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Farsa monstruosa

Olavo de Carvalho

Jornal da Tarde, 9 de maio de 2002

A onda mundial de denúncias contra o clero católico baseia-se nuns quantos casos de pedofilia registrados, ao longo de mais de uma década, em vários países. A repetição uniforme do noticiário cria na alma do público uma associação de idéias entre pedofilia e catolicismo, reforçada por pareceres supostamente abalizados que sugerem a ligação entre esse fenômeno e o celibato clerical.

Para quem pense por estereótipos e frases feitas, o noticiário é impressionante, e convincente a fusão de imagens que ele veicula.

Homens capazes de raciocinar com números e fatos são, em qualquer país, uma minoria irrelevante. Mas, aos olhos dessa minoria, é claro que as denúncias dizem o contrário do que pretendem: o que elas demonstram é que a pedofilia é menos freqüente entre padres católicos do que entre os membros de qualquer outro grupo social escolhido para fins de comparação.

Escolho, a título de amostra, dois dos grupos que mais têm a lucrar com a desmoralização da Igreja: de um lado, os gays; de outro, a burocracia internacional que hoje substitui o clero na missão de zelar pelo bem da infância.

Um estudo recente empreendido por Judith Reisman, a celebrada autora de Kinsey, Crimes & Consequences, mostra que a média de ataques sexuais a crianças cometidos por homossexuais é cinco vezes maior que a dos cometidos por heteros. Pedófilos homossexuais, em suma, são muito mais reincidentes.

E, entre as vítimas de pedófilos machos, para cada menina há 20 meninos.

Se mesmo uma constante estatística tão significativa não justifica uma onda mundial de alarmismo antigay, por que umas dezenas de casos pinçados pela mídia justificariam a mundial prevenção anticatólica?

Mas no caso gay não há somente uma constante estatística. Há o fato bruto da indução à pedofilia por parte de publicações representativas de grupos homossexuais.

No seu trabalho “Child Molestation and the Homosexual Movement”, a ser publicado proximamente na Regent University Law Review, mas cujos resumos já circulam pela Internet, o jurista Steve Baldwin revela descobertas que fez na bibliografia gay disponível no mercado. Vejam estas três, colhidas a esmo no mostruário:

1) O Journal of Homosexuality, prestigiosa publicação acadêmica pró-gay, publicou recentemente todo um número especial sob o título grotescamente eufemístico “Intimidade intergeracional masculina”, no qual vários artigos apresentavam a pedofilia como uma “relação de amor”.

2) Larry Elder, fundador e chefe de um grupo ativista gay, escreveu no seu livro Report from the Holocaust: “Naqueles casos em que crianças fazem sexo com pessoas mais velhas homossexuais, afirmo que com freqüência, com muita freqüência, a criança deseja a atividade e talvez mesmo a solicite.”

3) Uma das mais influentes revistas gays, The Advocate, publica regularmente anúncios de um boneco de borracha modelo “Menino Penetrável… disponível em três posições provocantes”.

Mas seria injusto dizer que a comunidade gay é recordista de pedófilos per capita. Por enquanto a taça parece estar com aquela classe auto-incumbida de velar, em lugar do antigo clero, pela proteção e formação moral das crianças do mundo: os assistentes sociais da ONU.

Só em 2001 chegaram a 400, segundo dados da própria secretaria-geral da entidade, as queixas apresentadas por famílias de refugiados da África Ocidental contra esses molestadores multinacionais de crianças. Quatrocentos episódios num ano, numa única comunidade, configuram inequivocamente um caso de pedofilia em massa. E com o detalhe especialmente repugnante: as vítimas não foram colhidas nas ruas ou nas escolas, mas entre as massas de miseráveis, famintos e doentes que, no extremo do desespero, se entregaram nas mãos desses monstros confiando na sua promessa de socorro.

Isso, sim, é um escândalo de proporções mundiais, um crime contra a Humanidade no sentido mais estrito em que esta expressão foi definida em Nuremberg.

Mas os assistentes sociais da ONU são intocáveis. São o novo clero, incumbido de espalhar no mundo o evangelho “politicamente correto” da Humanidade de amanhã. Denunciá-los seria promover o desmanche imediato da ideologia “humanista” que inspira os ataques da mídia internacional ao clero católico.

Por isso a imprensa mundial se cala, desviando as atenções do público para casos seletivamente escolhidos onde figure, como emblema do crime, a palavra “padre”.

Afinal, a Igreja não existe para arcar, como o próprio Cristo, com os pecados do mundo?

Velhas feridas

Olavo de Carvalho


O Globo, 6 out 2001

Negar a um país agredido militarmente o direito de reagir, obrigá-lo a submeter a organismos estrangeiros a decisão e o comando de suas operações de defesa, eis decerto um ataque mais devastador à sua soberania nacional do que poderia sê-lo a derrubada de mil torres de mil World Trade Centers.

Por ter derrubado as torres, Osama bin Laden é acusado mundialmente de um crime colossal. Mas infinitamente mais criminosos são aqueles que se aproveitam da desorientação momentânea da vítima para atacá-la simultaneamente por todos os lados, exigindo-lhe não apenas que abdique do direito elementar de autodefesa, mas que o faça de joelhos, com humildade e contrição, reconhecendo no atentado terrorista uma sentença divina, cuja justiça superior — já que Deus escreve direito por linhas tortas — não é minimamente afetada pelo detalhe acidental de ter entrado em vigor por meios criminosos.

Mal assentada a poeira dos edifícios tombados, milhares de bocas entraram em ação para reverter contra os EUA a onda de indignação espontânea que se erguera no mundo contra os autores do atentado. Em uníssono, como um coro bem disciplinado, líderes e intelectuais esquerdistas esforçam-se para completar na esfera jurídica, política e diplomática a obra que bin Laden iniciou no campo militar. Sim, que outro objetivo poderia bin Laden ter em vista com as agressões de 11 de setembro senão fazer vergar a espinha dorsal dos EUA, humilhar e debilitar a nação mais forte e mais próspera do mundo? E como alcançar mais eficazmente esse objetivo senão roubando dessa nação o direito de revide e forçando-a a desgastar-se num extemporâneo “mea culpa” no instante em que ela mais precisa de concentrar suas forças e seu orgulho nacional para defender-se do agressor?

A articulação lógica dos atentados e da artificialíssima onda de anti-americanismo que se seguiu poucos dias depois é tão evidente, que toda afetação de bons sentimentos por parte dos promotores dessa campanha perversa se desmascara a si mesma, no ato, como patente hipocrisia dos maiores e, na verdade, únicos aproveitadores do crime.

Únicos, sim. Que benefício podem extrair das atrocidades de bin Laden os países islâmicos? Ser expostos aos olhos do mundo como nações de bárbaros, de assassinos, de fanáticos? Voltar contra si mesmos os canhões e as ogivas nucleares dos EUA? Só se forem mais loucos do que os retrataria o mais rancoroso anti-islamismo que se possa conceber.

Que benefício pode esperar Israel? Ficar espremido entre dois fogos numa guerra de proporções mundiais? Expor os judeus de Nova York, de Londres, de Paris, ao rancor vingativo dos muçulmanos que aí habitam em número incomparavelmente superior ao deles? Impensável.

E os EUA, então, que podem esperar ganhar, seja com os ataques do dia 11, seja com o envolvimento numa guerra que pode se alastrar e jogar contra eles metade do mundo?

Não, os EUA não ganham nada, Israel não ganha nada, os países islâmicos não ganham nada.

Só quem pode ganhar e aliás já está ganhando é uma classe bem definida de pessoas, não identificadas com nenhuma nação em particular, mas unidas por um propósito ideológico e estratégico comum. Quem ganha é internacional esquerdista.

A velocidade indecente com que, passado o escândalo do primeiro momento, a máquina mundial da propaganda anti-americana entrou em ação, para vibrar sobre o corpo combalido da vítima um segundo e mais portentoso golpe, não pode ser explicada senão pela coerência absoluta de propósitos entre o primeiro ataque e o segundo, entre o bin Laden das montanhas do Afeganistão e os milhares de bins Ladens da diplomacia e da mídia.

A hipótese, aliás, de que o primeiro disparasse seus Boeings numa pura efusão de iniciativa isolada, anárquica, sem qualquer respaldo num propósito político de maior envergadura, é suficientemente pueril para não merecer sequer ser discutida. Sobretudo depois que a unidade desse propósito já nem cuida mais de camuflar-se, mas, sem temer represálias, se exibe despudoradamente na convergência de tantos discursos, de Koffi Annan a Fidel Castro, passando por uma infinidade de solícitos Baltazares Garzóns.

Não sei se essas forças armaram bin Laden. Mas, armadas por ele, impõem hoje aos EUA uma ameaça infinitamente mais temível que a de todos os kamikazes e talebãs de mil e uma noites de pesadelo.

O que não se pode negar é que algo a emergência desse estado de coisas nos ensina. Ela destrói, de um só golpe, o mito do mundo unipolar. Nunca existiu mundo unipolar. A Guerra Fria foi simplesmente substituída por um novo duelo de gigantes: de um lado, os EUA; de outro, um agregado multinacional de poderes que inclui a “intelligentzia” esquerdista mundial, os organismos internacionais (ONU, Unesco, OMS, OIT, FMI, Banco Mundial), milhares de ONGs e um punhado de conglomerados financeiros que, mesmo quando de capital majoritariamente americano, têm interesses que vão muito além dos da nação americana e freqüentemente contra eles. Esse agregado representa claramente o núcleo da Nova Ordem Mundial, uma força dirigista e socialista que vive de sugar energias vitais dos EUA, usá-las em projetos megalômanos de controle universal que restringem a soberania nacional americana junto com a dos demais Estados e, por fim, lançar a culpa de tudo na própria nação americana.

Não conheço mais de três ou quatro brasileiros que saibam do conflito mortal que hoje opõe os interesses americanos aos do globalismo. Massa e elites, não só no Brasil, mas em todos os países do Terceiro Mundo, são mantidos na ilusão de que os organismos internacionais, por exemplo, são braços do poder americano, o qual na verdade eles estrangulam, subjugam e debilitam a cada dia. Não conheço mais de três ou quatro brasileiros que saibam dos protestos desesperados de nacionalistas estadunidenses contra a opressão globalista que, entre nós, passa por ser a encarnação suprema da ambição nacional americana.

A mobilização repentina e uníssona dos porta-vozes daquele agregado, numa ostensivo ataque à soberania nacional dos EUA, tem o mérito de revelar ao mundo o conflito longamente ocultado. Nunca houve mundo unipolar. O pólo antagônico, apenas, era invisível porque não tinha identidade estatal; sua unidade, camuflada pela pluralidade de suas faces dispersas pelo mundo, só podia ser apreendida mediante um esforço de abstração, dificultoso para muitos, repugnante para outros. A súbita radicalização ocasionada pelos atentados de bin Laden trouxe a revelação forçada dessa unidade. Antes, qualquer um podia recusar-se a vê-la, por inibição de revolver velhas feridas da Guerra Fria. Agora essas feridas supuraram todas de uma vez.

A lógica do terrorismo

Olavo de Carvalho

Época, 6 de outubro de 2001

Ela não é difícil de captar, se você tem acesso às premissas

Em todo plano terrorista que se preze há uma continuidade entre a preparação da atmosfera, o ataque propriamente dito e o aproveitamento das repercussões. O jargão comunista designa os atentados como “propaganda armada”. A razão é óbvia: visam menos a um resultado militar específico que à ostentação espetacular do temível. Para isso devem articular-se com a propaganda desarmada, que antecipa, orienta e multiplica seus efeitos.

A maior descarga de propaganda armada de todos os tempos foi atirada sobre o WTC e o Pentágono poucos dias depois de estrear, do outro lado do planeta, o show de propaganda desarmada montado pela ONU na Conferência de Durban para desmoralizar Israel e os Estados Unidos. Caídas as torres, seguiu-se o aproveitamento das repercussões: uma campanha mundial, abrilhantada por Fidel Castro, para lançar sobre a vítima a responsabilidade dos atentados e, pela primeira vez na história humana, negar a um país atacado o direito de reagir, pressionando-o a transferir para a ONU a autoridade de decidir seu destino nacional.

A identidade ideológica dos diretores de cena nos dois espetáculos, o que antecedeu e o que se seguiu ao ataque, é rigorosamente a mesma: a internacional esquerdista, entrincheirada na ONU e fortalecida pela exclusão da presença americana na Comissão de Direitos Humanos. A premissa maior e a conclusão do silogismo são, portanto, bem nítidas. Desencavar daí a premissa menor implícita é tarefa simples, mas que se torna difícil quando tantas vozes, explorando a ambigüidade congênita do terrorismo islâmico, se empenham em realçar-lhe a identidade religiosa para encobrir-lhe a identidade política. Pela religião, a quadrilha de Bin Laden integra-se num dos últimos baluartes do conservadorismo religioso no mundo. Politicamente, alinha-se com a internacional esquerdista. Se a face política do terror evidencia a unidade de propaganda armada e desarmada, completando o silogismo, a face religiosa as diferencia e separa, camuflando a premissa menor. Daí que tanta gente na mídia procure associar Bin Laden antes ao Islã, que só tem a perder com suas ações terroristas, que à esquerda mundial, que tem tudo a ganhar com elas.

Quando Bin Laden diz que há uma trama para desencadear a guerra entre o Ocidente e o Islã em proveito de Israel, ele deixa entrever a verdade no fundo da mentira. A trama existe, mas, dessa guerra, Israel não poderia esperar senão sua própria destruição. Outro tanto cabe dizer dos EUA e do próprio Islã. Só quem pode esperar algo melhor é a internacional esquerdista. Aliás, nem precisa esperar. Batendo com mão islâmica e fazendo-se de amiga da vítima para usurpar seu direito de reagir, ela já está ganhando, e aliás quintuplamente: esquiva-se de arcar com a culpa da propaganda desarmada, joga um contra o outro os conservadorismos religiosos judaico-cristão e muçulmano, ganha munição para novas campanhas de imprensa, vence mais um round em sua luta de cinco décadas para dar à ONU o estatuto de governo mundial e ainda lança os débitos de sua monstruosa ambição global na conta dos EUA – tudo isso sem precisar mostrar-se no palco, exceto no papel de guardiã da paz. Jamais a pergunta Quia bono? (Quem ganha com o crime?) teve resposta tão eloqüente. Alguns dados suplementares talvez tornem tudo ainda mais claro. Por que fazer uma Conferência contra o Racismo num país em plena “faxina étnica” contra a minoria branca, se justamente esse item estava excluído do programa de debates? Parece absurdo, não? Mas na aparente loucura há um método. A África do Sul, governada por um partido comunista, tem estreitas ligações com o Taleban e com Cuba, quartéis-generais do terrorismo mundial. E, segundo Anthony LoBaido – um dos mais tarimbados correspondentes estrangeiros no país –, a elite de Durban está infestada de radicais muçulmanos simpáticos a Bin Laden, entre os quais o chefe de polícia e o delegado local da Interpol. A efusão de propaganda desarmada não poderia brotar de um terreno mais fértil.

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