas.

Ele se esqueceu apenas de dizer que, se levarmos em conta a cumplicidade moral indireta e camuflada, não haverá um só político ou intelectual de esquerda, dentro ou fora do PT, habilitado a dizer-se inocente da produção deliberada de um estado de caos e violência que, mesmo antes das recentes explosões homicidas em São Paulo, já vinha matando cinqüenta mil brasileiros por ano.

Enquanto uma nação enfeitiçada pelo discurso esquerdista continuar se recusando a enxergar essas obviedades, a onda homicida não cessará de crescer até que, atingido seu objetivo de deter em suas mãos o poder total, a esquerda, como sempre fez em toda parte, possa instituir o monopólio estatal do crime e dispensar a ajuda dos grupos criminosos privados.

Origens do comunismo chique

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 10 de setembro de 2000

Já na década de 20, Stalin, julgando com razão que seria muito difícil controlar uma revolução do outro lado do Atlântico, decidiu que o Partido Comunista dos EUA não devia ser organizado com vistas à tomada do poder, mas à sustentação financeira e publicitária do comunismo europeu. Por isso o comunismo americano sempre se dedicou menos à organização do proletariado do que à arregimentação de milionários, artistas de Hollywood e intelectuais de renome. Para o embelezamento da imagem comunista, era importante que esses “companheiros de viagem” não se tornassem membros do Partido, mas conservassem sua figura de personalidades independentes, de modo que suas manifestações de apoio, acionadas nos momentos propícios, parecessem iniciativas pessoais e livres, ditadas pela coincidência inocente e espontânea entre os objetivos comunistas e os altos ideais de uma humanidade apolítica.

O sucesso do novo estilo, que contrastava com a imagem tradicional de austeridade proletária, fez com que fosse adotado também na Europa Ocidental, marcando toda uma época. Mais que uma época: o “glamour” do comunismo chique perpetuou um modelo pelo qual ainda se recorta o figurino da intelectualidade mundana em Nova York, invejado e imitado pela macacada letrada do Terceiro Mundo: vão a uma exposição de Sebastião Salgado e saberão do que estou falando.

Pessoas que ignoram esses fatos têm uma resistência obstinada a acreditar que efeitos tão vastos possam ter sido planejados por uma elite discreta, quase secreta. Preferem apegar-se à crença tola de que tudo acontece espontaneamente – crença que repousa na hipótese de um fluido metafísico em vez da ação concreta de homens atentos e espertos sobre homens distraídos e tolos. Mas a propagação espontânea tem, sim, algum papel. Os técnicos do Comintern, contando com a facilidade com que modas e cacoetes se espalham entre intelectuais mundanos, usavam calculadamente esse efeito e o denominavam “criação de coelhos”.

A própria elite às vezes tem simplesmente sorte. Ninguém poderia prever que o estilo do comunismo norte-americano iria sobreviver à queda de prestígio do regime soviético, perpetuando-se sob a forma da “New Left”, que nos anos 60 pôde continuar trabalhando pelo totalitarismo sem que sua bela imagem de independência fosse contaminada pelo que se passava na URSS. Mas às vezes também dá azar. Os dois principais responsáveis pela criação do comunismo chique, Karl Radek e Willi Münzenberg, terminaram mortos por ordem de Stalin, tão logo o sucesso mesmo da operação os tornou inúteis. A idéia inicial fora concebida por Radek, um dos pioneiros da Revolução Russa, e realizada sob a direção de Münzenberg, um gênio da propaganda.

Para vocês fazerem uma idéia da eficiência diabólica de Münzenberg, basta mencionar que foi ele o criador do mito Sacco e Vanzetti. Décadas depois do julgamento, demonstrada mil vezes a culpa de um e a cumplicidade de outro no assassinato de um homem desarmado que implorava por piedade, desmascarada a trama publicitária pelas confissões de membros da equipe de Münzenberg, o que ainda resta na imaginação popular é a lenda dos operários inocentes sacrificados por uma sórdida trama capitalista.

“Expert” em farsas duráveis, Münzenberg foi ainda o inventor de outros instrumentos típicos da propaganda comunista que de tempos em tempos são novamente retirados da cartola e sempre funcionam, como o “manifesto de intelectuais”, a passeata de celebridades e, “last not least”, os julgamentos simulados, eleições simuladas, plebiscitos simulados. A CNBB, portanto, tem por quem puxar. O estilo é o homem.

Münzenberg foi também o criador daquilo a que chamava “política da retidão”. É um elemento fundamental do comunismo chique: consiste em não bater de frente na sociedade democrática, mas em parasitar o prestígio de seus ideais morais, fazendo com que “companheiros de viagem” criteriosamente selecionados posem como seus mais representativos porta-vozes. Assim o apelo a esses ideais pode ser modulado e dirigido conforme os interesses de uma estratégia que sutilmente, e como quem não quer nada, vai levando a sociedade cada vez mais longe deles e mais perto da revolução comunista. Nossas campanhas da “ética” e “contra a miséria” foram apenas a aplicação dessa técnica: nem elevaram o padrão moral da nação nem diminuíram a pobreza, mas criaram a atmosfera na qual, hoje, o treinamento de guerrilheiros é financiado por verbas do governo sem que isto suscite o menor escândalo. O espírito de Willi Münzenberg continua baixando no terreiro político brasileiro.

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