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Abaixo o povo brasileiro

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de julho de 2015

          

Nas discussões públicas, com milhões de assuntos entrecruzados e novos fatos sucedendo-se a cada instante, o número de indivíduos com capacidade e tempo para averiguar pessoalmente a veracidade ou falsidade últimas do que se diz é ínfimo ou nulo. Para a massa dos observadores, a noção de “verdade” está indissoluvelmente fundida com a de “confiabilidade”, portanto com a de “autoridade”: o argumentum auctoritatis – o mais fraco dos argumentos, segundo Sto. Tomás de Aquino – acaba sendo não apenas o mais usado, mas o único pelo qual a população se deixa guiar.
Portanto, para saber quais idéias serão aceitas pela população, basta averiguar o que dizem as “autoridades”. Em geral, as fontes de autoridade são duas e apenas duas:
(1)O Estado.
(2)O beautiful people: As pessoas famosas e a mídia que lhes dá a fama. Inclui-se aí a classe acadêmica.
Uma certa margem para a discussão objetiva só aparece quando essas duas fontes entram em conflito. Quando elas estão de acordo, a opinião divergente, por mais fundamentada que seja, desaparece no oceano da indiferença ou é francamente estigmatizada como sintoma de doença mental.
No Brasil, onde a mídia e a classe acadêmica dependem quase que inteiramente do Estado, este se torna a fonte única da autoridade, sua palavra o fundamento inabalável de todas as crenças. Quando a opinião pública se volta contra o governo existente, é porque este, por inabilidade ou por qualquer outra razão, relaxou o controle sobre a fonte secundária. Isso aconteceu no regime militar, na gestão Collor de Mello e agora neste final melancólico do império comunopetista.
Mesmo na vigência do conflito, no entanto, a mídia, o show business e a classe acadêmica sabem que, a longo prazo, continuam dependentes do Estado. Por isso, quando se opõem a um governo, lutam apenas por mudanças superficiais que preservam intactas as estruturas fundamentais do poder. A classe governante absorve todos os impactos e sempre encontra um modo de revertê-los em seu benefício.
Por isso é que, mesmo não sendo tão grande em termos absolutos – imaginem, somente, uma comparação com a burocracia chinesa ou cubana –, o Estado brasileiro tem um poder avassalador face à sociedade civil inerme, incapaz de organizar-se, a qual, mesmo sabendo-se roubada, ludibriada e humilhada só consegue mobilizar-se quando chamada a isso pelo beautiful people, que invariavelmente tira vantagem da situação e acaba recompondo suas boas relações com o Estado na primeira oportunidade.
Com toda a evidência, o problema do Brasil não é o tamanho do Estado, mas a fraqueza da sociedade civil, isto é, da massa que trabalha e produz. Querem maior prova disso do que o fenômeno escandaloso de um partido governante que, rejeitado e abominado por noventa e dois por cento da população, continua inabalável no seu posto e ainda se permite falar em tom ameaçador e arrogante?
É uma triste ironia que, nessa hora, mesmo os que odeiam esse partido com todas as suas forças tomem a precaução de não combatê-lo senão “pelas vias institucionais e normais”, como se as instituições, uma vez consagradas no papel, tivessem o direito de revogar a vontade popular que um dia as criou e legitimou e agora se vê esmagada sob a máquina infernal da cleptoburocracia.
O cúmulo da demência aparece quando o grito de “respeitar as instituições” vem das mesmas bocas que acabam de dizer: “As instituições estão todas aparelhadas”. É um lindo raciocínio: As instituições não são confiáveis, portanto confiemos nelas.
Fortalecer e organizar a sociedade, apelar à desobediência civil, incentivar a iniciativa extra-oficial, “ignorar o Estado” como recomendava Herbert Spencer, são ideias ante as quais essas pessoas recuam horrorizadas, preferindo antes suportar o descalabro petista por mais não sei quantas décadas do que admitir que a autoridade legítima não está em Brasília, e sim nas ruas e nas praças de todo o país.
O sistema comunolarápio não ruirá enquanto o beautiful people – no qual nós, jornalistas, nos incluímos — não aceitar que, acima dele e acima do Estado, existe uma terceira e mais legítima fonte de autoridade: a opinião de todos, a vox populi.
Enquanto isso não acontece, o povo continua sendo sacrificado no altar do oficialismo, onde sacerdotes da infâmia repetem dia e noite o mantra sinistro:  “Viva a normalidade institucional! Abaixo o povo brasileiro!”

Monopólio e choradeira

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 4 de setembro de 2013

          

Quando os comunistas da internet vociferam contra a mídia burguesa, é bom saber que a mídia burguesa são eles mesmos atuando em dois níveis: dominam os grandes jornais e canais de TV desde dentro para usá-los como veículos de desinformação e ao mesmo tempo descem o porrete neles desde fora para dar mais credibilidade à desinformação.
Isso é uma regra básica dos manuais de desinformátsiya. Desinformação só funciona quando a mentira não vem da boca de um inimigo notório e sim de alguém de confiança da vítima. Se você lê no Vermelho.org, no blog de Paulo Henrique Amorim ou no Baixamiro Borges alguma grossa denúncia contra os Estados Unidos, contra a Igreja, contra Israel, contra os militares ou contra os liberais e conservadores, pode desconfiar que é propaganda esquerdista.  Mas se lê a mesma coisa na Folha, no Globo ou no Estadão, imagina que é informação idônea, imparcial, puro  jornalismo.
Para que servem então o Vermelho.org, o Paulo Henrique Amorim, o Baixamiro Borges e similares? Servem precisamente para isso. São a substância de contraste que dá credibilidade à “grande mídia” quando esta, num estilo mais comedido, mente igualzinho a eles.
Secundariamente, podem servir também para alimentar de bobagens estimulantes a militância partidária. Para enganar o público maior, politicamente indefinido, é preciso veículos com uma fama de “direitistas”, criada exatamente para esse fim.
Se você examinar caso por caso, verá que desde a década de 60 – em pleno regime militar –, os altos cargos da nossa mídia são quase todos ocupados por militantes ou simpatizantes da esquerda, que ao mesmo tempo, ou em fases alternadas da sua carreira profissional, publicam semanários “nanicos” ou, hoje em dia, blogs “alternativos”, dando à plateia ingênua a impressão de que são a arraia miúda em luta contra a poderosa indústria de comunicações.
Isso é a essência mesma do trabalho de desinformação.
Os leitores em massa ignoram que o próprio modelo do jornalismo profissional “moderno”, de corte americano, foi implantado no Brasil principalmente por comunistas, que o modularam para que servisse aos seus próprios fins sem dar muito na vista. Confiram na tese “Preparados, Leais e Disciplinados: os Jornalistas Comunistas e a Adaptação do Modelo de Jornalismo Americano no Brasil, de Afonso de Albuquerque e Marco Antonio Roxo da Silva, da UFF(http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1052-1.pdf).
Foi graças a essa operação que, por exemplo, os setenta milhões de vítimas do comunismo chinês, quarenta milhões do comunismo soviético, dois milhões do comunismo cambojano e cem mil do comunismo cubano praticamente desapareceram dos nossos jornais e canais de TV, onde, ao contrário, sempre houve espaço e tempo de sobra para umas dúzias de guerrilheiros mortos pelo regime militar. Deformar o senso das proporções é essencial para dessensibilizar a população ante os crimes dos comunistas e hipersensibilizá-la para tudo quanto seja nocivo ao comunismo.
Para dar somente um exemplo, basta notar que nunca a presença maciça de comunistas em postos de destaque nas redações foi denunciada como sinal de viés ideológico, mesmo quando se tratasse de aparatchniks treinados em Moscou e Pequim.
Ninguém jamais se queixou de que Otávio Brandão, Nabor Caires de Brito, Mário Augusto Jacobskind, Mauro Santayana, Cláudio Abramo, Élio Gaspari, Roberto Múller, João Sant’Anna, Alcelmo Góis, Fernando Morais, Paulo Moreira Leite e mais uma infinidade – alguns até líderes do PCB, do PC do B ou de organizações trotsquistas; outros, notórios empregados de governos comunistas – fossem diretores de jornais ou tivessem colunas de página inteira à sua disposição.
Basta, entretanto, que algum jornalista sem qualquer vínculo partidário, apenas não muito simpático pessoalmente à esquerda, assuma um cargo de editor ou ganhe um espacinho em qualquer jornal, revista ou programa de TV, e imediatamente chovem protestos de todo lado.
Os casos de Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo são apenas os mais recentes. Minha estréia em O Globo foi imediatamente respondida por uma campanha para que minha coluna fosse suprimida.
Milhares de blogs comunistas financiados por ONGs internacionais pululam na internet sem que ninguém ache estranho, mas basta aparecer um blog “de direita”, mesmo sem qualquer vínculo organizacional e subsidiado apenas com o parco dinheiro de seus editores, e imediatamente a coisa é alardeada como um escândalo intolerável, um crime de lesa-pátria.
O leitor comum não tem a menor ideia de como essas coisas funcionam, nem das dimensões do poder esquerdista que transforma a mídia nacional praticamente inteira em órgão de desinformação comunista (sem isso teria sido impossível esconder por dezesseis anos a existência do Foro de São Paulo ou continuar escondendo até hoje a denúncia do ex-agente soviético Ladislav Bittman sobre jornalistas brasileiros pagos pela KGB). E os profissionais que sabem de tudo não têm, é  claro, o menor interesse em dar o serviço.
Com toda a evidência, os comunistas da nossa  mídia acham que a coisa mais normal e natural do mundo é possuir o monopólio do espaço jornalístico no Brasil – e ainda choramingar como se fossem uns coitadinhos desprovidos do direito à palavra.
Essa impressão postiça de naturalidade já se alastrou para todas as classes letradas, infectando o “senso comum”  ao ponto de  ninguém mais enxergar o monopólio como tal, e mencioná-lo é candidatar-se ao rótulo de “teórico da conspiração”. A mentira alcança a perfeição quando impugná-la se torna uma doença mental.

O velho truque

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 28 de novembro de 2012

Um dos mais velhos truques da propaganda comunista no Brasil é esconder-se por trás de algum comunista americano desconhecido nestas plagas e cantar vitória: “Está  vendo? Até os ianques dizem que…”
Partindo da premissa popular de que ser americano é um atestado de anticomunismo, até a voz da KGB em inglês soa como uma potente confirmação direitista de qualquer mentira pró-comunista que se pretenda impingir ao cândido leitor brasileiro.
Sempre foi assim. Quando eu era adolescente, esfregavam-me no nariz os artigos de Drew Pearson e me esmagavam com o argumento fulminante: “Está  vendo? Até os ianques dizem que…” Acabei, é lógico, acreditando, sem saber que as fontes de informações de Pearson eram dois agentes soviéticos – coisa que só chegou ao meu conhecimento quatro décadas depois, mas ainda é totalmente ignorada pelo público maior, o qual já nem lembra quem foi Pearson e que tremenda influência teve na política americana.
O engodo tornava-se ainda mais persuasivo quando reforçado por um constante bombardeio de artigos e estudos eruditíssimos que nos provavam por a + b que a mídia americana inteira era um instrumento de propaganda imperialista. Qualquer agente comunista minimamente treinado sabe que a maneira mais eficaz de persuadir a plateia não é usar de um argumento lógico continuado, mas jogar com a tensão entre dois argumentos aparentemente opostos (em geral um implícito, o outro explícito).
Quando até os imperialistas admitiam que Fidel Castro era um combatente pela democracia ou que os vietcongues eram patriotas sem um pingo de ideologia comunista nas veias, que brasileiro teria a ousadia de dizer o contrário?
Sempre foi assim. A diferença é que agora esse truque, antigamente usado apenas na imprensa comunista, se tornou norma de redação na grande mídia e multiplicou por mil o seu poder de confundir e ludibriar.
Façam uma revisão do que leram nos jornais brasileiros a respeito de Barack Hussein Obama ao longo das campanhas eleitorais de 2008 e 2012 e verão que, com exceções infinitesimais, as opiniões aí expressas foram de dois tipos e somente dois:
(a) Barack Obama é um progressista moderado, a voz da América esclarecida em luta contra o obscurantismo reacionário e racista.
(b) Barack Obama, sob a aparência de bom moço, é um imperialista ianque como qualquer outro, um “falcão” empenhado em esmagar o pobre mundo sob as patas do Império americano. A única diferença entre ele e John McCain, ou Mitt Romney, é que pelo menos ele não é um caipirão racista como eles.
Forçado a escolher entre o bem absoluto e o mal menor, nos dois casos o “idiota padrão”, que é como nas redações se denomina o leitor médio, acabava sempre ficando com Barack Obama. Se as eleições fossem no Brasil, o candidato democrata teria 99% dos votos sem precisar adulterar as maquininhas, como fez em Ohio e na Pensilvânia.
O benefício secundário dessa técnica é habituar o leitor a escolher entre duas opiniões esquerdistas e a acreditar que com isso está desfrutando de um dos prazeres maiores de viver numa democracia, que é o de poder tomar posição livremente nos debates públicos. Com isso, pouco a pouco a democracia vai se reduzindo ao “centralismo democrático” leninista – a livre discussão dentro do Partido –, sem que a multidão bocó perceba a diferença.
Por fim, a coisa mais maravilhosa: com o tempo, os jornalistas sem filiação ideológica explícita se adaptam ao modelo, por mera imitação dos colegas mais velhos, e acabam por se tornar os mais eficientes colaboradores da manobra  comunista, justamente porque não têm nenhuma consciência de estar a serviço dela e rejeitam, com esgares de indignação ou trejeitos de sarcasmo, a hipótese de que estão servindo de idiotas úteis. Aliás é precisamente por essa razão que são chamados de idiotas úteis.
“Hegemonia” é isso: o domínio invisível e insensível exercido sobre as consciências pela força da repetição e do hábito impregnado na linguagem, nas rotinas, no “senso comum” (no sentido gramsciano do termo). Construí-la é, por definição, obra de muitas décadas, apoiada na passagem das gerações e no esquecimento coletivo.
Só um conhecimento muito fino da história cultural e psicológica da sociedade em que vivemos, aliada a um rigoroso exame retrospectivo da nossa própria biografia interior e à firme disposição de encontrar a verdade para além de toda a pressão do nosso grupo de referência, pode nos libertar de uma influência grudenta e anestésica que se impregna em nossas almas como uma segunda natureza.
As pessoas habilitadas a fazer esse exame contam-se nos dedos das mãos, e são ainda mais raras na classe universitária, onde a adaptação ao vocabulário e aos cacoetes mentais do ambiente são condições necessárias da sobrevivência escolar e profissional. A construção da hegemonia aposta na estupidez, na preguiça, no espírito de imitação e na covardia intelectual, qualidades que raramente faltam aos jovens universitários ávidos de reconhecimento.
P. S.  Alguém me envia cópias de e-mails que circulam numa lista de discussões entre “professores de lógica” das universidades brasileiras. O objeto da discussão é a minha pessoa. Todos ali se consideram importantes demais para discutir comigo em público, mas têm tempo de sobra para fofocar a meu respeito pelas costas, a salvo da possibilidade de um revide. Um dia talvez eu comente aqui o conteúdo das fofocas, coisa de uma miséria intelectual (e moral) capaz de levar o leitor às lágrimas.

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