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Truque sujo – II

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 13 de outubro de 2011

Atribuir a ação de uma frase ao sujeito de outra não foi o único truque usado pelos IGnóbeis. A isso eles acrescentaram mais três expedientes: embelezar a vítima para realçar a feiúra do crime, ampliar desmesuradamente o sentido de uma frase minha para fazer o óbvio parecer uma absurdidade ofensiva, e tomar o imaginário como fato consumado para dar a uma invencionice caluniosa e pueril os ares de coisa certa e provada.

Vamos por partes.

A vítima assassinada a pancadas e facadas era um membro da Devastação Punk, uma das gangues mais violentas de São Paulo. Era, confessadamente, um rematado brigão, que andava armado de soco inglês e estava sendo investigado pela polícia por um homicídio cometido em 2007. Morreu no curso de uma pancadaria infernal, na qual estiveram envolvidas duas centenas de pessoas, e até agora não se sabe precisamente quem o matou.

O IG limpa a ficha da criatura, apresentando-a simplesmente como “um estudante”. Um inocente estudante assassinado por skinheads é bem diferente de um membro de gangue que se dá mal numa briga de rua, esfaqueado por alguém a quem ele não estava propriamente tratando com polidez.

Lá para diante, no meio da matéria, vê-se que o cidadão era de fato um punk. Mas a violência punk também aparece embelezada, desculpada como mera “reação aos grupos de intolerância” – como se punks não tivessem sua própria cultura da violência desde muito antes de haver qualquer “grupo de intolerância” organizado no país.

Eis alguns exemplos de como esses idealistas combatem a intolerância:

22 de junho. Punks esfaquearam e mataram o garçom John Clayton Moreira Batista, nos Jardins, por ele não ter lhes emprestado um isqueiro. Quatro adultos e quatro adolescentes – que fariam parte do grupo Devastação Punk – foram detidos pela polícia.

21 de outubro. O menor G. C., 17 anos, foi espancado por um grupo de 25 punks, que saíam de uma casa noturna no Bom Retiro. Nove foram detidos.

14 de outubro. O balconista Jaílton de Souza Pacheco foi esfaqueado e morto, no centro, por três jovens que se identificaram como punks. Motivo: ele se recusou a fazer um desconto na venda de um pedaço de pizza.

E assim por diante. Confiram na edição 2032 da Veja. Para Alves e Galhardo, esses e outros feitos foram cometidos na pura intenção de defender as instituições democráticas contra tiranos fascistas skinheadsque não emprestam isqueiros e recusam descontos em pizzas.

Uma vez falsificadas a cena e a história do crime, o IG está preparado para acentuar os traços monstruosos do “instrutor teórico” que teria, por meios mágicos que veremos adiante, inspirado o delito.

Olavo de Carvalho, segundo Alves e Galhardo, é um malvado que “prega a pena de morte para comunistas”. Que é que se entende imediatamente por essa expressão? Olavo de Carvalho deseja que os comunistas sejam condenados à pena de morte por serem comunistas, isto é, por delito de opinião. Imaginem as dimensões do banho de sangue, se essa idéia fosse levada à prática.

Teria eu pregado semelhante descalabro? Como não me considero imune a momentos de estupidez, e como no improviso veloz de um programa de rádio é sempre possível soltar alguma asneira grossa, não me inocentei a priori. Fui ouvir a gravação do programa, pronto a retificar quaisquer palavras injustas caso ali as tivesse proferido.

Pois bem. O que eu disse naquele programa é que os líderes políticos e intelectuais do movimento comunista deveriam ser submetidos a julgamento por crimes contra a humanidade, tal como se fizera em Nuremberg com os próceres nazistas então remanescentes e tal como a pequena e brava nação cambojana está fazendo com os chefes do Khmer Vermelho. Teria o tribunal de Nuremberg julgado e condenado “nazistas”, genericamente? Isso teria levado à forca metade da Alemanha. Estaria o Camboja buscando a punição de “comunistas”, assim sem mais, por crime de ideologia? É óbvio que não. Do mesmo modo, o que sugeri naquele programa é que os líderes de governos admitidamente genocidas deveriam ser submetidos a julgamento e punidos, junto com os mais notórios, obstinados e impenitentes propagandistas e embelezadores mundiais de uma máquina de matar que havia liquidado cinco vezes mais gente do que a ditadura nazista. Por mais que se odeie a proposta – e ela não foi feita para afagar o ego de ninguém –, ela é bem diferente de “pregar a pena de morte para comunistas”. A imprecisão proposital opera prodígios. A troca do específico pelo genérico, pelas mãos de Alves e Galhardo, deu a uma óbvia e irrecusável exigência de justiça os ares de uma pregação demoníaca, de uma apologia do terror e do genocídio.

Que mais se poderia esperar de falsários que convertem uma briga de gangues no assassinato brutal de um indefeso estudante?

Vamos agora às duas organizações estudantis, cuja declaração de que recebem “instrução teórica” supostamente inspirada em mim foi transferida da boca deles para a dos skinheads.

Desde logo, eu não conhecia nenhuma das duas e só fiquei sabendo delas pelo IG. Mas não preciso conhecê-las para saber que não se compõem de alunos meus, já que estes são formalmente proibidos, enquanto permanecem alunos, de associar-se a qualquer organização militante que seja (quatro mil membros do Seminário de Filosofia podem confirmar o que dezenas de gravações de aula comprovam).

Se a Resistência Nacionalista e a UCC não recebem “instrução teórica” nem de mim pessoalmente, nem de meus alunos, nem de qualquer pessoa autorizada por mim, não têm nenhum direito de falar em meu nome ou de posar como praticantes de idéias minhas. Muito menos têm os dois IGnóbeis o direito de apresentá-las com essa identidade sem nem ao menos ter-me consultado a respeito – o que bem revela a mentalidade traiçoeira com que escreveram sua matéria no propósito ostensivo de me comprometer em atividades políticas que desaprovo por completo.

Em todo caso, por estranha e errada que me pareça a política dessas duas organizações, ela não constitui crime algum, nem o IG as acusa disso. Elas só entraram na matéria porque são “de direita” e, como alguns skinheadstambém o são, ou pelo menos se diz que são, isso facilitava a Alves e Galhardo construir, por meio de uma dupla ponte de associações de idéias, um arremedo remoto de ligação entre eu e o movimento skinhead.

A técnica da associação remota já é notória pela tortuosidade maliciosa e perversa com que imagina influências materialmente impossíveis, tratando-as como se fossem elos causais verdadeiros, criminalmente imputáveis. Quem quer que a empregue deveria ser expelido da profissão jornalística, no ato, por absoluta e patente falta de idoneidade.

Quando a deputada democrata Danielle Giffords foi baleada junto com outras cinco pessoas, esquerdistas assanhados se apressaram em lançar a responsabilidade mental do crime sobre a governadora Sarah Palin, por ter utilizado, num cartaz de propaganda, a palavra “alvo” com referência ao 8º. Distrito do Arizona, onde viria a se dar o sangrento episódio (v. http://www.harpyness.com/2011/01/08/congresswoman-on-sarah-palins-target-list-murdered-at-political-event/). A técnica junguiana da associação de palavras, que em psiquiatria e psicologia clínica se usa para rastrear as fantasias subjetivas de doentes mentais, passa a servir aí como prova de ligações causais objetivas entre fatos do mundo real. Alvo? Tiro. Tiro? Atentado. Atentado? Danielle Giffords. Logo, Sarah Palin atirou em Danielle Giffords, quod erat demonstrandum. É a fantasia psicótica transmutada em lógica jurídica.

Mas o site do IG não se contenta com lançar mão desse raciocínio perverso. Acrescenta-lhe um requinte que não teria ocorrido a nenhum acusador de Sarah Palin: ligar o crime à minha pessoa não por meio de uma cadeia de associações, mas sim de duas, encadeadas e superpostas para levar da causa hipotética remota à causa imaginária remotíssima – um truque sujo que, se usado com freqüência bastante, não deixará impune nenhum inocente.

A técnica da rotulagem inversa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de janeiro de 2011

O que no Brasil se chama de “noticiário internacional” consiste em repetir, ampliando-as e radicalizando-as, as mentiras mais cínicas da mídia esquerdista norte-americana, com a certeza tranqüilizante de não ter de enfrentar, como ela, a enérgica reação conservadora de metade da população, que só ouve rádio e não acredita numa só palavra dos jornais e da TV. É, a vida da mídia chapa branca, nos EUA, não é fácil como a da sua confrade brasileira: aos domingos, o New York Times tira um milhão de exemplares – a trigésima parte do número de ouvintes de Rush Limbaugh, o radialista conservador que a família Sulzberger adora odiar. No Brasil há um clone do New York Times, que é a Folha, mas as estações de rádio, concessões federais, estão bem defendidas contra a mera possibilidade de ali surgir um Rush Limbaugh. Contra a farsa geral da mídia, só nos resta resmungar em blogs ou, com mais sorte, neste Diário do Comércio. O resto é silêncio – ora indignado e impotente, ora temeroso e servil.

Nos EUA, quanto mais perde público, mais o establishment jornalístico apela a recursos de difamação histérica que o próprio Dr. Joseph Goebbels consideraria, talvez, um tanto grosseiros demais para persuadir um público adulto.

Um desses expedientes é cobrir de invectivas odiosas os personagens que se pretende rotular de odientos. Não é preciso, para sustentar o ataque, citar um só apelo de ódio que tenha saído da boca da vítima. Não é preciso nem mesmo torcer suas palavras, dando um sentido odiento ao que não tem nenhum. Ao contrário: basta espumar de ódio contra a criatura, e fica provado – espera-se – que odienta é ela. Tudo é feito na expectativa insana de que o automatismo mental do público o induza a sentir que pessoas que despertam tanto ódio devem ter ainda mais ódio no coração do que os jornalistas que as odeiam. Há sempre uma faixa de militantes estudantis e ativistas ongueiros que, por infalível instinto colaboracionista, finge acreditar na coisa, reforçando o ataque com insultos escatológicos e ameaças de morte, de modo que a violência crua despejada sobre o alvo inerme acabe por se mesclar tão intimamente à sua imagem que pareça provir dele.

Lançada pela “grande mídia” em tons de noticiário posadamente neutro e superior, a tentativa artificialíssima de inculpar a “direita odienta” e especialmente Sarah Palin pelos feitos mortíferos de um fanático esquerdista em Tucson, Arizona, foi imediatamente reforçada por estes e outros apelos colocados em circulação no Youtube (v. http://www.newsmax.com/InsideCover/Palin-death-tweets-YouTube/2011/01/14/id/382872?s=al&promo_code=B79C-1):

· “Por que não atiraram em Sarah Palin (em vez da deputada democrata)?”

· “Espero que Sarah Palin morra de uma morte horrível e leve com ela o seu ódio estúpido.”

· “Alguém, por favor, pode atirar em Sarah Palin?”

· “Espero que Sarah Palin pegue câncer e morra nos próximos dois anos.”

· “Sarah Palin deveria ser baleada por encorajar o fanatismo contra os democratas.”

· “Junte-se a nós orando para que Sarah Palin contraia câncer e morra.”

· “Sarah Palin é a mais perigosa ameaça ao futuro da espécie humana. Alguém, por favor, atire nela.”

Não sendo possível encontrar nas palavras de Sarah Palin nem o mais mínimo sinal de ódio a quem quer que seja, espera-se que a virulência dos ataques que sofre venha a servir de prova contra ela. A premissa implícita aposta na estupidez do público, e às vezes acerta: se a mulherzinha não fosse mesmo uma peste, não seria tão odiada. Os que não são tontos o bastante para deixar-se iludir por esse arremedo de malícia demoníaca têm ainda um subterfúgio mais “adulto” para não escapar de todo à contaminação: no mínimo, no mínimo, quem desperta tanto ódio é, mesmo sem culpa, uma força divisiva, alguém que, para a felicidade geral da nação, deve ser mantido longe da Casa Branca, talvez até da política em geral. Como recomendava Talleyrand: “Caluniem, caluniem, alguma coisa sempre acabará pegando.”

Em ambos os casos, tanto os acusadores quanto seu público de idiotas úteis seguem fielmente o mecanismo da inversão revolucionária: para você ter fama de odiento, não precisa odiar ninguém; basta que o odeiem.

A imitação brasileira do processo mergulha ainda mais fundo na infâmia, porque Sarah Palin é personagem distante, alheia aos debates nacionais. Só mediante uma boa dose de fantasia histriônica nossos compatriotas podem chegar a odiá-la pessoalmente. Também é claro que nos EUA ninguém lê a imprensa brasileira: a vida dos nossos jornalistas consiste em fingir para si mesmos que são forças auxiliares da esquerda americana, a qual nem sabe da existência deles. Ah, como os argentinos acertaram ao apelidar nossos compatriotas de “los macaquitos”!

Saudades da idiotice

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de janeiro de 2011

Se você espera encontrar qualquer cobertura honesta, por mínima que seja, na grande mídia nacional ou internacional hoje em dia, está implorando para ser enganado. A falsificação, antigamente limitada, discreta e contrabalançada ao menos por arremedos de bom jornalismo, tornou-se ostensiva, cínica e generalizada. É como se os profissionais soubessem que podem contar com a obediência passiva de milhões de otários que eles mesmos treinaram para isso ao longo das duas últimas gerações.

Jared Lee Loughner, que atirou na deputada Gabrielle Giffords, é um fanático esquerdista educado numa escola cujos mentores foram Barack Obama e o terrorista Bill Ayers — mas esse fato decisivo foi omitido por quase todos os grandes jornais e canais de TV dos EUA. Preferiam explicar a motivação do crime pela ação mágica de uma ilustração colocada na página de Sarah Palin no Youtube, onde o distrito de Giffords e seus vinte deputados aparecem destacados no mapa americano por uma moldura em forma de alvo. Não se sabe nem mesmo se Loughner viu essa ilustração, e é claro que interpretá-la como estímulo mesmo indireto e sutil ao assassinato político em vez da simples luta eleitoral é forçar a imaginação até à fronteira da demência — mas a hipótese psicótica de que a figura exibida no Youtube tenha sido mais determinante na conduta do atirador do que toda a formação ideológica recebida ao longo de uma vida vem sendo imposta ao público americano como se fosse a verdade mais banal do universo. E os responsáveis pela palhaçada não hesitam em tirar dela as conclusões políticas mais virulentas. Keith Olbermann, colunista da MSNBC, chegou a dizer que, se Sarah Palin não abjurar do “apelo à violência” publicado no seu canal, ela deve ser “excluída da política”. Entre os figurões da mídia, ninguém, é claro, lembrou-se de pedir que Obama e Ayers se penitenciassem de colocar idéias revolucionárias na cabeça de Loughner, embora seja óbvio que sem essas idéias ele não teria tido jamais o desejo de praticar um assassinato político.

O jornalismo que se pratica hoje em dia já ultrapassou até mesmo os limites da falsificação premeditada. O que era premeditação tornou-se hábito automatizado, meio inconsciente, como num fingimento histérico em que o doente, no começo, sabe que está mentindo, mas depois se deixa iludir por suas próprias palavras e, entre lágrimas e protestos de indignação, termina “sentindo” que diz a verdade — sentindo-o tanto mais intensamente quanto mais luta consigo próprio para sufocar a lembrança da mentira inicial. Bem dizia Eric von Kunhelt-Leddin que a histeria é a base da personalidade esquerdista.

Quem não sabe, por exemplo, que a situação econômica do Brasil nos últimos anos só melhorou porque os banqueiros internacionais decidiram usar o país como abrigo seguro de seus investimentos enquanto se esforçam para demolir a economia americana? A história do Brasil sempre se escreveu desde o exterior, mas no caso são os mesmos centros decisórios estrangeiros que têm interesse em esconder-se por trás de louvores ao governo brasileiro, atribuindo a este a autoria de ações que são inteiramente deles e nas quais a participação de Lula e seus ministros foi, no máximo, tão ativa quanto a de um tubo de lubrificante numa relação sexual.

Explicar pelo Fome Zero o aliás modestíssimo incremento do poder aquisitivo dos brasileiros é como achar que a água aumenta de volume ao ser trocada de balde, mas até “formadores de opinião” tidos como conservadores se sentem obrigados a repetir essa cretinice a título de captatio benevolentiae antes de esboçar alguma crítica, mesmo leve e tímida, à elite petista que lhes inspira tanto ódio escondido quanto temor reverencial exibido.

O jornalismo, dizia Joseph Conrad no início do século XX, é uma coisa escrita por idiotas para ser lida por imbecis. Bons tempos, aqueles. Hoje é uma coisa escrita por fingidores compulsivos para ser lida por masoquistas que só respeitam quem lhes mente na cara. A opinião pública mundial evoluiu da idiotice à psicose.

Publicado com o título “Ultrapassando todos os limites”

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