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A. A. V. R.

Olavo de Carvalho

Zero Hora, 19 de março de 2006

Tenho sugerido, para eliminar a polêmica em torno do aborto e satisfazer os instintos humanitários dos adeptos dessa prática, uma solução fácil e rápida que denomino Auto-Aborto Voluntário Retroativo (A. A. V. R.). Inspira-se no exemplo de um francês, deficiente físico, que processou seus pais por não o haverem abortado. Processou e ganhou. Ora, se um erro pode ser punido, com muito mais razão deve poder ser corrigido. Cada amante do aborto, portanto, pode alcançar a plena satisfação de suas reivindicações esmagando o próprio crânio a fórceps ou por meio de qualquer outro instrumento obstétrico apropriado e solicitando, antes ou depois desse ato cirúrgico, a anulação do seu registro civil de nascimento. Consumada a sua total erradicação do mundo físico e histórico, o distinto ainda teria a satisfação de poder ingressar na esfera do além portando um curriculum mortis idêntico àquele de milhões de bebês que, antes dele, exerceram o direito inalienável de ser abortados.

Observo, de passagem, que, se a apologia do abortismo é feita em nome da liberdade da mulher dispor do seu próprio corpo, a sentença acima referida mostrou que para os próprios abortistas essa liberdade não existe de maneira alguma, já que negam a cada mãe o direito dar prosseguimento a uma gravidez que seu filhinho, no futuro, possa vir a julgar indesejável. O A. A. V. R. protegerá os abortistas contra esse tipo de encrencas lógicas modelo exterminador-do-futuro, retirando-os deste baixo mundo antes que alguém se dê conta de que são completamente loucos.

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Conforme se viu na Folha de S. Paulo do dia 12, até o sr. Luiz Werneck Vianna, que só não é ainda mais comunista do que é porque já preencheu com a substância gasosa do marxismo o vácuo inteiro do seu ser, admite que não sou porta-voz de nenhum interesse de classe. Esse reconhecimento é ainda mais confiável porque, na boca dele, não é elogio: é vitupério. Tanto que vem seguido da conclusão de que, por isso mesmo, não sou um intelectual. A única função dos intelectuais, na cartilha gramsciana seguida pelo sr. Werneck, é fazer propaganda pró ou contra os interesses burgueses. Como não faço nada disso, estou fora.

A teoria marxista da “ideologia de classe” não tem pé nem cabeça. Ou a ideologia do sujeito traduz necessariamente os interesses da classe a que ele pertence, ou ele está livre para tornar-se advogado de alguma outra classe. Na primeira hipótese, jamais surgiria um comunista entre os burgeses e Karl Marx jamais teria sido Karl Marx. Na segunda, não há vínculo entre a ideologia e a condição social do indivíduo e não há portanto ideologia de classe: há apenas a ideologia pessoal que cada um atribui à classe com que simpatiza, construindo depois, por mera inversão dessa fantasia, a suposta ideologia da classe adversária.

Uma teoria que pode ser demolida em sete linhas não vale cinco, mas com base nela já se matou tanta gente, já se destruiu tanto patrimônio da humanidade e sobretudo já se gastou tanto dinheiro em subsídios universitários, que é preciso continuar a fingir que se acredita nela, para não admitir o vexame.

Tal é a profissão do sr. Werneck, que acredita por isso ser um “intelectual”. Naturalmente ele sabe que, no vocabulário gramsciano, qualquer prestadora de serviços eróticos que suba num caixote para discursar contra o baixo preço do michê já é, ipso facto, uma intelectual. Ele sabe que as coisas são assim, mas também sabe que as pessoas em geral não conhecem essa acepção do termo e o usam, ao contrário, para designar algo que lhes parece lindamente aristocrático. Portanto ele sabe que, ao negar-me a condição de intelectual no primeiro sentido — o que é perfeitamente justo –, soa como se me negasse as lindezas aristocráticas das quais apreciaria que a platéia o julgasse portador.

A forma mentis dos intelectuais ativistas é toda feita desses jogos de duplo sentido, que as fofoqueiras de arrabalde dominam tão bem mas em cujas complexidades eles às vezes se enroscam ao ponto de colar na própria testa o rótulo pejorativo que desejariam estampar na do inimigo.

Doença moral hedionda

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 19 de setembro de 2005

Há uma década e meia a Heritage Foundation de Washington e o Wall Street Journal publicam anualmente o Index of Economic Freedom, volumoso estudo comparativo dos controles estatizantes e da liberdade de mercado nas várias nações. Os critérios diferenciais abrangem a propriedade governamental dos meios de produção, a participação acionária do Estado nas empresas de economia mista, a incidência de impostos sobre a iniciativa privada e a dose maior ou menor de legislações restritivas.
É, de longe, a publicação econômica mais importante do mundo, a única que permite, numa visão abrangente, avaliar sem muita dificuldade os méritos respectivos do capitalismo e do socialismo, não segundo os argumentos concebidos para justificá-los, mas segundo o seu desempenho real no esforço para dar uma vida melhor ao conjunto da população dos países ao seu alcance.
Ano após ano, a realidade desse desempenho é ali mostrada com uma profusão de dados e com uma integridade metodológica que nenhum estudioso da área ousou jamais contestar. Essa realidade pode ser formulada em termos simples e inequívocos: quanto maior a dose de controle estatal, mais miséria, mais opressão, mais sofrimento; quanto maior o índice de liberdade econômica, mais prosperidade, mais respeito aos direitos humanos, mais oportunidades para uma vida digna oferecidas a faixas mais extensas da população.
Qualquer esquerdista intelectualmente capacitado a ler uma publicação desse tipo tem, diante dela, no mínimo a obrigação de ficar em dúvida quanto à superioridade moral excelsa que a propaganda política atribui ao socialismo e de moderar um pouco aquele tom de certeza absoluta e inquestionável com que sempre atribui ao adversário, pelo simples fato de ser pró-capitalista, as piores e mais baixas intenções.
Na mais modesta das hipóteses, uma consciência moral tão elevada quanto aquela que se arrogam os esquerdistas deveria ter ao menos um pouquinho de senso da verdade, ao menos um pouquinho da humildade necessária para admitir os fatos e tirar alguma conseqüência deles.
Mas isso está infinitamente acima do que se pode esperar dessas criaturas. Quanto mais deploráveis os resultados econômicos do socialismo, quanto maior a dose de crimes e violências necessários para produzi-los, tanto mais enfática a alegação de superioridade, tanto mais inabalável o sentimento de possuir o monopólio da bondade humana, tanto mais virulento o discurso esquerdista contra o capitalismo e seus defensores. Quanto mais extensas as provas do seu erro, tanto mais arraigada e intolerante a sua certeza, tanto menor a sua disposição de conceder ao adversário o benefício da dúvida ou até mesmo o direito à palavra, que com a maior desenvoltura lhe cassam ao mesmo tempo que, numa apoteose de cinismo, o rotulam de dogmático e intolerante.
Observar esse contraste, repetidamente, ao longo dos anos, é ser arrastado a uma conclusão que a alma rejeita, mas que a consciência impõe inexoravelmente: o socialismo não é uma opinião política como qualquer outra, é uma doença do espírito, uma deformidade moral hedionda, pertinaz e dificilmente curável.
A observação pessoal é confirmada por estudos consistentes como “La Fausse Conscience”, Joseph Gabel, “Intellectuals”, de Paul Johnson, “Modernity Without Restraint”, de Eric Voegelin, “Fire in the Minds of Men”, de James Billington e outros tantos inumeráveis.
Não há nada de estranho em que o mesmo diagnóstico se aplique ipsis litteris ao nazifascismo, já que este não passa de uma variante interna do socialismo — obviedade histórica que na época dos fatos era universalmente conhecida e que só a propaganda maciça pode ter apagado da memória pública ao menos em alguns países.
Nem é de espantar que, observados de perto, na escala de suas atitudes pessoais, os mais destacados expoentes da ideologia socialista se revelem invariavelmente personalidades cruéis, sem moral, sem amor ao próximo, sem o mínimo de sentimentos humanos nem mesmo por seus familiares e amigos. Estudem as biografias de Karl Marx, de Lênin, de Stalin, de Mao-Tsé-Tung, de Pol-Pot, de Fidel Castro – sobretudo os depoimentos do médico pessoal de Mao e os das filhas de Stalin e Castro — e vejam se há algum exagero em chamar esses indivíduos de monstros, ou de perversos os que os admiram.
Quem quer que, conhecendo esses fatos, ainda julgue que o oceano de crueldade e sofrimento produzido por esses personagens e pelos movimentos que lideraram é preferível aos “males do capitalismo”, decididamente não tem senso de proporções, não tem maturidade intelectual ou humana bastante para ser admitido como interlocutor respeitável num debate de idéias.
Desgraçadamente, é justamente esse o tipo de indivíduo que hoje dá o tom das discussões nacionais e se arroga, com sucesso, o papel de medida-padrão das virtudes humanas, à luz da qual devem ser julgados todos os atos, seres e situações. A covardia e o despreparo gerais da classe dominante no Brasil fizeram dela a cúmplice ao menos passiva da ascensão desses celerados ao primeiro escalão da hierarquia social, de onde hoje é quase impossível removê-los.

Desculpas sem culpa

Alguns leitores, levados à perplexidade pelo simples fato de que sua única fonte de informações é a grande mídia brasileira – o que é pior até do que não ter informação nenhuma –, pedem-me que explique por que o presidente Bush, se não teve culpa do atraso no socorro à Louisiana, pediu desculpas como se tivesse. Bem, antes de tudo, é impressionante o número de brasileiros que opinam sobre a política dos EUA sem conhecer nem mesmo os rudimentos da legislação americana, que os meninos da Virginia ou do Texas aprendem na escola. Não vi, por exemplo, um só dos opinadores compulsivos que pululam nos nossos jornais dar o menor sinal de saber que o governo federal americano não pode socorrer um Estado sem pedido do governo local, que para fazer isso o presidente Bush teria de decretar intervenção federal, destituindo na prática a governadora. Se ele fizesse isso, o Partido Democrata pediria imediatamente o seu impeachment, alegando abuso da autoridade presidencial, e os EUA teriam de enfrentar, junto com a inundação da Louisiana, a maior crise política desde Watergate. Seria um segundo e simultâneo desastre nacional. Por isso Bush decidiu deixar o socorro preparado e esperar a solicitação oficial da governadora, limitando-se a pressioná-la psicologicamente por telefone. Os democratas sabiam que, agindo assim, ele se expunha a arcar com todas as culpas sem ter nenhuma. Não tenho dúvidas de que isso entrou nos cálculos da governadora Kathleen Branco quando, contra todas as probabilidades, contra toda a lógica, contra todo o bom-senso, adiou o pedido de socorro até o limite da tragédia e, ainda mais inexplicavelmente, bloqueou a entrada da ajuda proveniente dos Estados vizinhos. Partindo da premissa de que o objetivo prioritário era salvar a população atingida pelas águas, um acúmulo tão persistente de delongas no meio de uma situação tão premente é de uma absurdidade tamanha que só pode ser explicado pela loucura completa. Mas Kathleen Blanco não é louca. Não resta portanto outro motivo plausível exceto a premeditação de um golpe mortal a ser desferido na carreira do presidente – um objetivo que, para o desesperado e fanatizado Partido Democrata, é certamente mais urgente do que salvar umas quantas vidas. Se essa hipótese lhes parece ruim demais, é porque vocês não sabem o que é hoje o Partido Democrata. É o partido de George Soros, o partido do dinheiro chinês, o partido do oil-for-food, o partido empenhado em desarmar os EUA e colocar a nação de joelhos ante os Kofi Annans da vida. É um gigantesco PT, arrotando patriotismo e abrindo as fronteiras aos terroristas e narcotraficantes. George W. Bush não é certamente o político mais hábil de todos os tempos. É apenas um homem honesto que tenta fazer o melhor, mas foge por todos os meios a um choque frontal com a oposição democrata. Não sei por que ele faz isso. Pretendo descobrir um dia. Porém mais de uma vez ele já mostrou que prefere antes sacrificar sua carreira do que admitir um estado de divisão interna num país em guerra. Não sou como os demais colunistas brasileiros, que diariamente dão conselhos e até ordens ao presidente dos EUA, ao general Sharon, ao Papa e, nos momentos de maior modéstia, a Deus Todo-Poderoso. Mas, cá com os meus humildes botões, acho que Bush está errado, que é inútil um presidente simular união nacional quando o país está repleto de traidores organizados para destruí-lo. O melhor talvez fosse partir para a ruptura – e teria sido precisamente esse o resultado de uma intervenção federal forçada. Mas não estou na pele do presidente americano, e não sei se ele, ou qualquer outro governante do planeta, teria cacife para enfrentar ao mesmo tempo uma catástrofe natural e uma crise institucional, além de uma guerra e da mobilização interna contra ela, sem contar a hostilidade da Europa e da ONU. Para evitar essa hipótese, ele se curvou ao jogo de seus adversários. Não teve culpa direta por nada, mas, como cristão, assumiu a responsabilidade da escolha política. Sei que, na mídia brasileira, a simples hipótese de um governante ser cristão sincero parece absurda e é objeto de chacota. Mas isso revela algo sobre a mentalidade da mídia brasileira, não sobre a de George W. Bush.

Grijalbo Júnior

Quando peguei em flagrante delito de patifaria intelectual o dr. Grijalbo Fernandes, então presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), o acusado apelou ao expediente sumamente porcino de alegar que a denúncia feria a honra de toda a classe de juízes do trabalho – como se fosse composta integralmente de patifes iguais a ele – e de brandir contra mim uma ameaça de processo por “dano moral coletivo” (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/050514globo.htm, http://www.olavodecarvalho.org/semana/050521globo.htm e http://www.midiasemmascara.org/artigo.php?sid=3757). Provando que a classe não se sentira nem um pouco ofendida pelo desmascaramento do figurão que a representava tão mal, mas sim pela tentativa manhosa de usá-la como escudo contra a verdade, a juíza Marli Nogueira, de Brasília, passou um didático pito naquele seu colega, ensinando-o a ler nas minhas palavras o que estava lá, não o que ele desejaria fazer crer que estivesse. Para desmoralizar um pouco mais as pretensões grijálbicas, logo em seguida o Tribunal do Trabalho da 3ª. Região, de Belo Horizonte, por indicação do juiz Ricardo Antônio Mohallem, ele próprio integrante da diretoria da Anamatra, me concedeu a medalha da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho “Juiz Ari Rocha”. Inconformado com a homenagem, que por si desmascarava a calúnia levantada contra mim pelo dr. Grijalbo, agora apareceu um Grijalbo II, ou Grijalbo Júnior, mais conhecido como Orlando Tadeu de Alcântara, presidente da Anamatra 3, para escrever ao Tribunal uma carta de protesto na qual repete a calúnia anterior e lhe acrescenta umas novas, entre as quais a de que “o Sr. Olavo de Carvalho, nas suas idéias e manifestações, sempre desprezou a democracia, o direito e a paz social”. Nem Tadeu nem Grijalbo acreditaram jamais numa só palavra que escreveram contra mim, pois se acreditassem não se contentariam com fanfarronadas pueris e passariam das palavras aos atos, movendo logo o alardeado processo, coisa que não fizeram nem farão, a não ser talvez quando tiverem a garantia de que o réu não será condenado por suas ações, mas, como nos regimes de Stalin, Mao e Fidel Castro, por sua “ideologia de classe”. Por enquanto, só o que conseguiram foi uma resposta ríspida e corajosa do juiz Mohallem, que além de desmascarar a discriminação ideológica brutal por trás da afetada preocupação com a “democracia”, ainda aproveitou a ocasião para se desligar da entidade, mostrando que a companhia de Grijalbos e Tadeus não convém realmente a homens honrados. Tenho a certeza absoluta de que o dr. Mohallem, e não eles, é representativo da classe dos juízes do trabalho. Mas, em qualquer classe social, a voz da maioria honesta é hoje sufocada pela algazarra de uma minoria de ativistas histéricos, mentirosos cínicos, que ousam rotular de “ofensa à democracia” o que quer que se diga contra os regimes genocidas de sua devoção.

Quem enganou quem

Na Espanha, a Associação das Vítimas do Terrorismo anunciou que promoverá uma onda de manifestações de protesto contra a acomodação do primeiro-ministro Zapatero com os terroristas do ETA e contra a ocultação, pelo governo espanhol, de informações que poderiam levar à prisão dos criminosos. Francisco José Alcaraz, presidente da entidade, anunciou que as mobilizações “não terão precedentes na História da Espanha”. Logo, portanto, ficará claro ante os olhos de todos quem enganou quem no plebiscito de 2004 (v. http://www.olavodecarvalho.org/semana/040325jt.htm).

Passo

Olavo de Carvalho

Jornal do Brasil, 18 de agosto de 2005

A estratégia do poder petista, planejada desde muito antes de 2002, pode ser resumida em dois itens opostos e complementares:

De um lado, manter inalterada a obediência da gestão Fernando Henrique às exigências do Fundo Monetário Internacional, atraindo para o governo a confiança dos investidores estrangeiros.

De outro, usar a credibilidade assim conquistada como manto protetor para acobertar (1) a deterioração intencional das instituições democráticas, submetidas cada vez mais aos caprichos das “forças populares” ao ponto de passeatas e gritarias terem força de lei, (2) o apoio à expansão comunista no continente, (3) a consolidação da hegemonia cultural e educacional esquerdista no país, (4) o suborno metódico da classe política, de modo a torná-la dócil ao esquema partidário sobreposto à autoridade mesma do Estado, e (5) a proteção dada às Farc — uma das possíveis financiadoras do plano — , autorizadas a abastecer o mercado nacional de cocaína e a treinar bandos de delinqüentes armados para espalhar por toda parte o caos e o terror, sem que o governo consentisse sequer em usar contra essa organização alguma palavrinha mais dura.

Qualquer principiante no estudo da estratégia comunista deveria reconhecer nessa política de duas cabeças a aplicação simples e elementar do princípio dialético da tese e da antítese, destinadas a produzir uma síntese revolucionária ante os olhos atônitos de burgueses racionalistas incapazes de atinar com a unidade do plano por trás da contradição aparente. O esquema, afinal, era repetição quase literal do engodo criado por Lênin em 1921, sob o nome de Nova Política Econômica, para construir a ditadura comunista com a ajuda de investidores internacionais iludidos por um capitalismo de fachada.

Infelizmente, os últimos estudiosos de estratégia comunista estão nas próprias fileiras da esquerda. Fora delas, sem contar alguns empresários oportunistas, sempre dispostos a vender o futuro do país em troca do socorro governamental imediato às suas empresas periclitantes, restam apenas teóricos pró-capitalistas intoxicados de economicismo ao ponto de deslumbrar-se com a “ortodoxia” palocciana, vendo nela a prova cabal de que “Lula mudou” e recusando-se a enxergar a articulação dialética por trás de tudo. Críticas pontuais a “excessos” da esquerda evidenciavam apenas, nessa gente, aquela incapacidade para a apreensão abrangente da realidade concreta, aquele vício do pensamento abstratista e fragmentário que Karl Marx, acertadamente, atribuía à mentalidade burguesa, vício acentuado, no caso brasileiro, pela incultura pomposa de uma classe rica deslumbrada com os encantos fáceis do esquerdismo chique. Para agentes comunistas tarimbados como José Dirceu, ludibriar essas criaturas era mais simples do que chacoalhar um torrão de açúcar para fazer um jumento acenar com a cabeça como quem diz “sim”.

Aplacando a oposição “de direita” com a política econômica, a estratégia permitia ainda controlar os esquerdistas mais afoitos apelando ao endosso recebido do companheiro Fidel, do companheiro Chávez e do companheiro Manuel Marulanda.

Agora, que a base financeira do esquema revelou toda a amplitude da sua intenção criminosa, a máfia dominante, compreensivelmente, busca salvar do naufrágio os equipamentos necessários para uma nova tentativa em futuro próximo ou distante.

Resta saber se o empresariado e a mídia vão ajudá-la nisso, amortecendo o impacto moral dos crimes, falando deles como se fossem desvios acidentais de uma linha partidária originariamente idônea, ou se terão a coragem de admitir que desde o início foram usados como instrumentos de uma estratégia de longo prazo e, sacudindo de si o ranço da cumplicidade, encarar de frente a unidade e a coerência da mais vasta e repugnante conspiração criminosa de toda a História nacional. Tais são as cartas do jogo presente. Quanto a mim, tenho nojo de apostar na primeira e medo de desperdiçar esperanças na segunda. Avalio a mão – e passo.

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