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Salvando a mentira

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de setembro de 2008

O New York Times, como ninguém ignora, torce – e distorce – para a esquerda. Notícias que maculem gravemente a imagem dos ídolos do esquerdismo só saem lá em último caso, quando a porcaria é grande ou notória demais para ser escondida. Se é contra a direita, contra os EUA ou contra Israel, qualquer picuinha vai logo para a primeira página. No entanto, o enviezamento ideológico do velho diário não passa muito além desse ponto. Vexames colossais de outras épocas, como as matérias estalinistas do arqui-embrulhão Walter Duranty (modelo de jornalismo da “Hora do Povo”), a campanha dos anos 50 para convencer os americanos de que Fidel Castro era um grande líder pró-ocidental ou a imensa foto de primeira página do árabe agredido pela polícia israelense que era na verdade um judeu agredido por árabes, jamais se repetiram. A mentira completa e proposital passou a ser evitada sempre que possível, ao menos para dar às distorções sutis uma credibilidade jornalística que elas não teriam, digamos, num semanário do MST.

No jornalismo brasileiro, porém, essas precauções já foram para o beleléu faz muito tempo. Com exceções infinitesimais que só servem para sublinhar a generalidade onipresente da regra, a grande mídia nacional transformou-se num eco passivo dos debates internos da esquerda, onde só são admitidas as opiniões e notícias que possam, sem escândalo, ser lidas do alto do pódio numa assembléia geral do Foro de São Paulo. O leitor leigo pode se deixar impressionar pelas freqüentes acusações de direitismo lançadas pelos jornalistas uns contra os outros, mas, como nunca viu direitismo de verdade, não tem meios de comparação e não percebe, portanto, que o teor dessas acusações é precisamente idêntico ao daquelas que se poderiam ouvir, em tumultos estudantis dos anos 60, atiradas pela AP contra o PCB ou vice-versa. O que aí se denuncia é um direitismo figurado, de segundo grau, que não consiste em adesão firme e coerente a qualquer proposta liberal ou conservadora, mas em simples contaminação parcial, em concessão por fraqueza, em fidelidade imperfeita ao ideário esquerdista. A veemência crescente do tom em que essas acusações são proferidas, dando a falsa impressão de que há uma direita em ascensão no país, revela na verdade que mesmo esse direitismo metafórico e diluído já é cada vez menos tolerado. A esquerda lucra duas vezes com isso: fortalece sua posição na mídia e mantém a militância naquele estado de temerosa expectativa de uma investida inimiga, necessário para a maior disciplina, lealdade e coesão.

Nessa confortável posição de controle absoluto, ela está livre para mandar às favas os últimos escrúpulos de idoneidade jornalística e deixar que a imaginação militante assuma o lugar do que possa ter sido um dia o senso de realidade, mesmo atrofiado e mínimo.

Isso acontece em todos os maiores jornais do país, mas a Folha e o Globo são aqueles onde a obliteração da consciência jornalística é mais visível.

Vejam por exemplo a matéria que saiu no New York Times sob o título “Personagem do caso Rosenberg confessa ter espionado para os soviéticos”. Reproduzida na Folha, transformou-se na seguinte coisa: “Ethel Rosenberg era inocente, diz ex-réu”.

Como é possível transformar uma confissão de culpa na proclamação de um erro judiciário, na denúncia de uma condenação iniquamente imposta a pessoa inocente? É o milagre jornalístico dos títulos. Com quatro ou cinco palavras você inverte o sentido de uma matéria inteira. Como a maior parte dos leitores só lê os títulos, o impacto da notícia real é neutralizado e é o contrário dela que permanece na memória geral. Repitam esse processo uns milhares de vezes e as mais estúpidas histórias da carochinha se tornam verdades de evangelho. Isso é o que no Brasil de hoje se chama “jornalismo”.

Vale a pena examinar o caso com mais atenção. Segundo o despacho do NYT, Morris Sobell, condenado à prisão em 1951 por espionagem atômica enquanto seus cúmplices Julius e Ethel Rosenberg iam para a cadeira elétrica em Sing Sing, continuou alegando inocência obstinadamente, até que, aos 91 anos, desistiu e confessou que ele e Julius eram mesmo espiões soviéticos. A culpa deles é monstruosa: passaram aos russos segredos essenciais de construção da bomba atômica, transformando a falida URSS numa potência ameaçadora, colocando o mundo sob risco de guerra nuclear e inaugurando a era da Guerra Fria.

A confissão derruba uma das maiores e mais persistentes mentiras do calendário litúrgico esquerdista. Durante mais de meio século, a intelectualidade e o jornalismo de esquerda proclamaram a inocência de Sobell e dos Rosenbergs. Ainda em 1988 centenas de artistas e escritores esquerdistas participaram do “Rosenberg Era Art Project” (v. Rob A. Okun, ed., The Rosenbergs: Collected Visions of Artists and Writers, Universe Books, 1988), uma rodada de exposições e conferências, repetida nas mais famosas galerias de arte dos EUA em homenagem aos Rosenbergs, ali apresentados como mártires inocentes, vítimas de perseguição macartista e – é claro – de anti-semitismo (Arnaldo Jabor adora essas coisas). As provas em contrário, no entanto, continuaram se acumulando e acabaram por se tornar irrespondíveis após a abertura dos Arquivos de Moscou e a decifração, pelo exército americano, dos códigos Venona, comunicações secretas entre o Kremlin e a embaixada soviética nos EUA. A bibliografia a respeito é abundante e, por ironia, quase toda produzida por autores judeus (por exemplo, Ronald Radosh, The Rosenberg File, Yale Univ. Press. 1997; John Earl Haynes and Harvey Klehr, Venona: Decoding Soviet Espionage in America, id., 1999; Herbert Rommerstein and Eric Breindel, The Venona Secrets: Exposing Soviet Espionage and America’s Traitors, Regnery, 2000). Para cúmulo, o próprio agente soviético que serviu de ligação entre Moscou e os Rosenbergs, Alexander Feklisov, contou tudo no seu livro de memórias (The Man Behind the Rosenbergs, Enigma Books, 2001).

Se ainda faltasse lançar a pá de cal sobre uma das mais vastas, dispendiosas e obstinadas campanhas de desinformação comunista, a entrevista de Sobell fez precisamente isso. O debate está encerrado e, mais uma vez, comprovada a mendacidade esquerdista que produziu as mais extraordinárias falsificações históricas do século XX.

A consciência moral da Folha, porém, não podia aceitar calada uma injustiça tão grande. A verdade vencera? Que horror! Era preciso dar um jeito nisso, restabelecer o equilíbrio, salvar ao menos um pedacinho da mentira moribunda. Felizmente, a própria entrevista de Sobell dava margem a isso. Confessando o crime dele e de Julius Rosenberg, o espião aposentado acrescentava que Ethel, a mulher do seu cúmplice, sabia de tudo mas não teve grande participação na rede de espionagem. Era tudo o que a Folha precisava para transfigurar a confissão de crime em denúncia de erro judiciário, jogando a essência comprovada da notícia para baixo do tapete e puxando para o título o detalhe menor e duvidoso.

Mais que duvidoso, na verdade. A ocultação proposital de um ato de espionagem que coloca a segurança de um país em risco é parte integrante da própria espionagem. Ethel não encobriu só o marido: encobriu a operação inteira, que transformou o inimigo inerme em ameaça temível contra os EUA. Em nenhum tribunal do mundo ela seria considerada “inocente”. Só no título da Folha e, daí por diante, na imaginação dos otários que acreditam nela.

A técnica jornalística mais elementar ensina que o título deve resumir a parte mais importante e confirmada da notícia, ficando para o corpo do texto os detalhes complementares, sobretudo se não comprovados. A confissão de Sobell é em si um fato, e de importância histórica inegável. Sua declaração sobre Ethel é mera opinião, contraditada aliás pelo testemunho do próprio Feklisov. Mesmo se admitida como verdadeira não provaria nenhuma “inocência” de Ethel Rosenberg.

A Folha não se vexa de inverter o preceito básico do noticiário jornalístico, para atenuar o impacto de uma notícia que poderia pegar mal – ó horror! – para a reputação ilibada dos comunistas.

Episódios como esse repetem-se praticamente todo dia naquele e em outros jornais brasileiros, mostrando que ali a prioridade não é o jornalismo: é a manipulação esquerdista deliberada, mendaz, perversa e incansável. O que me pergunto é por que tantos leitores, assinantes e anunciantes aceitam passivamente ser ludibriados com tal persistência e nem mesmo fazem uma queixa à Delegacia do Consumidor.

Decapitados e decapitadores

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 22 de julho de 2008

Num seriado da TV estatal britânica BBC, uma organização cristã “de extrema-direita”, com nome sutilmente racista (White Wings, “Asas Brancas”), decapita um inocente muçulmano “politicamente moderado”, sob o pretexto – oh, quão paranóico! – de que a tradição cristã do Reino Unido está sob ameaça.

Não sei precisamente a quantidade de cabeças cristãs que têm rolado no mundo islâmico nos últimos anos – várias dúzias, até onde acompanhei o noticiário –, mas sei o número exato de muçulmanos decapitados pelos cristãos, fundamentalistas ou não, no Ocidente ou no Oriente: zero.

Quando uma TV estatal decide chamar os decapitados de decapitadores, atribuir a eles o fanatismo sangrento daqueles que os matam e ainda acusá-los de paranóicos quando se sentem ameaçados, uma coisa é clara: o proprietário dessa TV está em guerra contra a religião dessas pessoas e, na ânsia de extingui-la, não se vexa de recorrer à calúnia deliberada e cínica. Quando esse próprietário é o governo de uma das nações mais poderosas do mundo, o risco que a comunidade visada está exposto não é nada pequeno. É pelo menos tão grande quanto a imaginária “White Wings” diz que é.

Semanas antes, quase ao mesmo tempo que o governo britânico legalizava a poligamia e autoridades judiciais proclamavam que a implantação da lei islâmica no Reino Unido era apenas uma questão de tempo, a BBC havia proibido seus redatores de usar o termo “ditador” para referir-se ao falecido Saddam Hussein, aquela gentil criatura que consolidou seu poder presidencial matando os deputados de oposição e depois espalhou cemitérios clandestinos por todo o Iraque, preenchendo as valas comuns com centenas de milhares de rebeldes e indesejáveis em geral.

Simultaneamente, uma pesquisa do American Textbook Council (v. www.worldnetdaily.com/index.php?pageId=63872) mostrou que os livros de História distribuídos na rede de escolas públicas dos EUA são francamente pró-islâmicos, enquanto toda expressão pró-cristã é ali cada vez mais desestimulada e reprimida sob todas as formas, incluindo expulsão, prisão e estágios obrigatórios de “reeducação da sensitividade”.

Também quase ao mesmo tempo, a Suprema Corte dos EUA concede aos terroristas islâmicos presos em território estrangeiros os mesmos direitos dos cidadãos americanos, enquanto a grande mídia e os megabilionários globalistas conjugam esforços para eleger presidente dos EUA um muçulmano (relativamente) enrustido.

Mas, é claro, só um fanático militante da “White Wings” veria em tudo isso uma convergência entre os três grandes projetos de dominação mundial – o metacapitalista, o comunista e o islâmico – num esforço comum de realizar a velha meta do filósofo marxista Georg Lukács: destruir a civilização judaico-cristã.

“Judaico-cristã” não é só um modo de dizer. A guerra não é só contra os cristãos: a BBC tanto demonizou Israel que o governo de Tel-Aviv decidiu vetar a entrada de representantes dessa emissora nas entrevistas coletivas oficiais. Claro: de que adianta contar tudo a repórteres que depois escrevem o contrário? De que adianta mostrar-lhes dezenas de bombas lançadas diariamente contra Israel se depois eles vão pintar toda e qualquer reação israelense, mesmo desproporcionalmente modesta, como se fosse uma iniciativa isolada, sem motivo, inspirada pela pura brutalidade?

Questão de sobrevivência

Olavo de Carvalho

Visão Judaica, 12 de junho de 2008

Arnold Toynbee dizia que as civilizações perecem estranguladas pela dupla pressão de um “proletariado externo” e de um “proletariado interno”. Não sei se como teoria histórica isso vale alguma coisa, mas Toynbee não foi somente um filósofo da História: foi também e principalmente um colaborador dos círculos globalistas interessados em criar um governo mundial. Se o esquema de A Study of History não serve para explicar o que se passou ao longo dos milênios, vem servindo muito bem como guia para o empreendimento de destruição sistemática das soberanias nacionais – de todas as soberanias nacionais, mas especialmente daquelas duas que mais podem oferecer obstáculo às pretensões globalistas: a dos EUA e a de Israel.

Enquanto as demais nações cedem alegremente o controle de seus assuntos internos mais importantes para organismos internacionais aos quais a sua população não tem o menor acesso, aquelas duas continuam exercendo o direito tradicional de tomar suas próprias decisões. Faltando o proletariado externo e interno que possa destruí-las, o poder globalista se apressa em fornecer artificialmente essa dupla carga explosiva, de um lado financiando a rede mundial de ONGs com a função de gritar dia e noite slogans anti-americanos e anti-israelenses, de outro fomentando a imigração legal e ilegal em termos “multiculturais” que não podem ter como resultado senão a dissolução dos sensos de identidade das nações hospedeiras, mais dia menos dia.

Os motivos para a resistência americana são bem claros: os EUA criaram a maior, a mais estável, a mais próspera e a mais duradoura democracia que o mundo já conheceu, e o fizeram sem nenhuma ajuda de organismos internacionais, os quais, ao contrário, dependem da contribuição americana em quase tudo. E os EUA têm uma Constituição que não permite ao seu presidente ceder um milímetro cúbico da soberania nacional a quem quer que seja – Constituição que não é só um documento jurídico, mas a fonte viva do senso de orientação dos americanos em inumeráveis situações da vida.

Israel, porém, tem muito mais que isso: tem cinco milênios de História, tem a consciência da sua missão no mundo e tem a lembrança de sofrimentos horríveis que jamais teriam podido lhe ser impostos se não fosse a sua condição de povo nômade, obrigado a lutar pela vida “in partibus infidelium“.

Embora muitos judeus hoje em dia, sobretudo nos círculos intelectuais elegantes, sejam idiotas o bastante para ignorá-lo ou cínicos o bastante para fingir que o ignoram, o fato é que a defesa da soberania territorial de Israel é uma questão de sobrevivência não só para os seus habitantes, mas para todos os judeus espalhados pelo mundo. E, junto com a soberania territorial, vêm todas as demais formas de soberania: militar, jurídica, diplomática, etc. Qualquer concessão que Israel faça às pressões do globalismo, por mínima que seja, coloca em risco o futuro do povo judeu inteiro. Principalmente quando essas pressões, exercidas por meio de um arremedo de “proletariado externo” regiamente subsidiado por banqueiros internacionais, alegam agir em defesa de um “proletariado interno” que por sua vez é uma farsa no sentido mais pleno da palavra. Os únicos “palestinos” que algum dia existiram são os próprios judeus. Todos os outros são uma fabricação grotesca inspirada na fórmula de Toynbee.

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