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Zelo psicótico

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 30 de abril de 2012

Ninguém no mundo segue as palavras-de-ordem da esquerda americana com a fidelidade e a constância servil da mídia brasileira. Não há falsidade, não há camuflagem, não há patifaria que, vinda do New York Times, da CNN, do Partido Democrata, do Occupy Wall Street ou diretamente dos escritórios de George Soros, ela não repita ampliada e multiplicada, com um zelo psicótico que, no local de origem, daria na vista e suscitaria, dos próprios interessados, um pedido de moderação.

É que, lá, mesmo os mais extremados propagadores de ficções politicamente rentáveis sabem que não podem passar de um certo limite sem ser desmascarados e às vezes ter de pedir desculpas pelo vexame. No Brasil, o campo é livre: jornais, revistas e TV podem mentir à vontade, sabendo que o troco, se vier, não passará de uns gemidos esboçados por três ou quatro colunistas “de direita”, tão temíveis quanto um pum entre os canhões de Stalingrado.

Nenhum órgão da “grande mídia” americana conseguiu esconder que um repórter da NBC havia maquiado a gravação da conversa entre George Zimmerman e a polícia, para fazer parecer que o inspetor de quarteirão havia atirado em Trayvon Martin por puro racismo (v. http://pumabydesign001.com/2012/04/09/ trayvon-tragedy-manufactured-racism- how-nbc-edited-racism-into-the-george-zimmerman-911-call/).
Também nenhum se recusou a publicar, quando apareceram, o vídeo e as fotos em que a cabeça do autor dos disparos mostrava manchas de sangue na parte de trás, minutos depois do ocorrido, provando que ele dissera a verdade ao alegar que Martin, maior e mais forte, tentara lhe esmigalhar o crânio batendo-o repetidamente na quina da calçada (v. http://www.mediaite.com/tv/ gma-shows-exclusive-images-of-george-zimmermans-head-injuries-the-night-of-trayvons-death/ e http://the-american-journal.com/zimmerman-head-injury-visible-police-video/).

No Brasil, O Globo (v. http://oglobo.globo.com/mundo/ acusado-de-matar-adolescente-negro-nos-eua-tem-liberdade-condicional-4712342), ao noticiar a libertação de Zimmerman, suprime esses dois fatos, apegando-se com desespero fanático à lenda urbana do crime racista, posta em circulação com base na fraude pela qual o engraçadinho da NBC já foi investigado e desmascarado (se bem que a estação procure ainda desculpá-lo dizendo que ele fez a coisa “por engano”, sem intenção de manipular a opinião pública).

O Globo mente da maneira mais depudorada ao dizer que Zimmerman, ao ver Trayvon Martin, “considerou-o suspeito e atirou”, como se nada tivesse acontecido entre esses dois momentos.

O jornal noticia que Zimmerman está sendo processado por assasinato em segundo grau, isto é, homicídio não-intencional, mas não consente sequer em esclarecer aos leitores que o próprio conteúdo da acusação já exclui, in limine, a hipótese de crime racista, a qual nem mesmo uma promotoria ávida dos aplausos da esquerda conseguiu engolir.

Com recursos financeiros ilimitados e o estímulo da própria Presidência da República (que fez do capuz de Trayvon um símbolo da candidatura Obama), a campanha histérica que se montou contra o acusado impingiu a metade da população americana a farsa do crime racista e transformou, da noite para o dia, um imigrante hispânico, pobre e sem aliados, em algo como um supremacista branco, loiro e de olhos azuis, empenhado em varrer do planeta as “raças inferiores”.

Nos EUA, a gritaria anti-Zimmerman, sob os golpes dos fatos adversos, já arrefeceu um bocado. Se depender de O Globo, ela continuará ecoando pelos séculos dos séculos.

Quando digo que a crebilididade da “grande mídia” hoje em dia é zero, especialmente no Brasil, não vai nisso nenhum exagero, nenhuma figura de linguagem.

No tempo em que existia jornalismo, ele era uma variante menor da ciência histórica, fazendo uso, essencialmente, dos mesmos instrumentos de pesquisa e critérios de julgamento do historiador profissional. Privilegiava os documentos de fonte primária e os testemunhos diretos, tratando as opiniões e reações emocionais, no máximo, como complementos interessantes. Agora, o inverso é que vale: uma das principais ocupações da mídia é suprimir documentos e testemunhos, encobrindo-os sob camadas e camadas de opiniões bem-pensantes, jogos-de-cena, slogans e apelos irracionais ao sentimento das massas. Não é jornalismo: é show business, propaganda, engenharia comportamental.

O que me pergunto é até quando o público consentirá em ser feito de palhaço num espetáculo em que é o palhaço quem paga o ingresso. Será que ninguém sabe que a Delegacia do Consumidor existe também para defender leitores ludibriados por empresas de comunicação?

A técnica da rotulagem inversa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de janeiro de 2011

O que no Brasil se chama de “noticiário internacional” consiste em repetir, ampliando-as e radicalizando-as, as mentiras mais cínicas da mídia esquerdista norte-americana, com a certeza tranqüilizante de não ter de enfrentar, como ela, a enérgica reação conservadora de metade da população, que só ouve rádio e não acredita numa só palavra dos jornais e da TV. É, a vida da mídia chapa branca, nos EUA, não é fácil como a da sua confrade brasileira: aos domingos, o New York Times tira um milhão de exemplares – a trigésima parte do número de ouvintes de Rush Limbaugh, o radialista conservador que a família Sulzberger adora odiar. No Brasil há um clone do New York Times, que é a Folha, mas as estações de rádio, concessões federais, estão bem defendidas contra a mera possibilidade de ali surgir um Rush Limbaugh. Contra a farsa geral da mídia, só nos resta resmungar em blogs ou, com mais sorte, neste Diário do Comércio. O resto é silêncio – ora indignado e impotente, ora temeroso e servil.

Nos EUA, quanto mais perde público, mais o establishment jornalístico apela a recursos de difamação histérica que o próprio Dr. Joseph Goebbels consideraria, talvez, um tanto grosseiros demais para persuadir um público adulto.

Um desses expedientes é cobrir de invectivas odiosas os personagens que se pretende rotular de odientos. Não é preciso, para sustentar o ataque, citar um só apelo de ódio que tenha saído da boca da vítima. Não é preciso nem mesmo torcer suas palavras, dando um sentido odiento ao que não tem nenhum. Ao contrário: basta espumar de ódio contra a criatura, e fica provado – espera-se – que odienta é ela. Tudo é feito na expectativa insana de que o automatismo mental do público o induza a sentir que pessoas que despertam tanto ódio devem ter ainda mais ódio no coração do que os jornalistas que as odeiam. Há sempre uma faixa de militantes estudantis e ativistas ongueiros que, por infalível instinto colaboracionista, finge acreditar na coisa, reforçando o ataque com insultos escatológicos e ameaças de morte, de modo que a violência crua despejada sobre o alvo inerme acabe por se mesclar tão intimamente à sua imagem que pareça provir dele.

Lançada pela “grande mídia” em tons de noticiário posadamente neutro e superior, a tentativa artificialíssima de inculpar a “direita odienta” e especialmente Sarah Palin pelos feitos mortíferos de um fanático esquerdista em Tucson, Arizona, foi imediatamente reforçada por estes e outros apelos colocados em circulação no Youtube (v. http://www.newsmax.com/InsideCover/Palin-death-tweets-YouTube/2011/01/14/id/382872?s=al&promo_code=B79C-1):

· “Por que não atiraram em Sarah Palin (em vez da deputada democrata)?”

· “Espero que Sarah Palin morra de uma morte horrível e leve com ela o seu ódio estúpido.”

· “Alguém, por favor, pode atirar em Sarah Palin?”

· “Espero que Sarah Palin pegue câncer e morra nos próximos dois anos.”

· “Sarah Palin deveria ser baleada por encorajar o fanatismo contra os democratas.”

· “Junte-se a nós orando para que Sarah Palin contraia câncer e morra.”

· “Sarah Palin é a mais perigosa ameaça ao futuro da espécie humana. Alguém, por favor, atire nela.”

Não sendo possível encontrar nas palavras de Sarah Palin nem o mais mínimo sinal de ódio a quem quer que seja, espera-se que a virulência dos ataques que sofre venha a servir de prova contra ela. A premissa implícita aposta na estupidez do público, e às vezes acerta: se a mulherzinha não fosse mesmo uma peste, não seria tão odiada. Os que não são tontos o bastante para deixar-se iludir por esse arremedo de malícia demoníaca têm ainda um subterfúgio mais “adulto” para não escapar de todo à contaminação: no mínimo, no mínimo, quem desperta tanto ódio é, mesmo sem culpa, uma força divisiva, alguém que, para a felicidade geral da nação, deve ser mantido longe da Casa Branca, talvez até da política em geral. Como recomendava Talleyrand: “Caluniem, caluniem, alguma coisa sempre acabará pegando.”

Em ambos os casos, tanto os acusadores quanto seu público de idiotas úteis seguem fielmente o mecanismo da inversão revolucionária: para você ter fama de odiento, não precisa odiar ninguém; basta que o odeiem.

A imitação brasileira do processo mergulha ainda mais fundo na infâmia, porque Sarah Palin é personagem distante, alheia aos debates nacionais. Só mediante uma boa dose de fantasia histriônica nossos compatriotas podem chegar a odiá-la pessoalmente. Também é claro que nos EUA ninguém lê a imprensa brasileira: a vida dos nossos jornalistas consiste em fingir para si mesmos que são forças auxiliares da esquerda americana, a qual nem sabe da existência deles. Ah, como os argentinos acertaram ao apelidar nossos compatriotas de “los macaquitos”!

O Emir Sader americano

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 3 de maio de 2010

Fortemente recomendado à minha leitura por um dos homens mais inteligentes que conheço, e aliás também mencionado em How The World Really Works de Alan B. Jones como um dos dez livros fundamentais para a compreensão da nova ordem global (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/061211dc.html), A Century of War: Anglo American Oil Politics and the New World Order, de William Engdahl (Pluto Press, 2004), foi uma decepção desde as primeiras páginas.

Sua tese fundamental é que praticamente tudo o que acontece de mau no mundo é obra da elite financeira americana – os Rockefeller e tutti quanti–, empenhada em expandir ilimitadamente o poderio dos EUA por meio do controle geopolítico de uma fonte essencial de energia: o petróleo.

Um lance decisivo dessa guerra de conquista universal, diz o autor, foi a invasão do Iraque, “parte da agenda americana pós-guerra-fria, em busca da ‘dominação de pleno espectro’”.

Um ano após a invasão de Bagdá, prossegue Engdahl, “tornou-se claro que a guerra pouco tinha a ver com a ameaça das armas de destruição em massa… ou com o proclamado esforço de ‘levar a democracia’ ao até então despótico Iraque”.

“Tornou-se claro” para quem? Para quem tem o New York Times e a CNN como suas principais ou únicas fontes de informação, talvez. Para quem lê livros e sabe o que são documentos de fonte primária, não.

(1) A lista oficial das armas de destruição em massa encontradas no Iraque – suficientes, por si, para destruir muitas cidades americanas –, pode ser lida, junto com provas convincentes da existência das armas não encontradas, nas páginas 97-106 do livro Disinformation: 22 Media Myths that Undermine the War on Terror, de Richard Miniter (Regnery, 2005). “Praticamente – diz Miniter – nenhum dos críticos da guerra que estiveram envolvidos nos esforços para encontrar essas armas disse jamais não haver provas de que o Iraque as possuía.” Foi evidentemente a mídia popular que, para fins de propaganda anti-guerra, colocou essa afirmação em bocas onde ela nunca esteve. A diferença entre dizer que nem todas as armas foram encontradas e que nenhuma foi encontrada é pelo menos tão decisiva quanto a diferença entre dizer “alguém opinou” e “tornou-se claro”. Não é admissível que um estudioso profissional de assuntos militares ignore uma dessas diferenças ou, pior ainda, as duas.

(2) Mesmo os críticos mais ferozes do governo Bush admitem que a democracia prometida ao Iraque foi instalada e está funcionando perfeitamente há cinco anos. Se alguém diz que vai fazer alguma coisa e acaba por fazê-la de fato, só uma má-vontade psicótica pode insistir em proclamar que ele jamais teve a intenção de fazê-la. Pensem o que quiserem de George W. Bush, mas que ele levou a democracia ao Iraque, levou.

Só por esses parágrafos, já se vê que Engdahl, para dizer o mínimo, não é sério. Mas ele complica formidavelmente sua situação quando atribui à elite dominante dos EUA a autoria de catástrofes inumeráveis, como “a ocupação dos campos petrolíferos do Iraque, a guerra em Kosovo e nos Bálcãs, infindáveis guerras civis na África, crises financeiras ao longo da Ásia, o dramático colapso da União Soviética e a subseqüente emergência de uma oligarquia russa”, e, linhas adiante, com a maior inocência, reconhece que “um ano após a ocupação americana de Bagdá, os objetivos da única superpotência mundial estavam sendo questionados como nunca tinham sido desde a guerra do Vietnã. Cenas degradantes de iraquianos torturados lotavam as páginas da mídia mundial. Alegações de corrupção e conspiração, subindo até os mais altos níveis da administração em Washington, tornavam-se lugares-comuns”.

Do confronto dessas duas séries de afirmações temos de concluir que uma oligarquia poderosa o bastante para determinar o curso dos acontecimentos em todo o orbe terrestre não teve, coitadinha, os meios de obter para as suas políticas o apoio dos jornais e canais de TV dos quais ela própria, aliás, possui o controle acionário. Ou acreditamos nessa hipótese imbecil, ou admitimos que Engdahl não é muito honesto na sua tentativa de impingir ao leitor a crenca de que a oligarquia globalista trabalha para a expansão do poderio internacional dos EUA e não de um governo global visceralmente anti-americano. Oligarquia financeira e oligarquia midiática são obviamente a mesma coisa: se os jornais em peso se voltam contra a política militar do governo, é claro que ela perdeu, ou jamais teve, o apoio daquela oligarquia. Mas a ira da grande mídia não se voltou só contra as iniciativas guerreiras do governo Bush: invariavelmente, ela ataca tudo o que seja ou pareça favorável ao crescimento do poder americano ou ao fortalecimento da identidade nacional dos EUA (veja-se o horror ilimitado com que reagiu à nova lei do Arizona contra a imigração ilegal). Que Engdahl inverte as intenções da oligarquia é algo que nem preciso argumentar – David Rockefeller já o fez por mim na página 405 das suas Memórias: “Alguns acreditam que somos parte de uma cabala secreta que trabalha contra os melhores interesses americanos, caracterizando a mim e à minha família como ‘internacionalistas’ e acusando-nos de conspirar para construir uma política global mais integrada… Se essa é a acusação, declaro-me culpado – e orgulhoso de sê-lo.”

A dúvida, se alguma existe, fica totalmente esclarecida quando Engdahl diz a que veio: o que ele propõe é deter ou pelo menos desacelerar o crescimento de “um poder que já não é sustentável nem saudável para os EUA nem para o resto do mundo”. É o mesmo programa da Rússia, da China e dos potentados árabes, bem como… dos Rockefellers e similares. Foi para realizá-lo, como aliás está sendo realizado, que a oligarquia americana apoiou e continua apoiando Barack Obama quando ele propõe o desarmamento unilateral dos EUA, a dissolução da identidade americana numa pasta “multicultural” ou a completa inação ante a corrida armamentista iraniana, a espionagem chinesa onipresente e a ocupação da América Latina pelas forças do comunochavismo. Se isso é “expansão do poderio dos EUA”, também deve sê-lo a sistemática demolição do parque industrial americano, em que aquela elite se empenha há décadas com uma volúpia destruidora de fazer inveja ao vírus da Aids.

Não espanta que, com perspectiva que tem ou finge ter das coisas, Engdahl faça tanto sucesso na televisão russa, onde volta e meia reaparece com ares de grande expert em geopolítica mundial. Para mim, ele é uma espécie de Emir Sader americano: o homem que descreve “o mundo às avessas”.

Publicado no Diário do Comércio com o título de “O mundo às avessas”

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