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Escrúpulos de comunista

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 11 de setembro de 2008

A propósito da notícia publicada no último dia 30 pela Agência Reuters, com o título “Doação da Gerdau ao PSOL abre debate ideológico na esquerda”, devo lembrar aos distintos leitores que todo o dinheiro dos partidos comunistas e pró-comunistas do mundo vem de uma ou várias das seguintes fontes:

1. Roubos, assaltos, seqüestros, narcotráfico e outros crimes.

2. Trabalho escravo em quantidades jamais vistas antes no Oriente ou no Ocidente.

3. Desapropriações sumárias, sem indenização, impostas à força, não raro mediante o assassinato do proprietário, rico ou pobre (pobre, na maioria dos casos).

4. Lavagem de dinheiro da KGB e órgãos similares, obtido pelos meios acima e investido em negócios capitalistas por intermédio de testas-de-ferro (as maiores fortunas do mundo, hoje em dia, têm essa origem).

5. Subsídios estatais e privados extorquidos mediante chantagem psicológica e ameaça de violências ou drenados sutilmente da rede de ONGs esquerdistas que cobre meio planeta.

6. Contribuições de militantes, que podem chegar a 50 por cento dos seus salários (e ai de quem não pague em dia!).

7. Uma imensidão de negócios lícitos e ilícitos, nos ramos de indústria, mídia, edições, publicidade, bancos, educação etc., que colocam comunistas e seus aliados entre os maiores capitalistas do universo.

8. Ajuda vinda de ricos “companheiros de viagem”, seja em troca de favores ou do mero aplauso.

9. Ajuda ocasional recebida de milionários direitistas ou pelo menos não comunistas, empenhados, por algum motivo que não cabe discutir agora, em agradar seus inimigos.

Nenhuma quantia proveniente das oito primeiras fontes jamais causou o menor problema moral a seus recebedores comunistas. Ao contrário, eles estão persuadidos de que é seu direito e dever embolsar todo o dinheiro do mundo, porque eles são bons, mesmo quando matam, escravizam, roubam ou torturam em massa, e os outros seres humanos são maus, mesmo quando se limitam a ganhar honestamente a vida. Só o dinheiro vindo da última origem mencionada suscita alguns escrúpulos de consciência – não por causa da natureza da fonte, já que “pecunia non olet”, mas porque, raios!, às vezes a coisa é divulgada na mídia e pega mal entre os comunistas não beneficiados diretamente pela doação. Aí a consciência moral comunista desperta e seus rugidos de indignação sacodem o ar em torno. Debates “éticos” acalorados eclodem por toda parte, colocando em questão a pureza ideológica dos beneficiados e seu direito de contaminar-se em tão más companhias.

A maneira como a mídia noticia esses episódios dá a entender não só que se trata de escrupulosidade moral nobre e genuína, mas que isso diferencia os partidos de esquerda de seus concorrentes direitistas e que, de modo geral, embolsar dinheiro do adversário é a única mancha possível – mesmo assim incerta – na ilibada moralidade comunista. De um só golpe, a mais patente hipocrisia é transfigurada em prova de virtude suprema, ao passo que a imensidão de crimes cometidos com total frieza pelos maiores ladrões, exploradores e assassinos do mundo desaparece do horizonte do debate, como se não houvesse aí nenhum problema moral a discutir. O único pecado concebível em que um comunista pode sujar-se é receber, em público, dinheiro do inimigo. O resto são só virtudes.

Essa lisonjeira auto-imagem publicitária dos comunistas tornou-se norma de redação obrigatória para toda a mídia. O jornalismo nacional acabou virando um órgão do debate interno da esquerda, encerrando os leitores, para sempre, numa redoma mental onde se torna impossível escapar, mesmo em imaginação, aos valores e critérios do esquerdismo. Hoje em dia, até para criticar a esquerda o cidadão é obrigado a pensar segundo as categorias que ela determina. Isso é precisamente o que Antonio Gramsci chamava de “hegemonia”.

Proporção inversa

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 14 de fevereiro de 2008

A ofensiva cultural soviética começou nos anos 20 e durou até o fim da URSS. Tanto pelas dimensões quanto pelos métodos que empregava, foi fenômeno sem similares no mundo. Não houve onde sua influência não penetrasse, determinando os rumos da história cultural de nações inteiras. Seus meios de ação estendiam-se para muito além da propaganda, dos festivais, das turnês de artistas e congressos de escritores. Iam muito além das viagens de cortesia, inumeráveis e freqüentemente prolongadas em estágios de treinamento na KGB. Iam muito além do financiamento perpétuo a milhares de escritores e jornalistas. Iam até mesmo além da dominação exercida sobre centenas de jornais, revistas e estações de rádio em todo o mundo. Incluiam todos os recursos usados em espionagem, monitorando a vida pessoal dos “companheiros de viagem” para mantê-los sob a ameaça de chantagem, implantando discretos comitês de censura na imprensa cultural, nas universidades e nos meios editoriais para boicotar os autores indesejáveis até o limite da exclusão total e bajular os desejáveis até o limite da idolatria. Após a queda da URSS, a máquina laboriosamente montada não se desmantelou: adaptou-se à estratégia gramsciana e à nova organização da esquerda internacional em “redes”, muniu-se de novas fontes de financiamento e, aliviada do entulho burocrático soviético, continuou funcionando, mais eficiente do que nunca e tão prepotente quanto sempre.

A história cultural do Brasil nas últimas seis ou sete décadas é absolutamente incompreensível sem o estudo dessa imensa obra de engenharia, cujo custo não se pode calcular.

No entanto, não existe nenhum livro brasileiro a respeito, e a imensa bibliografia estrangeira sobre o assunto (muito aumentada depois da abertura dos Arquivos de Moscou) continua vetada ao nosso público. Nas universidades e na mídia, muitos de nossos intelectuais continuam trabalhando nas linhas determinadas por Stálin, Karl Radek e Willi Münzenberg, não porque ainda tenham alguma conexão formal com o aparato (a maioria nem tem), mas simplesmente porque nunca aprenderam a fazer outra coisa. O mais patético é que em geral esses indivíduos, tão ciosos de “historicidade”, não têm a menor suspeita da origem de seus hábitos mentais. Vivendo da ignorância das suas próprias raízes ocultas, tornam-nas ainda mais invisíveis mediante o hábito compulsivo de ofuscar-se lançando uma luz demasiado forte sobre a história secreta (ou suposta história secreta) de seus desafetos políticos. O número de livros-denúncia contra a CIA que circulam no Brasil supera em muito o dos agentes da CIA já localizados comprovadamente no país. Não é de estranhar que àqueles livros se some agora, com formidável alarde midiático, o de Frances Stonor Saunders sobre o Congresso pela Liberdade da Cultura, a resposta muito modesta e tardia (e, no mínimo, moralmente obrigatória), que a CIA esboçou ao avanço cultural soviético entre os anos 1950-1967 (The Cultural Cold War, publicado pela Record com o título de Quem Pagou a Conta?). Embora enfatizando que o empreendimento tinha objetivos de propaganda política – como se algum dos participantes o ignorasse! –, a autora nada consegue alegar contra o argumento de que o Congresso se distingue de seu antagonista por jamais ter usado de chantagem, intimidação ou censura, nem rebaixado artistas à condição de office-boys, nem subornado alguém para mentir deliberadamente, práticas usuais da KGB na guerra cultural. No fim das contas, a tese de Saunders pode ser resumida nesta frase: “No seu auge, o Congresso empregava dúzias de funcionários.” Mesmo no seu ponto mais baixo, a ofensiva cultural soviética não empregava dúzias de pessoas, mas dúzias de milhares. Se a diferença entre as duas campanhas é inversamente proporcional à atenção que recebem da mídia brasileira, isso só mostra o sucesso continuado de uma delas.

Na lista negra da História

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de novembro 2007

Na mídia nacional inteira, assim como no meio universitário e, de modo geral, entre as camadas ditas cultas neste país, reina a certeza inabalável de que o senador americano Joseph McCarthy foi uma das piores criaturas já nascidas neste planeta, um mentiroso compulsivo, um caluniador desavergonhado e um perseguidor de inocentes. Crença idêntica vigora nos EUA, mas só entre pessoas que aprenderam História com filmes de Hollywood. Entre as demais sempre restou pelo menos a vaga suspeita de que as coisas não eram bem assim, de que havia realmente uma perigosa infiltração de agentes soviéticos no governo americano, de que talvez muitos deles fossem mesmo aqueles que constavam das execradas listas de “security risks” alardeadas pelo senador.

Durante cinqüenta anos a aposta numa dessas duas hipóteses foi uma questão de preferência política. Agora não é mais. A publicação dos códigos Venona finalmente decifrados pelo FBI (comunicações secretas entre o Kremlin e a embaixada soviética em Washington) e a abertura temporária dos arquivos do Comitê Central do PCUS eliminaram definitivamente a dúvida. Os primeiros historiadores que tiveram acesso a esse material ficaram atônitos. Alguns deles só deram o braço a torcer após longa hesitação e com indisfarçada má-vontade. Hoje sabemos quem mentiu e quem disse a verdade. E quem mentiu não foi Joseph McCarthy. Foi o establishment político, midiático e universitário praticamente inteiro, empenhado em proteger seus comunistas de estimação.

Logo após a publicação de “Venona. Decoding Soviet Espionage in America” por John Earl Haynes e Harvey Klehr em 1999 (Yale University Press), um primeiro esboço das conclusões incontornáveis (que até Haynes e Klehr hesitavam em tirar) apareceu na biografia do senador por Arthur Herman (“Joseph McCarthy. Examining the Life and Legacy of America’s Most Hated Senator”, New York, Free Press, 2000). A reação dos bem-pensantes foi apegar-se aos subterfúgios mais frágeis e rebuscados para poder continuar negando o óbvio. Um sumário dessas reações quase psicóticas foi apresentado por Haynes e Klehr em “In Denial. Historians, Communism and Espionage” (San Francisco, Encounter Books, 2003). Agora, com a estréia do livro ansiosamente aguardado de M. Stanton Evans, “Blacklisted by History. The Untold Story of Senator Joseph McCarthy and His Fight Against America’s Enemies” ( New York , Crown-Random, 2007), a fase substantiva do debate pode se considerar encerrada. Doravante, qualquer insistência na lenda macabra que fazia de McCarthy “um troglodita no esgoto” deve ser condenada como sintoma de desonestidade visceral ou estupidez obstinada. Os fatos revelados por Evans, com esmagadora abundância de provas, são os seguintes:

1. Os documentos principais que atestavam a infiltração comunista no governo americano simplesmente desapareceram dos arquivos oficiais. São milhares de páginas arrancadas, numa operação criminosa destinada a forjar as aparências de credibilidade que serviram de base à demonização do senador Joe McCarthy. Por ironia, os dados faltantes acabaram sendo supridos, em grande parte, pela documentação soviética.

2. Não só havia agentes soviéticos infiltrados nos altos postos do governo de Washington desde os anos 30, mas eles eram em número muito maior do que o próprio McCarthy suspeitava. A influência que exerceram foi tão vasta e profunda que chegou a determinar os rumos da política exterior americana, mediante bem urdidas operações de desinformação, em episódios tão fundamentais como a Revolução Chinesa e a tomada do poder pelos comunistas na Iugoslávia. Nos dois casos, uma enxurrada multilateral de informações falsas induziu o governo americano a trair seus aliados e a ajudar seus inimigos, semeando as tempestades que viriam a desabar sobre ele próprio no período da Guerra Fria.

3. Entre os suspeitos apontados por McCarthy, invariavelmente apresentados pela mídia e consagrados pela ficção histórica como vítimas de perseguição injusta, não apenas não havia inocentes, mas nenhum deles era sequer um puro militante ideológico: não se tratava de meros “comunistas”, mas de agentes pagos da KGB e do serviço secreto militar soviético, o GRU.

Bem sei que a revelação desses fatos não mudará em nada a atitude ou o vocabulário das Elianes Catanhedes, Emires Sáderes, Mauros Santayanas e Folhas de S. Paulo da vida. Mesmo que algum editor brasileiro tenha a coragem de publicar os livros acima mencionados, coisa improvável, nada pode obrigar os tagarelas iluminados a lê-los e a confrontá-los com suas crenças mais queridinhas. E é preciso levar sempre em conta aquilo que dizia Goethe: “Muitas pessoas não abdicam do erro porque devem a ele a sua subsistência.” Ao confiar seu destino às virtudes salvadoras da elite esquerdista, o Brasil disse um adeus definitivo ao desejo de conhecer. Se não queremos saber nem de onde surgiu a balela da participação americana no golpe de 1964 (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/sugestao.htm ), por que haveremos de corrigir nossa visão fantasiosa da própria história americana? Diante dos fatos medonhos que atestam a mendacidade ilimitada daqueles que escolhemos como nossos professores de moral, reagimos com o horror do poeta espanhol ante a “sangre derramada” de seu amigo toureiro: “No, yo no quiero verla.” Progredimos da burrice endêmica à ignorância irreversível. A sombra que lançamos sobre o passado já começou a encobrir o nosso futuro. Logo será tarde demais para tentar removê-la.

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