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A escória do mundo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 20 de maio de 2008

“Cuanto más alto sube, baja al suelo.” (Frei Luís de León)

Vou resumir aqui umas verdades óbvias e bem provadas, que uma desprezível convenção politicamente correta proíbe como indecentes.

Todo comunista, sem exceção, é cúmplice de genocídio, é um criminoso, um celerado, tanto mais desprovido de consciência moral quanto mais imbuído da ilusão satânica da sua própria santidade.

Nenhum comunista merece consideração, nenhum comunista é pessoa decente, nenhum comunista é digno de crédito.

São todos, junto com os nazistas e os terroristas islâmicos, a escória da espécie humana. Devemos respeitar seu direito à vida e à liberdade, como respeitamos o dos cães e das lagartixas, mas não devemos lhes conceder nada mais que isso. E seu direito à vida cessa no instante em que atentam contra a vida alheia.

Nos anos 60 e 70, a guerrilha brasileira não foi nenhuma epopéia libertária, foi uma extensão local da ditadura cubana que, àquela altura, já tinha fuzilado pelo menos dezessete mil pessoas e mantinha nos cárceres cem mil prisioneiros políticos simultaneamente, número cinqüenta vezes maior que o dos terroristas que passaram pela cadeia durante o nosso regime militar, distribuidos ao longo de duas décadas, nenhum por mais de dois anos – e isto num país de população quinze vezes maior que a de Cuba. Nossos terroristas recebiam dinheiro, armas e orientação do regime mais repressivo e assassino que já houve na América Latina, e ainda tinham o cinismo de apregoar que lutavam pela liberdade.

Agora que estão no poder, enchem-se de verbas públicas e justificam a comedeira alegando que o Estado lhes deve reparações. O dinheiro do Estado é do povo brasileiro e o povo brasileiro não lhes deve nada. Eles é que devem aos filhos e netos daqueles que suas bombas aleijaram e seus tiros mataram.

Perguntem aos cidadãos, nas ruas: “O senhor, a senhora, acham que têm uma dívida a pagar aos terroristas, pelo simples fato de que a violência deles foi vencida pela violência policial? O senhor, a senhora, acham justo que o Estado lhes arranque impostos para enriquecer aqueles que se acham vítimas injustiçadas porque o governo matou trezentos deles enquanto eles só conseguiram, coitadinhos, matar a metade disso?”

Façam uma consulta, façam um plebiscito. A nação inteira responderá com o mais eloqüente NÃO já ouvido no território nacional.

É claro que os crimes que esses bandidos cometeram não justificam nenhuma barbaridade que se tenha feito contra eles na cadeia. Mas justifica que estivessem na cadeia, embora tenham ficado lá menos tempo do que mereciam. E justifica que, surpreendidos em flagrante delito e respondendo à bala, fossem abatidos à bala.

Mas eles não acham isso. Acham que foi um crime intolerável o Estado ter armado uma tocaia para matar o chefe deles, Carlos Marighela, confessadamente responsável por atentados que já tinham feito várias dezenas de vítimas inocentes; mas que, ao contrário, foi um ato de elevadíssima justiça a tocaia que montaram para assassinar diante da mulher e do filho pequeno um oficial americano a quem acusavam, sem a mínima prova até hoje, de “dar aulas de tortura”.

Durante a ditadura, muitos direitistas e conservadores arriscaram vida, bens e reputação para defender comunistas, para abrigá-los em suas casas, para enviá-los ao exterior antes que a polícia os pegasse. Não há, em toda a história do último século, no Brasil ou no mundo, exemplo de comunista que algum dia fizesse o mesmo por um direitista.

Sim, os comunistas são diferentes da humanidade normal. São diferentes porque se acham diferentes. São inferiores porque se acham superiores. São a escória porque se acham, como dizia Che Guevara, “o primeiro escalão da espécie humana”.

Eles têm, no seu próprio entender, o monopólio do direito de matar. Quando espalham bombas em lugares onde elas inevitavelmente atingirão pessoas inocentes, acham que cumprem um dever sagrado. Quando você atira no comunista armado antes que ele o mate, você é um monstro fascista.

Por isso é que acham muito natural receber indenizações em vez de pagá-las às vítimas de seus crimes.

Quem pode esperar um debate político razoável com pessoas de mentalidade tão deformada, tão manifestamente sociopática?

Um comunista honesto, um comunista honrado, um comunista bom, um comunista que por princípio diga a verdade contra o Partido, um comunista que sobreponha aos interesses da sua maldita revolução o direito de seus adversários à vida e à liberdade, um comunista sem ódio insano no coração e ambições megalômanas na cabeça, é uma roda triangular, um elefante com asas, uma pedra que fala, um leão que pia em vez de rugir e só come alface. Não existiu jamais, não existe hoje, não existirá nunca.

Sonsice obrigatória

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 06 de dezembro de 2007

Dividida entre duas táticas antagônicas – votar no “Não” ou recusar-se a comparecer às urnas, em protesto contra a fraude manifesta do plebiscito anterior –, ainda assim a oposição venezuelana impôs a Hugo Chávez uma derrota humilhante. Façam as contas. Se 44 por cento dos eleitores se abstêm e 51 por cento dos restantes votam contra, está claro que aproximadamente três quartos do eleitorado rejeitam na base as propostas comunistas do presidente. E estão contra por três motivos: (1) sabem que essas propostas são comunistas; (2) sabem o que é comunismo; (3) conhecem as articulações do governo local com o Foro de São Paulo, com o terrorismo islâmico e com o movimento comunista mundial. Em suma: sabem a respeito de Chávez tudo aquilo que o eleitor brasileiro ignora a respeito de Lula e do PT. Comparem, por exemplo, os discursos dos nossos políticos ditos oposicionistas com o livro “O Continente da Esperança”, de Alexandro Peña Esclusa, um dos mais destacados líderes do movimento antichavista. De um lado, são reclamações polidíssimas, antissepticamente escoimadas de qualquer tomada de posição ideológica, por tímida que seja. De outro, a denúncia corajosa do Foro de São Paulo e de seus planos para a transformação do continente num arremedo tardio da URSS.

A diferença é tanto mais obscena porque o Foro é uma invenção de brasileiros, não de venezuelanos, porque foi ao brasileiro Lula, não a Hugo Chávez, que as Farc agradeceram por essa iniciativa que salvou o comunismo da extinção, e porque, no fim das contas, é em Brasília, não em Caracas, que reside o cérebro dirigente da revolução comunista latino-americana, da qual Hugo Chávez não é senão a fachada mais escandalosa e, no fim das contas, um belo boi-de-piranha.

Acusados pela esquerda de ser “extremistas de direita”, nossos políticos de oposição e nossa “imprensa burguesa” são, na verdade, instrumentos dóceis de um vasto empreendimento de desinformação calculado para manter o eleitorado brasileiro na ignorância total do que se passa no continente.

Os leitores da Folha e do Globo , por exemplo, são insistentemente persuadidos de que o Foro de São Paulo não existe ou é inofensivo, de que o comunismo não é problema nenhum, de que toda iniciativa de combatê-lo é uma espécie de demência retroativa, causada por mórbida nostalgia reacionária dos tempos do senador Joe McCarthy. Expressões pejorativas como “saudosistas da Guerra Fria” reaparecem a todo momento, nesses e em outros órgãos de mídia, inibindo sistematicamente no público toda tentação de anticomunismo. E a esquerda, com astúcia diabólica, disfarça mediante afetações de hostilidade ao “direitismo” da classe jornalística a decisiva ajuda estratégica que dela recebe.

Entre aqueles que fomentam o avanço do comunismo no continente e aqueles que o protegem sob o manto da invisibilidade, é difícil decidir quais os mais devotados servidores do Foro de São Paulo. E não adianta alegar que os segundos são apenas idiotas úteis. Todo mundo ali sabe perfeitamente o que está fazendo. Se são idiotas, é por escolha voluntária, não por ignorância genuína.

Vou lhes dar um exemplo. No dia mesmo do plebiscito venezuelano, a polícia de Chávez invadiu a sede do “Colegio y Centro Social, Cultural y Deportivo Hebraica”, em Caracas, e revirou o edifício inteiro, camuflando a ostensiva agressão anti-semita sob a alegação de estar em busca de drogas (v. Eleonora Bruzual ) . Ninguém, na Venezuela, se deixou enganar por essa desculpa esfarrapada, porque todo mundo sabe que o comércio local de drogas está sob o domínio das Farc, contra as quais o governo Chávez não faz nem quer fazer absolutamente nada.

Mas, quando o nosso governo promove o samba carioca ao estatuto de “patrimônio cultural brasileiro” no mesmo dia em que o sr. Presidente da República visita o morro e em que a escola de samba Mangueira promove uma torpe homenagem ao traficante Fernandinho Beira-Mar, o principal sócio local das Farc, ninguém na mídia ou no Parlamento é capaz de notar sequer a unidade do simbolismo cultural subjacente, produto de uma longa simbiose de comunismo, narcotráfico e “cultura popular”.

De outro lado, e complementarmente, quando a cidade de Florianópolis aparece de repente coberta de cartazes anti-semitas, quem quer que estabeleça alguma ligação mesmo longínqua e indireta entre esse episódio abominável e uma política de governo inspirada pelo Fórum Social Mundial é automaticamente acusado de paranóia judaica.

A lógica dos nossos “formadores de opinião”, na mídia e no Parlamento, só obedece a duas regras: (1) Nada tem nada a ver com nada. (2) Querer juntar os pontos é coisa de maluco.

É a radical atomização da inteligência, a instauração da sonsice obrigatória.

Inteligência uspiana

Olavo de Carvalho


Jornal da Tarde, 16 de março de 2000

Cinco anos atrás, pus em discussão, para escândalo geral, o tema da cumplicidade dos intelectuais de esquerda com o banditismo.

A classe acusada reagiu como de praxe: primeiro, rosnar e latir para afastar o intruso; falhado esse expediente, fazer-se de morta até que o perigo passe; por fim, apossar-se do tema, reciclá-lo e reapresentá-lo como grande novidade.

Na imprensa dita cultural não falta quem anseie por servir de motoboy para esse gênero de mensagens. Destaca-se nisso o suplemento Mais!, que escolheu por nome um advérbio de quantidade para deixar ao leitor a escolha da qualidade subentendida: “mais irrelevante”, “mais bobo”, etc.

Assim, decorridos cinco anos, esse apêndice de papel deu-nos, em breve entrevista com Sérgio Miceli sobre o caso João Moreira Salles, uma amostra do que a classe pensante, pensando e pensando e pondo nisto uma força danada, pôde fazer nesse ínterim com o supramencionado tema.

Perguntado sobre as razões do fascínio que a intelectualidade sente pelos marginais, o acadêmico respondeu: “Discordo dos termos em que a pergunta está formulada.” Dito isto, imergiu em búdico silêncio, deixando ao público o encargo de adivinhar as profundidades do seu pensamento, e ao repórter a humilhação de não saber jamais onde foi que errou. Ensinar por meio do silêncio é a suprema glória do pedagogo. Com essa resposta o professor Miceli provou que está no lugar certo como titular de Sociologia da USP. Ninguém sabe calar com a elegância, a classe, o aplomb de um sociólogo da USP. Não me venham reduzir mesquinhamente o caso a uma aplicação da regra de Wittgenstein: “Onde não se pode falar, deve-se calar.” Wittgenstein jamais atinou com a arte sutil de transformar o silêncio em pito. Eu diria que é autêntica criação uspiana, se não houvesse o precedente daquele pai de família do conto de Arthur de Azevedo, que, indagado pelo filho sobre o que é “plebiscito”, mete o atrevido de castigo no banheiro enquanto vai consultar discretamente o dicionário.

A pergunta seguinte – se “a solidariedade é uma fantasia ou uma nova ação política” – deve ter parecido ao professor Miceli muito bem formulada, pois aí ele não apenas consentiu em falar como ainda o fez no mais puro estilo embromation: “João Moreira Salles procedeu como papel-carbono escolástico, desejoso de recuperar a experiência pelas lentes simbólicas do vivente e receoso de impor seus esquemas de apreensão.” Traduzido em português, quer dizer que João Moreira Salles preferiu deixar que Marcinho VP falasse por si. Mas, dito assim, não tem graça, além de também não constituir resposta nenhuma.

Por fim, indagado sobre “o que difere o malandro do narcotraficante” – pergunta formulada e respondida na gramática peculiar do Mais!, onde “diferir” vale como “diferenciar” –, o professor Miceli, aí sim, mostrou a que veio. “Narcotraficante – protestou – é uma designação de embocadura policial, enquadrando uma pessoa atuante numa esfera de atividade que está longe de permitir tamanha simplificação.” Nada como o rigor uspiano para impugnar os simplismos da linguagem comum. De fato, pode haver coisa mais simplista, mais boba, mais antiintelectual do que chamar um sujeito de narcotraficante só porque ele vende drogas? Chega a ser insultuoso, não é mesmo? Marcinho VP mereceria um termo à altura do vocabulário micélico, que infelizmente o entrevistado não nos forneceu ainda desta vez, tão fundo é o seu desprezo pelos apedeutas para os quais pau é pau e pedra é pedra. O professor Miceli jamais cairia na vulgaridade de ser explícito: para prová-lo, ele também deixou no ar o enigma de saber como um grande espírito tão cioso da precisão de linguagem pode, à imitação do inculto repórter, usar o verbo “diferir” como transitivo direto.

Já me perguntei mil vezes o que é preciso a gente fazer para ficar assim. Já investiguei de tudo: traumas de infância, privação de leituras, ressentimento edípico, alimentação deficiente, doutrinação marxista, uso errôneo das camisinhas. Tudo em vão. A cabeça uspiana é causa sui e não tem explicação no mundo exterior. Tudo o que nela se passa vem dela e nela termina. A “autonomia universitária” foi ali levada às últimas conseqüências: a USP é independente da realidade. Assim, não é de espantar que o tema das relações entre intelectuais e bandidos tenha ficado tão diferente do que era no original, transformando-se de um assunto explosivo numa desconversa evanescente, pedante e supremamente sonsa. Vargas Llosa dizia que a mídia é uma máquina onde entra um homem e sai um hambúrguer. A diferença da USP é que ali o hambúrguer não sai.

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