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Ameaça ostensiva

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 29 de junho de 2009

O colunista Bob Herbert – aquele mesmo segundo o qual John McCain não parou de fazer insinuações racistas durante a campanha eleitoral de 2008, embora o restante da espécie humana não as ouvisse – publicou no New York Times do último dia 20 um artigo bastante esclarecedor. Esclarecedor mesmo: basta lê-lo para compreender por que aquele jornal vai diminuindo de tiragem a cada ano e já está à beira da falência, tendo sido obrigado a arrendar metade do seu edifício-sede para arcar com seus custos de produção.

O artigo, é óbvio, não fala de nada disso. Apenas exemplifica, ao tratar de assunto completamente diverso, o tipo de demagogia alucinada que a publicação do sr. Sulzberger passou a aceitar como jornalismo desde há mais de uma década, pagando esse capricho de esquerdista rico com uma desmoralização aparentemente irreversível. Desmoralização que só os jornalistas brasileiros não notaram, pelo simples fato de que em geral nada lêem da mídia estrangeira exceto o próprio New York Times (e o Monde Diplomatique, que é mais mentiroso ainda). Mas não há nisso nada de inusitado: a degradação do NYT, afinal, não completou o prazo regulamentar de trinta anos exigido para que os fatos do mundo sensibilizem o cérebro nacional.

Herbert assegura que os três crimes mais chocantes ocorridos no território americano nas últimas semanas – os assassinatos do médico abortista Tiller, de três policiais em Pittsburgh e de um guarda do Museu do Holocausto em Washington D.C. – foram causados pela propaganda direitista contra o governo Obama.

Ele alerta às autoridades que os “ataques foram motivados pelo ódio direitista: são apenas o começo e o pior está por vir” – donde se conclui facilmente que o governo precisa fazer alguma coisa para tapar a boca dos agitadores, especialmente, segundo Herbert, a National Rifle Association (NRA), cujo presidente, Wayne La Pierre, exorta continuamente os membros da entidade a lutar contra qualquer tentativa governamental de privá-los de suas armas de fogo.

Vamos agora aos fatos:

1. Segundo a polícia, o assassino do dr. Tiller não é militante de nenhuma organização anti-abortista, cristã ou conservadora: é um doente mental, já cometeu outros crimes e não disse uma só palavra que sugerisse motivações morais ou ideológicas. É até possível – mera suposição, que Herbert toma como certeza absoluta – que ele tenha reagido, de maneira insana, à notícia de que o médico era responsável pelas mortes de milhares de crianças, muitas delas saudáveis e completamente formadas, já no nono mês de gestação; mas essa notícia não é propaganda direitista de maneira alguma: é um fato reconhecido por toda a mídia e alardeado, com orgulho, pelo próprio Tiller, sob o nome de socorro humanitário a pobres mulheres privadas do conhecimento das camisinhas ou dos benefícios incalculáveis da esterilização preventiva. Caso as organizações anti-aborto estivessem mesmo induzindo alguém à prática da violência, os primeiros a atender a esse apelo deveriam ser seus próprios militantes. Estranha propaganda, essa, que nenhum efeito exerce sobre seu público-alvo mas vai influenciar, à distância, um maluco que jamais mostrou qualquer interesse pela causa anti-abortista! O mesmo fenômeno observa-se, aliás, na NRA: seus milhões de membros armados até os dentes insistem em não cometer crime algum, deixando irresponsavelmente essa tarefa para pessoas de miolo mole que jamais freqüentaram a organização.

2. O autor dos disparos no Museu do Holocausto foi retratado pela mídia como um fanático anti-semita, coisa que ele é mesmo. Mas ele é também um evolucionista roxo e anticristão odiento – um dado cuidadosamente omitido não só por Herbert mas também pela seção noticiosa do New York Times, e que por si já basta para mostrar que o criminoso nada tem a ver com a direita americana; direita que, para a desgraça total das especulações herbertianas, é tão notoriamente pró-judaica que os esquerdistas em massa a acusam de ser um bando de vendidos à “internacional sionista”. Herbert repete o engodo de Michael Moore, que, para lançar sobre os conservadores a culpa moral pelo massacre de Columbine, omitiu de propósito a informação de que os autores do crime o cometeram num acesso de ódio ao cristianismo. O mesmo truque sujo foi usado no caso da Virginia Tech, quando a grande mídia unânime escondeu do público que o assassino, um imigrante coreano, fora doutrinado por uma professora esquerdista, militante black radical, na base do slogan “Morte aos brancos, morte aos judeus”. Quando a inspiração ideológica é direta, comprovada, explícita e vem da esquerda, é preciso escondê-la a todo custo, inventando, em contrapartida, as mais artificiosas associações de idéias para criminalizar cristãos e conservadores. Herbert não é, nisso, nem um pouco original: segue a regra estabelecida.

3. Quanto ao assassino dos três policiais, o site de fiscalização midiática Slate, confrontando as várias notícias, concluiu que não há como classificar o sujeito de extremista, seja de direita, seja de esquerda, já que ele é uma cabeça confusa demais para compreender o sentido político do que faz. Embora ele tenha declarado temer o desarmamento forçado da população, não consta que ele jamais tivesse lido a respeito em revistas ou folhetos da NRA. A única fonte que ele citou sobre o assunto foi o site neonazista Stormfront, publicação tão representativa da direita americana que chega a rotular Obama de conspirador sionista, enquanto os sionistas de verdade e os conservadores em peso preferem julgá-lo, como disse recentemente Morton Klein (líder da Zionist Organization of America), “o presidente americano mais anti-Israel de todos os tempos”, empenhado, segundo o rabino Pomerantz, em “criar um clima de ódio contra os judeus”.

Forçando a especulação de intenções sutis até o último limite da inversão completa, Herbert procura persuadir os leitores de que a pregação conservadora é uma ameaça potencial à segurança pública dos EUA (aviso que chega a ser psicótico numa época em que americanos são mortos todas as semanas sob os aplausos da esquerda mundial), mas não consegue esconder que seu apelo ostensivo à ação governamental contra esses alegados subversivos é uma ameaça real e presente ao direito de livre expressão. Tendo em vista os esforços da esquerda democrata para restaurar a Fairness Doctrine e tirar dos conservadores metade do tempo que eles têm no rádio, torna-se uma simples questão de realismo parafrasear o próprio Herbert e concluir que essa ameaça “é apenas o começo e o pior está por vir”.

Neste e em outros artigos, Herbert pinta os EUA como nação recordista de crimes violentos, causados – é claro! – pelos milhões de armas legais nas mãos de seus cidadãos. Mas o curioso não é que ele apele a esse estereótipo bocó: o anti-americanismo interno prima por evitar comparações internacionais que o desmentiriam no ato (por exemplo, a criminalidade na Inglaterra multiplicando-se por quatro desde a proibição das armas de fogo). O curioso é que, lido num país como o nosso, que tem dez vezes mais crimes violentos do que os EUA, com metade da sua população e um número ínfimo de armas legais, o besteirol de Herbert não suscite automaticamente, pela simples confrontação dos números, o riso de escárnio que merece, e sim o respeito e a consideração devidos ao jornalismo sério.

Um blefe descomunal

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 9 de outubro de 2008

Entrevistado sobre a ligação entre Barack Hussein Obama e o terrorista William Ayers, o advogado e cientista político Steve Diamond entregou ao New York Times as provas documentais de que Ayers havia fundado a ONG Chicago Annenberg Challenge (CAC) e nomeado Obama diretor da entidade. O jornal preferiu esconder as provas e proclamar que “segundo várias pessoas envolvidas no caso, Ayers não influenciou em nada a nomeação de Obama.”

Os documentos falam por si. São cartas entre Ayers e a Brown University, patrocinadora da CAC, mostrando que a autoridade de compor a diretoria dessa ONG incumbia inteiramente ao próprio Ayers. Mais que “influenciar a nomeação” de Obama, ele o nomeou pessoalmente.

Veja os papéis no site de Diamond, http://globallabor.blogspot.com/2008/09/obamaayers-update-letters-show-bill.html e explicações suplementares do repórter Aaron Klein em http://www.wnd.com/index.php?fa=PAGE.view&pageId=77075.

Às provas, o New York Times preferiu as meras opiniões de terceiros, porque estas negavam a dívida de Obama para com Ayers. A mídia esquerdista chique, insisto, é puro crime organizado. Organizadíssimo. A matéria do NYT saiu ao mesmo tempo que os anúncios da campanha de Obama que qualificavam de “insulto” a afirmação de Sarah Palin de que Obama tem ligações estreitas com terroristas, acusação aliás já feita pela própria Hillary Clinton em abril (v. http://www.politifact.com/truth-o-meter/statements/440). E mal o NYT havia acabado de abafar a denúncia de Steve Diamond, quando a Universidade de Illinois veio confirmá-la integralmente, divulgando cento e quarenta caixas de documentos – não cento e quarenta documentos, mas cento e quarenta caixas – que reconstituem com detalhes todo o trabalho conjunto desempenhado na CAC pela dupla Obama-Ayers (v. http://elections.foxnews.com/2008/08/26/newly-released-documents-highlight-obamas-relationship-with-ayers).

Outra denúncia que, com a ajuda da grande mídia, a tropa-de-choque obamista tem desmentido naquele tom de dignidade ofendida tão típico da eloqüência esquerdista é a da troca de favores entre o candidato e o vigarista sírio Tony Resko, já condenado por dezesseis crimes. Resko foi um dos principais financiadores da campanha de Obama ao Senado. Obama jura: “Nada fiz em favor dele.” Em resposta, o Sun Times publicou as cartas que o senador então recém-eleito escreveu a várias prefeituras recomendando que investissem num projeto imobiliário do malandro (v. http://www.suntimes.com/news/politics/425305,CST-NWS-obama13.article).

Tal como aconteceu com a ocultação do Foro de São Paulo pela totalidade da classe jornalística brasileira, o manto de proteção estendido em torno de Obama não pode ser explicado como efeito casual da mera incompetência. Desde que o momento em que apostou tudo em Obama, a grande mídia dos EUA abandonou os últimos escrúpulos de idoneidade, perdeu todo o respeito pelos direitos do público e partiu para a manipulação cínica do eleitorado, sem a qual um candidato tão obviamente desprovido de credibilidade não teria jamais a menor chance, como Lula não teria tido no Brasil se o povo soubesse de sua parceria com as Farc, o Mir chileno e organizações congêneres.

Caprichando na falsificação, a Associated Press disse que a denúncia das ligações perigosas de Obama tinha “subtons racistas” (http://www.breitbart.com/article.php?id=D93KD6Q00&show_article=1). A alegação é manifestamente absurda, mas, na esquerda, quem liga para isso? Desde o início, a propaganda obamista tratou de inibir os críticos por meio da chantagem racial. A AP, que só nominalmente não é órgão da campanha obamista, leva a trapaça às últimas conseqüências ao chamar de “racismo” qualquer insinuação de que a folha corrida de Obama é enegrecida não pela cor da sua pele, mas pela cumplicidade com Ayers – um branco. Já expliquei aqui (http://www.olavodecarvalho.org/semana/080721dc.html) que a inversão revolucionária de sujeito e objeto pode ser observada não só nas grandes linhas do discurso ideológico de esquerda, mas até nos detalhes mais mínimos da sua tática verbal. Quod erat demonstrandum, pela enésima vez.

O símbolo “candidato negro” tem uma força inibitória automática, tão contundente em si mesma que, para encarná-lo nas presentes eleições, o Partido Democrata não precisou nem mesmo escolher um negro americano típico, mas sim o que podia haver de mais atípico, de mais extravagante.

Primeiro, Obama não é descendente de escravos, mas sim de proprietários de escravos. O Islam, religião que ele herdou do pai e da qual obteve sua primeira educação na Indonésia, é a cultura mais escravagista dos últimos dois milênios. Sete séculos antes que o primeiro português comprasse seu primeiro escravo africano, os muçulmanos – árabes e negros misturados – já capturavam brancos na Europa, asiáticos na Ásia e africanos na África, levando-os, aos milhões, para servir como escravos em Meca e Medina (muitas vezes capando-os, a caminho, para vendê-los a preço melhor como eunucos) – e continuaram firmes no escravagismo muito tempo depois de o Ocidente ter abandonado essa prática.

Mais atípica ainda é a história moral da família Obama. O pai do senador é um estrangeiro bígamo que só ficou no território americano pelo tempo necessário para engravidar uma coitada e dar no pé. Nunca fez nada pelo bem do filho, que acabou sendo entregue à caridade de um casal de brancos. Dizer que isso é a imagem média da família negra americana seria uma ofensa racista intolerável. Maior ainda é o contraste entre os Obamas e as famílias dos presidentes americanos em geral, de George Washington a George W. Bush: jamais um candidato presidencial nos EUA veio de um lar tão destrambelhado.

Por fim, Obama não é o tipo do “left liberal” que personifica usualmente a ideologia do Partido Democrata. Contrastando com o discurso moderado e patriótico com que ele tem conquistado a confiança dos eleitores, toda a sua carreira, subsidiada desde seus tempos de estudante por pessoas e entidades pró-terroristas, é a de um anti-americano e anticristão radical, discípulo dos Panteras Negras e da “black liberation theology”. No Senado, ele permaneceu fiel a seus mentores e patrocinadores, votando, sistematicamente, mais à esquerda do que qualquer outro senador americano, de hoje ou de qualquer outra época. Se todos os inimigos dos EUA torcem tão ardentemente por ele, não é sem razão. Nenhum político com um currículo tão ruim seria jamais aceito como candidato à presidência americana se o partido que o escolheu não possuísse garantias de que a verdadeira história desse indivíduo permaneceria desconhecida do público, encoberta sob densas camadas de atenuações e desconversas. Independentemente do resultado das eleições, a mera candidatura Obama constitui, por si, o maior e mais bem sucedido esforço jamais tentado para corromper e destruir desde dentro o sistema democrático americano.

Mas é da natureza do blefe ser tanto mais eficiente quanto mais forçado. O fingimento pequeno, verossímil, desperta nas vítimas aquela pontinha de suspeita que as convida ao exercício da inteligência crítica. A farsa exagerada, grotesca, descomunal, faz o público duvidar de que alguém seja idiota o bastante para tentar enganá-lo com um truque tão besta. E por isso mesmo o truque besta funciona. Se Obama fosse um negro americano médio, e além disso fosse apenas moderadamente esquerdista ou levemente desonesto, sua reputação seria facilmente reduzida a cacos. Como ele é monstruosamente atípico, e ademais seu comprometimento com a traição e o crime é o mais profundo e completo que já se viu num candidato à presidência dos EUA, o tamanho do perigo que se anuncia parece grande demais para ser verdade, e o eleitor, iludido pela confiança rotineira na ordem normal das coisas, não percebe que está diante da maior anomalia política da história americana.

***

Em resposta ao meu artigo “Salvando a mentira” (http://www.olavodecarvalho.org/semana/080919dc.html), o Ombudsman da Folha tenta defender seus colegas de redação alegando que, se o jornal mentiu em prol dos Rosenberg nas páginas internas, não o fez na chamada de capa. Como a mentira foi imperfeita – alega o engraçadinho –, salvou-se portanto metade da verdade, o que, para ele, é mais que suficiente como prova da idoneidade do jornal. Notem bem: há uma diferença substantiva entre a mentira material, mesmo em número elevado, e a mente deformada que dilui o próprio critério de distinção entre a verdade e a mentira, fazendo com que esta prevaleça sempre, seja diretamente, seja sob a forma de meia-verdade. No caso da Folha, a deformação foi até elevada à segunda potência, porque, praticada em primeiro lugar pelo redator da matéria, foi em seguida legitimada por aquele que tem nominalmente a incumbência de corrigi-la.

O mistério da KGB mental brasileira

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 22 de janeiro de 2007

Trinta anos atrás, nenhum intelectual, político ou líder empresarial brasileiro seria cretino o bastante para aceitar a mídia popular como sua principal fonte de informações. A base da nossa dieta de fatos eram os livros, as revistas especializadas, as investigações diretas em arquivos e documentos. Os jornais eram apenas artigo de consumo, material secundário de valor relativo ou duvidoso. Rádio só servia para a previsão do tempo. Televisão era para empregadinhas domésticas. No mínimo, havia sempre a diferença entre informação genuína e sua versão pasteurizada para o gosto do povão. Hoje, fico besta de ver a confiança total, a credulidade beócia com que homens letrados de primeiro escalão tomam os jornais e a TV como base de sua visão do mundo, chegando a pôr em dúvida qualquer dado de fonte primária que não tenha sido referendado pela Folha ou pelo Jornal Nacional.

Uma vez, discutindo com um militar de alta patente que, para cúmulo, tinha sido oficial de informações, lhe perguntei se tinha lido tais ou quais livros, básicos para o assunto que estávamos debatendo. Não, ele não lera nenhum. “Então de onde o senhor tira suas informações?”, perguntei. E ele, com a cara mais bisonha: “Eu leio jornal, uai.” Uai digo eu. Sou mesmo o remanescente de uma raça extinta. Não é à toa que o meu nome, de origem norueguesa, quer dizer “sobrevivente”. Com freqüência sinto que já morri, que minha alma atravessou os mundos, que voltei do além e estou tentando conversar com indiozinhos recém-nascidos, ainda perdidos no seu acanhado ambiente terrestre, persuadidos de que a floresta é o cosmos.

Quando você abre a seção de opiniões de um jornal, ou mesmo a parte cultural, não encontra nada ali que não seja a tradução, em idéias – ou arremedos de idéias –, do universo de fatos que consta das páginas noticiosas do mesmo jornal; e, quando lê as notícias, elas confirmam essas mesmas opiniões. Nas universidades, nas entrevistas de TV, nos debates do Parlamento, nada se ouve que não seja a ampliação, ou melhor, o inchaço vegetativo desse material. É tudo uma redundância perfeita, circular, fechada, repetitiva e e eternamente autofágica. Qualquer novidade autêntica, qualquer elemento de fora que ali se introduza é expelido por um batalhão de anticorpos que o devolvem às trevas da inexistência. Ninguém sabe de nada que os outros já não saibam. Ninguém diz nada que os outros já não tenham dito ou estejam ansiosos para dizer. Curiosamente, para quem vive dentro dessa atmosfera, a rarefação mesma do seu conteúdo é fonte de uma tremenda sensação de segurança. A ignorância geral confirma as ignorâncias individuais, que por sua vez a confirmam de volta, produzindo uma impressão de generalizada onissapiência. Daí esse fenômeno impressionante, tipicamente brasileiro, do qual não se encontra similar no mundo: o intelectual acadêmico radicalmente apedeuta, semi-analfabeto, ignorante até do idioma, que é consultado sobre mil e um assuntos, faz discípulos e se torna uma referência indispensável, um maître à penser, um guru.

É claro que as coisas se passam de modo diverso nos EUA. Aqui as revistas de opinião e análise são tantas que até os comentaristas de TV têm de se manter mais ou menos no nível delas ou ser desmoralizados pelo primeiro entrevistado. E mesmo os políticos que têm interesse em reforçar o prestígio da grande mídia para ser em troca reforçados por ela sabem que é tudo um teatro. Uma coisa é gostar de aparecer no New York Times, outra coisa é tomar decisões com base no que ele publica. E a fiscalização em cima da grande mídia é tão cerrada, que ninguém acima do nível médio da população vai acreditar no que sai num jornal ou noticiário de TV sem primeiro conferir a palavra dele com a de seus respectivos sites de media watch. O decréscimo irrefreável na tiragem dos grandes jornais, paralelo ao crescimento do jornalismo eletrônico, não reflete só uma mudança tecnológica, mas a preferência inevitável dada ao meio que permite a mais rápida comparação de uma variedade de fontes e suas respectivas análises. Na tela do computador você pode ler uma notícia em quinze versões diferentes em questão de minutos. Nem mesmo a televisão permite isso: os noticiários televisivos não são sincronizados, e quando o são você não pode assistir a vários deles ao mesmo tempo sem perder nada. No computador você vai e volta entre dez, vinte, trinta páginas de notícias, captando rapidamente a pluralidade das versões e dos enfoques. Daí a tendência da mídia impressa de apostar cada vez mais nos artigos longos, de análise, cuja leitura é mais fácil no papel do que na tela (o que não impede que sejam também reproduzidos simultaneamente na internet), ou então nas colunas diárias, ou semidiárias, onde o leitor se acostuma à voz e ao tom dos seus articulistas preferidos (digo voz porque muitas colunas são lidas também no rádio). E esses colunistas são em geral ótimos, dominadores perfeitos da língua inglesa, escritores na acepção plena do termo, sempre trazendo alguma novidade que pelo menos infunde vida na discussão geral.

No Brasil, ao contrário, estes artigos de página inteira do Diário do Comércio são exceções notáveis. No geral predomina cada vez mais o jornalismo em pílulas, fragmentos minimalistas comprimidos nas dimensões apropriadas a um público para o qual a leitura é um suplício (e do qual o modelo supremo, declarado e confesso, é o próprio presidente da República). Nesse recinto exíguo, não há espaço para você provar nada – o máximo que se pode é resumir uma opinião solta, isolada, desprovida da menor justificação: acho isto, acho aquilo, gosto de tal coisa, odeio tal outra. E ponto final. A idéia de demonstração, de investigação, de prova e contraprova, já desapareceu da cabeça do público ao ponto de qualquer tentativa de argumento mais longo parecer embromação ou pedantismo. Quando se contesta alguma coisa, são apenas preferências, um “adoro” oposto a um “abomino” ou vice-versa, ou então pontos de detalhe, sem relevância para a discussão central. Aliás não há nenhuma discussão central. O que há é apenas troca de afeições e desafeições na periferia do mundo.

O pior é que, quando tento explicar isso aos americanos, eles não entendem. Eles só concebem duas coisas: ou uma mídia amputada, manietada e uniformizada pela censura oficial, ou a profusão variada de pontos-de-vista que se vê numa democracia normal. Não atinam que num país possa haver tantos jornais, tantas revistas, tantos canais de TV, tantas universidades, tantos sites de jornalismo eletrônico, e nenhuma discussão efetiva. Quando digo que no Brasil não só a opinião divergente é marginalizada, mas as provas que fundamentam a divergência são expulsas da discussão, eles me perguntam se há uma KGB controlando tudo. Quando informo que não, eles já não sabem mais do que estou falando. O puro poder da burrice, a ditadura espontânea da ignorância auto-satisfeita, está aquém da sua imaginação. A KGB mental brasileira não pode existir no mundo conhecido: só no planeta Brasil. É um mistério cósmico incompreensível.

A Folha de S. Paulo é um gordo panfleto pró-comunista, mentiroso até à alucinação. Só leio essa porcaria para avaliar diariamente os progressos da mendacidade nacional, o crescimento canceroso da sem-vergonhice intelectual brasileira. Quando esse jornal choraminga que seus direitos foram violados por agentes do governo, ele se esquece de todos os serviços que ele próprio vem prestando à instalação de uma ditadura comunista no país, mediante a difamação incessante de todo anticomunismo e a omissão sistemática de notícias que possam levar o leitor a perceber as coisas com suas devidas proporções.

O sr. Otávio Frias Filho parece querer o comunismo para todo mundo e o capitalismo só para ele. Talvez ache possível tornar comunista o Brasil inteiro e conservar uma ilha de liberdade de mercado na Alameda Barão de Limeira.

Várias vezes por semana, seu jornal feito por e para meninos pó-de-arroz vem com algum novo escândalo antimilitar ou antiamericano. Sempre e invariavelmente é mentira. Ou é mentira substantiva, alteração material dos fatos, ou é mentira qualitativa, isto é, modificação das proporções e perspectivas. Neste último caso está a notícia alardeada naquele tom de indignação que já se tornou no Brasil a carteirinha oficial do sindicato dos virtuosos:

“Documentos secretos da diplomacia americana só agora revelados mostram que o governo Richard Nixon (1969-74) sabia da tortura no Brasil em 1973-74. O embaixador dos EUA em Brasília, John Crimmins, sugeriu que Nixon não cortasse créditos ao Brasil como retaliação aos abusos. Isso poderia atrapalhar a estratégia de ‘influenciar a política brasileira’ e a venda de armas ao país. O embaixador… recomendou que o governo Nixon não usasse contra o governo brasileiro o art. 32 da Lei de Assistência ao Estrangeiro, embora o próprio relatório reconhecesse que isso era legalmente possível. Por essa regra, os EUA poderiam cortar créditos financeiros ao Brasil em retaliação a supostos abusos contra direitos humanos… A pressão americana contrária aos abusos só passou a ocorrer na administração de Jimmy Carter (1977-1981).” [Cf. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1401200706.htm .]

Quer dizer: o malvado governo americano poderia amarrar as mãos dos torturadores brasileiros, mas se recusou a fazê-lo porque estava mais interessado em ganhar dinheiro vendendo armas para eles.

Para começar, a Folha assume como verdade objetiva os números fornecidos pelas entidades pró-comunistas (376 mortos), mas atribui aos “críticos dos grupos de esquerda” a contagem das vítimas do terrorismo. E fornece o número total dos comunistas mortos ao longo de todo o tempo da ditadura, mas pára a contagem de suas vítimas em 1974, obtendo 119 cadáveres. Na lista dos esquerdistas, não faz a distinção entre os que morreram em tiroteios, em acidentes ou assassinados nas prisões, dando portanto a impressão de que todos foram objetos inermes da violência estatal. Ao falar das vítimas dos comunistas, nem de longe menciona casos como o do tenente Alberto Mendes Júnior e dos militantes condenados como ‘traidores’, que morreram amarrados. A impressão que fica é que jovens idealistas de esquerda lutavam nas ruas, de peito aberto, enquanto o governo covarde, escondido em porões sinistros, se ocupava sobretudo de maltratar gente desarmada. Isso não é jornalismo: é novela da Globo, é construção ficcional, é mito.

Como invariavelmente acontece, as instituições fornecedoras de dados sobre os mortos da ditadura são apresentadas como entidades religiosas, culturais ou de direitos humanos, sem qualquer alusão à sua identidade ideológica mesmo quando são abertamente partidárias e militantes, ao passo que as fontes de informações sobre vítimas do terrorismo são mostradas pela cor ideológica, mesmo quando não têm nenhuma atividade política. O leitor sai acreditando que tudo o que se diz contra a ditadura vem de fontes neutras, imparciais e idôneas, ao passo que toda acusação aos comunistas vem com a marca do viés ideológico. É a exata inversão da realidade.

A avaliação quantitativa também é sempre errada. À luz do senso das proporções, 376 baixas ao longo de vinte anos de combates com um governo militar num país de extensões continentais são um número incrivelmente modesto, não só em comparação com qualquer guerrilha do mundo, mas em comparação com a repressão cubana à população desarmada. Fidel Castro matava essa quantidade de pessoas a cada dois meses, aliás com a ajuda dos terroristas brasileiros, que nunca viram nisso nada de mau. Não convém esquecer que a ditadura nacional não fez mais de dois mil prisioneiros políticos ao longo de duas décadas, enquanto Cuba, com uma população muito menor que a do Brasil, chegou a ter cem mil simultaneamente. Antes de fingir escândalo ante os números da repressão no Brasil, a Folha deveria considerar a alternativa que os terroristas ofereciam. A alternativa democrática inexistia. A luta era entre a ditadura mais sanguinária do continente, que financiava e coordenava as guerrilhas desde Havana, e um governo autoritário improvisado para deter, com a menor violência possível, a ascensão comunista decidida a matar um número ilimitado de pessoas “hasta la victoria siempre”.

A matéria também não fornece os pontos de comparação necessários para dar aos fatos a sua significação devida. Os EUA jamais cortaram créditos para a URSS ou a China, onde os prisioneiros desarmados que sofriam tortura e homicídio estatal se contavam aos milhões. Por que deveria fazê-lo no caso de um país onde as supostas vítimas não passavam de algumas dezenas, sendo a quase totalidade deles terroristas surpreendidos em plena ação homicida?

A perspectiva histórica dos fatos também é totalmente falsificada. A impressão transmitida ao leitor é que o governo de Washington, controlador onipotente da ditadura brasileira, não fez o que podia para refrear a violência de seus paus-mandados locais, prontos a ceder à primeira ameaça de sanções comerciais. Na verdade, o prestígio americano ante o governo de Brasília estava num dos pontos mais baixos da sua história. Por iniciativa do chanceler Azeredo da Silveira, um esquerdista histórico, os altos postos do Itamaraty foram todos preenchidos por simpatizantes comunistas – logo apelidados significativamente de “barbudinhos” pelos seus colegas, numa alusão direta à pletora de barbas por fazer na elite revolucionária cubana. O presidente Geisel, ansioso por marcar uma diferença, tendia nitidamente a uma politica terceiromundista e anti-americana, aproximando-se da China, dando preferência à Alemanha como fornecedora de materiais para a construção da malfadada usina nuclear de Angra dos Reis e, para cúmulo, fornecendo armas e dinheiro para ajudar Cuba a invadir Angola – a decisão mais hostil aos EUA já tomada por um presidente brasileiro antes ou depois disso, perto da qual as bravatas “nacionalistas” de Jânio Quadros e João Goulart se reduzem a meros puns diplomáticos. Sanções comerciais, àquela altura, soariam como provocações intoleráveis. Longe de refrear a violência estatal, só criariam ainda mais hostilidade para com os EUA. Nenhum governo do mundo correria esse risco para defender algumas dúzias de indivíduos, aliás seus inimigos. A impressão de escândalo moral que a Folha quer criar em torno das mensagens do embaixador Crimmins é inteiramente forçada e artificiosa.

Quanto à venda de armas para o Brasil, que a Folha apresenta como o motivo interesseiro por trás da decisão americana de não interferir na situação local, é preciso ser muito idiota para acreditar que ela tivesse grande valor comercial para os EUA, ao ponto de determinar decisões diplomáticas por mero desejo de dinheiro. Esse comércio era importante porque, àquela altura, era o último ponto de contato onde o governo americano e os militares brasileiros tinham interesses comuns, sendo absolutamente necessário preservá-lo como base para uma possível reconstrução das boas relações entre os dois países. Qualquer embaixador com QI superior a 12 recomendaria a seu governo o que Crimmins recomendou a Nixon. Tentar enxergar aí motivos de cobiça é malícia pueril, o equivalente folhístico da inteligência.

E Jimmy Carter não pressionou as autoridades brasileira por estar sinceramente preocupado com os direitos humanos. Ele sempre foi um protetor de ditadores comunistas sanguinários. O que ele quis impedir foi a total derrota da guerrilha latino-americana, que, graças a ele, sobreviveu ao período de repressão e floresceu ilimitadamente nas décadas seguintes, acabando por criar a maior força militar latino-americana e elevar-se à condição de dominadora monopolística do tráfico de drogas no continente com a ajuda do Plano Colômbia de Bill Clinton.

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