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A opção pela farsa

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 22 de agosto de 2008

O traço mais saliente e característico da classe intelectual no Brasil de hoje (quero dizer, dos últimos trinta anos) é o seu espírito de solidariedade grupal mafiosa, muito mais coeso, ciumento e impenetrável que o das corporações similares em outros países.

Vários fatores produzem esse fenômeno.

Um deles é a fusão indissolúvel do ofício intelectual com a militância partidária (esquerdista, é claro). Algo disso existe um pouco por toda parte, mas não em dosagem brasileira. Neste país a ascensão de um professor na escala acadêmica depende em quase nada das suas realizações intelectuais – em geral nulas ou desprezíveis – e em quase tudo da posição que ocupe na hierarquia partidária ou pelo menos nas afeições da liderança esquerdista. Carreiras como as dos srs. Emir Sader, Quartim de Moraes, Fernando Haddad, Luis Felipe de Alencastro e tantos outros seriam inexplicáveis sem isso. O dever de fidelidade partidária transmite-se, pela convivência estreita, à comunidade acadêmica, infundindo-lhe aquele sentimento de unanimismo e de autoproteção corporativa, que ao chamado da liderança mobiliza num instante um por todos, todos por um, com homogeneidade quase militar.

Uma segunda causa é a intimidade promíscua – também muito maior do que em outros países – de mídia e universidade, esta ditando as normas do aceitável e do inaceitável, aquela seguindo-as fielmente e, em troca, influindo na ascensão e queda das estrelas acadêmicas, produzindo do nada prestígios intelectuais tão formidáveis quanto incompreensíveis e condenando ao ostracismo quem caia no desagrado do mandarinato provinciano.

Mas, sem dúvida, o fator mais decisivo que aproxima e gruda esses sujeitos uns nos outros como uma colônia de ostras é a secreta consciência de sua própria inépcia, que rói cada um por dentro e o impele a buscar na aprovação do grupo um talismã contra os riscos da aventura intelectual solitária. Sim, o que o típico intelectual brasileiro de hoje mais teme, o que ele evita como à peste, é embrenhar-se sozinho na busca da verdade, desbravando territórios desconhecidos, sem que a bênção maternal da comunidade o venha tranqüilizar assegurando-lhe que não está louco nem raiando perigosamente alguma heresia.

Curiosamente, esse apego uterino, esse gregarismo pastoso de mentes atrofiadas é vendido ao público – e aos próprios membros do grupo – como se fosse a mesma coisa que a colaboração acadêmica, sem que aparentemente ninguém perceba a distância imensa que separa essas duas coisas, tão distintas entre si quanto um rosto humano e uma caricatura infernal.

É verdade nenhum progresso do conhecimento se alcança sem o diálogo, sem que as intuições pessoais, mesmo fundadas em investigações profundas, se exponham ao exame da comunidade erudita, conhecedora do status quaestionis. Mas não pode haver esse tipo de diálogo senão entre inteligências personalizadas, cada qual possuidora de um universo mental próprio, conquistado na audácia da busca solitária, sem o suporte consolador das crenças coletivas.

Isso simplesmente não existe – ou não existe mais – no meio intelectual brasileiro. Mentalidades reduzidas à impotência pelo vício do gregarismo não precisam nem podem entrar em diálogo, porque nada têm a trocar senão o igual pelo idêntico, o usual pelo costumeiro e o banal pelo ordinário. O que fazem não é diálogo, é monólogo coletivo. Tão plana, vulgar e torpe é a uniformidade das suas idéias, que às vezes têm de se apegar a miúdas diferenças de estilo ou de vocabulário – senão a alguma ciumeira pessoal, que nunca falta – para dar um arremedo de colorido ao cinzento ritual diuturno da confirmação recíproca. Chamar esse ambiente de medíocre seria louvá-lo imerecidamente. Mediocridade é apenas um padrão estatístico, distribuído anonimamente na multidão. Quando os medíocres se agregam e se condensam numa corporação organizada, o peso comum se adensa e o conjunto acaba descendo muito abaixo da média. O brasileiro comum é muito, muito mais inteligente do que os sessenta conselheiros acadêmicos do sr. presidente da República, autodenominados coletivamente “os intelectuais” para dar a entender que são os únicos que existem. O homem comum sabe que o problema mais grave do Brasil é a criminalidade. “Os intelectuais” não sabem. O primeiro aproveita para falar do assunto cada oportunidade que as pesquisas lhe dão. Os segundos reúnem-se com o sr. presidente para passar metodicamente em revista os males nacionais, e nem um único dentre eles se lembra de mencionar, mesmo por alto, que cinqüenta mil brasileiros morrem assassinados por ano (parece que, como meio de glorificação do governo pelos intelectuais da côrte, o crime não compensa).

Um lado especialmente deplorável do fenômeno é que, como a busca da segurança psíquica é às vezes mais forte do que os dois motivos políticos acima citados, o esprit de corps da submediocridade acadêmica se estende, por automatismo, até aos membros não esquerdistas (ou não muito esquerdistas) da comunidade. Não podendo aderir ativamente à política dominante, eles partem para a adesão passiva, refreando toda conduta verbal que dê sinal de direitismo, omitindo qualquer citação a autores tidos por inconvenientes ou, nos momentos extremos, assinando um ou outro manifesto de esquerda, naturalmente pelos motivos mais apolíticos que lhes ocorram no momento.

O mais irônico de tudo é que a própria miséria mental do grupo lhe dá uma certa autoconfiança ad hoc, na medida em que, eliminada toda investigação pessoal da verdade, o que resta no ar é um feixe de certezas coletivas reconfortantemente indiscutíveis. Com base nessa confiança, cada um dos integrantes do grupo está apto a posar de autoridade cientifica perante seus alunos, aos quais impõe opiniões com tanto mais facilidade quanto mais convencido esteja de personificar, como membro da comunidade iluminada, a verdade, o bem, o justo e o belo, isto é, precisamente aquelas coisas que, segundo as crenças marxistas e desconstrucionistas ali vigentes, não existem de maneira alguma e foram apenas inventadas pela burguesia para ludibriar os pobres.

O que não é de estranhar é que, sendo toda a sua segurança psicológica baseada num amálgama das mentiras existenciais de seus membros, uma comunidade tão coesa, tão ciosa da sua própria importância imaginária, viva assombrada pelo temor da decomposição e se torne tanto mais medrosa quanto mais escorada num sistema rígido de autodefesas neuróticas, acreditando enxergar perigos apocalípticos ao menor sinal de que alguém lhe fez alguma censura fora dos padrões admissíveis da autocrítica controlada, corporativa e comunista.

Por várias vezes tive a oportunidade de ser pessoalmente o fator aterrorizante que sacudiu até aos alicerces a autoconfiança da troupe, ocasiões nas quais tive o desgosto de ver centenas ou milhares de veneráveis anciãos e graves senhores de meia-idade correndo, como crianças assustadas, para defender a comunidade ameaçada pelo total de um (hum) atacante.

Houve época em que eu ria desse espetáculo. Hoje sei que não é coisa para rir. A farsa acadêmica brasileira não expressa só a pobreza intelectual assustadora da elite ensinante, que, por si, basta para explicar o desastre da educação nacional. Ela põe à mostra também uma miséria humana sem fim, já que ninguém opta pelo fingimento pomposo senão para esconder o desprezo que, no fundo, sente por si mesmo – e no Brasil acadêmico essa opção é o único tipo de vida intelectual que resta.

Comparação

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio (editorial), 24 de março de 2008

Já fazia um ano que a revista Newsmax havia descoberto a ligação perigosa de Barack Obama com o pastor racista e pró-comunista Jeremiah A. Wright, Jr., quando a mídia chique por fim resolveu, timidamente, perguntar algo a respeito ao queridinho e intocável pré-candidato democrata. Daí por diante foi vexame atrás de vexame. Obama primeiro negou que conhecia as idéias do pastor, mas logo veio a prova de que sabia de tudo. Depois tentou embelezar a imagem do sujeito, mas os vídeos da pregação histericamente esquerdista e anti-americana começaram a circular pelo país inteiro. Por fim, todo mundo se deu conta de que a apresentadora Oprah Winfrey , a mais popular aliada de Obama, já havia prudentemente se afastado do pastor desde 2007, prevendo encrenca.

É uma mancha de batom na cuéca, como diria o falecido dr. Ulysses Guimarães. Não tem explicação que convença. A candidatura Obama despencou ruidosamente nas preferências do eleitorado democrata, e parece não haver guindaste que possa levantá-la. O comentarista de TV Sean Hannity, um dos que mais vigorosamente denunciaram a farsa, recebe diariamente centenas de mensagens de eleitores democratas agradecendo o aviso que os salvou do erro.

O que todos se perguntam agora, o que se discute acaloradamente na TV e no rádio é o papel feio a que tantos órgãos de mídia se prestaram, ocultando por meses a fio a história comprometedora para não manchar a reputação de seu candidato preferido. Mais do que com Obama, o público está furioso com o New York Times , a CNN, a CBS e, em geral, todo o presunçoso establishment jornalístico.

Ninguém ignora que, se o eleitorado americano costumeiramente se divide meio a meio entre democratas e republicanos, a proporção destes últimos na classe jornalística é de quinze por cento para menos – um abismo de diferença entre o público e a elite supostamente “formadora de opinião”.

O episódio Obama-Wright teve o mérito de fazer com que a consciência desse desequilíbrio ameaçador extravasasse em protestos gerais, mostrando que, com a credibilidade de Barack Obama, caiu também a da “grande mídia”, mais até do que já vinha caindo fazia mais de uma década.

Agora comparem isso com o que acontece no Brasil.

(1) Conservadores em sentido estrito inexistem nas redações. Na melhor das hipóteses há meia dúzia de socialdemocratas, que representam o máximo de direitismo permitido nesse ambiente seletíssimo, e são vistos por seus colegas como tipos anormais, tolerados apenas por formalismo jurídico.

(2) O que se ocultou na mídia brasileira não foi uma amizade espúria de um pré-candidato, mas a colaboração explícita e constante de um partido inteiro e de um presidente da República com dezenas de organizações comunistas, algumas delas envolvidas diretamente em atividades criminosas, especialmente narcotráfico e seqüestros.

(3) Esse escândalo dos escândalos não foi encoberto durante alguns meses, mas ao longo de pelo menos dezesseis anos.

(4) A grande mídia não se limitou a esconder os fatos, mas com freqüência se empenhou em negá-los explicitamente, até que o assunto se tornou objeto de atenção internacional e o muro de silêncio ruiu por si, de podre, de velho, de insustentável.

(5) O público, até agora, não deu o menor sinal de indignação ou revolta por ter sido enganado ao longo de tanto tempo. Chefes de redação, colunistas, repórteres soi disant investigativos, analistas políticos que, nos EUA, estariam totalmente desmoralizados — isto se não perdessem seus empregos nem sofressem processos judiciais –, continuam firmes nos seus postos, respeitadíssimos, bem remunerados, falando com a mesma voz de autoridade com que ludibriaram o povo durante mais de uma década e meia.

Evidentemente, esse povo já não tem mais a noção do que é imprensa livre, já nem faz mais idéia do que é o direito à informação, já se acostumou a pagar para que o enganem, já perdeu totalmente o senso da própria honra, já acha normal e justo que o façam de palhaço.

A alma americana debilitada – completo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 14 de janeiro de 2008

O discurso dominante na grande mídia, no show business e nas universidades dos EUA é hoje tão francamente anti-americano que só em detalhes de estilo – se tanto – é possível distingui-lo das campanhas de difamação empreendidas pela URSS nos anos 50 e 60. A elite americana gaba-se de ter vencido a Guerra Fria, mas parece que foi psicologicamente dominada pelo inimigo perdedor e acabou acreditando em tudo o que ele dizia contra ela. A vingança póstuma dos soviéticos brilha nas páginas do New York Times , no horário nobre da CBS e nos filmes de Michael Moore e George Clooney com um esplendor que nem Willi Münzenberg, o gênio da desinformação comunista, jamais teria ousado sonhar.

            O que quer que se diga contra o governo americano, contra os militares americanos, contra a cultura americana parece hoje gozar de credibilidade automática, além de poder ser gritado desde o alto dos telhados sem o menor temor de uma resposta exasperada, ao passo que toda palavra pró-americana tem de vir cercada de precauções politicamente corretas, por medo de represálias infalíveis e ruidosas, se não de um processo judicial. Acompanhar o debate político americano é confirmar diariamente o sentido profético do verso de William Butler Yeats: ” The best lack all conviction, while the worst are full of passionate intensity .” Algo mudou radicalmente no coração da América na segunda metade do século XX, e mudou exatamente no sentido em que os mais odientos inimigos do país teriam desejado que mudasse.

            Como isso foi possível? Os agentes da mudança querem fazer-nos crer que foi tudo um processo espontâneo, natural e inevitável, dando ao curso da transformação a autoridade de uma lei histórica impessoal que só a tacanhice reacionária ousaria contestar. Mas há tempos já compreendi que leis históricas impessoais são quase sempre mera camuflagem de ações humanas que desejariam passar despercebidas para que seus efeitos se recubram de uma aura de mistério divino.

            A mudança que debilitou a alma americana foi precipitada por três grandes e bem sucedidas operações de desinformação que, por serem lançadas desde Washington e não desde Moscou, conseguiram enganar a nação inteira e forjar um novo “senso comum” (no sentido gramsciano do termo) a cuja influência nem os mais conservadores e patriotas escapam por inteiro. Nas três ocasiões as mentiras cuidadosamente elaboradas pelo próprio governo para lançar sobre os EUA a culpa pelas ações maliciosas de seus inimigos não só se tornaram verdade oficial, até hoje repetida uniformemente pela mídia e pelo sistema de ensino, mas se propagaram pelo mundo, criando a imagem monstruosamente deformada que hoje alimenta e legitima o ódio anti-americano por toda parte. Pode parecer absurdo que governantes escolham acumpliciar-se à difamação do seu próprio país para evitar problemas com a URSS ou para salvar sua própria imagem eleitoral, mas foi exatamente isso o que fizeram três presidentes americanos, dois dos quais, por ironia, são apresentados pela retórica esquerdista como personificações exemplares do anticomunismo e do “imperialismo ianque”.

            As três operações foram concebidas nas altas esferas do Partido Democrata, mas pelo menos uma delas com intensa colaboração republicana. Três livros recentemente publicados, um dos quais já comentei aqui e o outro mencionei de passagem (v. Lições da Guerra Fria e A autoridade religiosa do mal), revelam por fim o que se passou por trás do palco nessas ocasiões, as incríveis maquinações de políticos e jornalistas que por interesses imediatistas não hesitaram em favorecer o inimigo e legar às gerações seguintes um país cada vez mais enfraquecido moralmente.

            O primeiro desses episódios foi a operação montada pela administração Harry Truman – e prosseguida fielmente por Eisenhower – para negar ou dissimular a presença maciça de agentes soviéticos em altos postos do governo americano, especialmente no Departamento de Estado, bem como em funções técnicas e administrativas onde tinham acesso a informações secretas de natureza militar.

            A história é contada com detalhes e extensa documentação por M. Stanton Evans em Blacklisted by History. The Untold Story of Senator Joseph McCarthy and his Fight Against America ‘s Enemies , New York , Crown Forum 2007. Enquanto vocês não lêem o livro, podem ouvir um bom resumo feito pelo autor na Heritage Foundation, com comentário de Herbert Rommerstein, ele próprio responsável por importantes pesquisas sobre a infiltração soviética nos EUA (v. Blacklisted by History: The Untold Story of Senator Joe McCarthy).

            Para fazer uma idéia dos riscos estratégicos envolvidos na situação, basta saber que praticamente toda a orientação da política norte-americana na China durante a revolução comunista foi decidida com base em relatórios forjados por agentes soviéticos infiltrados no serviço diplomático americano em Beijing. Mediante falsificações prodigiosas, esses agentes conseguiram persuadir o governo de Washington a sonegar ajuda a seu aliado Chiang Kai-Chek e a apoiar as tropas comunistas de Mao Dzedong, que sem isso jamais teriam conseguido derrubar o governo chinês e instaurar a mais sangrenta das ditaduras genocidas que o mundo já conheceu. O embaixador americano Patrick Hurley percebeu a trama e avisou Washington em tempo, mas suas mensagens foram desprezadas. Sentindo-se insultado, Hurley pediu demissão, sendo substituído pelo general George Marshall, que acreditava naqueles relatórios como se fossem evangelhos revelados. Marshall não era pró-comunista, evidentemente, mas se o seu procedimento no caso não foi um exemplo claro daquilo que Eric Voegelin chamava de “estupidez criminosa”, não sei o que mais possa se enquadrar nessa classificação. Após o recorde genocida de 70 milhões de pessoas, o governo chinês, acumulando bombas atômicas com o dinheiro que lhe é facultado generosamente pelos investidores americanos, é hoje o maior risco de segurança para os EUA.

Alertado sobre esse e outros inumeráveis casos de infiltração soviética, o governo Truman optou por bater no carteiro, fazendo tudo para dar a impressão de que o único perigo sério para a América era o anticomunismo, especialmente o do Senador Joe McCarthy, cuja imagem demonizada ainda permanece viva na memória mundial. Para obter esse resultado, a tropa-de-choque de Harry Truman não hesitou em dar sumiço a documentos essenciais que, só agora revelados, mostram que em substância todas as acusações lançadas por McCarthy eram verdadeiras e até modestas, em comparação com as dimensões reais do problema. Além de sonegar provas e proteger-se por trás de testemunhos falsos, o governo Truman, em vez de afastar os suspeitos, preferiu apadrinhar suas carreiras, permitindo que subissem na hierarquia e continuassem prestando serviços à ditadura soviética com dinheiro dos contribuintes americanos.

Toda uma cultura de antimacartismo que se espalhou pelos livros didáticos, pelo cinema e pelo jornalismo teve origem nesse empreendimento de falsificação proposital. As conseqüências disso prolongam-se até hoje, fazendo com que os americanos, arrependidos de pecados que jamais cometeram contra os comunistas, sintam mais pavor ante a possibilidade de um “retorno à era McCarthy” do que ante a de um ataque conjugado de generais chineses e radicais islâmicos.

O segundo episódio da série veio quando Lee Harvey Oswald matou o presidente John F. Kennedy em 22 de novembro de 1963. Tanto na Casa Branca quanto na CIA ou no FBI, todo mundo sabia que Oswald era um comunista fanático e que seu intuito ao atirar em Kennedy fôra o de frustrar qualquer iniciativa americana contra a ditadura de Fidel Castro. Aterrorizado ante a perspectiva de que uma explosão nacional de revolta anticomunista respingasse sobre o Partido Democrata, reavivando suspeitas do tempo de Harry Truman, o presidente Lyndon Johnson fez o que podia para que a comissão Warren desviasse as atenções desse ponto sensível, explicando o crime de Oswald não como resultado de suas convicções ideológicas, mas de motivações genéricas como instabilidade emocional, problemas de família, etc. Por incrível que pareça, a comissão consentiu em analisar o mais famoso homicídio político do século XX sem falar em política. Vindo em socorro do presidente, a mídia chique e os intelectuais iluminados produziram então uma caudalosa literatura de pretensões pseudo-sociológicas, que lançava a culpa do delito sobre a “cultura americana de violência” e outras generalidades ocas que, no acerto final, eram debitadas na conta dos conservadores. O discurso anti-americanista da New Left, que então começava a ganhar algum destaque, recebeu assim um poderoso apoio vindo do próprio governo de Washington contra o qual ele voltava a sua histérica eloqüência. Esse discurso acabou por se incorporar no “senso comum”, ao ponto de que hoje é repetido rotineiramente pela grande mídia sem que ninguém note nisso nada de estranho. O livro que descreve essa imensa mutação psicológica que nasceu nas altas esferas de Washington e se propagou por toda a cultura americana é Camelot and the Cultural Revolution. How the Assassination of John F. Kennedy Shattered American Liberalism, de James Piereson (New York, Encounter Books, 2007).

O mais irônico em tudo isso é que, se Lee Oswald, convertido ao comunismo desde a adolescência, não podia de maneira alguma ser considerado representativo das correntes reacionárias supostamente responsáveis pela “violência americana” que o teria induzido ao homicídio, muito menos poderia sê-lo o fanático palestino Sirhan Bishara Sirhan, que em 1968 assassinou o irmão do ex-presidente, Robert Kennedy. Não por coincidência, hoje sabemos que a Autoridade Palestina da Yasser Arafat foi de cabo a rabo uma criação da KGB (v. http://www.weizmann.ac.il/home/comartin/israel/pacepa-wsj.html), mas, na época, a incansável fábrica de mitos da elite esquerdista conseguiu fazer que dois crimes praticados por agentes pró-comunistas contra dois políticos notoriamente anticomunistas parecessem obras da “direita reacionária”, e que essa versão rigorosamente invertida da realidade se incorporasse à psique americana tão profundamente que será preciso muitas décadas para desarraigá-la, se ainda for possível.

A terceira grande mentira, também definitivamente incorporada aos rituais do masoquismo pseudo-moralista da América contra si mesma, foi igualmente obra de Lyndon Johnson. Após ter dificultado por todos os meios possíveis a ação das tropas americanas no Vietnã, Johnson tirou a conclusão lógica da sua própria estratégia, transfigurando a vitória em derrota. Em 31 de janeiro de 1968, o exército norte-vietnamita de Ho Chi-Minh lançou uma grande ofensiva contra os americanos e sul-vietnamitas. A idéia era ocupar de uma vez todas as cidades do Vietnam do Sul, a começar pela capital, Saigon, preparando um levante geral com o auxílio dos guerrilheiros vietcongues. Militarmente, a ofensiva foi um fracasso monumental. Os comunistas perderam em poucos dias cinqüenta mil soldados e todos os objetivos que haviam conquistado. Mesmo o famoso ataque à embaixada americana em Saigon foi um fiasco: nem um único vietcongue conseguiu entrar no edifício – todos morreram na porta. Como, no entanto, o exército americano, procedendo segundo a norma de praxe nessas ocasiões, retirasse velozmente os funcionários civis por meio de helicópteros colocados no topo da embaixada, as imagens da retirada foram exibidas pela TV americana como provas de pânico geral e indício certo da derrota iminente do Vietnam do Sul. Quando o presidente Johnson viu essas cenas assim interpretadas pelo veterano comentarista de TV Walter Cronkite, ponderou: “Se perdi o Cronkite, perdi a nação.” O comandante norte-vietnamita, general Giap, deu-lhe toda a razão, ao admitir que sua principal arma contra o Vietnã do Sul tinha sido a mídia americana. Endossando a lenda da derrota americana, Johnson impôs a seu país uma humilhação que a mídia elegante e a intelectualidade tagarela não cessaram de celebrar desde então como um castigo justo imposto ao povo reacionário, fanático e violento que perseguira inocentes na era McCarthy e assassinara dois Kennedys…

Só agora, com o primeiro volume do livro consagrado pelo historiador Mark Moyar à guerra do Vietnã, a realidade da vitória artificialmente travestida em derrota começa a aparecer. Leiam Triumph Forsaken. The Vietnam War 1954-1964 (Cambridge University Press, 2006).

Nenhum outro país do mundo teve tantos traidores por milha quadrada quanto os EUA. Toda a mitologia anti-americana que circula no mundo originou-se em Washington e Nova York – com nada mais que leves empurrões iniciais da KGB. Como os EUA conseguiram sobreviver a tão graves mentiras lançadas contra o país por seus próprios governantes e por seus mais destacados líderes intelectuais, eis algo que só pode ser explicado pela obstinada permanência residual do apego popular às tradições americanas. É verdade que nós, brasileiros, não precisamos vir à América do Norte para conhecer um povo bom governado por trapaceiros. Mas a pergunta que não me sai da cabeça é se os trapaceiros de Brasília teriam subido tão alto sem a ajuda dos de Washington.

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