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Educando para a boiolice

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 23 de abril de 2007

Mal eu havia acabado de escrever que os alunos das escolas americanas são “sitting ducks”, e um dos sobreviventes do massacre da Virginia Tech apareceu no show “Today”, da MSNBC, dizendo a mesma coisa. Mas justamente esse, Zach Petkewicz, não foi pato nem ficou sentado. Encostou uma mesa na porta e impediu que Cho Seung Hui fizesse na sua sala de aula o que acabara de fazer nas salas vizinhas. Salvou uma classe inteira. Por que tão poucos, entre milhares de alunos, professores e funcionários, tiveram idêntica presença de espírito? Por que ninguém atacou o coreano maluco enquanto ele recarregava sua pistola automática ou trancava as portas com corrrentes?

Meu filho Pedro, que suportou pacientemente um ano e meio de escola pública na Virginia, garante: “É uma educação para boiolas.” O equivalente inglês da palavra é sissies . Uma sissy não é necessariamente um gay . Sujeitos que nunca tiveram um único impulso homossexual podem ser sissies perfeitas. Basta lhes ensinar que o macho branco heterossexual cristão americano é o bicho mais desprezível da face da Terra e que, se ele for exatamente um deles, deve fazer o possível para parecer outra coisa. Aos mais sortudos dentre eles ocorrerá a idéia, ridícula mas inofensiva, de usar trancinhas afro nos cabelos louros. Outros tentarão formas de adaptação mais incisivas – e, dentre elas, a mais popular e politicamente correta é tornar-se tão tímidos, fracotes e efeminados quanto possível. Depois de alguns anos desse adestramento, o sujeito está pronto para desmaiar, ter crise histérica ou ficar paralisado de medo ante o agressor, exibindo ainda mais fragilidade na esperança insensata de comovê-lo.

Impossível, diante do espetáculo de pusilanimidade coletiva na Virginia Tech, não recordar aquela vovó tagarela e empombada do conto “A Good Man is Hard to Find”, de Flannery O’Connor, que, diante do assassino armado que acaba de matar a tiros toda a sua família, se apega até o último instante à crença idiota de que ele é no fundo um homem bom, incapaz de lhe fazer dano. Mais ou menos a mesma idéia com que aqueles cabeças-de-toucinho do “Viva Rio” subiram o morro levando flores no “Dia do Carinho” – e foram expulsos a bala.

gays valentes e heterossexuais boiolas. A quintessência da boiolice não tem nada a ver com sexo. É uma covardia abjeta, um desfibramento da alma, uma pusilanimidade visceral – que os educadores de hoje em dia consideram o suprassumo da perfeição moral e os engenheiros sociais da ONU gostariam de espalhar por toda a humanidade. É a fórmula da pedagogia usada nas escolas públicas americanas. É por isso que o pessoal cristão foge delas, preferindo o homeschooling . Os meninos educados em casa só vão à escola no fim do ano, fazer exame, e tiram sempre melhores notas do que os trouxas que ficaram lá o ano inteiro só aprendendo boiolice.

Para os negros, as mulheres, os gays e os membros de “minorias” em geral, o establishment usa uma outra receita corruptora, simetricamente inversa. Lisonjeia-os até enlouquecê-los por completo. Infla seus egos até à divinização. Ensina-os a achar que são credores do universo, que o simples fato de dirigirem a palavra a um branco adulto é um ato de generosidade imperial. O fato de que negros e asiáticos, aqueles vindos nas tropas muçulmanas, estes nas hordas bárbaras, tenham atacado e escravizado milhões de europeus séculos antes de que o primeiro português desembarcasse na África é suprimido da História como se jamais tivesse acontecido. O branco – e, por ironia, especialmente o americano, dos povos ocidentais o que escravizou menos gente e por menos tempo – é definido como escravagista por natureza, o escravagista eterno, herdeiro de Caim, só digno de viver por uma especial concessão da ONU. Cada página dos manuais didáticos usados nas escolas americanas traz essas crenças insinuadas nas entrelinhas. Cada vez que um professor abre a boca em sala de aula, espalha mais um pouco desse entorpecente pedagógico nos cérebros infanto-juvenis. A coisa foi evidentemente calculada para estragar as almas, para alimentar o ódio e o ressentimento, para destruir o país por desmontagem sistemática.

Todos os preconceitos que existem no mundo surgiram espontaneamente dos conflitos entre os seres humanos. Agora, pela primeira vez na História, há o preconceito planejado, calculado matematicamente por engenheiros comportamentais e inoculado com requintes de técnica pedagógica nas cabeças da molecada. É por isso que há aqui um verdadeiro abismo entre as gerações. As pessoas de quarenta anos para cima são simpáticas, prestativas, generosas e patriotas. Os jovens são ranhetas insuportáveis, tanto mais pretensiosos e arrogantes quanto mais dependentes, incapazes de cuidar de si próprios e defender-se nas situações difíceis. Falo, é claro, daqueles que foram educados nas escolas públicas. Os que não querem ficar como eles buscam refúgio nas escolas particulares conservadoras (que existem aos montões mas são caras), nas igrejas, no homeschooling e nas Forças Armadas.

Alguns anos atrás, a escritora Christina Hoff Sommers, em The War Against Boys: How Misguided Feminism is Harming Our Young Men (Simon & Schuster, 2000) já advertia contra a epidemia de frescura planejada que educadores e psicólogos feministas, desarmamentistas, pacifistas, gayzistas etc. estavam montando, muitos deles imbuídos da alta missão de amansar por meio da castração generalizada a “cultura americana da violência” – um estereótipo hollywoodiano em cuja realidade acreditavam piamente pelo simples fato de ter sido inventado por feministas, desarmamentistas, pacifistas, gayzistas iguais a eles. “Asinum asinus fricat”, já observavam os romanos: o asno afaga o asno – um panaca esquerdista inventa uma lenda difamatória, os outros levam a coisa mortalmente a sério, e dali a pouco há milhares de teses universitárias a respeito, com ares de profunda ciência social, e comissões técnicas pagas a peso de ouro pelas fundações beneméritas para criar soluções geniais. O resultado é Cho Seung Hui. Cada um desses garotos que de repente saem matando gente a esmo tem a cabeça cheia de ódio ao país que lhe deu tudo. Tim McVeigh queria derrubar o sistema, os meninos de Columbine eram gays intoxicados de falatório anticristão, Cho Seung Hui sonhava em tornar-se um vingador ismaelita para fazer o Ocidente em cacos. Cada um foi educado e doutrinado para fazer o que fez. Enquanto uns intelectuais iluminados lhe infundiam o desejo de vingança contra quem nunca lhe fez mal algum, outros votavam leis que desarmavam os professores e funcionários nas escolas, os padres e pastores nas igrejas. Uns preparavam psicologicamente o assassino, outros amarravam as mãos das vítimas. Vocês já repararam que os invasores armados de pistolas e rifles só atacam igrejas e escolas? Já ouviram falar de algum que invadisse um clube de caça, um estande de tiro, uma assembléia da National Rifle Association? Aí vigora o princípio do “loco si, pero no tonto”. O país está repleto de estandes de tiro ao pato – e os Zachs Petkewicz se tornam cada vez mais raros. E depois aqueles que criaram propositadamente essa situação saem diagnosticando o fenômeno como produto da “cultura americana”, recomendando mais desarmamento civil, mais anti-americanismo, mais efeminamento compulsório da juventude nas escolas. Tiram proveito publicitário retroativo da sua própria maldade. É a receita infalível da propaganda revolucionária: “Xingue-os do que você é, acuse-os do que você faz.”

Mas o pessoal por aqui já começou a perceber o truque, ainda que com um bocado de atraso. Allen Hill, um consultor de segurança entrevistado no mesmo programa que divulgou o episódio de Zach Petkewicz, declarou alto e bom som que as escolas têm de ensinar os meninos a ser mais valentes e agressivos. “Os bandidos estão contando com que os americanos fiquem sentados e não façam nada.”

“Os maus planejam seus ataques. As escolas têm de planejar sua defesa e reagir com igual agressividade. O treinamento tem de ser tão intensivo e levado tão a sério quanto o assassino leva a sério sua missão de matar.”

Há um país da América do Sul que, se ouvisse esse conselho, talvez não fosse vítima de cinqüenta mil homicídios por ano. Com uma diferença: ali os jovens não são tão fracotes. A boiolice está espalhada entre os homens adultos, nas ruas, nas fábricas, nos escritórios. Essa gente tem medo de armas até quando vistas pelo lado do cabo. E o governo, a Rede Globo e a Folha de S. Paulo querem lhe infundir mais medo ainda. É uma situação muito mais desesperadora que a dos americanos. Com o dobro da população brasileira, os EUA têm cinco vezes menos crimes violentos do que o Brasil.

Teses sobre o movimento revolucionário mundial

Para informação dos leitores, transcrevo abaixo umas notas que tomei para a conferência que vou pronunciar hoje para oficiais de Estado-Maior, americanos e brasileiros, na Academia Militar de West Point. Elas são só um esquema para desenvolvimento oral, mas nos próximos artigos darei mais detalhes a respeito.

1. O movimento revolucionário é um fenômeno único e contínuo ao longo do tempo, pelo menos desde o século XV. Cada geração de revolucionários tem consciência de ser herdeira e continuadora das anteriores. Isso está abundantemente documentado nos seus escritos. É um fato, não uma interpretação minha.

2. O movimento é contínuo mas não linear nem unidirecional. Ele progride através de mutações e revoluções internas e alimenta-se de seus próprios fracassos, que fornecem â geração seguinte uma poderosa motivação para o aprofundamento crítico das metas e da estratégia.

Como suas metas declaradas mudam de geração em geração, o movimento geral tem flexibilidade bastante para absorver ou repelir os movimentos parciais, conforme as necessidades estratégicas e retóricas de cada situação. Um mesmo movimento parcial pode ser considerado revolucionário num momento e contra-revolucionário no momento seguinte.

3. A continuidade consciente do movimento revolucionário não implica de maneira alguma que as gerações subseqüentes assumam a responsabilidade pelos erros e crimes das anteriores. A consciência de continuidade histórica que é afirmada no plano dos fatos é negada no plano do julgamento moral. Como na perspectiva do movimento revolucionário as culpas pertencem ao passado, a inocência de cada nova geração de revolucionários é um pressuposto da própria existência do movimento. Por isso mesmo, os revolucionários antigos, se alguma culpa têm, a têm enquanto personagens do passado, e não enquanto revolucionários. Suas culpas são imputáveis ao “seu tempo”, não à sua atividade revolucionária em si. O inimigo do movimento, ao contrário, arca não só com suas próprias culpas mas também com as de seus antepassados reais ou figurados, isto quando não é acusado também pelos crimes da revolução: o revolucionário, depois de matar meia dúzia de reacionários, os odeia mais ainda porque esses malvados o obrigaram a matá-los, sujando de sangue suas mãos puríssimas.

4. O movimento revolucionário não se identifica com nenhuma de suas metas em particular, mas também não sabe definir de uma vez por todas a “essência” permanente por trás de todas elas. Essa essência, de fato, não pode ser definida substantivamente, só negativamente: (1) o movimento é efetivamente um movimento , uma agitação permanente em busca de (2) uma meta móvel que não pode ser definida no presente porque só o futuro que a realizar a terá diante dos olhos como objeto de conhecimento. O movimento revolucionário é portanto movimento permanente e movimento futurista . O futuro, por definição, permanece futura. O dia do ajuste de contas do revolucionário com sua própria consciência é adiado automaticamente. A coisa mais próxima de um exame de consciência, na mente de um revolucionário, é a crítica aos antecessores.

5. O movimento revolucionário é, desde suas origens, um esforço para tomar o lugar do Cristo anunciado no Apocalipse e substituí-lo por um agente terrestre no papel de salvador da humanidade. Os fins concretos do movimento prevalecem-se assim da dignidade de um mistério que pode ser vagamente anunciado mas não pode ser revelado antes do fim dos tempos. Daí o descompromisso do movimento revolucionário para com suas próprias metas concretas, que ele muda ou abandona à vontade.

6. É inútil usar contra o movimento revolucionário, em qualquer das suas épocas ou versões, a retórica que opõe os ideais aos feitos. O movimento revolucionário troca de ideais com a mesma desenvoltura com que se isenta de responsabilidade pelos seus próprios feitos. Ele vive da tensão entre ideais indefinidos e feitos não assumidos. A essa tensão articulam-se duas outras (v. diagrama): entre o culto dos santos do panteão revolucionário e a crítica devastadora das revoluções; e entre o movimento perpétuo e a esperança num “fim da história”, paraíso estático da justiça e da paz universais.

Fanatismo epidêmico

Olavo de Carvalho


O Globo, 13 de novembro de 2004

Recebi de amigos uma coleção de matérias anti-americanas e anti-Bush saídas na mídia nacional nos últimos meses. É um massacre total, de uma virulência insana, empreendido com o espírito do mais fanático unanimismo e absoluta exclusão da possibilidade de confronto, mesmo desigual, com argumentos discordantes.

Não há mais como disfarçar: o jornalismo brasileiro na sua quase totalidade tornou-se propaganda assumida, manipulação cínica, ativismo político explícito.

Não tenho a mínima pretensão de, com artiguinhos semanais de duas laudas, oferecer resistência eficaz à epidemia goebbelsiana. Limito-me a anotar algum exemplo mais simples, para estimular os leitores a buscar nas fontes estrangeiras as comparações que o jornalismo local lhes nega. Aqui vai mais um.

A pesquisa do epidemiologista Les Roberts, segundo a qual a mortalidade no Iraque teve um acréscimo de 98 mil pessoas desde o começo da guerra, foi celebrada nesta parte do mundo como descoberta científica idônea, tanto mais insuspeita por ter emergido da Universidade Johns Hopkins (que um dos entusiastas da pesquisa chega a alardear como “conservadora”, embora conhecendo-a tão bem que grafa “Johns” sem o “s”) e publicada na respeitável revista médica Lancet.

Jornalistas, professores e até acadêmicos de fardão, que deveriam ter um pouco mais de compostura intelectual, festejaram a notícia como a prova definitiva da maldade de George W. Bush.

Como sempre acontece nesses foguetórios instantâneos, é tudo mentira grossa. No que diz respeito à credibilidade das fontes, a pesquisa foi feita em associação com a Universidade de al-Mustansiriya, uma das mais fanáticas do mundo islâmico. Les Roberts é mais conhecido como ativista radical do que como homem de ciência. E a Lancet, cujo prestígio vem sofrendo sucessivos abalos desde que confessou ter recebido dinheiro de um grupo de advogados para alardear falsamente que vacinas causavam autismo, acabou de liquidar seu restinho de credibilidade ao admitir que publicara a pesquisa de Roberts antecipadamente, saltando as consultas de praxe ao conselho de redação, com o propósito deliberado de influenciar as eleições americanas. Segundo o jornalista científico Michael Fumento, a revista tornou-se, com isso, a “al-Jazeera do Tâmisa”.

No conteúdo, a pesquisa está cheia de artimanhas metodológicas calculadas para produzir o resultado escandaloso. Na época em que a mídia pretendia culpar as sanções econômicas internacionais pela desgraça do Iraque, a mortalidade média alegada mundialmente, com base em dados da ONU, era de oito para cada mil iraquianos por ano. Na tabulação de Roberts, essa média foi baixada para cinco, sem explicação, produzindo artificialmente a impressão de aumento anormal no período seguinte.

Os resultados obtidos foram, mesmo assim, decepcionantemente elásticos: dada a precariedade das informações, colhidas de entrevistas com mil cidadãos iraquianos confiados tão-somente na sua memória pessoal dos óbitos, o cálculo final das mortes ocorridas desde o início da guerra dava algo entre oito mil e 194 mil. Não poderia haver incerteza maior. Como sair dessa? Roberts e sua equipe não hesitaram: tiraram a média e publicaram. Como observou o colunista Fred Kaplan na Slate, “isso não é uma estimativa: é um jogo de dardo-ao-alvo”.

Um jornalismo decente teria dado espaço ao menos a algumas das objeções feitas à pesquisa, todas de ordem científico-matemática, que saíram na mídia americana. Mas hoje em dia essa sugestão está excluída a priori como inaceitável provocação direitista. Quem há de querer cumprir a velha regra de “ouvir o outro lado”, sabendo que o outro lado é o lado direito?

Para poupar os jornalistas brasileiros de semelhante humilhação, que sua consciência profissional jamais lhes perdoaria, o leitor pode assumir o encargo de pesquisar por si mesmo. Eis algumas fontes:

http://techcentralstation.com/110104H.html;

http://www.weeklystandard.com/Content/Public/Articles/000/000/004/858gwbza.asp;

http://www.stats.org/record.jsp?type=news&ID=481;

http://www.slate.com/Default.aspx?id=2108887&;

http://techcentralstation.com/102904J.html.

Que é hegemonia?

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 01 de dezembro de 2002

Dois acontecimentos importantes da semana passada mereceram pouca ou nenhuma atenção da mídia brasileira: o estrondoso sucesso da visita de George W. Bush à Romênia e os 70 anos do genocídio soviético na Ucrânia. Claro: nenhum fato que deponha a favor dos EUA ou contra o socialismo é admitido pela nossa classe jornalística, reduzida cada vez mais à condição de mera força auxiliar da “revolução cultural” gramsciana.

Poucos povos têm a consciência histórica dos romenos. Já fiz várias viagens à Romênia, tenho uma infinidade de amigos lá, e todos eles, desde as estrelas máximas da intelectualidade como os filósofos Andrei Pleshu e Gabriel Liiceanu até motoristas de táxi e empregadas domésticas, desde patriarcas centenários até garotos de ginásio, sabem de cor e salteado a epopéia das lutas e sofrimentos do seu país ao longo de seis décadas de totalitarismo, primeiro nazista, depois comunista. Mais ainda: têm uma aguda consciência de que nenhuma nação que tenha vivido essas experiências pode saltar alegremente para o futuro, varrendo o passado para baixo do tapete. Quando Pleshu, então ministro das Relações Exteriores, descobriu documentos que incriminavam seu amigo e mestre Dan Lazarescu como colaborador da polícia secreta do extinto regime, a decisão de divulgá-los deve ter-lhe doído como se cortasse na própria carne. Lazarescu, decano do Senado, historiador e erudito, era um ídolo nacional, além de grão-mestre da Maçonaria — e por meio dele centenas de maçons e não-maçons tinham encontrado o caminho da prisão e da morte. A revelação de seus crimes foi um trauma que poucas nações suportariam sem cair imediatamente em dúvidas inquietantes sobre o seu próprio futuro. A recepção entusiástica a George W. Bush mostra a firmeza inalterada da opção do povo romeno pelo modelo ocidental de democracia, sem concessões ao anti-americanismo fácil de tantos povos europeus. Franceses e alemães podem ter esquecido que devem sua liberdade aos americanos. Os romenos não o esquecerão facilmente.

O massacre dos ucranianos pela “arma da fome”, empreendido por Stalin entre os anos 32 e 33, também não será esquecido, malgrado os esforços censórios da nossa mídia. Negado durante décadas pela imprensa “progressista chique” do Ocidente, hoje é fato perfeitamente assimilado pela historiografia mundial, sobretudo depois que a abertura dos Arquivos de Moscou e os trabalhos da Comissão de Investigações sediada em Montreal confirmaram o relato apresentado pelo historiador Robert Conquest no clássico “Harvest of Sorrow”. Terça-feira passada, na Sociedade dos Amigos da Cultura Ucraniana, em Curitiba, assisti a um filme produzido pela Comissão com trechos de documentários da época filmados “in loco”. Foram sete milhões de mortos, a maioria crianças — uma Biafra tamanho gigante, só que criada de propósito para a eliminação de resistências.

Essa diferença, é claro, não absolve o socialismo africano. Num levantamento feito em 1985 pela ONU em vinte países da África assolados pela miséria e pela fome, todos, sem exceção, tinham adotado na década anterior políticas agrárias socialistas, controle de preços, supressão dos intermediários — toda a parafernália estatizante que, num país de agricultura enormemente produtiva como o Brasil, ainda há quem apresente como solução “humanizadora”. Somem a isso algumas dezenas de milhões de vítimas do “Grande Salto para a Frente” chinês, e verão que, seja de propósito, seja pela inépcia de suas políticas econômicas, nenhum regime, em qualquer época que fosse, matou tanta gente de fome quanto o socialismo. São coisas que têm de entrar em discussão num momento em que o governador Germano Rigotto, revelando um fundo mórbido de escrúpulos socialistas em sua mentalidade democrática, hesita em cortar os subsídios ao próximo Fórum Social Mundial. Pois deveria não somente cortá-los, mas abrir inquérito para averiguar se os dois Fóruns anteriores não foram um abuso, um desperdício de dinheiro público em propaganda ideológica de um regime genocida. Por que tantas deferências, tantos salamaleques, tantas obscenas genuflexões de democratas ante a propaganda socialista, como se esta, com todos os crimes hediondos que legitimou ao longo de um século, estivesse por isto investida de uma excelsa autoridade moral? O governo do Estado subsidiaria um congresso de propaganda liberal ou conservadora? E, se o fizesse, não se defrontaria no ato com o clamor petista por investigações e punições? Por que os democratas usam de dois pesos e duas medidas contra si mesmos, favorecendo o adversário “para não dar má impressão”? Quem não percebe nesse temor, nessa fraqueza, o triunfo da hegemonia esquerdista, que logrou desarmar psiquicamente o adversário, reduzindo-o a colaborador e escravo?

Àqueles que crêem que o projeto gramsciano é de transição indolor para o socialismo, é bom lembrar que Gramsci jamais abdicou da estratégia leninista de violência e terror. Apenas julgava conveniente adiar-lhe a aplicação até à completa destruição ideológica do “inimigo de classe”. Nesse sentido, nada acrescentou à técnica stalinista. O exemplo ucraniano mostra bem isso: primeiro Stalin demoliu a religião, a cultura e a moral dos ucranianos. Só depois empreendeu o assalto à propriedade e por fim o confisco das reservas de alimentos, matando os adversários de fome. O “timing” da operação foi perfeitamente gramsciano.

A demolição das defesas ideológicas dos democratas, no Brasil, já está bem avançada. Tão avançada, que eles se curvam espontaneamente à arrogância dos novos senhores, evitando magoar suas suscetibilidades com a lembrança de seu passado de crimes e perversidades. Um partido de esquerda muda de nome, e pronto! Num relance, está absolvido de quatro décadas de apoio moral ao genocídio. Quem, na “direita”, goza de tamanho privilégio?

Tão longe vai a subserviência, que ela não molda só o presente, mas remolda o passado. Num livro recém-lançado por um jornalista célebre, com pretensões a meticuloso registro histórico do regime militar, não encontro uma só vez a sigla “KGB”. Na época, a espionagem soviética tinha centenas de agentes de influência, pagos, na mídia nacional. Chegou a instalar um grampo no gabinete do presidente Figueiredo. Foi uma das forças básicas que criaram a história do período, incompreensível sem o conhecimento desse fator. E tudo isso desaparece, falseando radicalmente o quadro. A Guerra Fria narrada ao nosso público não se travou entre duas potências mundiais, uma democrática, a outra totalitária, mas entre malvados imperialistas ianques e heróicos democratas brasileiros — exatamente como a pintava, naquele tempo, a propaganda soviética. Hegemonia é isso.

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