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Do fórum ao jardim

Olavo de Carvalho


O Globo, 14 de abril de 2001

O Fórum da Liberdade, criação do industrial Jorge Gerdau Johanpeter e do Instituto de Estudos Empresariais, realiza-se todos os anos, em Porto Alegre, desde 1988. É o maior, o mais sério e o mais democrático círculo de discussões sociopolíticas deste país. No ano passado e agora, no dia 10 de abril, reuniu quase duas mil pessoas no auditório da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul para ouvir políticos, empresários, escritores e homens de ciência, brasileiros e estrangeiros, de convicções e tendências diversas, que ali discutiam, num ambiente de liberdade e tolerância, temas essenciais para o desenvolvimento nacional. Como é obra de liberais, a coisa acabou por suscitar meses atrás a inveja dos esquerdistas, que, sentindo-se humilhados em vez de lisonjeados pela liberdade que aí desfrutavam como convidados, decidiram fazer o seu próprio fórum, com cinco diferenças vitais: (1) recorreram ao dinheiro público em vez de ater-se aos recursos privados; (2) somaram a isso o dinheiro estrangeiro, em vez de contentar-se com patrocínio nacional; (3) negaram o direito de voz aos liberais que anualmente lhes franqueavam os microfones do Fórum da Liberdade; (4) incluíram na lista de convidados especiais alguns assassinos, genocidas e traficantes, um tipo de gente que não freqüenta o Fórum da Liberdade; (5) disfarçaram a ori$caricatural e imitativa de seu empreendimento sob as aparências, desproporcionais e forçadas, de um >sav<pendant nacionalista do encontro global de Davos.

Essa macaquice perversa chamou-se, como se sabe, “Fórum Social Mundial”. Em contraste com o original, que mal chega a ser mencionado na imprensa fora do Rio Grande, recebeu a mais espetaculosa cobertura do lobby esquerdista na mídia nacional e internacional.

Não pretendo, ao dizer isso, corrigir a pauta da mídia mundial. Pretendo apenas buscar a lógica por trás do absurdo. E, nesse empenho, ocorre-me lembrar que, entre os documentos da KGB que despertaram curiosidade quando da abertura dos arquivos do Comitê Central do PCUS, um, em especial, foi e é sonegado até hoje ao exame dos pesquisadores: a lista dos jornais e jornalistas ocidentais subsidiados pela espionagem soviética. Alguns dados fragmentários foram obtidos pelo escritor russo Vladimir Bukovski. Comprometiam celebridades social-democratas e as maiores editoras de jornais “progressistas” da Europa. Mas sua divulgação, feita na Itália, não vingou: foi bloqueada pela deflagração da “Operação Mãos Limpas”, a qual, mediante eficazes acusações de corrupção menor, logrou in$as lideranças liberais e conservadoras para que se abstivessem de investigar aquilo que foi certamente o mais vasto empreendimento de compra de consciências em toda a história humana. Ajudando assim os comunistas a escorregar para fora da linha de investigações, a célebre ofensiva moralista da magistratura italiana talvez contivesse em seu nome uma alusão ao sabonete usado em análogas circunstâncias pelo mais escorregadio dos magistrados, o limpíssimo Pôncio Pilatos.

Estes fatos podem parecer muito distantes do assunto inicial deste artigo, mas dão ao leitor uma idéia da origem e das dimensões majestosas do lobby esquerdista na mídia européia, idéia sem a qual seria totalmente incompreensível a repercussão planetária de uma paródia de debate encenada em Porto Alegre.

Também não é despropositado notar que, após a queda do bloco soviético, a KGB, com seu nome alterado pela enésima vez, continuou a funcionar normalmente, sem que nenhum de seus espiões, esbirros e torcionários fosse punido ou sequer investigado por seus crimes. Ao contrário, o próprio Boris Yeltsin, o demolidor do bloco, deteve temerosamente sua marreta ante os muros da KGB, não só refreando-se de fazer sondagens $mas consentindo até mesmo em erguer uma estátua a um agente da instituição, celebrado como o espião soviético que permanecera mais tempo infiltrado no governo dos EUA.

Ainda na mesma linha de juntar dados para uma conclusão à qual seria temeridade atribuir o caráter de coisa certa mas covardia abster-se de admitir como hipótese razoável, é preciso lembrar aquilo que disse um dos principais agentes da espionagem comunista no Brasil, o tcheco Ladislav Bittman, que a repartição para a qual trabalhava mantinha em sua folha de pagamentos uma considerável tropa de jornalistas brasileiros e subsidiava até um jornal inteiro. Embora Bittman publicasse esses dados em 1985 (no seu livro “The KGB and Soviet disinformation”), até hoje os pesquisadores acadêmicos, sempre tão ansiosos por desventrar “os porões” da era militar, não mostraram o menor interesse em saber quem eram esses felizardos e que serviços prestaram à espionagem soviética.

Mas, falando em desinteresse, não é menor aquele que a imprensa nacional demonstra ante o pedido de impeachment do governador gaúcho Olívio Dutra, que será votado terça-feira próxima na Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Rio Grande. Em contrapartida, as senhoras chiques de Paris são informadas, pela revista “Marie Claire” de abril, de que, graças ao milagre da administração popular dutrina, Porto Alegre é hoje — literalmen$— “um jardim”. Um jardim de democracia e igualdade.

De fato — acrescento eu — só um igualitarismo profundo pode ter inspirado algumas das iniciativas que levaram o governador Olívio Dutra a tornar-se, em pleno jardim, o alvo de um pedido de impeachment. Vou citar só uma dentre dezenas. O Colégio Tiradentes, da Brigada Militar, ocupa há 12 anos os lugares de honra no >sav<ranking das melhores escolas gaúchas, segundo pesquisas dos jornais “Zero Hora” e “Correio do Povo”. Enquanto os alunos da rede pública estadual recebem 2.400 horas-aula por ano, os do Tiradentes recebem 3.200. A média de aprovação geral de seus alunos é 7; nas demais escolas, 5. Tudo isso feria doloridamente o espírito igualitário de S. Excia. e de sua secretária da Educação, Lúcia Camini. Para dar fim a tão intolerável estado de coisas, determinaram que o colégio seria fundido com outra instituição, também da Brigada Militar, dedicada à reeducação de oficiais condenados pela prática de crimes graves. Deste modo, os alunos do Tiradentes, em vez de constituir uma odiosa elite a pairar soberbamente sobre este baixo mundo, terão a oportunidade de ser reeducados nos princípios do igualitarismo, recebendo aulas na companhia de estupradores, assassinos e ladrões. Isso é mais que igualdade. É uma imagem do paraíso bíblico: o lobo e o cordeiro estudando juntos no jardim de “Marie Claire”.

Ainda a canalhice

Olavo de Carvalho

O Globo, 7 de abril de 2001

Quando se fala dos cem milhões de vítimas do socialismo, isto se refere a pessoas assassinadas de propósito, por ordem de governantes, em tempo de paz. São “inimigos de classe” liquidados mediante fuzilamentos, enforcamentos, espancamentos, torturas várias e inanição forçada. São vítimas de genocídio deliberado. Seu número não inclui nem soldados mortos em combate, nem vítimas civis da guerra ou de crimes comuns, nem muito menos taxas de mortalidade infantil ou cálculos de diminuição da expectativa de vida média por conta da ineficácia econômica do socialismo. Se incluísse, o total, na mais modesta das hipóteses, duplicaria. Mas, mesmo sem isso, cem milhões já bastam para tornar o socialismo, desde o simples ponto de vista quantitativo, um flagelo mais mortífero que duas guerras mundiais somadas, mais todas as epidemias e terremotos deste e de vários séculos.

Quando, nada tendo a opor à realidade brutal desses dados, o propagandista do socialismo quer aliviar a má impressão desviando os olhos do público para os “horrores do capitalismo”, ele não encontra aí nada de parecido. Nem Gulag, nem fuzilamentos em massa, nem expurgos, nem guardas vermelhos a retirar professores de suas cátedras para espancá-los até à morte. Que artifício lhe resta, então, senão apelar à duplicidade de pesos e medidas para ajustar o resultado do cálculo ao efeito publicitário premeditado? Então ele atribuirá às democracias ocidentais a culpa pelas guerras iniciadas por governos totalitários, nivelará moralmente o genocídio premeditado com os efeitos imprevistos de políticas econômicas, fará do governo de Washington o autor intencional das mortes de famintos em países submetidos a regimes estatistas e socializantes da Ásia, da África e da América Latina onde o capitalismo mal chegou a entrar, e por fim debitará na conta dos governos capitalistas todos os feitos de assaltantes, estupradores, serial killers e delinqüentes em geral.

Ao perceber que tudo isso ainda não basta para completar a cifra desejada e que a manobra inteira já começa a soar inconvincente, ele apelará ao derradeiro subterfúgio: negar o valor dos números, abolindo, num golpe de caneta, a diferença entre o assassino de uma só vítima e o assassino de milhões, diferença que minutos antes, quando imaginava poder usá-la contra o capitalismo, ele mesmo enfatizava aos berros. Então, matar os 300 assassinos de 200 policiais e soldados, no Brasil, terá se tornado crime tão hediondo quanto fuzilar, em Cuba, dezessete mil dissidentes civis desarmados. Revidar o ataque de tropas armadas, numa guerra civil, será tão abominável quanto retirar de suas casas, na calada da noite, dezenas de milhões de cidadãos inermes, para os fuzilar e jogar na vala comum.

Depois de todos esses cortes, enxertos e suturas, não há realidade que resista. A imagem do capitalismo aí fica, sim, pelo menos tão má quanto a do socialismo. Talvez até um pouco pior.

Mas qualquer palavra mais doce do que canalhice, que eu empregasse para qualificar esse gênero de discurso, me tornaria indigno da condição de escritor; indigno, a rigor, da simples identidade funcional de jornalista. Pois, se há uma obrigação elementar do jornalista, é a de dar aos fenômenos que descreve a justa proporção que têm na realidade. E não há um só tratado sobre a arte da argumentação, de Aristóteles e Quintiliano até Schopenhauer e Chaim Perelman, que não exclua da arte retórica, mãe do jornalismo, o uso daquele tipo de expedientes maliciosos, relegando-os ao lixo da erística, a arte de ludibriar o público, a retórica prostituída dos intrujões e dos canalhas.

Chamá-los canalhas não é, nem de longe, a expressão de um sentimento pessoal. É a justa e exata aplicação de um juízo consagrado entre os mestres da arte da argumentação. É o reconhecimento objetivo da intromissão de um linguajar fraudulento que, se não pode ser eliminado das arengas de arruaceiros e demagogos, deve ser banido, sem complacência, de todo debate que se pretenda intelectualmente respeitável.

Isso é requisito preliminar, independente, mesmo, do mérito das questões em disputa.

Mas, no caso presente, se há algo comparável à vileza dos procedimentos argumentativos usados para igualar o inigualável, é a feiúra moral da causa a que sacrificam a sua honradez intelectual os que a tanto se prestam.

As dimensões do mal que eles pretendem ocultar são tão colossais, ultrapassam de tal modo as medidas do humanamente concebível, que a Igreja, em sentenças papais proferidas ex cathedra, definiu o fenômeno como intrinsecamente diabólico, condenando à excomunhão automática qualquer católico que, por palavras, atos ou omissões, colaborasse com o monstruoso empreendimento.

No entanto não falta quem se escandalize diante dessa sentença papal mais que diante da imensidão do próprio crime que ela condena. Onde já se viu, dirão, diabolizar assim as pessoas? Feio, no sentimento de quem assim fala, não é matar cem milhões de seres humanos. Feio é aliviar, por piedade, as culpas dos criminosos, atribuindo a autoria de seus feitos ao demônio. Feio não é Pol-Pot, não é Stalin, não é Mao, não é Fidel. Feio é o Papa que, vendo-os conduzidos pelo demônio como bonecos, joga as culpas deles sobre o tentador e implora a Deus que os perdoe porque não sabem o que fazem.

É assim que, na imaginação dos que se dizem bem intencionados, o crime se converte em mérito, e o perdão em crime.

Admito que a visão do mal, nas proporções com que ele surge no fenômeno socialista, é em si mesma estupefaciente — o bastante para que a alma vacilante, diante dela, dificilmente resista à tentação de negar a realidade, como os olhos do poeta, diante da “sangre derramada” de seu amigo Ignacio Sanchez, gritavam desesperados: “No! Yo no quiero verla!”

Admito que a fraqueza humana, para se defender instintivamente da atração hipnótica do mal, prefira negá-lo.

Mas a ignorância voluntária é, já, a vitória do mal.

PS – Peço encarecidamente a meus antagonistas que, quando me cobrarem as fontes das informações que veiculo, não o façam naquele tom arrogante de quem finge a certeza de não obter resposta. (a) Os dados sobre a manipulação comunista das consciências infantis foram coletados pelo prof. Nelson Lehmann da Silva, da UnB, que pode ser consultado pelo e-mail nelson@essencial.com.br. (b) A prova de que a ação conjunta dos militares resultou da intervenção cubana na guerrilha, e não esta daquela, está em “Apoio de Cuba à Luta Armada no Brasil”, de Denise Rollemberg (Rio, Mauad, 2001).

PS 2 – Mais um livro importante sobre a situação catastrófica do Rio Grande do Sul, ignorada no resto do país, acaba de sair em Porto Alegre: “Crônicas contra o totalitarismo”, de Percival Puggina (Fundação Tarso Dutra, f. 051 2214419).

PS 3 – Agradeço ao meu colega Leandro Konder sua gentileza de me reconhecer, em público, como homem tolerante e capaz de diálogo. Da minha parte, jamais lhe neguei qualidades similares.

Lógica da canalhice

Olavo de Carvalho

O Globo, 31 de Março de 2001

Quando alguém me diz que o comunismo é coisa do passado, que advertir contra ele é açoitar um cavalo morto, tenho às vezes uma certa suspeita de estar conversando com um canalha. Não que o sujeito o seja necessariamente. Mas, a rigor, somente um canalha descontaria 1,2 bilhão de pessoas que ainda vivem sob a tirania comunista como uma quantidade negligenciável, um infinitesimal no infinito. Somente um canalha desprezaria como irrelevantes os 40 fuzilamentos mensais de mulheres chinesas (e seus respectivos médicos) que se recusam a praticar aborto. Somente um canalha se persuadiria de que, só porque meia dúzia de firmas americanas estão ganhando dinheiro em Pequim (como se já não tivessem faturado outro tanto na Rússia de Lenin), o comunismo se tornou inofensivo como um rinoceronte de pano. Somente um canalha fingiria ignorar que, após a dissolução da URSS, nenhum torcionário da KGB foi demitido, muito menos punido, e que a maior máquina de espionagem, polícia política, terror estatal e tortura institucionalizada que já existiu no universo, com um orçamento superior ao de todos os serviços secretos ocidentais somados, continua funcionando como se nada tivesse acontecido.

Somente um canalha induziria o povo a ignorar essas coisas, para que, quando a revolução que se prepara no Brasil com dinheiro do narcotráfico tomar o poder, ninguém perceba estar revivendo a tragédia da Rússia, da China e de Cuba.

Pois não é preciso ir para o exterior, basta olhar para o Brasil mesmo para ver a força monstruosa que o movimento comunista, seja lá com que nome for – pois ao longo da história ele mudou de nome muitas vezes, ao sabor de seus interesses do momento – vem adquirindo a cada dia que passa. Só para dar um exemplo, a difusão de idéias comunistas nas escolas, da qual muitos brasileiros ainda nem tomaram consciência, e que outros insistem em ignorar propositadamente (entre eles o ministro da Educação), já passou da fase de simples “doutrinação” para a do direto e franco estupro das consciências. Em milhares de escolas oficiais, professores pagos com dinheiro público usam de sua influência e de seu poder não apenas para instaurar o culto de líderes genocidas e o mito da democracia socialista, mas para intimidar e punir qualquer criança que não consinta em repetir seu discurso magistral. A mais leve divergência, às vezes a simples dúvida, sujeitam o aluno ao constrangimento diante dos colegas, incutindo nele o temor pelo futuro da sua carreira escolar e profissional. Meus próprios filhos passaram por isso, e recebo mensalmente dezenas de e-mails com relatos de situações similares. Chamar a isso “propaganda”, “doutrinação”, é brandura terminológica de quem não quer ver a gravidade do que se passa. E o que se passa é que o terrorismo psicológico já impôs seu domínio sobre os corações infantis, preparando-os para aceitar, como coisa normal, inevitável e até boa, um governo de assassinos e psicopatas como aquele que ainda vigora em Cuba e que já vigora nas regiões sob o domínio das Farc.

Em face disso, os brasileiros reagem… encobrindo fatos com palavras, amortecendo a consciência do perigo mediante chavões soporíferos, exibindo aquele ar de calma fingida que trai o medo, o pavor de encarar a realidade. Direi que isso é ingenuidade? Não. A ingenuidade não tem a astúcia verbal requerida para tamanho auto-engano.

Um leitor, todo empombado de falsa ciência, me escreve que o comunismo não foi mais violento do que as guerras de religião, o Santo Ofício, a queima de bruxas ou a Noite de S. Bartolomeu. Com aquele ar sabe-tudo de professorzinho de ginásio, cita o horror de Montaigne ante a crueldade das guerras civis de seu tempo e conclui que “a violência sempre esteve presente nas diferentes fases da história”. Nada como uma frase-feita para um brasileiro brilhar falando do que não sabe. Nada como um belo chavão para igualar, numa pasta verbal uniforme, as mais prodigiosas diferenças. A Inquisição espanhola, o tribunal mais cruel de que se teve notícia antes do século XX, matou 20 mil pessoas ao longo de quatro séculos. O governo leninista completou cifra idêntica em poucas semanas. Ademais, quase todos os exemplos de crueldade em massa observados ao longo da história se deram por ocasião de guerras, seja entre estados, tribos ou grupos religiosos. A repressão soviética foi o primeiro caso de violência estatal permanente contra cidadãos desarmados, em tempo de paz. O exemplo proliferou. Quando os alemães começaram a enviar judeus a Auschwitz, 20 milhões de russos já tinham sido mortos pelo governo soviético. Mesmo ao término da sua obra macabra, em 1945, o nazismo, com toda a máquina genocida montada para esse fim, não tinha conseguido igualar a produtividade da indústria soviética da morte.

Sob qualquer aspecto que se examine, o socialismo não é de maneira alguma uma idéia decente, que se possa discutir tranqüilamente como alternativa viável para um país, ou que se possa, sem crime de pedofilia intelectual, incutir em crianças nas escolas. É uma doutrina hedionda, macabra, nem um pouco melhor que a ideologia nazista, e que, para cúmulo de cinismo, ainda ousa falar grosso, em nome da moral, quando condena os excessos e violências, incomparavelmente menores, que seus adversários cometeram no afã de deter sua marcha homicida de devoradora de povos e continentes.

Tão logo aceitamos a lógica infernal da sua propaganda, obscurecemos nossa inteligência, perdemos o senso da verdade e o senso das proporções. Perdemos até o senso do antes e do depois. Incutem-nos, por exemplo, a noção de que a guerrilha brasileira foi a única saída que lhes foi deixada pelo governo repressor que, em 31 de março de 1964, fechou todas as portas à oposição legal. Mas como pode ter sido isso, se a guerrilha começou em 1961, sempre dirigida e financiada desde Cuba? Dizem-nos que a “Operação Condor” foi uma conspiração internacional entre ditaduras, para sufocar movimentos pacíficos e democráticos. Mas como pode ter sido isso, se a tal operação só surgiu tardiamente, em resposta ao movimento armado tricontinental, dirigido desde Havana e financiado com dinheiro soviético? Mediante as lições dos mestres socialistas, desaprendemos até o senso instintivo da ordem temporal dos fatos.

Acreditar nessa gente, ainda que por breves instantes, é desmantelar o próprio cérebro, é destruir em nossas almas a capacidade para as distinções mais elementares e auto-evidentes. Por isso já não tenho mais paciência com pessoas que consentem que seus filhos sejam submetidos a esse tipo de estupidificação. Por um tempo, imaginei que fossem apenas idiotas, covardes ou preguiçosos. Mas a idiotice, a covardia e a preguiça têm limites: ultrapassado um certo ponto, transformam-se na modalidade mais requintada e sutil de canalhice.

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